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LITERATURA PORTUGUESA II

11º D/12ºE
Professora Antónia Mancha

Antero de Quental

Cesário Verde

Escola Secundária com 3º CEB Gil Eanes


2008/2009
Questão Coimbrã

Questão Coimbrã foi o primeiro sinal de renovação ideológica do século XIX entre os defensores do statu
quo, desactualizados em relação à cultura europeia, e um grupo de jovens escritores estudantes em Coimbra, que
tinham assimilado as ideias novas.

Castilho tornara-se um padrinho oficial dos escritores mais novos, tais como Ernesto Biester, Tomás
Ribeiro ou Manuel Joaquim Pinheiro Chagas. Dispunha de influência e relações que lhe permitiam facilitar a vida
literária a muitos estreantes, serviço que estes lhe pagavam em elogios.

Em redor de Castilho formou-se assim um grupo em que o academismo e o formalismo vazio das
produções literárias correspondia à hipocrisia das relações humanas, e em que todo o realismo desaparecia, grupo
que Antero de Quental chamaria de «escola de elogio mútuo». Em 1865, solicitado a apadrinhar com um posfácio o
Poema da Mocidade de Pinheiro Chagas, Castilho aproveitou a ocasião para, sob a forma de uma Carta ao Editor
António Maria Pereira, censurar um grupo de jovens de Coimbra, que acusava de exibicionismo, de obscuridade
propositada e de tratarem temas que nada tinham a ver com a poesia, acusava-os de ter também falta de bom
senso e de bom gosto. Os escritores mencionados eram Teófilo Braga, autor dos poemas Visão dos Tempos e
Tempestades Sonoras; Antero de Quental, que então publicara as Odes Modernas, e um escritor em prosa, Vieira
de Castro, o único que Castilho distinguia.

Antero de Quental respondeu com uma Carta com o titulo "Bom senso e bom gosto" a Castilho, que saiu
em folheto. Nela defendia a independência dos jovens escritores; apontava a gravidade da missão dos poetas da
época de grandes transformações em curso e a necessidade de eles serem os arautos dos grandes problemas
ideológicos da actualidade, e metia a ridículo a futilidade e insignificância da poesia de Castilho.

Ao mesmo tempo, Teófilo Braga solidarizava-se com Antero no folheto Teocracias Literárias, onde afirmava
que Castilho devia a celebridade à circunstância de ser cego. Pouco depois Antero desenvolvia as ideias já expostas
na Carta a Castilho no folheto A Dignidade das Letras e Literaturas Oficiais, evidenciando a necessidade de criar uma
literatura que estivesse à altura de tratar os temas mais importantes da actualidade. Seguiram-se intervenções de
uma parte e de outra, em que o problema levantado por Antero ficou esquecido. Provocou grande celeuma o tom
irreverente com que Antero se dirigiu aos cabelos brancos do velho escritor, e a referência de Teófilo à cegueira
dele.

Foi isto o que mais impressionou Ramalho Ortigão, que num opúsculo intitulado A Literatura de Hoje,
1866, censurava aos rapazes as suas inconveniências, ao mesmo tempo que afirmava não saber o que realmente
estava em discussão. Este opúsculo deu lugar a um duelo do autor com Antero. Mas outro escrito, este de Camilo
Castelo Branco, favorável a Castilho — Vaidades Irritadas e Irritantes — não suscitou reacções. Na realidade nada
foi acrescentado aos dois folhetos de Antero durante os longos meses que a polémica durou ainda. Eça de Queiroz,
em O crime do padre Amaro, de forma implícita, toma parte dos jovens literários.

Bom Senso e Bom Gosto

Da autoria de Antero de Quental e publicado em 1865 em Coimbra, constitui um dos documentos mais
importantes da polémica literária que ficou conhecida como a Questão Coimbrã ou mesmo a Questão do Bom
Senso e Bom Gosto, tendo surgido como resposta à carta-posfácio de António Feliciano de Castilho inserta no
Poema da Mocidade, de Pinheiro Chagas, de Outubro de 1865, na qual o autor de Cartas de Eco a Narciso aludia
ironicamente às teorias filosóficas e poéticas expostas nos prefácios a Visão dos Tempos e Tempestades Sonoras
(ambas de 1864), de Teófilo Braga, e na nota posfacial das Odes Modernas, de Antero de Quental (de Julho de
1865).

Sentindo-se visado, Antero de Quental responde em Novembro com o panfleto Bom Senso e Bom Gosto.
Carta ao Exmo. Sr. António Feliciano de Castilho, onde qualifica o juízo de Castilho como uma crítica "à
independência irreverente de escritores que entendem fazer por si o seu caminho, sem pedirem licença aos
mestres, mas consultando só o seu trabalho e a sua consciência", que cometem "essa falta de querer caminhar por
si, de dizer e não de repetir, de inventar e não de copiar". Antero define "a bela, a imensa missão do escritor" como
"um sacerdócio, um ofício público e religioso de guarda incorruptível das ideias, dos sentimentos, dos costumes, das
obras e das palavras", que exige, por um lado, uma alta posição ética, por outro lado, uma total independência de
pensamento e de carácter.

Como consequência, e numa clara alusão a Castilho, Antero repudia a poesia que cultiva a "palavra" em vez
da "ideia"; a poesia decorativa dos "enfeitadores das ninharias luzidias"; a poesia conservadora dos que "preferem
imitar a inventar; e a imitar preferem ainda traduzir"; em suma, a poesia que "soa bem, mas não ensina nem eleva".
O autor das Odes Modernas preconiza ainda que a literatura portuguesa acompanhe "o pensamento moderno", "as
tendências das ciências", "os resultados de trinta anos de crítica", "a nova escola histórica", "a renovação filosófica".

Antero Tarquínio de Quental (18-04-1842), Ponta Delgada – 11-99-


1861, Ponta Delgada), mentor da Questão Coimbrã e líder da
Geração de 70, foi poeta e pensador.

SONETOS

Antero, como activista intervencionista, como pensador e


como poeta, marcou a alteração da mentalidade portuguesa a partir
do último quartel do séc. XIX. Observando, por exemplo, a sua obra
literária, nota-se a revolta e o inconformismo. Há uma reflexão
profunda sobre o mundo, sobre os problemas sociais e os mistérios
existenciais. Mas reflecte para agir. Daí o seu carácter forte de líder,
que o transformou no mestre e mentor, inspirador e símbolo da
Geração de 70.
A poesia de Antero traduz as suas vivências e anseios. Nela se encontra uma faceta luminosa ou apolínea,
tradutora do seu ardor revolucionário e de grande elevação moral, e outra nocturna, que remete para o
pessimismo e para o desejo de evasão. António Sérgio afirma que o Antero apolíneo exprime a Luz, a Razão e o
Amor como fontes de harmonia do Universo; e o Antero Nocturno canta a noite, a morte, o pessimismo e um certo
niilismo. A sua poesia filosófica, aberta à modernidade, evolui de um panteísmo romântico para um pessimismo.
Capaz de acreditar nos ideais de amor, de justiça e de liberdade, cai no desalento e na renúncia. De espírito
combativo, sente o desassossego e a insatisfação ao não conseguir a concretização dos seus ideais.
A poesia de Antero exprime as preocupações do ser humano que reconhece a sua condição e a sua
fragilidade, que sente esperanças e sofre os desalentos, que duvida perante os mistérios da criação, da morte e de
Deus.

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A poesia anteriana permite diversas divisões, talvez a mais pertinente seja aquela que a divide em quatro
fases: a lírica ou de expressão do amor; a do apostolado social e das ideias revolucionárias; a do pessimismo; e a
da metafísica e regresso a Deus:

- na primeira fase, exprime o amor espiritual, à maneira de Petrarca, sem a sensualidade lírica de Garrett,
mas cantando a mulher como ser adorável, uma “visão”, como sucede em Ideal, Beatrice, Abnegação ou
Idílio;
- na segunda fase, traduz as preocupações sociais, o desejo profundo de construir um mundo novo,
considerando que a poesia é a voz da revolução que visa a Justiça, o Amor e a Liberdade, como em A um
poeta, Evolução, Hino à Razão, Tese e Antítese, A Ideia;
Há uma análise da sociedade, procurando encontrar as causas da sua decadência e propondo soluções
baseadas no socialismo utópico de Proudhon;

- na terceira fase, há um grande pessimismo e frustração a traduzir uma certa decepção da luta, como em O
Palácio da Ventura, $ox;

- numa quarta fase, parece reconciliar-se e busca o descanso merecido “na mão de Deus”, como em $a
mão de Deus, Salmo, A um crucifixo.

No fundo, Os temas fundamentais da sua poesia são Deus, o Amor, a Justiça, a


Fraternidade, a Morte, a Solidão e o Nada
A interpretação da obra de Antero não pode ser simplista, até porque está sempre presente um anseio e
uma grande interrogação perante o sentido da nossa própria existência, o mundo em que vivemos e a explicação ou
presença de um Deus que, racionalmente, queremos compreender. Mais do que tradução dos seus desejos ou
angústias pessoais, há, na obra anteriana, as preocupações do ser humano que reconhece a sua condição e a sua
fragilidade, que sente esperanças e sofre desalentos, que duvida perante os mistérios da criação, da morte e de
Deus.
Mas porque nos sonetos está todo o pulsar humano, para facilitar a compreensão destas quatro fases,
poder-se-á reflectir na própria evolução que sucede a muitos seres humanos: dos ideais de juventude e da luta, cai-
se, muitas vezes, no desânimo, por não se verem realizados os propósitos almejados, acabando por se recorrer a
um Deus protector, pois só o sonho e a contínua esperança alimentam a vida.

A primeira fase: o ideal amoroso, o amor espiritual

Esta primeira fase, ligada à produção da juventude, mostra que os ideais amorosos e outros são uma
constante quando somos jovens. Sonhamos e idealizamos e concebemos o amor como ideal perfeiro. Também
Antero idealizou a mulher e o amor. Como poeta e pensador, exprimiu em verso esse sentimento profundo. Veja-
se, para isso, o soneto, Ideal:

IDEAL

Aquela que eu adoro não é feita


de lírios nem de rosas purpurinas,
não tem as formas lânguidas, divinas,
da antiga Vénus de cintura estreita.

$ão é a Circe, cuja mão suspeita


compõe filtros mortais entre ruínas,
nem a Amazona, que se agarra às crinas
dum corcel e combate satisfeita.

A mim mesmo pergunto, e não atino


com o nome que dê a essa visão
que ora amostra ora esconde o meu destino.

É como uma miragem que entrevejo


Ideal, que nasceu na solidão,
$uvem, sonho impalpável do Desejo...

A partir do título poderemos ser levados a evocar o Romantismo, embora o conceito de “Ideal” nos possa
remeter para a própria luta travada pela Geração de 70 na busca de novos ideais. Em qualquer dos casos há uma
sugestão de transcendência e de perfeição.
Ao longo do poema, alguns elementos semânticos – “que eu adoro”, “visão”, “como uma miragem”,
“Ideal”, “Nuvem”, “sonho impalpável” – confirmam o título do soneto e mostram-nos uma mulher adorável, como
uma “visão”.
O tema á a mulher ideal, mas a sua descrição surge por antítese daquilo que “não é”. Em confronto com
figuras mitológicas, aparece como um ser divino e sublime, ideia pura: nem mulher sensual, como a “Vénus de
cintura estreita”, com “formas lânguidas, divinas”; nem mulher fatal e traiçoeira, como a Circe, que “compõe filtros
mortais entre ruínas”; nem mulher corajosa e dominadora, como a Amazona, que “combate satisfeita”.
Esta mulher é retratada à maneira petrarquista, é uma “visão” que “ora amostra ora esconde o meu
destino”, levando o sujeito lírico ao Desejo, ou seja, ao amor, à aspiração do Ideal.
Apresenta-se como uma “miragem”, “nuvem”, “sonho impalpável do Desejo”.

A segunda fase: o apostolado social

A obra da segunda fase revela a sua grande elevação moral e o seu ardor revolucionário, que o leva a
considerar que “A poesia é a voz da revolução”. É neste ardor que se dirige A um poeta:
A UM POETA

Tu, que dormes, espírito sereno,


Posto à sombra dos cedros seculares,
Como um levita à sombra dos altares,
Longe da luta e do fragor terreno,

Acorda! É tempo! O sol, já alto e pleno,


Afugentou as larvas tumulares…
Para surgir do seio desses mares,
Um mundo novo espera só um aceno…

Escuta! É a grande voz das multidões!


são teus irmãos, que se erguem! São canções…
Mas de guerra…e são vozes de rebate!

Ergue-te pois, soldado do Futuro,


e dos raios de luz do sonho puro,
sonhador, faze espada de combate!

Na primeira quadra encontramos a estagnação e a passividade do poeta em relação à realidade social e


política do Mundo, pois está “Longe da luta e do fragor terreno”; na segunda estrofe surge o apelo à
consciencialização do poeta para a necessidade de mudar de atitude, pois está em causa a solidariedade com um
povo que dela precisa., “Escuta! É a grande voz das multidões/São teus irmãos”; no último terceto irrompe o apelo
para a acção – “Ergue-te” – destacando a importância da poesia como arma de combate, como voz da revolução,
apelidando o poeta de “Soldado do Futuro” e “Sonhador”.
Em todo o soneto se encontra um apelo para a necessidade de agir e que está bem expresso na gradação
verbal: “Tu, que dormes”, “Acorda!”, “Escuta!”, “Ergue-te”, “Faze”, mostrando bem este poema o entusiasmo na
aposta na poesia como “voz da revolução”.

A terceira fase: o pessimismo

As dúvidas e a verificação de que o seu apostolado não estava a conseguir os objectivos que desejava,
aliado ao agravamento da sua doença, conduziram Antero de Quental a sentir-se decepcionado, mergulhando num
estado de pessimismo. Quem se empenha como ele, de forma apaixonada, numa campanha para alterar
mentalidades e não sente a promoção do espírito da sociedade moderna, fica frustrado.
Em O Palácio da Ventura, os momentos de dúvida e de incerteza, ou melhor de esperança e
desesperança, estão bem patentes:

O Palácio da Ventura

Sonho que sou um cavaleiro andante.


Por desertos, por sóis, por noite escura,
Paladino do amor, busca anelante
O palácio encantado da Ventura!

Mas já desmaio, exausto e vacilante,


Quebrada a espada já, rota a armadura...
E eis que súbito o avisto, fulgurante
$a sua pompa e aérea formusura!

Com grandes golpes bato à porta e brado:


Eu sou o Vagabundo, o Deserdado...
Abri-vos, portas d'ouro, ante meus ais!

Abrem-se as portas d'ouro, com fragor...


Mas dentro encontro só, cheio de dor,
Silêncio e escuridão -- e nada mais!

Desde o início se percebe que há uma busca da felicidade (palácio da ventura), mas só encontra a
ilusão. Caminha, ansiosamente, na busca da concretização de um sonho, mas no final apenas encontra Silêncio e
escuridão -- e nada mais!
O próprio caminho é feito de confiança e decepção, de expectativa e desengano. Na primeira parte (até
ao verso 6), há a busca da felicidade (vv. 1 a 4), mas é tomado pelo cansaço e pela desilusão (vv. 5 e 6). O
entusiasmo é constituído pelo desalento. Na segunda parte (vv. 7 a 12), verifica-se uma ilusão momentânea que o
leva ao grito de ansiedade Abri-vos, portas d'ouro, ante meus ais!(v.11). A adversativa ‘mas’ (v.13), com que inicia a
terceira parte, volta a mostrar a desilusão, desta vez mais forte e dorida.

A quarta fase: a metafísica e o regresso a Deus

São muitas as decepções de Antero de Quental. Não consegue libertar-se das adversidades. Resta-lhe uma
última esperança – o pensamento no divino -, embora sempre demarcado das concepções religiosas tradicionais. O
pensamento de Deus surge, frequentemente, associado à morte, mas de novo persegue um ideal que agora se
confunde com o Bem Supremo.

Desiludido do mundo, procura refúgio em Deus:

a Mão de Deus

$a mão de Deus, na sua mão direita,


Descansou afinal meu coração.
Do palácio encantado da Ilusão
Desci a passo e passo a escada estreita.

Como as flores mortais, com que se enfeita


A ignorância infantil, despojo vão,
Depois do Ideal e da Paixão
A forma transitória e imperfeita.

Como criança, em lôbrega jornada,


Que a mãe leva ao colo agasalhada
E atravessa, sorrindo vagamente,

Selvas, mares, areias do deserto...


Dorme o teu sono, coração liberto,
Dorme na mão de Deus eternamente!

Em O Palácio da Ventura, Antero de Quental perseguia o sonho, mas tudo acabou em desilusão e nada.
Agora afirma que Do palácio encantado da Ilusão /Desci a passo e passo a escada estreita. , ou seja, ‘passo a passo’,
desiludido, deixou essa viagem atrás da ilusão, procurando descanso $a mão de Deus, na sua mão direita.
O pessimismo, que resultara do fracasso da luta e da vida, lva o poeta e pensador a desejar evadir-se para
além do que existe e do sofrimento. Neste soneto, perante a impossibilidade de concretizar o sonho, abranda a sua
acção (descansando, depondo, dormindo), desiste da luta e procura o sono … na mão de Deus eternamente!
A mão de Deus surge como lugar de descanso, e pode sugerir uma concepção dúbia como imagem da
criação, dada ao longo dos tempos. Deus, ao contrário do que sucede noutros textos, já não é aqui o Deus da
inteligência, que racionalmente tenta explicar. É visto como um efúgio, um meio de evasão, e esta imagem do
descanso ‘na sua mão direita’ pode ser tradutora do contacto com o Supremo Bem, o reencontro com a força
primeira criadora.
Antero nunca conseguiu separar a poesia da vida, da sua ânsia de transformar o mundo, da sua agústia
perante a dificuldade de explicar Deus, a vida e a morte. Revolucionário e racionalista, procura um ‘mundo novo’
que tarda a chegar. As decepções, a dificuldade de conciliar pensamento e acção, as inúmeras dúvidas interiores e a
crise de nevrose depressiva que nunca chegou a curar, levam-no ao pessimismo e, por fim, ao encontro com a
morte.
E, se por vezes procurou Deus como refúgio, a Morte foi, para o poeta, a verdadeira Libertação. O ‘Santo
Antero’, como Eça de Queirós o intitulou, não conseguiu evitar o suicídio. Na sua poesia, o desalento perante a
adversidade e o mal do Mundo em agonia, levou-o a ver na Morte, no ‘não ser’, a única saída. Disso nos dá conta,
por exemplo, em Nox.
$oite, vão para ti meus pensamentos,
Quando olho e vejo, à luz cruel do dia,
Tanto estéril lutar, tanta agonia,
E inúteis tantos dispersos tormentos....

Tu, ao menos, abafas os lamentos,


Que se exalem da trágica enxovia...
O eterno Mal, que ruge e desvaria,
Em ti descansa e esquece, alguns momentos...

Oh! Antes tu também adormecesses


Por uma vez, e eterna, inalterável,
Caindo sobre o mundo, te esquecesses,

E ele, o mundo, sem mais lutar nem ver,


Dormisse no teu seio inviolável,
$oite sem termo, noite do $ão- ser!

O poeta, nas quadras, começa por invocar a noite, caracterizando-a por oposição ao dia, onde reina o Mal;
nos tercetos manifesta o desejo de que a noite seja a libertação deste Mal que assola o mundo, impedindo-o de
‘lutar‘ e ‘ver’.
Note-se que esta noite surge conotada com a Morte, pois é $oite sem termo, noite do $ão- ser! (v.14). A
noite apresenta-se como fim eterno, que anula toda a possibilidade de ser.
Os elementos apolíneos que surgem na referência à … à luz cruel do dia,(v.2) em que decorreram as suas lutas, são
substituídos pelos nocturnos, que melhor lhe permitem exprimir a agonia e a inutilidade dos tormentos passados.
Considera que o seu ‘apostolado social’ não lhe permitiu a realização do sonho, não foi mais do que Tanto estéril
lutar, tanta agonia,(v.3). Sente inglória a sua luta e a luta do Homam, ao longo da História. Resta-lhe o desejo de
uma noite eterna que adormeça e que caia sobre o Mundo para sempre.
Antero de Quental mostra-se atormentado pela sede de Infinito. Nos seus sonetos há a dor e a esperança,
a razão e o sentimento, a revolta e a fé, o combate e a desilusão.

A jeito de síntese:

• Antero exprime a revolta e o inconformismo da sua geração perante uma situação social, política e cultural
conservadora e retrógada, fomentada por um Romantismo que não conseguiu concretizar os ideais que defendera.

• Mestre e mentor, inspirador e símbolo da Geração de 70, a sua personalidade está intimamente ligada à vida
cultural e social em que activamente participou.

• A poesia de Antero exprime as preocupações do ser humano que reconhece a sua condição e a sua fragilidade,
que sente esperanças e sofre os desalentos, que duvida perante os mistérios da criação, da morte de Deus.

• António Sérgio considera a existência de dois Anteros: o apolíneo e o nocturno. O primeiro exprime a Luz, a Razão
e o Amor; o segundo canta a noite, a morte e o pessimismo.

• Pode dividir-se a obra anteriana em quatro fases: a lírica ou de expressão do amor; a do apostolado social e das
ideias revolucionárias; a do pessimismo e a da metafísica e regresso a Deus.

• Para Antero, “ a poesia éa voz da revolução”. Ele foi um verdadeiro apóstolo social, solidário e defensor da justiça,
da fraternidade e da liberdade.

• As dúvidas, as decepções e a doença conduziram-no a um estado de pessimismo.

• Antero nunca conseguiu separar a poesia da vida, da sua ânsia de transformar o Mundo, da sua angústia perante a
dificuldade de separar Deus, a vida e a morte.
• Antero luta por ideais feitos de Amor, de Justiça e Liberdade. Esperança e desilusão são duas forças constantes no
seu pensamento e na sua vida, entre as quais tudo oscila.

• Idealista, acaba por considerar empobrecedoras as concretizações da Ideia. Daí as decepções constantes, sentindo
que a sua luta não está a conseguir os resultados projectados.

• Com dificuldade em libertar-se das adversidades, Antero dirige o seu pensamento para o divino, embora sem
abandonar o seu racionalismo.

• O pensamento de Deus surge, frequentemente, associado à morte, considerada como a verdadeira libertação.

Antero, através da sua literatura:

• Exprime a revolta e o inconformismo;


• Reflecte profundamente sobre o mundo e sobre a sociedade;
• Reflecte para agir, daí o seu carácter forte de líder, que o transformou no mestre e mentor, inspirador e símbolo
da Geração de 70;
• A poesia é a voz da revolução que visa a justiça, o amor e a liberdade;
• Podemos encontrar preocupações sociais, uma profunda reflexão filosófica e uma intenção poética;
• Influenciou profundamente a geração estudantil coimbrã da segunda metade do século XIX.

O Terceiro Romantismo

Assume as seguintes características:


• Retoma os grandes temas do Primeiro Romantismo;
• Critica abertamente o segundo Romantismo;
• Orienta-se por um Romantismo filosófico
• Assume preocupações humanistas e universalistas;
• Busca, de forma racional, o ideal transcendente.

As duas linhas-força da poesia anteriana:

- A interrogação horizontal Eu/Mundo – a preocupação com o mundo, procurando conhece-lo, interpreta-lo,


compreende-lo; a busca da justiça, do amor, da verdade, da fraternidade.

- A interrogação vertical Eu/Deus – a preocupação com Deus, procurando conhece-lo, interpreta-lo, compreende-
lo, de forma racional.
José Joaquim Cesário Verde (Lisboa, 25 de Fevereiro de 1855 — Lumiar, 19 de
Julho de 1886) .Filho do lavrador e comerciante José Anastácio Verde e de Maria
da Piedade dos Santos Verde, Cesário matriculou-se no Curso Superior de Letras
em 1873, frequentando-o por apenas alguns meses. Ali conheceu Silva Pinto,
grande amigo para o resto da vida.
Em 1877 começou a dar sinais a tuberculose, doença que já lhe tirara o irmão e a
irmã. Estas mortes servem de inspiração a um de seus principais poemas, Nós
(1884).
Tenta curar-se da tuberculose, sem sucesso; vem a falecer no dia 19 de Julho de
1886. No ano seguinte Silva Pinto organiza O Livro de Cesário Verde (disponível
ao público em 1901), compilação da sua poesia.
De poesia delicada, Cesário empregou técnicas impressionistas, com extrema
sensibilidade ao retratar a Cidade e o Campo, os seus cenários predilectos.
Evitou o lirismo tradicional, expressando-se da forma mais natural possível.

Poeta parnasiano, procura descrever os objectos, pintá-los, despertar nos outros ideias e sensações.
Propõe uma explicação para o que observa com objectividade e, quando recorre à subjectividade, apenas transpõe
pela imaginação transfiguradora, a realidade captada que só um olhar de artista pode captar.
“Camponês preso em liberdade pela cidade”, como o define Caeiro, é um poeta-pintor que capta as impressões da
realidade que o cerca com uma grande objectividade. É intencionalmente realista, atento a pormenores mínimos
que servem para transmitir as percepções sensoriais. Da cidade de Lisboa, por onde deambula, descreve as ruas
soturnas e melancólicas, com sombras e bulício, e absorve-lhes a melancolia, a monotonia, o ‘desejo absurdo de
sofrer’. Nesta cidade projecta imagens da mulher formosa, fria e altiva, os vícios e as fantasias mórbidas. Do campo,
canta a vida rústica, de canseiras, a sua vitalidade e saúde. É no campo útil onde o poeta se identifica com o povo. A
invasão simbólica da cidade pela vitalidade e pelo colorido saudável dos produtos do campo, surge, por exemplo,
‘Num Bairro Moderno’. Neste poema, e em outros, como ‘Cristalizações’ e ‘O sentimento de um Ocidental’, as
descrições de quadros e tipos citadinos retratam Lisboa em diversas facetas e segundo ângulos de visão das
personagens. O campo aparece, por exemplo em poemas como ‘Nós’, ‘De tarde’, ‘Em petiz’.
Interessou-lhe o quotidiano da realidade que o cercava com o à-vontade do prosador realista, preocupando-se
apenas com a expressão clara, objectiva e concreta. A notação objectiva e sóbria das graças e dos horrores da vida
da cidade ou profunda vitalidade da paisagem campestre são uma tentação constante na sua poesia.
A obra de Cesário influenciou grande parte dos escritores portugueses do séc. XX, e continua a ter uma
grande importância graças às marcas realistas, naturalistas, impressionistas, parnasianas e até pré-simbolistas, mas
também pelas polaridades temáticas que vão desde a oposição cidade/campo, à antítese morte/vida, sem esquecer
a cidade-mulher ou a mulher fatal e lúbrica.

Influências literárias

• João Penha (preocupação com a forma e observação atenta do real quotidiano; humor crítico e irónico)
• Baudelaire (gosto pelo inédito, pelo repulsivo – não esquece os quadros dolorosos, sombrios, os quadros
revoltados da cidade; simpatia pelos humildes; ânsia de evasão; o deambulismo; amor ao fabricado, ao geométrico;
exercício da análise)

Principais características:

Poeta-pintor

- capta as impressões da realidade que o cerca com grande objectividade;


- transmite as percepções sensoriais.

Impressionista

- procura surpreender o “momento”

Atitude antilírica

- reacção contra o Romantismo


Realista (Modelo de naturalidade e “sereno realismo visual”)

• escolhe as palavras que reflectem a realidade objectiva e quotidiana:


 temas concretos;
 observação de atmosferas mórbidas, sensuais;
 realidade citadina  tédio
 realidade rural  saúde

Parnasianista

- Preocupação com a perfeição, o rigor formal, a regularidade métrica, estrófica e rimática.


- Busca da impessoalidade e da impassibilidade.

O mito de Anteu (reencontro com a origem, com a mãe-terra)

- É assim que se pode falar deste mito em Cesário Verde na medida em que o contacto com o campo
parece reanimá-lo, dando-lhe forças, energias, saúde

Temática:
1. A cidade e o campo
- Pintura literária e rítmica de temas
comuns e realidades comezinhas,
escolhendo as palavras que melhor  Identifica-se com a cidade presente, deambulando pelas
os reflectem. ruas e becos; revive por evocação da memória todo o
passado e os seus dramas; acha sempre assuntos e sofre
-Não canta motivos idealistas, mas uma opressão que lhe provoca um desejo “absurdo de
coisas que observa a cada instante; sofrer”: ao anoitecer, ruas soturnas e melancólicas, com
sombras, bulício...; o enjoo, a perturbação, a monotonia
descreve ambientes que nada têm de
(“Nas nossas ruas, ao anoitecer,/ Há tal soturnidade, há tal
poético. melancolia,/ Que as sombras, o bulício do Tejo, a maresia/
Despertam-me um desejo absurdo de sofrer.” – Sentimento
- Não dá a conhecer-se, nem dá a de um ocidental
conhecer o que sente (oposto ao  A cidade surge viva com homens vivos; mas nela há a
romantismo) doença, a dor, a miséria, o grotesco, a beleza e a sua
decomposição fatal...
-recorre raramente à subjectividade  A nível pessoal, a cidade significa a ausência, a
(imaginação transfiguradora) impossibilidade ou a perversão do amor.
 A nível social, a cidade significa opressão.
- poesia do quotidiano: nasce da  As descrições de quadros e tipos citadinos retratando Lisboa
em diversas facetas e segundo ângulos de visão de
impressão que o “fora” deixa no
personagens várias (Num Bairro Moderno; Cristalizações; O
“dentro” do poeta.
Sentimento dum Ocidental).
 No campo há a saúde, o refúgio durante a peste na cidade...
- Interesse pelo conflito social do  A nível social, o campo significa a possibilidade do exercício
campo e da cidade. da liberdade
 Do campo capta a vitalidade e a força telúrica; não canta o
convencionalismo idílico, mas a natureza, os pomares, as
canseiras da família durante as colheitas.
 No campo, a vida é activa, saudável, natural e livre, por
oposição à vida limitada, reprimida e doentia na cidade.
(“Que de fruta! E que fresca e temporã./ Nas duas boas
quintas bem muradas, /Em que o Sol, nos talhões e nas
latadas,/ Bate de chapa, logo de manhã” – Nós)
 A invasão simbólica da cidade pela vitalidade e pelo colorido
saudável dos produtos do campo (como por exemplo, a
“giga” da “rota, pequenina, azafamada” rapariga em Num
Bairro Moderno).
2. A humilhação

2.1. A humilhação sentimental:


 a mulher formosa, fria, distante e altiva(Esplêndida;
Deslumbramentos; Frígida);
 a mulher fatal da época/a humilhação do sujeito poético
tentando a aproximação (Esplêndida);
 a mulher burguesa, rica, distante e altiva/a humilhação do sujeito
poético que não ousa aproximar-se devido à sua baixa condição
social (Humilhações);
 a mulher fatal, bela e artificial, poderosa e desumana/a
consequente humilhação do poeta (“Milady, é perigoso
contemplá-la (...)/ Com seus gestos de neve e de metal.”,
(Deslumbramentos);
 a mulher fatal, pálida e bela, fria, distante e impassível que o
poeta deseja e receia/a humilhação e a necessidade de controlar
os impulsos amorosos (Frígida).

2.2. A humilhação social:

 o povo comum oprimido pelos poderosos (Humilhações);


 o abandono a que são votados os doentes (“Uma infeliz,
sem peito, os dois pulmões doentes (...)/ O doutor deixou-
a...”, Contrariedades);
 o povo dominado por uma oligarquia poderosa (a “Milady”
de Deslumbramentos é uma representante dessa
oligarquia).

2.3. A humilhação estética:

 a revolta pela incompreensão que os outros manifestam em


relação à sua poesia e pela recusa de publicação por alguns
jornais (“Arte? Não lhes convém, visto que os seus leitores/
Deliram por Zaccone”; “Agora sinto-me eu cheio de raivas
frias/ Por causa dum jornal me rejeitar, há dias/ Um
folhetim de versos.”, Contrariedades).

Nível morfossintáctico:

• Vocabulário simples, nível familiar ou técnico;


• Expressividade verbal;
• Adjectivação abundante, rica e expressiva (hipálage / sinestesia);
• Precisão vocabular;
• Colorido da linguagem;
• Frases curtas.
Características estilísticas Recursos fónicos:

• Aliterações, que contribuem para a musicalidade e para a


perfeição formal.
Processos estilísticos:

• Abundância de imagens, metáforas, sinestesias.


Nível formal:

• regularidade métrica, estrófica e rimática;


• quadras em versos decassílabos ou alexandrinos.
A jeito de síntese:
๐ Cesário Verde interessa-se pelo real, procurando descrever com objectividade os objectos, pintá-los,
despertar nos outros ideias e sensações;
๑ Cesário é um poeta-pintor que capta as impressões da realidade. Próximo do Realismo, presta atenção
aos pormenores mínimos que servem para transmitir as percepções sensoriais;
๒ Propõe uma interpretação da cidade de Lisboa, por onde deambula, descreve-a, absorve-lhe a melancolia
e a monotonia, projecta nela imagens da mulher formosa, altiva e fria;
๓ Do campo, canta a vida rústica, de canseiras, a sua vitalidade e saúde;
๔ Interessou-lhe o quotidiano da realidade;
๕ Poeta do quotidiano, tenta visionar situações vividas no dia-a-dia, revelando uma atenção permanente ao
que o rodeia;
๖ Impressionista, procura ‘surpreender o momento’ em que os objectos ganham ‘uma inteira
individualidade’;
๗ Cesário consegue traduzir uma realidade multifacetada, através de uma grande plasticidade estética;
๘ O contraste cidade/campo é um dos temas fundamentais da poesia de Cesário e revela-nos o amor pelo
rústico e natural, que celebra, por oposição a um certo repúdio da perversidade e dos pseudovalores
urbanos e industriais, a que, no entanto, adere;
๙ A oposição cidade/campo conduz simbolicamente à oposição morte/vida. É a morte que cria em Cesário
uma repulsa à cidade por onde gostava de deambular, mas que acaba por aprisioná-lo;
๑๐ A cidade surge associada à mulher fatal e à morte, enquanto o campo se une à imagem da mulher
angélica e da vida. Há uma sexualização da cidade e do campo que incorpora as alegorias da morte e da
vida;
๑๑ Cesário procura pintar ‘quadros por letras, por sinais’, criando uma pintura literária e rítmica de temas
comuns e realidades comezinhas.
๑๒ Sensível ao estímulo visual, Cesário procura reter diversas impressões visuais e outras para sobrepor
imagens que acabem por traduzir e reiterar a visão do que o rodeia e traduzir a sua inspiração pessoal;
๑๓ A obra de Cesário Verde caracteriza-se também pela técnica impressionista, ao acumular pormenores das
sensações captadas e pelo recurso às sinestesias, que lhe permitem transmitir sugestões e impressões da
realidade;
๑๔ Em Cesário Verde, o campo, ou melhor, a terra, apresenta-se salutar e fértil. Dentro desta concepção de
uma terra que revitaliza podemos encontrar o Mito de Anteu, ou seja, o contacto com o campo, o sujeito
poético parece reanimar-se, sentindo forças, energias e saúde;
๑๕ O Parnasianismo tem como principais características: a reacção contra o Romantismo; a defesa da
objectividade temática; a obsessão pela perfeição formal;

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