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Anatmico
No corao de noite estrelada
repousam mil girassis.
Mil girassis se voltam para o solo.
As mos seguram o peito oprimido:
baas seguras construindo docas.
Baas seguras abrindo olhos em minha pele.
Os olhos, mapas martimos.
Os olhos, navios.
Os olhos permitem meu naufrgio.
Uma boca em sangue, quente.
A boca sangue fresco
escorre na pele fria de minha mudez.
O sexo, estame de tulipa.
Abre-se uterino:
Jardim medonho, noturno.
Ombros como arbustos de alfazemas.
Pouso e recanto.
Neles choro, morro
e sonho.
Homem fmea
Onda eltrica rutilante
Na dana mole dos msculos
Quadris de bailarina
Fortes como rochedos
E na perspicuidade das unhas
Escondem-se versos roucos.
Mobilirio
Sobre mesa incerta
Uma ma congelada
e um prato de branca porcelana
Que sua e geme solicito, mudo.
Das janelas ouve-se o mundo
A tremeluzir junto s cortinas de vento
Umas cadeiras recordam pernas,
Escrivaninhas contam histrias.
Vassoura arranha o cho
Lanando p de ouro sobre os balces
Vasos opacos.
Na cama silenciosa
Lenis de leite buscam o cho:
indolncia.
Tudo est esperando
Tudo vago
Nas vagas cotidianas da casa.
Nulo
Estive muito quieta.
Continuo quase muda.
Vago sob meus discursos,
as minhas falas ocas
a enfeitar os dias alheios.
Permaneo em silncio,
annima a todos os rostos.
Atravesso as faixas de segurana.
Paro para contemplar vitrines,
casas e roupas bem recortadas.
Permaneo em silncio,
annima entre pernas e sapatos.
Desenho as ruas
com o sopro do vento.
Volto para casa:
o vazio dos sentidos
a ocar o peito sem asas.
Permaneo em silncio,
annima entre mveis e vidas.
Ainda frequentarei as ruas:
sol do entardecer em longa avenida.
Eu no desapareo, eu no morro.
Aqui
A fatia de sol que corta a mesa
insinua o vo das coisas
onde procuro
aquele olhar de inverno solar:
manso.
Aqui onde estou
uma caixa perdida
em algum lugar do mundo
As iluminaes vagas pelos cantos
sussurram desejos esquecidos
onde encontro
aquele mover das mos:
macio.
Aqui onde estou
um cho empoeirado
em algum quarto do mundo
O sons dos automveis ao longe
Bradam o azul da partida
onde antevejo
aquele sonho de encontro:
impossvel.
Possibilidade
Florbela falou
dos amores no havidos
dos vazios, do desejo,
das flores de terra mida
que nem eram dela
(apenas)
eram e so dessas mulheres,
homens talvez
do mundo.
Por que parece, afinal,
no querem mais falar nisso?
Poemas de Cristina Knebel