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CARTA DE AGRADECIMENTO

Logo depois de ter lido aqueles documentos sobre a avaliação dos


professores, pensei como lhe deveria agradecer, Srª Ministra. Afinal,
aquelas horas passadas diariamente junto do meu filho a verificar se
os cadernos e as fichas estavam bem organizados, a preparar a
mochila e as matérias a estudar para o dia seguinte, a folhear a
caderneta escolar, a analisar e a assinar os trabalhos e os testes
realizados nas muitas disciplinas, a curar a inflamação de uma
garganta dorida pela voz de comando "Vai estudar!" ou pela frase
insistentemente repetida, de 2ª a 6ª feira:"DESPACHA-TE! AINDA
CHEGAS ATRASADO!" ou o incómodo e o tempo perdido para o levar
diariamente à Escola, percorrendo, mais cedo do que seria
necessário, um caminho contrário àquele que me conduziria ao meu
emprego, tinham finalmente, os seus dias contados. Doravante, essa
responsabilidade passaria para a Escola e, individualmente, para cada
um dos seus professores. Finalmente, poderei ir ao cinema, dar dois
dedos de conversa no Café do Sr. Artur, trocar umas receitinhas com
a minha vizinha (está entrevadinha, coitadinha!) ou acomodar-me
deliciosamente no sofá da sala a ver a minha telenovela brasileira
preferida.

O rapaz ainda me alertou para os efeitos das faltas o conduzirem à


realização de uma prova de recuperação. Fiz contas e encolhi os
ombros - poupo gasóleo e muitos minutos de caminho, de tráfego e
de ajuntamentos. Afinal, ele até é esperto e, se calhar, na internet,
encontra alguns trabalhos ou testes já feitos… Sempre pode fazer
"copy – paste"… Efectivamente, as provas de recuperação parecem-
me a melhor solução para acabar com a minha asfixia matinal e
vespertina. Ontem, a minha vizinha da frente, que tem dois ganapos
na escola do meu, disse-me que, se ele continuar a faltar, o vêm
buscar a casa, e que, no próximo ano lectivo, os professores vão
tomar conta deles depois das aulas.

Oiro sobre azul. Obrigada, Srª Ministra. A Senhora é que percebe


desta coisa de ser mãe! A Senhora desculpe a minha ousadia, mas
será que também não seria possível fazer uma lei para os miúdos
poderem ficar a dormir na escola? Bastava mandar retirar as mesas e
cadeiras das salas de aula e substituí-las por beliches, à noite. De
manhã, era só desmontar e voltar a arrumar. Têm bar, cantina e até
duche. Com jeito, eles ainda aprendiam alguma coisinha sobre
tarefas domésticas, porque, em casa, não os podemos obrigar a fazer
nada ou somos acusados de exploradores do trabalho infantil com a
ameaça dos putos ainda poderem apresentar queixa junto das
autoridades policiais.

Ao Sábado, Srª Ministra, podiam ocupá-los com actividades


desportivas ou de grupo, teatro, catequese, escuteiros, defesa
pessoal…

O ideal mesmo era que os pudéssemos ir buscar ao Domingo, só para


não se esquecerem dos rostos familiares.

O meu medo, Srª Ministra é aquela ideia que a minha vizinha


Sandrinha, aquela dos três ganapos, comentava hoje comigo. Dizia-
me que a Senhora Ministra quer criar o ensino doméstico. Eu acho
que ela deve ter ouvido mal ou então confundiu o jornal da SIC com
aquele programa da troca de casais do canal 24. Eu acho que isso
não vinga em Portugal, porque não temos a extensão de uma
América do Norte ou de uma Austrália e, por outro lado, tinha que
comprar e equipar os VEI (veículos de educação itinerante), o que iria
agravar mais o deficit das contas públicas e o insucesso dos nossos
miúdos. Foi isso eu disse à Sandrinha. Acho que ela deve estar
enganada. Logo agora, que podemos respirar de alívio porque não
temos que nos preocupar com a escola dos garotos, essa ideia vinha
destruir tudo, porque os obrigava a ficar em casa para receberem os
VEI e aos pais ainda iria ser exigido algum acompanhamento.

A Senhora faça é aquilo que decidiu e não oiça o que os inimigos dos
pais e das mães lhe tentam dizer (já agora, lembre-se da minha
sugestãozita!). Assim, os professores, com medo da sua própria
avaliação, passam a dar boas notas e a passar todos os miúdos e,
desta forma, o nosso país varre o lixo para debaixo do tapete, porque
é muito feio e incomodativo mostrarmos, lá fora, que somos menos
capacitados que os nossos "hermanos" europeus.

Uma mãe e encarregada de educação agradecida

--
Teresa Pimenta

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