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SOL FRIO

05-08-2007

+ Marcelo Gleiser

Sol frio

"Sunshine" é sério, mas tem enredo científico absurdo

MARCELO GLEISER,
é professor de física teórica no Dartmouth College, em Hanover
(EUA) e autor do livro "A Harmonia do Mundo"

Embalado com minha ida ao cinema para assistir "Transformers"


(coluna de domingo passado), resolvi continuar a exploração sobre
o que anda ocorrendo com a ciência nas telas com um filme muito
diferente, mas também de ficção científica, chamado "Sunshine" (a
tradução literal seria "Brilho do Sol").

Realmente, é outra coisa, por completo. Para começar, o diretor


inglês Danny Boyle tem uma obra bem diferente da de Michael Bay,
cria da MTV que dirigiu, entre outros, "Transformers" e
"Armageddon". Boyle é sério, e o filme é sério. Mais do que um
filme sobre o Sol, é um estudo de o que ocorre com um grupo de
pessoas numa situação altamente perigosa e épica, onde nossa
fragilidade enquanto seres humanos frente a um universo
indiferente à vida é exposta de forma trágica. Ainda bem, pois como
dizia o escritor italiano Luigi Pirandello, a ficção tem que ser mais
convincente do que a realidade. E, enquanto enredo científico, o
filme "Sunshine" é totalmente absurdo.

Num futuro não muito distante, o Sol está morrendo: sua


luminosidade, a quantidade de energia que gera por segundo, está
diminuindo, ameaçando a sobrevivência dos seres humanos e de
toda a vida na Terra. Se nada for feito, nosso planeta se
transformará num mundo gelado e destituído de vida. Uma missão
internacional, Icarus I, foi enviada em direção ao Sol.

Seu objetivo: detonar uma gigantesca bomba termonuclear ("maior


do que Manhattan") no interior do Sol para reacendê-lo. Feito
quando usamos um fósforo para reacender a lareira, só que em
escala astrofísica. Icarus I falha misteriosamente e Icarus II, a
missão que vemos no filme com seus oito tripulantes, é a última
esperança da humanidade. Se eles falharem, nós e tudo o que
construímos irá perecer, esquecido na imensidão do tempo.

Visualmente, o filme é muito belo. O uso das imagens solares,


revelando a fornalha que é nosso astro-rei, é inspirado. A influência
plástica e temática da obra prima de Stanley Kubrick, "2001", é forte
e bem óbvia. Alguns clichês diminuem um pouco o efeito do filme.
Não conto para não estragar a experiência do leitor. Mas como
cientista, doeu ver certas coisas. Dessas eu posso tratar.

Começando com a insistência do uso de som no espaço. Sei que


sem som não tem tanta graça, mas algo deve ser feito para corrigir
isso: sem ar, sem atmosfera, não existe som. Explosões ocorrem
em silêncio, mesmo que catastróficas. Será que o show de luz não
é suficiente para impressionar a audiência? Mas bem mais séria é a
premissa do filme.

O Sol não irá esfriar. Ao contrário, irá esquentar gradualmente. O


leitor não precisa se preocupar, pois o processo é muito lento: em
um bilhão de anos, sua luminosidade aumentará em
aproximadamente 10%, com conseqüências terríveis para a Terra
que se transformará numa bola incandescente, sem atmosfera ou
oceanos. Esse aquecimento é devido ao que ocorre no centro do
Sol: a energia que lhe dá estabilidade contra sua própria gravidade
é gerada através da fusão de seu elemento mais comum, o
hidrogênio, no elemento químico hélio.

O processo de fusão nuclear necessita de energias e pressões


gigantescas, ocorrendo apenas quando a temperatura no interior do
Sol atinge 15 milhões de graus. Finalmente, o hidrogênio acaba e o
Sol entra em crise. Mesmo que o Sol estivesse esfriando, detonar
uma bomba atrapalharia ainda mais, pois diminuiria a densidade de
hidrogênio no seu interior. Mas como disse semana passada, vale a
pena ignorar (mas não esquecer) isso e ver o filme. Não se esqueça
dos óculos escuros e loção de bronzear!
MARCELO GLEISER é professor de física teórica no Dartmouth
College, em Hanover (EUA) e autor do livro "A Harmonia do Mundo"

Fonte:
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/ciencia/fe0508200702.htm

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