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Testando a relatividade

16-12-2007

Não adianta uma idéia ser "bela" sem passar nos testes

Marcelo Gleiser,
é professor de física teórica no Dartmouth College, em Hanover
(EUA) e autor do livro "A Harmonia do Mundo"

Quando perguntaram a Einstein se ele estava preocupado com


possíveis erros na teoria da relatividade, ele respondeu: "De modo
algum. A teoria é bela demais para estar errada".

Isso é que é confiança! Em 1915, Einstein havia sugerido um novo


modo de pensar sobre a gravidade que ficou conhecido como teoria
da relatividade geral. Ela substituía a idéia prevalecente na época,
sugerida por Isaac Newton em 1686, que dizia que a força
gravitacional entre dois objetos com massa agia à distância, sem
que os objetos se tocassem. Einstein propôs que a gravidade pode
ser interpretada como resultado de uma deformação no espaço
devido à presença de um objeto com muita massa.

Quanto mais massa tiver o objeto, maior a curvatura que ele causa
no espaço. Como quando nos sentamos num colchão; quanto mais
pesados somos, mais o colchão se curva em torno do nosso
traseiro.

Em física, idéias novas, especialmente as mais radicais, são


sujeitas a inúmeros testes. O que diferencia a ciência é justamente
essa insistência em que as hipóteses sejam testadas e verificadas
em laboratórios ou, no caso da astronomia, por meio de
observações com telescópios e outros instrumentos capazes de
colher informação do céu. Não adianta que uma idéia seja "bela" ou
extremamente elegante: sem ser verificada, não é aceita pela
comunidade científica. Claro, em alguns casos -especialmente
quando a tecnologia é insuficiente-, idéias sobrevivem durante
muitos anos sem serem testadas. É o caso da teoria das
supercordas nos dias de hoje.

No caso da relatividade geral, o próprio Einstein havia proposto três


testes. Um era a explicação para anomalias na órbita do planeta
Mercúrio que não eram explicadas pela teoria newtoniana. Outro,
que a luz proveniente de estrelas distantes seriam desviadas ao
passar na vizinhança do Sol. Isso porque o Sol, com sua massa
gigantesca, deforma a geometria do espaço a sua volta, o que cria
um efeito mensurável na Terra. O terceiro teste, mais complicado,
dizia que a luz (ou melhor, a radiação eletromagnética) também era
afetada pela gravidade: quanto maior a gravidade, menos energia
tem a luz. Como a luz vermelha tem menos energia do que a azul, o
efeito ficou conhecido como "desvio para o vermelho gravitacional".

Na década de 60, essa previsão da teoria foi testada com sucesso


nos EUA. A teoria explicava também a órbita de Mercúrio, e o
desvio da luz de estrelas foi verificado em inúmeras oportunidades,
inclusive no Brasil em 1919. Mesmo assim, a teoria continua sendo
testada.

A insistência em novos testes vem do fato de nenhuma teoria ser


perfeita, existindo sempre dentro de limites de validade. A própria
teoria da relatividade explica coisas que a teoria de Newton não
explica, como os três testes acima. A esperança é que, ao expor a
teoria a testes cada vez mais sensíveis, será possível vislumbrar
onde ela falha. Essas falhas, por sua vez, apontam para novas
teorias, novas idéias sobre a natureza. É sempre bom lembrar que
a ciência é uma narrativa que se aprimora constantemente.

Recentemente, a teoria de Einstein foi sujeita a mais um teste:


medindo a distância até a Lua com precisão de um centímetro,
cientistas refletiram um raio laser num espelho deixado na
superfície lunar por astronautas da missão Apollo 11. (Pondere este
feito tecnológico). Mais uma vez, as correções propostas por
Einstein passaram pelo teste. Com isso, teorias que tentam
generalizar as idéias da relatividade ficam cada vez mais restritas.
Mas como nenhuma teoria é perfeita, nem mesmo a relatividade, a
busca continua.
MARCELO GLEISER é professor de física teórica no Dartmouth
College, em Hanover (EUA) e autor do livro "A Harmonia do Mundo"

http://www1.folha.uol.com.br/fsp/ciencia/fe1612200705.htm

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Livros recomendados:
“O fim da Terra e do Céu”, O apocalipse na Ciência e na
Religião, Marcelo Gleiser, 336 páginas, Editora Companhia das
Letras, Rio de Janeiro, 2002. www.companhiadasletrinhas.com.br/

“A Harmonia do Mundo”, Marcelo Gleiser, Editora Companhia das


Letras

“Micro Macro”, Marcelo Gleiser, Publifolha

“Micro Macro 2”, Marcelo Gleiser, Publifolha

“Poeira das Estrelas”, Marcelo Gleiser, Globo Editora

“O Livro do Cientista”, Coleção Profissões, Marcelo Gleiser,


Editora Companhia das Letrinhas

“Cartas a um Jovem Cientista – O Universo, a Vida e Outras


Paixões”, Marcelo Gleiser, CAMPUS

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