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24
janeiro
2010
ano II
ficina
O Presente
dos Magos
o olhar de O. Henry sobre a vida cotidiana
SAMIZDAT 24
janeiro de 2010
ENTREVISTA
Giulia Moon 10
CONTOS
Fogete pa Lua 20
Carlos Davissara
Um copo de café 24
Caio Rudá
O Natal de Josefa 28
Joaquim Bispo
Açúcar, por favor 31
Wellington Souza
O bilhete literário 34
Ju Blasina
Os docinhos do Vercidino 36
Volmar Camargo Junior
TRADUÇÃO
O Presente dos Magos 52
O. Henry
RECOMENDAÇÃO DE LEITURA
A vampiro dado não se olham os dentes 58
Volmar Camargo Junior
CRÔNICA
Padres de calendário 62
Maria de Fátima Santos
O fantasma dos Natais passados 66
Volmar Camargo Junior
O que servir no Natal? 68
Ju Blasina
POESIA
O nada 70
Ju Blasina
Jardim japonês 71
Wellington Souza
Laboratório Poético: presença (cortinas) 72
Volmar Camargo Junior
Domingo, dia santo 73
Maria de Fátima Santos
Poemas 74
Mariana Valle
Big Bangs 75
Dênis Moura
2 anos de
tudo.
Se já me surpreendi
quando do primeiro ani-
5
Em 2009, a revista pas- Quem nos lê? Quem contribuição, gratuita e
sou por mudanças silen- está do outro lado? Existe com a melhor qualidade
ciosas: autores que nos alguém para além dos que nossos talentos per-
acompanhavam desde as caracteres e palavras que mitem, para a cultura
primeiras edições deram ansiosos rabiscamos para lusófona.
lugar a outros, perdíamos lançá-los ao mundo?
por um lado, mas ganhá- Dois anos...
vamos por outro. Reno- Não temos certezas,
vação, reinvenção... mas possuímos alguns E como somos teimo-
dados. Nestes dois anos, sos, persistentes, ou sim-
Mas a SAMIZDAT, que mais de 65 mil leitores plesmente não sabemos
a princípio havia causado passaram por aqui, 32 quando desistir, acredito
um certo burburinho no mil deles baixaram algu- que outros anos ainda
submundo da Literatura ma das edições em .PDF virão.
em português, tornou-se, da SAMIZDAT, somos 18
por sua vez, notícia ve- autores fixos e publica- Desejo meus parabéns
lha. Prosseguimos porque mos aproximadamente a todos que tornam a
nos divertimos, apesar 750 textos, entre contos, Revista SAMIZDAT pos-
da esmagadora sensação crônicas, poemas, artigos, sível, autores e leitores,
de falarmos para ouvidos resenhas e entrevistas, pois a trilha é árdua, mas
surdos. dando a nossa humilde a paisagem é bela!
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a boa Literatura
– Kane.
é fabricada
ficina
www.oficinaeditora.com
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A Oficina Editora é uma utopia, um não-
lugar. Apenas no século XXI uma vintena
de autores, que jamais se encontraram
fisicamente, poderia conceber um projeto
semelhante.
O livro, sempre tido em conta como uma
das principais fontes de cultura, tornou-se
apenas um bem de consumo, tornou-se um
elemento de exclusão cultural.
A proposta da Oficina Editora é resgatar o
valor natural e primeiro da Literatura: de bem
cultural. Disponibilizando gratuitamente
e-books e com o custo mínimo para livros
impressos, nossos autores apresentam
a demonstração máxima de respeito à
Literatura e aos leitores.
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Por que Samizdat?
“Eu mesmo crio, edito, censuro, publico,
distribuo e posso ser preso por causa disto”
Vladimir Bukovsky
8
E por que Samizdat? revistas, jornais - onde ele des tiragens que substituam
possa divulgar seu trabalho. o prazer de ouvir o respal-
O único aspecto que conta é do de leitores sinceros, que
A indústria cultural - e o
o prazer que a obra causa no não estão atrás de grandes
mercado literário faz parte
leitor. autores populares, que não
dela - também realiza um
perseguem ansiosos os 10
processo de exclusão, base- Enquanto que este é um mais vendidos.
ado no que se julga não ter trabalho difícil, por outro
valor mercadológico. Inex- lado, concede ao criador uma Os autores que compõem
plicavelmente, estabeleceu-se liberdade e uma autonomia este projeto não fazem parte
que contos, poemas, autores total: ele é dono de sua pala- de nenhum movimento
desconhecidos não podem vra, é o responsável pelo que literário organizado, não
ser comercializados, que não diz, o culpado por seus erros, são modernistas, pós-
vale a pena investir neles, é quem recebe os louros por modernistas, vanguardistas
pois os gastos seriam maio- seus acertos. ou q ualquer outra definição
res do que o lucro. que vise rotular e definir a
E, com a internet, os au- orientação dum grupo. São
A indústria deseja o pro- tores possuem acesso direto apenas escritores interessados
duto pronto e com consumi- e imediato a seus leitores. A em trocar experiências e
dores. Não basta qualidade, repercussão do que escreve sofisticarem suas escritas. A
não basta competência; se (quando há) surge em ques- qualidade deles não é uma
houver quem compre, mes- tão de minutos. orientação de estilo, mas sim
mo o lixo possui prioridades
a heterogeneidade.
na hora de ser absorvido A serem obrigados a
pelo mercado. burlar a indústria cultural, Enfim, “Samizdat” porque a
os autores conquistaram algo internet é um meio de auto-
E a autopublicação, como que jamais conseguiriam de publicação, mas “Samizdat”
em qualquer regime exclu- outro modo, o contato qua- porque também é um modo
dente, torna-se a via para se pessoal com os leitores, de contornar um processo
produtores culturais atingi- od iálogo capaz de tornar a de exclusão e de atingir o
rem o público. obra melhor, a rede de conta- objetivo fundamental da
tos que, se não é tão influen- escrita: ser lido por alguém.
Este é um processo soli-
te quanto a da grande mídia,
tário e gradativo. O autor
faz do leitor um colaborador,
precisa conquistar leitor a
um co-autor da obra que lê.
leitor. Não há grandes apa-
Não há sucesso, não há gran-
ratos midiáticos - como TV,
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Entrevista
Giulia Moon
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Giulia Moon, autora do romance SAMIZDAT — Fale-nos nos lá pelos idos dos anos
Kaori: Perfume de vampira, e de um pouco de você, en- sessenta e setenta. Com o
mais uma porção de contos tendo quanto cidadã paulistana: tempo, esse tipo de ativida-
como protagonistas as criaturas quem é você, enquanto de foi desaparecendo, pois
mais badaladas da atualidade, fala à não está escrevendo fic- os cinemas passaram a usar
SAMIZDAT sobre ela mesma, sobre ção? Conte-nos um pou- apenas letreiros luminosos
a diferença de escrever um conto co de sua trajetória até nas fachadas. Lembro-me
e um romance, sobre os clichês da publicar seus primeiros perfeitamente de meu pai
literatura de horror - e como não cair livros. pintando enormes painéis
em suas armadilhas, e, é claro, sobre com as imagens do 2001:
GIULIA MOON — Eu
vampiros. Saiba mais sobre Giulia Uma Odisséia no Espaço,
sempre tive habilidade para
Moon em seu blog Phases da Lua Sol Vermelho, O Dólar
desenhar, herança do meu
(http://phasesdalua.blogspot.com). Furado e muitos e muitos
pai, seu Kazuo, que pintava
Sobre o romance Kaori, visite a filmes. Ele ampliava, com a
à mão os painéis nas facha-
página da obra na Giz Editorial. ajuda de um episcópio, as
das de cinemas paulista-
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cia como “Giulia Moon”. E odiar. Vilões assim sempre mente “Vampiro: a Más-
assim ficou. Nunca publi- fizeram sucesso, pois adora- cara” (publicado no Brasil
quei nada como Sueli, pois mos esses contrastes: beleza pela Devir). Você perten-
Giulia continua sendo, pelo com maldade, delicadeza ce a este grupo ou seu
menos para mim, o meu com crueldade, e assim por interesse é anterior? Qual
lado vampiresco, noturno, diante. foi sua inspiração inicial?
aventureiro – enfim, o meu GIULIA — A minha ins-
eu que passava as noites piração inicial veio da
teclando com amigos so- SAMIZDAT — Com tan-
tos autores, nacionais e literatura, do cinema e dos
turnos e escrevendo contos mangás. Só joguei RPG
cruéis na Tinta Rubra. estrangeiros, abordando
o vampirismo, é possível uma única vez, com alguns
fugir de certos clichês amigos. Eu adorei! É um
SAMIZDAT — Os vampi- do gênero, ou ao fazê-lo jogo incrível, que faz uso
ros são um dos temas que, corre-se o risco de desca- de imaginação, de atenção,
de tempos em tempos, racterizar o tema? de perspicácia e é, antes de
voltam a ser moda. A que tudo, uma grande diversão.
GIULIA — Bem, não existe Mas mesmo àquela época
você atribui este fascínio uma lei que diga que tais
que temos por estas cria- eu não tinha tempo para
e tais características são frequentar as sessões de
turas? obrigatórias para um perso- RPG e por isso não me tor-
GIULIA — Acho que as nagem vampiro. Acho que nei uma praticante. Tenho
pessoas gostam de vampiros depende do bom senso de muitos leitores RPGistas e
porque são, em primeiro cada autor. Um bom senso alguns deles estão até usan-
lugar, vilões com um bom que o faça reconhecer que, do personagens dos meus
layout. São parecidos com sem algumas características livros para jogar. Deve ser
os seres humanos, têm as básicas, o seu personagem bem interessante assistir
vantagens da juventude não é um vampiro, mas Kaori, Kodo, Mimi e Mis-
eterna, imortalidade, dons alguma outra criatura. Os sora inseridos num jogo de
psíquicos, força física. É vampiros do meu livro RPG!
um monstro que tem um Kaori são os vampiros clás-
arsenal de armas variado: sicos: predadores, bebem
a força, o poder psíquico, a sangue (e só sangue), não SAMIZDAT — Em seu
sedução, a esperteza. Pode andam a luz do dia, têm Kaori: perfume de vampi-
agir com a “mão pesada” ou muita força e capacidade de ra, você narra a história
com sutileza, dependendo se regenerar de ferimentos. paralelamente em duas
da situação. Mas também Mas já escrevi contos em épocas e lugares dife-
pode ser sentimental, frágil, que os vampiros são seres rentes: no Japão da Era
enfim, pode ter todas as fra- microscópicos, por exem- Tokugawa, e na São Paulo
quezas da mente humana, plo. Os clichês ruins são contemporânea. É eviden-
pois já foram humanos um apenas aqueles que são mal te que a porção moderna
dia. Para o autor, é um per- trabalhados pelo autor. do enredo depende mui-
sonagem muito estimulante, to dos eventos narrados
e isso faz com que o produ- na parte do século XVIII.
to da criação tenha grandes SAMIZDAT — Muitos Mesmo assim, como foi
chances de ficar bom. E, autores da nova geração o processo de escrita?
para o leitor, é aquele vilão encantaram-se com os Como você montou o
(ou vilã) bonitão, sacana vampiros por causa dos romance? Foi escrito da
e malvado que adoramos jogos de RPG, especial- forma como se apresen-
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quem nos lê, mas até que me entedio e não consigo ir incutirem temor às pessoas
ponto você escreve para adiante. ingênuas da região. Quan-
seu público, e em que me- to ao nekomata, mantive a
dida você se mantém fiel maioria das características
ao que você quer escre- SAMIZDAT — Há um originais como as duas
ver? evidente trabalho de caudas, a possessão de cadá-
pesquisa sobre o folclore veres, etc.
GIULIA — Os meus leitores japonês em Kaori. Quanto
receberam Kaori com festa. tempo levou esse pro-
Acho que todo mundo que cesso? A que fontes você SAMIZDAT — Você tem
me conhece já me pergun- recorreu? Há um ponto algum projeto em anda-
tou, em algum momento, onde entra alguma “licen- mento? Pode nos falar um
por que eu não escrevia ça poética”, ou você se pouco a respeito?
um romance, pois muitos manteve fiel à tradição?
dos meus contos tinham GIULIA — Afora alguns
aquele jeitão de pedaços de GIULIA — A maior par- convites para coletâneas,
algo maior. Senti, por parte te da minha pesquisa estou começando a escrever
desse público, uma grande concentrou-se na História um novo romance den-
alegria com a chegada de do Japão, que eu pouco tro do universo de Kaori.
Kaori, uma recepção tão conhecia, nem tanto para Não posso detalhar muito
calorosa que até me surpre- colocar dados no romance, a respeito, pois as idéias
endeu. Por outro lado, com mas para situar os persona- ainda estão se formando na
a publicação de Kaori, o gens, seu comportamento, o minha cabeça, e tudo o que
número de leitores aumen- ambiente em que vivem, na eu disser aqui pode mudar
tou muito. Tenho recebido minha própria cabeça. As no instante seguinte. Pre-
mensagens entusiasmadas criaturas míticas de Kaori tendo mergulhar completa-
comentando sobre o livro são bastante conhecidas mente nesse projeto a partir
e os personagens. O en- pelos japoneses, é como se do início do ano, por isso
graçado é que eles leram usasse Saci e Iara do folclo- devo “desaparecer” durante
Kaori, em média, em três re brasileiro, portanto não alguns meses para dedicar
dias, o que é surpreendente foi preciso muita pesquisa. todo o meu tempo ao novo
para um livro com quase Eu já conhecia os tengus e livro. Em 2010, completo
quatrocentas páginas. Isso o nekomata de livros ja- dez anos como escritora,
é um forte indício de que poneses, mangás e filmes e por isso quero iniciar o ano
o livro cumpre bem a sua só procurei me certificar com força total!
função de divertir e entre- de alguns poucos detalhes.
ter o leitor, e estou bastante Para isso recorri a consul-
satisfeita com isso. tas a sites que tratam do
Coordenação da entrevista:
folclore japonês na internet.
Quanto a escrever para o Quanto à fidelidade às len- Volmar Camargo Junior
leitor, tenho a sorte de per- das, no caso dos tengus de
tencer à grande fatia da po- Kaori, usei apenas a forma
pulação que adora se diver- visual original e brinquei
Perguntas feitas por:
tir com a leitura. Não acho com a idéia de uma cria- Volmar Camargo Junior
que sou muito diferente da tura fantástica fazer uso da
maioria dos leitores, por Henry Alfred Bugalho
imagem de outra, pois eles
isso, sempre escrevo para não são tengus de verda- Fátima Romani
mim mesma. Se não estou de, e sim vampiros que se
gostando do que escrevo, eu apropriam dessa lenda para
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estudante de música, náuseas dominaram-no, som de sua composição
chamado Wolfgang Ama- o que o fez libertar-se da servia de trilha sonora
deus Mozart. Quando paralisia, caindo de joe- para a fuga, enquanto
soube da maldição, não lhos a largos vômitos. Em ele pensava como, até o
se alarmou, disse apenas meio a engasgos, tosses e momento, aquela música
que gostaria de ouvir o ânsias, ouviu a frase mor- nunca havia lhe parecido
tal concerto fúnebre e de tal: “Termine a música”. tão viva e tão mórbida.
conhecer o seu autor. Foi Confuso, desnorte- Prometeu não mais tocá-
alertado de que a história ado, Mozart tentou se la.
era verdadeira, de que as levantar apoiando-se No dia seguinte, o
pessoas já não queriam no órgão, que sua mão jovem Mozart já não se
mais estudar música, e atravessou como se nada encontrava pela cidade.
ele poderia ser o próxi- ali estivesse. Caiu sobre “Mais um levado pelo
mo, e o dia fatal estava o vômito, começando a Canto da Sereia de Bach”,
se aproximando... Nada recobrar a razão e ten- diziam. Contudo, soube-
disso o espantou. tando afastar-se daquele se na hospedaria que ele
Dia vinte e oito, “Toca- prenúncio da morte. havia partido durante a
ta e Fuga em Ré Menor”, De bruços sobre a terra, madrugada, são e salvo,
tudo como haviam dito, sentiu algo prendendo-o após o sinistro concerto.
e lá estavaHenry
Mozart pelo pé. Não teve cora-
den-Bugalho No cemitério, ao invés do
Alfred
tro do cemitério. Com os gem de olhar para ver o http://www.lostseed.com/extras/free-graphics/images/jesus-pictures/jesus-crucified.jpg
esperado músico morto,
O Rei dos
olhos fechados, deixava-se que era. E novamente a foi encontrada apenas
extasiar com as compo- voz suave suplicou: “Ter- uma inscrição na terra,
sições de Johann Sebas- mine a música”. Fazendo parecida com o trecho de
Judeus
tian Bach, num estado uma desesperada oração alguma partitura. Desde
de euforia sobrenatural. mental, tateou o solo até então, não se noticiou
Subitamente, o som se encontrar uma pedra mais vítimas do “Canto
extinguiu. O jovem des- pontiaguda. Com ela, da Sereia de Bach”.
pertou do transe e dirigiu começou a desenhar no
do www.revistasamizdat.com 15
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gr nl
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Autor em Língua Portuguesa
toda, só no ano que vem. vida promovendo o mais o maldito déspota jamais
Sua querida velha sem- desleal de seus inimigos? teria chegado onde che-
pre o chamava de pessi- Mas agora o vento fresco gou, controlava cada vez
mista, mas ele sabia ser da noite já o animava e mais as operações e mal
apenas realista. Conhece- as inevitáveis sacudidas lhe dava atenção. Nego-
ra bem demais a nature- do veículo não o inco- ciava abertamente com
za humana, mais do que modavam, nem lhe inter- os concorrentes e até
muitos outros idosos da rompiam os devaneios. mesmo nas datas come-
mesma geração. Tivera Quase conseguia se sentir morativas da fundação da
dias de grandeza, caíra na otimista. Boa parte do casa esquecia-se de men-
miséria e passara a de- seu leve sorriso, admitia cionar o nome do patrão
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e fundador, do qual cada o negócio. Anteontem vontade de lhe dar uns
vez menos clientes se à noite, naquele boteco tabefes, mas acabou por
lembravam. à beira-mar, conversara rir com ele. Estava ridí-
Nessa época do ano, confidencialmente com culo, teve de admitir. Mas
ria-se o falso Papai Noel, antigos rivais e eles se este ano, não. Era hora de
até o palhaço de verme- mostraram receptivos à recuperar a dignidade.
lho era mais popular. O idéia de uma nova socie- Sentiu mais um sacolejo
patrão tivera mais um dade. O safado do grego forte, ao atravessar ou-
daqueles hediondos ata- estava ainda mais falido tra inesperada corrente
ques de ira e ciúme e do que ele, mas também de jato. Olhou em volta,
tentara demiti-lo de uma queria voltar à ativa e calculou que já havia
vez por todas. Mas o tinha muita experiência. cruzado o Círculo Árti-
executivo-chefe arquivou Sua velha amiga irlandesa co e procurou um lugar
o memorando, chamou o também vinha sondan- para pousar o trenó.
velho caolho em particu- do o mercado, tinha um Aquilo ali em baixo eram
lar, pediu-lhe desculpas punhado de bons clientes as geleiras da Groenlân-
pelo mau comportamento e estava disposta a con- dia, a montanha devia
do sócio, elogiou seu tra- tribuir. O baiano, único o Gunnbjørn. Puxou as
balho e agradeceu anteci- da velha guarda a manter rédeas e conduziu o time
padamente os lucros que seu ponto, também se de oito renas nessa di-
continuaria a lhe trazer. interessou por ampliar os reção, até encontrar um
Até prometeu um au- horizontes. platô adequado.
mento. Um trovão distante o fez O Papai Noel de menti-
Continuava a ser um se lembrar da conversa rinha apeou-se do falso
trabalho odioso, mas os do filho com um cineasta trenó e esticou as per-
momentos divertidos entusiasmado na história nas cansadas. Admirou
estavam se tornando mais da família. Se desse certo, a paisagem noturna, o
freqüentes. E tinha de dar seria uma ótima propa- suave brilho da aurora
o braço a torcer à espo- ganda. Ao contrário do boreal, o silvo do vento
sa: graças a seus sagazes pretensioso concorrente, gelado, os poucos flocos
conselhos de paciência, o falso Papai Noel sabia de neve que lhe tocavam
as coisas começavam a não ser imortal. O fim as bochechas rosadas.
melhorar. Além de lhe podia não estar distante. Apreciou a sensação
deixar acumular uma Mas agora quase podia familiar. Estava quase em
pequena reserva, o bico jurar que haveria de bri- casa, longe do inferno das
lhe dera oportunidade lhar de novo antes desse selvas, savanas e metró-
de sair de casa, exercitar dia chegar, e seu filho poles tropicais onde tive-
suas faculdades e as de também. Todos iam ver! ra de distribuir milhões
seus ajudantes, manter Ah, sim. Precisava se de malditos presentes. Só
contatos, fazer novos trocar antes de chegar faltava uma coisinha.
amigos e conquistar um em casa. No ano passado, Disse aos ajudantes para
punhado de fãs e clientes se esquecera e o porteiro descerem e os dois ne-
ocasionais. quase perdera o fôlego gros o obedeceram, ani-
Já pensava em reabrir de tanto rir. Ficara com mados pela primeira vez
http://guisalla.files.wordpress.com/2008/09/machado1.jpg
misteriosas e os dois vol- gra, empunhou a lança e
taram a ser corvos e lhe montou. Com um relin-
pousaram nos ombros. char impressionante, o
Logo teriam de retornar colossal Sleipnir ganhou
à tarefa de conferir se as os céus, seguido pelos
crianças se comportariam fiéis Hugin e Munin. Sua
bem ou mal, mas teriam velocidade espantosa sa-
uma merecida semana de cudiu as geleiras desertas
férias. com um estrondo sônico,
E ele tinha razões para pouco antes de alcançar
esperar que em poucos Bifröst, o portal entre os
anos poderia voltar a dois mundos.
lhes confiar missões mais O leal porteiro o reco-
importantes. Os dias de nheceu e fez soar a trom-
http://www.flickr.com/photos/ooocha/2630360492/sizes/l/
tirania de Javé e Mam- beta Giallarhorn, como
mon estavam contados. nos velhos tempos. O rei
Zeus, Morrigan e Oxalá agradeceu a Heimdall
se uniriam à sua luta. com um acenar de cabe-
Mais um gesto mágico. ça, enquanto as valquírias
O trenó voador transfor- convergiam de todas as
mou-se em enorme lança direções para formar a
de arremesso, poderosa e guarda de honra e escol-
infalível. Outro. As oito tar o soberano ao Va-
renas se fundiram em lhalla. Frigg, Thor e toda
um único e espantoso Asgard o esperavam para
animal, um enorme cava- abrir a festa de Yule, o
lo de oito patas. Terceiro solstício de inverno. Odin
gesto. A ridícula fantasia sentiu-se em casa.
vermelha transformou-se
em uma armadura impo-
nente e completa e o cor-
po retornou à sua majes-
tosa estatura verdadeira.
O olho de vidro lhe caiu
da órbita ampliada, en-
Antônio Luiz M.C. Costa é editor e colunista da revista
CartaCapital, contista, romancista e referência no Brasil entre
autores de Ficção Especulativa. Leia aqui a entrevista que o
autor concedeu à SAMIZDAT, em outubro de 2009. ficina
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19
Contos
FOGETE PA LUA
Carlos Davissara
www.revistasamizdat.com 21
aquele dia, né? A construção foi arquitetada singela chama de palito de
– Saía um fogo bem grandão próxima à porta por onde Dona fósforo.
– disse Maycon, enquanto abria Ritinha havia saído. O foguete – Isso é nada de nada – in-
os braços. – E a mãe gostou! era um conjunto de bugigangas dignou-se Katelyn. – Não serve.
que ocupava boa parte do cômo-
– Ela falou que ia para a lua – E agora? – questionou
do. Ao seu lado, foi improvisado
um dia! – exclamou Katelyn, Bianca.
um pequeno letreiro: “FOGETE
sorrindo. – A gente faz o fogue- – Vamos procurar outra coisa
PA LUA”, feito por Katelyn
te e vai hoje, quando ela chegar! – respondeu Katelyn. – Mas,
com esmalte de unhas. O traba-
– Ê!!! – gritou Bianca, lho durou a manhã inteira, mas tem que ser grande.
saindo correndo de seu canto da ainda não estava terminado. Maycon, com um leve
amargura. Quase no mesmo ins- sorriso e os olhos arregalados,
– A gente tá se esquecen-
tante, já voltava arrastando uma virou-se para as irmãs.
do de uma coisa... – insinuou
caixa de papelão. – É o foguete
Katelyn. – O fogão da mãe! – falou,
– disse, colocando a caixa na
– O quê, Kate? – os irmãos empolgado.
frente dos irmãos.
perguntaram quase que simulta- Os três correram até a cozi-
– Legal, Bia! – aprovou,
neamente. nha e se juntaram para arrastar
Katelyn. – Só que tem que ser
– Lembra do “fogo bem o fogão. Logo perceberam que a
mais grande, senão a mãe não
grandão”, Maycon? – ela inda- tarefa era impossível para eles,
cabe. Vem, ajuda aqui – pediu
gou. não tinham a força necessária.
apoio enquanto puxava a caixa
que, dentro, já tinha o irmão fa- – É... – o menino respondeu – E agora? – era Bianca,
zendo sons dos mais fantasiosos com olhar de quem recebe uma novamente.
foguetes. revelação divina. – E agora? E agora? – imi-
– Fogo bem grandão! Fogo tou-a Katelyn, enquanto olhava
bem grandão! – Bianca repetia ao seu redor. – Já sei! A gente
Além de terríveis, os filhos
em forte coro, ao que os outros leva só o botijão de gás! – ex-
de Dona Ritinha eram criativos,
se juntaram num empolgado clamou, eufórica. – Vai ser a
muito criativos. O que come-
refrão. E enquanto saíam, feli- turbina do foguete!
çou apenas com uma caixa de
papelão resultou numa enge- zes, à procura da última parte – Turbina, turbina! – Maycon
nhosa nave espacial para quatro do foguete, Dona Ritinha, triste, e Bianca iniciaram um novo
tripulantes, formada por caixas, iniciava seu trajeto de volta, coro.
vassouras, cobertores, um ferro ainda desempregada e sem fazer
Fazendo grande esforço,
de passar roupa e panelas. a menor ideia da surpresa que os
Katelyn tentava soltar a chave
filhos haviam lhe planejado.
– Põe isso aqui também – su- da mangueira do gás.
geriu Maycon, com uma antiga – Está muita dura – reclamou
torneira na mão. – Pra beber *** aos irmãos.
água.
Pouco depois, teve uma
– É mesmo, Maycon, na lua A primeira coisa perto de ideia. Foi até a pia, pegou uma
também deve dar sede – con- “fogo bem grandão” que as faca e, com ela, cortou a man-
cluiu, alegre, a irmã mais velha. crianças conseguiram foi uma gueira.
– Turbina fedida! – reclamou Katelyn segurou a caixa de Dona Ritinha ficou extrema-
Bianca, fazendo uma careta. fósforos na expectativa, enquan- mente feliz com a surpresa pla-
to Dona Ritinha pegava a chave. nejada pelos filhos. Via sua casa
Não sem dificuldades, os
A menina fez um sinal para destruída, mas não se importava
três arrastaram a “turbina” até
os irmãos abafarem o que não – estar na lua compensava tudo.
o foguete. O odor desagradável
sabia se era tosse ou risos. Os três irmãos alegraram-se ao
tornava a tarefa mais penosa,
Dona Ritinha abriu a porta e, perceber o sucesso do plano.
mas a vontade de ver a mãe
contente era maior. espantada, percebeu o forte odor Chegando ao destino, a
que dominava o lugar. mulher comentou que a viagem
Encaixaram o botijão na par-
– Meu Deus, que cheiro de... tinha lhe dado sede. As crian-
te traseira da nave espacial. O
ças entreolharam-se e sorriram.
resto de mangueira pendia como A fala não foi terminada.
Maycon mostrou a antiga tor-
um pavio, pronto para ser aceso. Katelyn riscou o fósforo e
neira que se lembraram de levar.
O cheiro forte inundava o acendeu a turbina do “FOGE-
Satisfeita, Dona Ritinha beijou
ar quando as crianças ouviram TE PA LUA”. A decolagem foi
os filhos e decidiu que não mais
o barulho do portão. As três tão rápida que quase não houve
sairiam dali. A lua era o lugar
começavam a se sentir mal e tempo de Dona Ritinha subir à
deles.
Bianca deixava escapar uma nave.
tosse seca. A família elevou-se pelo céu
– Bia, a mãe chegou – aler- deixando como rastro uma bela
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O lugar onde
a boa Literatura
é fabricada
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Contos
Caio Rudá
Um copo de café
vendo em exemplar harmonia, substantivo “estrangeiro”, aque- sante. Não sei se pelo efeito
bem como deve ser entre um le que vem de terras estranhas. de três garrafas já consumidas
aborígene e sua terra nativa. Mas isso não passa de mera ou sóbria, embora irracional,
Engraçado como as bebidas especulação etimológica. De vontade de vingar-me, pen-
são perfeitos mecanismos de todo modo, apesar das iniciais sei seriamente em levantar e
revelação. Análoga à compro- dificuldades com o idioma, encher a cara da criatura de
vação de não-brasilidade foi pois tinha uma fluência que porrada ou, nem eu sabia que
a descoberta de minha pátria deixava a desejar em pequenos era capaz de idéias tão perver-
de espírito. Minha ontogênese pontos, minha adaptação cor- sas, cortar-lhe o pescoço com
certamente gritava alto eviden- ria bem. Não tive problemas um caco de vidro proveniente
ciando meus gostos pelo que com a imigração por ter já o de uma garrafada prévia.
tinha origem naquela próspera passaporte português, o que
ainda me poupou de muita Tive os pensamentos inter-
ilha européia, mas eu parecia
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rompidos por gritos raivosos morte. obrigações de minha parte em
ou apenas aliviosos de gol. A conversa fluiu como se nosso pacto, mas ele quisera
Aproveitei a confusão que fossemos velhos amigos que fazer-me um favor.
se instalara naquele recinto se reencontravam após anos Com a loira apontando à
acanhado e tomei a direção de separação. Falei do Brasil porta do banheiro femini-
da saída, mas antes ouvi uma e ele demonstrou interesse, o no, encerramos o assunto e
voz que me chamava. Óbvio, que me fez gastar mais tem- quando ela sentou-se de volta
não podia ser alguém além de po do que poderia imaginar estávamos fingindo tratar de
mim. Virei, num gesto ma- narrando o dia-a-dia de um trabalho. E assim a conversa
quinal. Ele acenou, gritou meu típico carioca. Ficou surpreso tomou os rumos que deveria,
nome novamente e finalizou, quando disse que não ia muito a loira rindo a cada deixa
“venha cá”. à praia e perguntou, então, minha. Já ensaiava perguntar
Fui ao seu encontro já sem pelas garotas. “The girls”, com a meu amigo se ela era algu-
a vontade de rasgar-lhe a goe- um gesto de volúpia na face, e ma espécie de acompanhante,
la. Cumprimentamo-nos e ele acrescentou dizendo que eram caso ela se retirasse da mesa
disse que não me esperava por as mais bonitas do planeta. novamente. Mas, ao contrário,
lá, que era cliente há tempos Discordei, alegando sonhar permaneceu lá, cada vez mais
e nunca me vira. “Entrei por em casar-me com uma inglesa interessada na conversação.
acaso”, foi o que consegui res- loira ou morena, “whatever”, Passado um par de horas,
ponder. Em seguida, como se mas que tivesse os olhos azuis. ele levantou-se, de súbito, e
entendesse tal acaso pediu-me Ele brincou: “você me importa despediu-se de nós. Com o
desculpas pelo que havia dito uma brasileira bem gostosa e celular numa das mãos, nos
mais cedo. Explicou-me que eu lhe apresento uma autên- acenou fazendo cara de “que
tinha de mostrar sua autorida- tica inglesa. Nosso pacto”. pena”, como se dissesse “acon-
de ante os demais subordina- Concordei e assim encerramos teceu um imprevisto” ou algo
dos, afinal era o chefe, que se nosso papo, ele deixando uma semelhante. Perguntou-me
não se impusesse o escritório generosa gorjeta para o aten- ainda antes de sair se eu podia
viraria uma bagunça. “Nada dente e saindo com o terno de levar a loira em casa depois.
funciona sem hierarquia bem tweed num dos ombros. Respondi que sim, sem na
definida”, encerrou. Duas semanas depois volta- hora importar-me como.
Algo em seu modo de falar mos a nos encontrar, dessa vez Continuamos a conversar,
ou na expressão me fez crer num bar em Covent Garden, intermitentemente sorvendo
que ele estava sendo sincero ele acompanhado de uma be- algum líquido. Com a saída de
no que dizia. Tudo aquilo líssima loira cujos seios, mes- meu companheiro, ares mais
me soou não tanto como mo cobertos por um suéter íntimos se instalaram naquela
um pedido de desculpas por preto, esbanjavam sensualida- mesa e nossas considerações
arrependimento, mas um meio de. Eu pensava comigo, “lucky a três sobre assuntos triviais
de ilustrar como as coisas bastard”. Fomos apresentados e deram lugar a perguntas mais
funcionam na empresa. Com então soube que não se tratava pessoais. Confirmei que, de
a naturalidade com que me de sua namorada. Ao sentar- alguma maneira, ela estava
punha tudo isso, percebi que mos todos na mesa ele disse: interessada em mim.
era intrínseca ao bom inglês a “nosso pacto”. Lembrei daquele
aparente rispidez nas relações dia no pub. Eu achara que Foi com nenhuma surpre-
de trabalho. Aceitei, enfim ele estivesse brincando. Mais sa que ela recebeu meu “sou
tinha sido um erro meu. En- tarde, enquanto a loira tinha brasileiro”. Confessou-me: “seu
tendi minha raiva mais como ido ao banheiro expliquei-lhe sotaque é uma graça”, o que
uma defesa contra admitir que as dificuldades de “importar explicou aquele sorriso cons-
no Brasil tivesse sido diferente. um brasileira”. Sua resposta tante durante minhas falas.
Não havia motivo, portan- foi simples: “sou casado, você Ademais, acresceu: “sou apai-
to, para fazê-lo sangrar até a não.”. Entendi que não havia xonada pelo Brasil, o calor, as
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Contos
O Natal de Josefa
Joaquim Bispo
http://www.flickr.com/photos/cbcastro/2423393940/sizes/l/
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como ocupar o tempo. Se calhar, rapazes que, indiferentes à chuva Josefa ficou paralisada a olhar
não tinha sido boa ideia vir este miudinha e gelada, mantinham para aqueles olhos azulados e
ano à terra! Deambulou pelas uma algazarra regada a vinho, vítreos, como se lhe custasse a
divisões silenciosas, a olhar junto aos madeiros em chamas, perceber o que via. Depois, pe-
as fotografias cinzentas: aqui entrou na igreja logo reconheci- gando no gatinho, aconchegou-o
jovem, com o marido, no casa- da, e sentou-se junto à coxia. contra o peito, por dentro do
mento dum primo; ali sorridente Lá estavam, parados no sobretudo, e desatou a soluçar
com «os seus homens» numa tempo, os santos da sua menini- convulsivamente. As lágrimas
visita a Cáceres; mais além o pai ce – Santo António, a Sra. das rebentaram incontroladamente,
aprumado numa farda do tempo Dores, S. Sebastião, o Coração como se estivessem há muito
da tropa. de Jesus. Durante toda a missa represadas.
Lá fora, começara a cair uma foi recordando alguns episódios Pouco depois, o gatinho,
chuvinha miúda. Josefa ficou um ligados a esta igreja da sua terra confortado pelo calor do corpo
bocado a olhar a rua vazia e a ver – o crisma, o casamento da tia de Josefa, começou a ronronar.
as gotículas de chuva a formarem Matilde, o baptizado do primeiro Josefa olhou em volta. Cristo
pequenos veios na vidraça. As- sobrinho, um dos primeiros afo- crucificado estava desfalecido
sim eram os seus dias a escorre- gueamentos quando reparou que no seu martírio, a Sra. das Dores
rem, não sabia para onde. um rapaz mais velho olhava para e S. Sebastião olhavam os céus.
Cozeu umas batatas com ela de uma forma especial. Deu com os olhos nos olhos do
grelos e uma posta de corvina. Quando o celebrante levantou Menino Jesus, que estava ao colo
Há dez, quinze anos, teria feito a hóstia, Josefa sentiu-se mui- de S. António e sorria. Pareceu-
também uma boa sopa de feijão to desamparada. Intimamente lhe que afastou o olhar, quando
com hortaliça, uma perna de implorou: ela o fixou, e que a olhava, se
borrego e umas rabanadas. Ago- ela desviava o olhar. Entretanto,
– Sejas tu quem fores, ajuda-
ra, tudo lhe fazia mal. Comeu o alguém tocou no braço de Josefa:
me; ajuda-me, por favor!
peixe com pouca vontade. Não – Então vizinha, deixe lá isso,
A missa acabou. Josefa ficou
lhe sabia a nada. Deixou metade que hoje já é dia de Natal. Venha
ainda um pouco, ajoelhada, em
da posta. comigo que eu também vou para
recolhimento. Aproveitando a
Acendeu o lume na lareira da os seus lados.
porta aberta pelas pessoas que
cozinha e sentou-se a olhar as iam saindo, entrou na igreja um Lá foi Josefa, sem ouvir a
línguas das chamas que consu- gatinho ainda pequeno, molhado conversa da vizinha, com o ga-
miam mansamente os cavacos e enregelado, a abrigar-se do tinho junto ao peito, tão apazi-
com que as ia alimentando. As- tempo hostil. Era malhado de guada como nos dias felizes, tão
sim a sua vida se ia consumindo, preto e branco, parecia confuso e realizada como quando regressa-
placidamente, sem dramas, sem miava debilmente, entre o receio ra a casa com o seu filho acabado
objectivo. Aguentou-se por ali e o queixume. Foi caminhando de nascer, ao colo.
a cabecear, a fazer horas para a pela coxia central, enquanto o
missa do galo. seu miado se tornava mais su-
Junto ao adro, o cheiro a ma- plicante, sobressaindo por cima
deira queimada, tão familiar, fê- da vozearia lá de fora. Josefa
la lembrar-se dos antigos natais, ouviu-o, mas, muito imersa no
quando ir conviver e aquecer-se seu espírito, demorou a surpreen-
junto à fogueira de Natal era der-se. Quando olhou, o gatinho
uma festa. Passou pelo bando de parara a miar e a olhar para ela.
Wellington Souza
http://www.flickr.com/photos/george_eastman_house/2986883145/sizes/o/
procurando abrigo contra a um paga o seu.” o amargo que a existên-
chuva debaixo de um toldo “Não deveria aceitar, não. cia é. Por isso, nada mais
de loja. Mas já que tudo está uma de açucares. Se eu viesse
“Nossa! achei que eu esta- merda, vamos lá.” aqui e começasse a falar
va fodido. Mas ver esta tua o quanto eu amo MPB e a
“É, tudo estava uma mer- voz do Toquinho me fasci-
chapinha tirou um pouco da mesmo.”
do meu pesar em ter es- na, estaria adoçando minha
quecido o guarda-chuva em Fomos. Sentamos. Deixei natureza taciturna. E você,
casa.” que ela pedisse primeiro, certamente, preferiria. Mas
depois pedi apenas um cansa viver na casa de doce.
Esboçou ficar brava, mas expresso e frisei para não Além do mais, quando teu
queria sorrir. A expressão adoçarem. dedo estiver gordinho, a
que resultou foi de quase- bruxa vem devorar-te.”
indignação. “Sem açúcar?”, perguntou
depois que o garçom acaba- “E é possível suportar
“Sorte sua seu cabelo ser ra de anotar o pedido e se tudo sem açúcar. Não sei
à prova d’água”, respondeu. foi. Sinal de discrição, notei. se gostaria de escutar esse
“Está certo, empatou: “É. Depois que a diabetes papinho, não gosto de MPB,
um a um. Mas está bem levou meu pai, não me dou acho todos uns plagiadores.
incômodo aqui, vamos ali mais com açucares...” A começar pelo Chico: as
ao Caffee desempatar isso. letras dele são todas fran-
Deixe eu te pagar um café, “Ah, tem medo de ter isso cesas, pode ver. Aprendeu
vai.” também...” a fazer poesia ouvindo
“É claro que não.” “Não. Percebi que o açú- isso com a família, depois
car nada mais é que uma aprendeu a dedilhar... daí
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copiar um pouco de samba “Já estou namorando...” “Nunca provei.”
e misturar a isso e pron- “E ele sabe disso que você “Olha Curumim, meu
to, virou gênio. Gosto de me falou? da companhia à número é esse e minha
música instrumental, Baden velha mãe e do Baden.” me chama por esse nome.
Powell... mas ninguém escu- Ligue-me hoje às oito horas,
ta isso hoje em dia...” “Não.”
está bem! O que você vai
“Realmente, ninguém.” “Ah... Você se adoça para fazer agora?”
ele então. É normal. Anor-
“É dos namorados ali do mal é ser assim, como es- “Está marcado, também
canto”, um garçom grita tamos. Não quer viver sem gosta de ficar no telefone
para o outro. Chega nosso açúcar?” por horas, é? Agora vou
pedido. Café com chantilly até o meu apartamento e
e biscoitos para ela e o meu “E dá certo? Quer dizer, escrever como conheci a
já descrevi. Antes de ele não sei. Sinto como já te mulher... sou escritor, escre-
partir, ela lhe informa que conhecesse há muito tem- vo para colunas e sites de
não somos namorados e po. Quase que me lembro revistas que poucos lêem.”
sorri para mim, procurando de nossa infância compar-
tilhada no escorregador, no “Está bem, terá muito
aprovação na informação. tempo para me contar!”
trenzinho. Ou nos olhando
Sorvo. “Realmente, nin- e sorrindo e gargalhando na Vamos até a porta, a chuva
guém mais ouve música gangorra do parquinho.” apertou mais. Carros an-
instrumental desse quilate. dam de farol aceso. “En-
Mas você conversa sobre “Também sinto isso. graçado como estava tudo
isso com todos que conhe- Acho que é porque estamos uma merda e agora não
ce?” nus. E quanto à pergunta está mais.” Nos beijamos.
‘se daria certo’ também não Beijamos mais. Compramos
“Não. Minha mãe me sei. Já tentei isso por duas
acha meio estranha. Escuto um guarda-chuva. Beijamos.
vezes e nada. Mas prefiro ir “Agora vou mesmo, não
sozinha no meu quarto, e tentando a viver disfarçan-
ela não gosta de ficar sozi- tente me beijar novamente
do o gosto... mais cedo ou senão não saio daqui.” Beiji-
nha nem de ficar escutando mais tarde temos que senti-
isso e pede para eu ficar nhos de peixe.
lo verdadeiro, sem maquia-
na sala vendo tevê com ela. gem sem nada. Daí sim será “Vá pela sombra, Curu-
Moramos só nós duas num amargo e intragável. Agora minha.”
apê, então levo meu eme- estamos apenas sendo nós “Às oito. Não esqueça”,
petrês e um livro e ficamos mesmos e mais nada. Nem grita e é guardada pela chu-
assim. Ela não gosta, mas é de nomes precisamos, nem va.
melhor que a solidão total. de nada que é coercitivo. A
Gosto de ler também os “Oito” grito e pisco o
única coisa que precisamos olho para ninguém. Vai. Eu
clássicos que compro em é tentarmos.”
sebos. Estou te falando por- entro, peço uma caneta e
que sei que não me achará “Nem percebi que não arranco um guardanapo.
estranha. Sei lá.” sei teu nome ainda... nem te Nada me vem, o espaço que
disse o meu...” antes achava infinito está
“Por que você falou para todo dela. “Garçom, outro
o garçon que não somos “Quer me namorar?”
café, por favor.”
namorados, se não sabemos “Já não estamos?” e pega
ainda? Vai que já somos na minha mão. “Agora te- “Sem açúcar de novo?”
mas estamos por descobrir.” nho que voltar para o escri- “Não. Normal. Este ulti-
“Ah, para. Sei lá, achei tório, já passou meu horário mo estava horrível.”
por bem esclarecer.” de almoço. Quer almoçar
em casa dia desses? Faço
“Então, quer ser minha lasanha de espinafre, gosta?”
namorada?”
a boa Literatura
– Kane.
é fabricada
ficina
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http://www.flickr.com/photos/27235917@N02/2788169879/sizes/l/
A Oficina Editora é uma utopia, um não-
lugar. Apenas no século XXI uma vintena
de autores, que jamais se encontraram
fisicamente, poderia conceber um projeto
semelhante.
O livro, sempre tido em conta como uma
das principais fontes de cultura, tornou-se
apenas um bem de consumo, tornou-se um
elemento de exclusão cultural.
A proposta da Oficina Editora é resgatar o
valor natural e primeiro da Literatura: de bem
cultural. Disponibilizando gratuitamente
e-books e com o custo mínimo para livros
impressos, nossos autores apresentam
a demonstração máxima de respeito à
Literatura e aos leitores.
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Contos
O bilhete literário
Ju Blasina
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http://guisalla.files.wordpress.com/2008/09/machado1.jpg
do fim. Algo assim, não passa olhos secos. Ela permanecia
em branco, até as memó- imóvel, exceto pelos movi-
rias tem cor. Nem mesmo o mentos autônomos de seu
bilhete era branco – post it corpo – o tremer, respirar, o
amarelo - impossível ignorá- doer, repensar.
lo. Ela bem que tentou, por Dias se passaram até que
5 minutos ou 50 anos per- ela à rua saiu. Conduzida
maneceu ali, em pé, olhando não gentilmente por homens
fixamente, sem reação... de branco. Foi posta num
O amarelo, sinalizador de casaco branco, num carro
agonia, prendeu toda a sua branco. A mente em branco -
atenção, mas afinal, essa era exceto pelo bilhete amarelo.
a intenção.
Ler ou não ler? Eis a ques- Era tarde, muito tarde
tão. Post it amarelo escrito a quando ela enfim falou –
mão.
http://www.flickr.com/photos/ooocha/2630360492/sizes/l/
mexeu os lábios emudecidos
Muita cor pra pouco pa- pelo tempo, nem lembrava
pel. Muito papel pra poucas como fazê-lo; a voz muito
palavras. Muitas palavras pra fraca. Ninguém mais lembra-
pouco sentido. Muito sentido va o fato, ninguém ouviu ou
pra pouca coragem. Mui- entendeu bem o porquê, mas
ta coragem pra ler – o tal foi ao ver um cigarro aceso,
bilhete: a chama amarela caindo em
Ela leu uma única vez e brasa, que ela enfim murmu-
as palavras ecoaram em sua rou baixinho:
cabeça – zunido, tontura, “...mas ele nem fumava...”
angustia, amargura. Com cer-
teza o bilhete mais literário
ficina
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Contos
Os docinhos do Vercidino
Volmar Camargo Junior
http://www.flickr.com/photos/outofthebox27/2255722055/sizes/l/
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nha, deslumbrado com sua quer pessoa estudada. Os
a beleza, e ainda mais com a agrados à professorinha, à Já havia até um princípio
atenção que esta lhe dispen- medida que ele se tornava de rebuliço entre as boas-
sava, e mais do que tudo com mais e mais empenhado em senhoras da cidade, dizendo
os olhares lânguidos e os fazê-la feliz, tanto mais ela que o padeirinho preparara
sorrisos de canto de boca e os aceitasse, mais finos e algum doce estragado, ou até
aquelas arrumadinhas da me- deliciosos eram os quitutes coisa pior: que envenenara a
cha de cabelo atrás da orelha que ele preparava com as coitadinha. Mas os mexeri-
que ela fazia, trazia para a próprias mãos. Acabou por cos só terminaram (mas que
família os pães fresquinhos ele próprio juntar dinheiro o virou assunto para quase um
feitos por ele mesmo. E para suficiente e encomendar da século depois, que é o que
a fessora, um doce da confei- Capital um livro de receitas estamos fazendo agora, nesse
taria. Sem ter pai, nem mãe, de doces portugueses. À vila exato momento) quando, de
nem maiores gastos consi- não restava dúvida: era o dentro do quarto da moça
go, Vercidino empenhava o mais puro exemplo da falta enferma, ouviu-se um cho-
salário inteiro com o patrão, de amor próprio da herdeira, ro estridente e forte como
levando agrados ao Coronel da falta de cuidados do pai o de um touro, o choro do
e à Menê. que permitia a uma moça mulatinho de quase cinco
Em menos de um ano, tão linda e rica andar com quilos que a filha do Coronel
as visitas dos herdeiros de um pobre-coitado como o acabara de dar à luz.
estância foram diminuindo padeirinho.
até cessarem de vez. Não
Vercidino, coitado, foi o
porque a moça estivesse a Contudo, chegou um único que não pode apro-
perder seus encantos, que ponto em que a Menê não veitar a festa que o Coronel
aliás só aumentavam com a conseguia mais mover-se mandou preparar para rece-
boa administração do Co- sem ajuda: tornara-se uma ber a Vila toda. Apavorado,
ronel, já que, mais do que jovem de lindos olhos verdes, pensando que sua amada
os belos olhos da moça, o de sedosos cabelos louros professorinha morria por
que o alimentava o apetite cacheados, e pesando quase causa de seus docinhos, cor-
dos pretendentes eram os duzentos quilos. Foi então reu para o mato com uma
tantos milhares de cabeças que, num certo dia, sem que corda e só não se enforcou
de gado do velho, mas por- ninguém percebesse, a moça porque ouviu alguém cha-
que as repetidas recusas por reclamou de dores muito for- mando:
parte da moça tornaram-se tes no ventre. Chamaram o
uma lenda local. A única médico de Cruz Alta, a ben-
coisa que Menê não recusava zedeira, o padre, e ninguém “Ô padeirinho! Anda, ra-
eram os regalos de seu aluno conseguia fazer com que paz! Teu filho nasceu!”
preferido. ela parasse de sentir dores.
Até que, para a surpresa de
O Vercidino aprendeu todos, a cama onde ela estava
a ler e a fazer cálculos, e foi inundada por uma água
nesse mesmo tempo, já sabia que, além de Menê, que era
ler tão bem, em silêncio e instruída, ninguém soube de
em voz alta, quanto qual- onde vinha.
ficina
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Contos
14 de Nisan, ano 3790 do
calendário hebreu
Jerusalém, Judéia
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Contos
de mim, ele possa aprender
ÊXTASE
uma lição: toda profecia,
cedo ou tarde, se realiza. Eu
sou o bode expiatório. Mas
não purifico pecado algum,
nem do meu povo, nem dos
meus amigos, nem sequer
os meus próprios. O único
pecado que carrego sobre José Guilherme Vereza
mim é o de falar a verdade.
O maior de todos os peca-
dos!
Meu Pai me esqueceu.
Desviou seus olhos de mim
e me deixou para morrer.
Não sou o único; compa-
nheiros meus agonizam ao
meu redor. Não só eles, es-
tes soldados, os sacerdotes,
meus amigos e familiares,
toda a Jerusalém, agoni-
zam. O fim está próximo
e não haverá clemência
para nenhum deles. Deus
se disfarçou de ovelha, mas
Ele é um lobo! Ele me fez
acreditar que nos amava, Julio comprou um binóculo. Só para assistir mais de perto
obrigou-me a mentir para o que o edifício em frente ao seu oferecia de tipos e situa-
o povo, mas somente agora ções. A estréia do binóculo foi desastrosa. Viu uma senhora
eu percebo: Deus criou um mudando a roupa e ao perceber que estava sendo observada,
mundo imperfeito para nos a velha abriu-se num exibicionismo agressivo e constrange-
dor.
castigar. Somos crianças
levadas sofrendo uma seve- Julio atirou o binóculo pela janela. Jurou a si mesmo
ra punição. Não há anjos extirpar o vício que colocava remorso, vergonha e fraqueza,
nos protegendo porque não juntos, embolados na boca do estômago. O ato impulsivo
merecemos. Nosso destino é de puro arrependimento fazia parte de um ritual, que tinha
início em palpitações, excitações, ansiedade, clímax e desa-
o sofrimento. No fim, há so-
guava, sempre, em ânsias indigestas. Aos engulhos, livrou-se
mente a morte. Triste cons- da imagem da velha.
tatação, a mais pesarosa de
todas. Basta desta vida! Não Mas Julio não se emendava.
posso suportar mais! Passada a ressaca, resgatou o binóculo entre as folhagens
do jardim do prédio, sem um arranhão na lente. Sinal de que
— Meu Deus, meu Deus, a qualquer momento, a função poderia recomeçar. Não com
por que me abandonaste? a velha na mira, mas com outras atrações.
Descobriu um paraplégico que gostava de bolinar a enfer-
Extraído da obra “O Rei meira.
dos Judeus” Dessa vez não se tratava de alguém que avançara na idade,
mas de um quase quarentão bonitão, condenado pelo des-
tino a rodar pra lá e pra cá com sua cadeira num cubículo
pouco mais digno que uma jaula no zoológico. A enfermei-
ra aparecia toda terça-feira, para ajudar nas tarefas básicas,
http://www.flickr.com/photos/tluc/3950125503/sizes/l/
e satisfações íntimas sempre que sonhava morrer glorio- çar.
indiscretas. Não cuidavam os samente tentando dar mar- - Na verdade, não sou
amantes de preservar a pri- cha ré à vida, retornando ao enfermeira. Nem ele é meu
vacidade e cometiam o sexo lugar de onde nunca deveria cliente, nem paraplégico. So-
possível em grandes perfor- ter saído. mos casados e alugamos de
mances a poucos metros de Um dia, quem apareceu na um amigo aquela quitinete,
lentes curiosas. porta de Julio? toda terça-feira.
Era tudo tão evidente, que A enfermeira. Julio silenciou. Nem uma
Julio percebia o ronronar da pálpebra mexeu.
mulher sentada de cócoras -Com licença, o senhor não
em cada braço da cadeira, é o sujeito que fica de binó- A mulher se desculpou,
movimentando seu pélvis de culo espiando o que eu faço agradeceu e saiu enxugando
cima para baixo bem no ros- com meu cliente as lágrimas.
to do homem. Os braços po- Julio se encheu de coragem. Terça seguinte, Julio com-
tentes do paraplégico empur- prou outro binóculo.
- Sou eu mesmo. Aliás, era
ravam o corpo da enfermeira
eu mesmo. Joguei o binóculo E diante das suas lentes, viu
já totalmente nua para si,
no lixo. Nada acontecia de um casal exuberante, fazendo
mãos enterradas nos glúteos,
novo naquelas janelas. o amor dos amores, em cima
como que quisesse se deixar
- Pois é. Por causa disso, de uma cadeira de rodas.
asfixiar e acabar para sempre
aquela busca incessante pelo meu cliente está deprimido. Com direito a uma cúm-
que não existia mais. Não se interessa mais por plice piscada de olhos da
mim... enfermeira.
Julio não se contentava em
ver o que via. Imaginava. - Lamento... mas espiar os Ou melhor, da mulher em
outros não estava me fazendo êxtase.
Classificou o paraplégico
bem.
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Contos
Léo Borges
http://www.flickr.com/photos/82967513@N00/2632642514/sizes/l/
pouca frequência às festas o filho da prima Zuleica. Reapareceu no fim de
natalinas da família, não Antes mesmo da chegada 2002, quando o filho da
parava de choramingar por do novo ano, entretanto, Eleonora, um garoto muito
mais aquela injustiça. Em soube que a peça virara possessivo, ganhou da es-
meio aos soluços, ela mur- proteção de frio para o forçada tia um conjunto de
murava que era exatamente canário-da-terra na varan- lápis de cor. Tia Irene acre-
por causa desses aborreci- da. Zuleica tentou explicar ditou que, com esse presen-
mentos que sumia quando o fato dizendo que por te, agradaria a mais de uma
os festejos de fim-de-ano se causa da disputa dos filhos criança, apostando num
aproximavam. Sem dinhei- para usá-la, achou me- improvável gesto de altru-
ro para comprar presentes lhor atribuir à cueca uma ísmo de Gustavo para com
para todas as crianças, ela nova (e cômica) serventia, os irmãos e primos. Para
procurava passar a imagem colocando-a no ponto mais sua tristeza, o garoto não
de boa tia agraciando ape- alto da casa para que os apenas não dividiu como
nas o filho mais novo, ou o meninos, temporariamente, entrou numa áspera briga
menos rebelde, do casal que a esquecessem. O argumen- com os outros meninos
estivesse sediando o encon- to, porém, não convenceu que queriam emprestados
tro. Mas o espírito natalino tia Irene que, ao ver a figura os lápis. Por fim, um deles
não lhe sorria e a coisa estilizada do morcego ador- ainda escreveu na parede a
nunca saía como esperava. nando a gaiola do passari- infame frase: “a bruxa da tia
Remoeu o Natal de 1995, nho, ficou extremamente Irene só deu presente pro
quando deu uma cueca com ressentida e desapareceu Guto”. Tia Irene ficou hor-
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menino, aos gritos, ainda mesmo assim, mantinha duas conversando com ex-
conseguiu recuperar com sua sanidade. O problema, pressões tão mutantes: ora
os mendigos um pacote de então, seria o forte remédio tia Irene chorando convulsi-
açúcar, algumas laranjas e que Silmara vinha tomando vamente com Silmara rindo,
duas latas de ervilha. para combater a insônia. ora tia Irene pensativa com
– Por que você faz isso? Talvez fosse este o ladrão Silmara fazendo cara de
Não somos ricos! Não vê da saúde mental daquela tristeza. Mas, todos acha-
que me entristece? mulher. Só isso poderia vam que eram as emoções
justificar a invenção de tão do Natal e a expectativa
– Se estou feliz e eles estapafúrdia história. do ano novo que estavam
também, por que só a se- mexendo com a cabeça
nhora se magoa? – Como não sabe ter, Sil-
mara? Ele não fala, por um de ambas. Não havia ou-
Como forma de castigo acaso, “meus pais” quando se tro motivo para nesgas de
pelo feito, Romeu ficou refere a vocês numa con- apatia, afinal, havia luzes
proibido de brincar com versa com outras pessoas? piscantes, presépios bem
Bilico por três dias, já que, montados, encontro de fa-
como os pais sabiam, parar – Não, Irene, não fala. O miliares distantes e comida
de fornecer mesada seria mais perto que ele consegue em abundância naquele lar.
uma inócua punição. chegar de exclusividade é
através do pronome “nosso”. – E por que você ficou
Silmara falou também so- Romeu crê, dentro dessa feliz quando eu reproduzi
bre os momentos de tensão sua completa ingenuidade, a resposta do Romeu? Por
que teve de superar para que todos têm ou deveriam que você disse que ele está
mostrar aos outros que Ro- ter de tudo, e não uma úni- melhorando? Quando eu te
meu não era um retardado. ca pessoa. contei o que ele disse pra
– Estão pegando tudo do mim, “a meia não é minha”,
Nesse momento, Silmara você vibrou... – questionou
seu filho! Ele é um idiota! mudou de expressão. Um Irene, querendo entender
– Não! Ele não é um idio- laço de tristeza quis domi- onde estava a lógica naque-
ta, ele só não sabe ter! Mas ná-la. la alegria.
é difícil pessoas como vo- – A professora do Romeu
cês, consumistas e egoístas O sorriso voltou ao rosto
disse que ele precisava de da mãe:
natos, entenderem! – explo- ajuda especializada. Alguém
dia. No fundo, porém, ela que o fizesse entender o sig- – Não vê? Romeu parece
queria que ele agisse como nificado das palavras “meu” ter entendido, por meio da
seus detratores: que soubes- e “minha”. Ele até sabe negação, o que é ter. Quan-
se obter, ter e manter. Tudo pronunciá-las, mas desco- do disse “não é minha”, ele
seria melhor. nhece o que querem dizer. percebeu que algo pode, de
Tia Irene pensou que Na reunião com os pais de modo inverso, ser seu. Não
Silmara estivesse bêbada, alunos, a diretora disse que sei como a senhora fez isso,
mas logo descartou esta uma criança alfabetizada mas a meia despertou algo
hipótese, pois a sobrinha como o meu filho já deveria nele, algo que até então não
não apresentava hálito de saber distinguir o “ter” do existia.
álcool. Estaria o pernil da “não ter”. Com oito anos de Tia Irene estava definiti-
ceia estragado e, com isso, idade ele não poderia con- vamente espantada. Procu-
causando delírios na mãe tinuar confundindo coisas rou Romeu com os olhos
de Romeu? Lembrou-se, tão antagônicas. e o encontrou servindo
contudo, que ela própria Alguns estranhavam as doces a alguns convida-
também o comera e que, dos. O que era uma cena
http://guisalla.files.wordpress.com/2008/09/machado1.jpg
ser humano completamente to, esbarraram em alguns
diferente. Diferença esta parentes que ignoravam
que, com alguma tolerância, aquela incrível história,
soava bonita e inocente a permanecendo imersos em
um menino, mas que seria seus próprios casos, tecen-
verdadeira catástrofe quan- do esquecíveis comentários
do este se visse adulto. Que sobre assuntos hipotetica-
tipo de marido ele seria se mente felizes.
não soubesse ter uma mu- Felicidade mesmo foi o
lher? Isso sem falar no sofri- que Silmara experimentou
mento pelo qual passaria quando viu o presente dila-
para conseguir emprego e cerado. Ali ela decretou que
juntar dinheiro. Era terrível aquela caminha bege e o
constatar, mas ele precisa- roto pé de meia repousan-
va, urgentemente, abrir sua do solitário sob ela deve-
cabeça para o ter, pois, de
http://www.flickr.com/photos/ooocha/2630360492/sizes/l/
riam ser preservados como
outra forma, se tornaria símbolos de uma grande
uma aberração. mudança, pelo menos até o
– Depois de uma bateria ano novo.
de exames – continuou Sil-
mara –, concluíram que não
havia tratamento médico – Tia Irene, neste Natal
possível. Alguns pedagogos você me deu um presente
afirmaram, inclusive, que muito maior do que essa
nunca viram nada igual, meia, muito maior que
a não ser em estudos de qualquer outro. Você, de
tribos indígenas primitivas. algum modo, trouxe o meu
Se tivéssemos sorte, segun- Romeu ao convívio social.
do eles, a única coisa que Tia Irene encheu-se de
poderia fazê-lo melhorar vaidade e satisfação. Sem
seria o passar do tempo. Só gastar quase nada com
Deus sabe o quanto rezei um presente, ela finalmen-
para que esse momento te acertou. Ficou muito
chegasse, o dia em que meu orgulhosa com a chance
filho, finalmente, aprenderia que criou – quem sabe um
a proteger seu patrimônio pequeno milagre de Natal
e descobriria, então, que seu – para que seu sobrinho
lanche é mesmo seu, que pudesse vir a ter, enfim,
seus pais são seus, que sua inúmeras coisas, só suas, na
roupa é sua, seus presentes vida.
ficina
são seus e... sua meia... – Sil-
mara emocionou-se –, que
sua meia, dada por sua tia
querida, é sua!
www.oficinaeditora.org
47
Contos
http://www.flickr.com/photos/cayusa/364283235/sizes/o/
A dama da Lapa
48 SAMIZDAT janeiro de 2010
Lapa. Bairro carioca do mais escuro do balcão, enxugou o suor na man-
Rio de Janeiro, território Doutor José, ouve a voz ga da camisa, disfarçou e
livre da malandragem, re- arrastada de Catarina. O cambaleou até a mesa de
sistência do “Bota-abaixo”, som monótono, insistente, sinuca.
operação promovida pelo repetindo a mesma ladai-
O português olhava
prefeito Pereira Passos. nha:
daquele jeito, de quem vê
Vã tentativa de extermi-
— Te amarei eterna- a desgraça diariamente,
nar os cortiços apinhados
mente pelos bares da afogada em um copo de
de biscateiros, jogadores e
vida. Serei sua sombra, bebida:
excluídos.
nunca te deixarei. Afastei
— Doutor José, não se
Os intelectuais reú- seus amigos, tua mulher
martirize desta forma.
nem-se nos bares locais. te abandonou com vergo-
Que pendenga está tiran-
Freqüentam o Colosso, o nha das bebedeiras.
do seu juízo? O doutor
Viena Budapeste, o Ca-
José pediu um duplo, precisa descansar, está
pela e tantos outros na
entornou depressa e ba- abatido, descorado...
Mem de Sá, principal via
teu o copo no balcão:
dos acontecimentos. Na — Amigo, não tens no-
esquina do Lavradio, rufi- — Vai começar o tor- ção do meu sofrimento.
ões, prostitutas e cafetões mento. Mais um, capricha Nem quero falar, prefiro
sussurram as últimas sem pena. Estou ficando beber até esta loucu-
peripécias de Madame louco, ouvindo vozes e ra passar. — o dono do
Satã. Escutam-se histórias assombrações. estabelecimento e ouvinte
sobre os alemães farre- dos clientes habituais ser-
ando nos sobrados com — Seu doutor, um viu a terceira dose, quase
as mulatas. Verdadeiras homem letrado falando a contragosto.
farras regadas a bebidas estas coisas chega a dar
importadas. “Polaquinhas” arrupios Bentinho espiava de
verdadeiras mesclam- longe, tinha o dom da
O grito do dono do bar vidência, herança da avó
se às gaúchas de olhos calou Bentinho, ajudante
claros nos bordéis de africana. O doutor não
do bar e simpatizante de
luxo. Dizem que o me- estava doido. No can-
José, generoso nas gorje-
lhor pertence à Madame to do salão, a figura de
tas.
Clessi. Os cabarés com Catarina assombrava a
vedetes e cantores estão — Este moleque fala mente entorpecida. Neste
lotados e o Rio de Janeiro demais doutor, eu mesmo instante sabendo que era
é uma festa. A paradisí- vou servi-lo. Xispa daqui observada, fazia pose em
aca Baía de Guanabara e e vá limpar as mesas. cima do balcão de bebi-
Copacabana são os car- Abusado! Toma tenência das. Vestido negro, decote
tões postais para gente de ou te boto na rua! expondo a pele clara,
todo o mundo. Impossível boca pintada em verme-
— Manoel, deixe o me- lho rubro, o riso delicioso
resistir à noite.
nino. Ele não fez por mal. em olhares lânguidos,
Saboreando uma boa Vou terminar os dias no cheios de promessas. O
caninha, de pé no canto hospício — o homem mocinho reconheceu de
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imediato a puta mais bo- endividado... feiticeiro, não obedeço a
nita da Lapa. ninguém além do meu
José xingou irritado, desejo. O instante em
Requisitada, festejada, após errar a jogada fácil. que me apunhalou liber-
pomo de discórdia de Os amigos caçoaram a tou meu espírito para te
melhores amigos. Jóias, má sorte. Catarina bebe- seguir. Sou teu castigo, as-
roupas e viagens. Tudo ricava do copo de José. sim como a cachaça que
era pouco para a exigente
— Lembra, meu ama- te obriga a viver pelos
Catarina. Fazia os ho-
do? Nossos beijos inter- bares.
mens ajoelharem-se aos
mináveis... Tão gostoso!
seus pés para desprezá- José era um molam-
Você lambia minha boca,
los logo adiante. Maldosa bo bêbado no meio dos
bebia meu gosto, cheio de
mulher da noite, sem últimos fregueses. Não
desejo... Quanta loucura
dono ou senhor, fazia o queria voltar para a casa
fizemos!
que bem queria e não vazia, cheia de lembran-
respeitava nem a polícia. José suava frio, visuali- ças. Dormir era sinônimo
Corria à boca miúda a zava Catarina nua, expon- de sonhos eróticos com
amizade íntima com o do os seios brancos como a defunta. Sexo vívido
famoso transformista, leite, torcendo os bicos de e extenuante. Acordava
o tal com a alcunha do cereja. Era assim que ele com os lençóis molha-
malvado. os chamava. Convidan- dos. O gozo reprimido e
do dengosa para o amor envergonhado. O cheiro
Quando conheceu José,
“Vem, vem sentir sua flor- de Catarina impregnando
foi amor à primeira vista.
zinha branca meu amor. o quarto era uma tortu-
Desespero e agonia,
Vem...” ra. Podia sentir o corpo
a obsessão destruiu macio deslizando, roçan-
O homem estava can- do provocante. Desejava a
Catarina, tornando-a
sado, ajeitou a gravata e textura da pele nas mãos
ciumenta. Esqueceu a
alisou os cabelos com os vazias. Entrava em uma
vida para tomar conta de
dedos. Podia ouvir clara- espécie de transe e per-
todos os passos do aman-
mente a voz da amante, dia-se na ilusão, tateava o
te. José não agüentou as
suspirando: escuro procurando sentir
cobranças, escândalos e
desmandos da mulher. a amante. Algumas vezes
— Lembra quando me
Terminou o romance e ela parecia tão real. Ima-
conheceu? Gritou aos
conquistou a pior inimi- ginava que faziam sexo
quatro ventos que eu era
ga. dias e dias. José passava
a mulher da sua vida.
quase uma semana su-
Fiz de você meu dono e
Dando voltas em torno mido do trabalho. Quan-
senhor, desprezei todos
da mesa de bilhar, debru- do dava por si, parecia
os outros. Fui viver em
çava-se sobre o amante: um morto-vivo, olheiras
cortiços, abortei teus
profundas, sem banho ou
— Amanhã vamos às filhos, perdi a beleza e
comida decente. Por mais
corridas no Jóquei Clu- você me abandonou na
que a odiasse, tinha uma
be. Infelizmente sou seu sarjeta. — ela fez um ca-
atração louca, sensual,
amuleto de azar. Pobre rinho no rosto de José —
um ardor imoral. Deseja-
querido, cada dia mais Não adianta padre nem
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Tradução
punha o primeiro estágio Ela ficou perto da janela mas sua face havia perdi-
para o segundo, dê uma e olhou entediadamente do a cor dentro de vinte
espiada na casa. Um apar- o gato cinza caminhando segundos. Rapidamente,
tamento mobiliado a U$ sobre a cerca cinza num ela havia desprendido o
8 por semana. Ele não se quintal cinza. Amanhã cabelo e deixado-o cair em
encaixaria exatamente na seria o dia de Natal e ela sua plena extensão.
descrição de indigência, tinha apenas U$ 1,87 para
Agora, havia duas pos-
mas certamente caminha- comprar um presente
sessões das quais ambos os
va a passos largos para o para Jim. Ela havia econo-
James Dillingham Youngs
grupo dos mendicantes. mizado cada centavo que
se orgulhavam. Uma era
pôde por meses, com este
No vestíbulo abaixo, ha- o relógio de ouro de Jim,
resultado. Vinte dólares
via uma caixa de correio que havia sido do pai e
por semana não duram
na qual nenhuma carta do avô dele. A outra era
muito. As despesas ha-
chegava e uma campainha o cabelo de Della. Caso a
viam sido maiores do que
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rainha de Sheba vivesse no de, branca demais, cálida, d’O Relógio. Assim que
apartamento do outro lado dificilmente aparentaria a viu, ela sabia que deve-
do poço de ventilação, ser a “Sofronie”. ria ser de Jim. Era como
bastaria Della estender o ele. Quietude e valor — a
— Você comprará meu
cabelo na janela para secar descrição se aplicava a
cabelo? — perguntou
para depreciar as jóias e ambos. Tomaram dela vin-
Della.
dons de Sua Majestade. te e um dólares, e ela se
Caso o Rei Salomão fos- — Eu compro cabelo — apressou para casa com os
se o faxineiro, com todos disse Madame.— Tire seu 87 centavos. Com aquela
seus tesouros empilhados chapéu e vamos dar uma corrente em seu relógio,
no porão, bastaria Jim pu- olhada nele. Jim poderia ficar apropria-
xar o relógio toda vez que damente ansioso quanto às
passasse, para vê-lo arran- Fluiu para baixo a cas- horas em qualquer com-
car a barba de inveja. cata castanha. panhia. Grandioso como
era o relógio, ele às vezes
Então, agora o cabelo de — Vinte dólares — disse
consultava-o furtivamente
Della pendia oscilando e Madame, erguendo a mas-
por causa da velha tira de
brilhando como uma cas- sa com uma mão habili-
couro que usava no lugar
cada de águas castanhas. dosa.
de uma corrente.
Atingia para baixo do
— Pague-me rapidamen-
joelho e quase a recobria Quando Della chegou
te — disse Della.
como uma veste. E então em casa, sua intoxicação
ela o prendeu novamente Ó, e as duas horas se- deu lugar a um pouco
com nervosismo e pressa. guintes passaram voando. de prudência e razão. Ela
Por um instante, ela hesi- Desculpe-me pela metáfo- pegou o encaracolador,
tou e permaneceu imóvel ra gasta. Ela estava esqua- acendeu-o e esmeirou-se
enquanto uma ou duas drinhando as lojas por um em reparar o estrago feito
lágrimas respingavam no presente para Jim. pela generosidade acresci-
desgastado tapete verme- da de amor. Que é sempre
Finalmente, ela encon-
lho. uma tarefa tremenda, que-
trou. Ele havia sido feito
ridos amigos — uma tarefa
Vestiu o velho casaco para Jim, e para ninguém
hercúlea.
marrom; vestiu o velho mais. Não havia nenhum
chapéu marrom. Com um outro semelhante em Dentro de quarenta
rodopiar de saias e com o nenhuma das lojas, e ela minutos, sua cabeça estava
cintilante brilho ainda nos as havia virado de cabeça coberta por pequenos, ren-
olhos, ela lançou-se porta para baixo. Era uma cor- tes cachos que a faziam se
afora e escada abaixo para rente de platina simples assemelhar maravilhosa-
a rua. e casta em seu design, mente a um ocioso cole-
apropriadamente pro- gial. Ela olhou seu reflexo
Onde ela parou, lia-se no longo espelho, cuidado-
clamando seu valor pela
a placa: “Mme. Sofronie. sa e criticamente.
própria substância e não
Artigos capilares de todos
por ornamentação me-
os tipos.” Della correu um — Se Jim não me matar
retrícia — como todas as
andar para cima e se dete- — ela disse para si — antes
boas coisas deveriam ser.
ve, arfando. Madame, gran- que me deite um segun-
Era até mesmo merecedora
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— Não faça mal juízo tra o colo e, mais tarde, homens maravilhosamente
de mim, Dell — ele disse.— ela foi capaz de olhar para sábios — que trouxeram
Eu não acho que haja algo cima com olhar opaco, presentes para o bebê na
de errado com o seu corte sorrir e dizer:— Meu cabe- manjedoura. Eles inventa-
de cabelo, ou depilação, lo cresce tão rapidamente, ram a arte de dar presen-
ou xampu que pudesse Jim! tes de Natal. Sendo sábios,
me fazer gostar menos da seus presentes eram, sem
Então Della saltou como
minha garota. Mas, se você dúvida, sábios, possivel-
um pequeno gato chamus-
desembalar aquele pacote, mente tendo o privilégio
cado e gritou — Oh! Oh!
verá porque você me des- de troca em caso de dupli-
concertou, a princípio. Jim ainda não havia vis- cação. E aqui eu desengon-
to seu lindo presente. An- çadamente relatei a você a
Dedos brancos e ágeis crônica desinteressante de
siosamente, ela o estendeu
rasgaram o cordão e o duas crianças tolas num
na palma aberta. O opaco
papel. Então, um extático apartamento que, sem
metal precioso parecia
grito de alegria; então, cre- sabedoria, sacrificaram um
reluzir com o reflexo do
do! uma rápida mudança pelo outro os maiores te-
espírito brilhante e arden-
feminina para pranto his- souros da casa deles. Mas,
te dela.
térico e lamentos, necessi- uma última palavra para
tando o emprego imediato — Não é uma extra- os sábios destes dias, seja
de todos os poderes re- vagância, Jim? Eu a cacei dito que, de todos os que
confortantes do senhor do por toda a cidade para dão presentes, estes dois
apartamento. encontrá-la. Você terá de foram os mais sábios. De
ver as horas cem vezes ao todos que dão e recebem
Pois lá jaziam os Pen-
dia agora. Dê-me o seu presentes, tais são os mais
tes — um conjunto de
relógio. Quero ver como sábios. Em qualquer lugar,
pentes que Della havia
ele fica nela. eles são os mais sábios.
admirado desde há muito
numa vitrina da Broadway. Eles são os magos.
Ao invés de obedecer,
Lindos pentes, puro casco Jim deixou-se cair no sofá,
de tartaruga, bordas com pôs suas mãos atrás da
pedras preciosas — no cabeça e sorriu.
exato matiz para usar
num belo cabelo evanes- — Dell — ele disse —
cente. Eram pentes caros, vamos pôr nossos pre-
ela sabia, e o coração dela sentes de Natal de lado e
havia simplesmente de- deixá-los lá por um tem-
sejado e ansiado por eles po. Eles são bons demais
sem a mínina esperança para usarmos agora. Vendi
de possuí-los. E agora eles o relógio para conseguir
eram dela, mas as tranças o dinheiro para comprar
que os adornos ambiciona- seus pentes. E agora que
dos adornariam não mais tal preparar as costeletas?
existiam.
Os magos, como você
Mas ela os abraçou con- sabe, são homens sábios —
Fonte: http://www.releituras.
com/ohenry_menu.asp
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Recomendação de Leitura
A vampiro dado
não se olham os dentes
Volmar Camargo Junior
http://www.flickr.com/photos/23312274@N03/3399761144/sizes/l/
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chamado Samuel Jouza (não, fetichismo sexual oriental, cemos (e depois, reencontra-
não é Souza, não! É Jouza... referido na obra como A mos), um dos guerreiros mais
descendente de um povo do Velha Arte, para mim foi interessantes que já conheci:
leste europeu...) como ler uma boa novela de Wakabara Kodo. Não sei
atuando pelas ruas da Fantasia. por que, não consegui cap-
capital paulista. E quando Jogar-se em um ambien- tar essas relações, esse “tom
eu digo “pelas ruas”, estou te fantástico, conviver com místico”, esse interesse por
sendo preciso: só não acom- criaturas fantásticas, em desvendar mais intimamen-
panhei a narrativa no Google que as regras do mundo são te os personagens na parte
Maps porque não quis (assim permeadas por leis extra- contemporânea da história.
espero...). A autora situou físicas é o papel do Mara- Provavelmente, porque essa
sua ficção calcada no espaço vilhoso na ficção, e disso, fosse a intenção da autora.
urbano – e suburbano - con- tanto a Fantasia quanto o No fim das contas, levei
temporâneo de São Paulo. E, Terror compartilham. Talvez mais tempo do que queria
como se pode esperar, em por isso, por essa criação/ levar para ler o romance. E
um cenário que anda a mil, a recriação do universo e das isso é bom. Às vezes, eu lia
narrativa anda a mil: carros, leis que o regem, a autora apenas um capítulo, e re-
motos, socos, pontapés, pisto- tenha – a meu ver – acertado fletia por um ou dois dias.
las, tocaias, correrias e perse- mais a mão na Montanha É, garantidamente, uma boa
guições de cães-homens (gos- dos Tengus do que na Ave- diversão para quem aprecia
tei deles!), tramas envolvendo nida Paulista. Acho notável o gênero. Há algumas coisas,
até alguns níveis da admi- a diferença da narrativa de como eu mencionei antes,
nistração federal (hehehe... uma e da outra das “porções” que não apreciei; outras, em
eu adorei a burocracia do da trama. Enquanto em São que reconheci na Giulia (ou
Instituto Brasileiro de Estudo Paulo os personagens ganha- Sueli) uma tendência para a
de Fenômenos Fantásticos... ram da autora falas “típicas”, narrativa psicológica, coisa
ri muito comparando o IBEFF buscando um coloquialismo, que não é fácil de fazer, e
à empresa pública em que talvez, um pouco forçado, bem fácil de se perder. E, nes-
trabalho...). na porção nipônica, mesmo sa questão, ela foi bem feliz.
Para o meu paladar fic- a fala dos personagens mais Eu, como não sou desonesto
cional, a porção oriental do comuns e secundários ganha com ninguém, devo admitir:
livro é muito mais atraente. ares de “contos de fada”, ou, essa obra não me deixou
Nela, temos um mundo à melhor ainda, da narração de mais simpático aos vampiros
parte. Para mim, mesmo o uma lenda, ou de uma histó- do que eu era antes de tê-la
país dos xóguns histórico é ria muito antiga, em um país lido. Maaaaas... conseguiu me
tão alienígena (no melhor muito, muito distante. E, é deixar muito (e por muito,
sentido) quanto a Terra Mé- claro, com uma finesse eróti- entenda-se muito mesmo)
dia. O Japão, ou a parte dele ca, e umas relações de amor- interessado, e talvez um pou-
que conhecemos em Kaori é, e-ódio entre protagonistas e quinho seduzido, por kyuket-
de fato, um mundo fantástico, antagonistas que, sinceramen- sukis. Por uma, em especial.
onde as criaturas do folclore te, me surpreenderam.
japonês ganham vida, papéis, Ai, aquela tatuagem de
falas, e peso dramático. Mes- Além disso, é nesse am- dragão...
mo que haja uma tendência biente que a autora desenvol-
para o terror, com uma dose ve melhor seus personagens.
bem... vermelha do melhor Tanto que é nele que conhe-
http://www.flickr.com/photos/27235917@N02/2788169879/sizes/l/
A Oficina Editora é uma utopia, um não-
lugar. Apenas no século XXI uma vintena
de autores, que jamais se encontraram
fisicamente, poderia conceber um projeto
semelhante.
O livro, sempre tido em conta como uma
das principais fontes de cultura, tornou-se
apenas um bem de consumo, tornou-se um
elemento de exclusão cultural.
A proposta da Oficina Editora é resgatar o
valor natural e primeiro da Literatura: de bem
cultural. Disponibilizando gratuitamente
e-books e com o custo mínimo para livros
impressos, nossos autores apresentam
a demonstração máxima de respeito à
Literatura e aos leitores.
61
Crônica
http://www.flickr.com/photos/36318605@N02/3928380295/
Padres de calendário*
* Adaptação muito livre de uma crónica apresentada no 3ºDesafio - http://literaturadecamara.sites.uol.com.br/
www.revistasamizdat.com 63
mente santos. Nem se lhes
associa, na santidade que é
devida a cada homem da
Igreja, salivares ou outros
líquidos, que não seja o leite
que lhes terá escorrido nos
cantos da boca ao mamar,
cada um deles, o maternal
seio.
http://2.bp.blogspot.com/_Z290VgmRDPs/SyDQe-VwYaI/AAAAAAAAB4A/tVg1Fw6xhG4/s1600/00.gif
E eu, interrogando-me da
intenção de quem colocou
no mercado aquele mate-
rial, imagino que o devoto
turista há-de ter sentido o
ferrete do pecado ao en-
frentar os olhares de cada
um dos padres daquele
calendário. Terá clamado
perdão a cada folhear, e na
dúvida do préstimo para o
espírito que teria aquele pa-
pel impresso, terá deixado
pejada de retratos a Praça
de São Pedro. Uma pena,
que aqueles belos moços
tenham sido assim espezi-
nhados.
http://4.bp.blogspot.com/_Z290VgmRDPs/SyDQ4FrdlAI/AAAAAAAAB4I/4Z3cJ5sa26U/s1600/03.gif
horário do squash.
www.revistasamizdat.com 65
Crônica
http://disneyportugal.files.wordpress.com/2009/05/christmas_carol.jpg
O fantasma dos
Natais passados
66 SAMIZDAT janeiro de 2010
Mais uma vez, o clássico A animação de Os fan-
A Christmas Carol, de Char- tasmas de Scrooge é extre- Henry Alfred Bugalho
A
GUI
Nova York
les Dickens (1), vai para as mamente bem-acabada e
telas (2) pela batuta da Dis- realista. O que é um tanto
ney Pictures; a mais recente assustador: os filmes estão
para Mãos-de-VAca
teve sua estréia mundial cada vez mais se entregando
no último dia 6 de novem- à computação gráfica, que
bro. Neste, quem substitui o deixou há tempos de ser
Lima Duarte (3) - e os outros apenas para os efeitos espe-
O Guia do Viajante Inteligente
quarenta ou cinquenta atores, ciais. Agora, pode-se criar...
incluindo o Tio Patinhas... qualquer coisa! O fato de www.maosdevaca.com
- no papel do velho avaren- haver um Jim Carrey para
to Ebenezer Scrooge é Jim fazer as caretas de Scrooge
Carrey. Ou, mais especifi- (que são versões das mesmas
camente, sua versão digital. caretas de Conde Olaf, que
É que nesta versão, além são versões das mesmas das
das caretas naturais, Carrey do Grinch, das do Máskara,
contará com a tecnologia das do Ace Ventura...) é um
empregada nas animações luxo, praticamente desneces-
de A lenda de Beowulf e O sário. Tivessem botado os
Expresso Polar. Todos os três animadores geeks a pendu-
utilizaram atores para “ani- rar os sensores pelo corpo e
mar” personagens digitais contracenar com os cenários
que são vagamente parecidos verdes, a Disney pouparia os
com os atores que fazem milhões pagos ao elenco de
seus movimentos. Outro estrelas. Depois, o presidente
ponto em comum entre as da Disney (o Tio Patinhas?)
três películas é a direção de reclama que seus orçamentos
Robert Zemeckis, que parece estouram...(5).
ter tomado gosto pela coisa.
www.revistasamizdat.com 67
Crônica
Ju Blasina
www.revistasamizdat.com 69
Poesia
O Nada Ju Blasina
http://www.flickr.com/photos/fotorita/384600201/sizes/o/
Ela sentia-se só
mesmo comigo ao lado;
sentado
buscando-a nos olhos
não conseguia trazê-la de volta
ao mundo tátil.
Recolhi, então,
de lado, a minha pequenez.
Pensei em sair,
deixá-la...
Permaneci.
Queria ficar sozinho também,
ali.
http://www.flickr.com/photos/batega/1865482908/sizes/l/
...
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Poesia
http://www.flickr.com/photos/lukeas09/3367693250/sizes/l/
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Poesia
poemas
Mariana Valle
5 sentidos
http://www.flickr.com/photos/articnomad/241620406/sizes/l/
Eu perco o sono e por vezes brigo e choro
por causa da areia à frente, e das pegadas
atrás, por causa dos pés a meu lado. Não
importa. Um dia a onda vai me apagar.
Big Bangs
Dênis Moura
‘Microcosmacro’
http://apod.nasa.gov/apod/image/0810/ngc6357a_hst_big.jpg
Conecto-me agora às ‘ciberredes’,
Em raios não curváveis como a luz.
Desafiando espaços sociais,
Vejo que o virtual unir dos homens,
Assim, no telescópio e microscópio,
Democracia milenar nos traz.
No macro vejo-me dentro de um átomo,
No micro outro universo me reluz.”
Mas pra que direta democracia,
Se a representativa nos apraz?
Questiona quem o Mundo gerencia.
www.revistasamizdat.com 75
SOBRE OS AUTORES DA
SAMIZDAT
Edição, diagramação e capa
Edição de imagens
76
76 SAMIZDAT janeiro de 2010
Assessoria de imprensa
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Mariana Valle
Por um amor não correspondido, a carioca de
Copacabana começou a poetar aos 12 anos. Veio o
beijo e o príncipe virou sapo. Mas a poesia virou sua
amante. Fez oficina literária e deu pra encharcar o
papel com erotismo. E também com seu choro. Em
reação à hipocrisia e ao machismo da sociedade.
Atuou como jornalista em várias empresas, mas foi
na TV Globo onde aprimorou as técnicas de reda-
ção e ficção. E hoje as usa para contar suas próprias
histórias. Algumas publicadas em seu primeiro livro
e outras divulgadas nos links listados em seu blog
pessoal: www.marianavalle.com
Colaboração
Dênis Moura
Paulistano de pia, cearence de mar e poeta de
amar. Viaja tanto o céu estrelado quanto o ciberes-
paço, mais com bits de imaginação que com telescó-
pios. Pensa que tudo se recria a cada Big Bang, seja
ele micro, macro ou social. Luta pela justiça, a paz e
a igualdade, com um giz na mão e uma pistola na
outra. É Tecnólogo a sonhar com Telemática social,
com a democracia participativa eletrônica, onde o
povo eleja menos e decida mais. Publica estes dias
sua primeira obra, um Romance de Ficção Científi-
ca, e deixa engavetadas suas apunhaladas poesias. É
feito de bits, links e teia pra que não desmaterialize,
o clique, o blogue e o leia!
Léo Borges
Nasceu em setembro de 1974, é carioca, servidor
público e amante da literatura. Formado em Comu-
nicação Social pela FACHA - Faculdades Integradas
Hélio Alonso, participou da antologia de crônicas
“Retratos Urbanos” em 2008 pela Editora Andross.
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Maria de Fátima Santos
Nasceu em Lagos, Algarve, Portugla em 1948. Vi-
veu a adolescência em Angola e reside em Lagos.
Licenciada em Física, é aposentada de professora do
Ensino Secundário. Já participou na SAMIZDAT e por
afazeres de vida afastou-se. Tem poemas em diversas
antologias, e publicou em Janeiro de 2009 um livri-
nho com pequenas histórias, aquelas que lhe voam
no teclado: Papoilas de Janeiro é o título, com ilus-
trações de TCA do blogue http://abstractoconcreto.
blogspot.com/ Muito material está publicado nos
blogues e www.intervalos.blogspot.com e http://tris-
teabsurda.blogspot.com/ Escreve pelo gosto de deixar
que as palavras vão fazendo vida. Escreve pelo gozo.
Giselle Sato
Autora de Meninas Malvadas, A Pequena Baila-
rina e Contos de Terror Selecionados. Se autodefine
apenas como uma contadora de histórias carioca.
Estudou Belas Artes, Psicologia e foi comissária de
bordo. Gosta de retratar a realidade, dedicando-se
a textos fortes que chegam a chocar pelos detalhes,
funcionando como um eficiente panorama da socie-
dade em que vivemos.
Wellington Souza
Paulistano, mas morou também em Ribeirão Preto,
onde cursou economia na Universidade de São Pau-
lo. Hoje, reside novamente no bairro em que nasceu.
Participou das antologias do concurso Nacional de
Contos da Cidade de Porto Seguro e do Poetas de Ga-
veta/USP. Escreve poemas, contos, crônicas e ensaios
literários em um blog (Hiper-link), na revista digital
SAMIZDAT e no portal Sociedade Literária. “Escrever
é um modo de ser outro ser”.
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78 SAMIZDAT janeiro de 2010
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Carlos Davissara
Paulistano, filho de nordestinos, desenhista desde
sempre, artista plástico formado, escritor. Começou
sua vida profissional como educador e, desde então,
já deixou seu rastro por ONG’s, Escolas e Centros
Culturais, através de trabalhos artísticos e pedagó-
gicos – experiências que têm forte influência sobre
seus escritos. Atualmente, organiza oficinas de ilus-
tração para crianças, estuda pós-graduação em Histó-
ria da Arte e escreve para publicações na internet.
carloseducador@hotmail.com
http://desnome.blogspot.com
Jú Blasina
Gaúcha de Porto Alegre. Não gosta de mensurar
a vida em números (idade, peso, altura, salário). Não
se julga muito sã e coleciona papéis - alguns afir-
mam que é bióloga, mestre em fisiologia animal e
etc, mas ela os nega dizendo-se escritora e ponto fi-
nal. Disso não resta dúvida, mas como nem sempre
uma palavra sincera basta, voltou à faculdade como
estudante de letras, de onde obterá mais papéis para
aumentar a sua pilha. É cronista do Caderno Mulher
(Jornal Agora - Rio Grande - RS), mantém atualiza-
do seu blog “P+ 2 T” e participa de fóruns e oficinas
virtuais, além de projetos secretos sustentados à base
de chocolate e vinho, nas madrugadas da vida.
Joaquim Bispo
Ex-técnico de televisão, xadrezista e pintor ama-
dor, licenciado recente em História da Arte, experi-
menta agora o prazer da escrita, em Lisboa.
episcopum@hotmail.com
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José Guilherme Vereza
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Publicitário, redator, executivo, professor, aluno, marido,
pai, filho, cunhado, tio, sobrinho, genro, sogro, amigo, bota-
foguense, tijucano, lebloniano, neopaulistano, escritor, leitor,
eleitor, metido a cozinheiro, guloso, nem gordo nem magro,
motorista categoria B, pedestre, caminhante, viajante, seden-
tário, telespectador, pilhado, zen, carnívoro, beatlemaníaco,
cinemeiro, desafinado, sinfônico, acústico, capricorniano,
calorento, alérgico a ditaduras, sonhador, delirante, insone,
objetivo, subjetivo, pragmático, enérgico, banana, introspec-
tivo, extrovertido, goleiro, blogueiro, colunista do Bolsa de
Mulher, colaborador do Mundo Mundano, tem livro publi-
cado, conto premiado, teve texto encenado no teatro, fez ro-
teiros para televisão, criou uma infinidade de comerciais e
aprendeu que aproveitar a vida intensamente é ser de tudo
um muito. Samizdat é seu mais recente energético..
Caio Rudá
Bahiano do interior, hoje mora na capital. Estuda
Psicologia na Universidade Federal da Bahia e espera
um dia entender o ser humano. Enquanto isso não
acontece, vai escrevendo a vida, decodificando o enig-
ma da existência. Não tem livro publicado, prêmio,
reconhecimento e sequer duas décadas de vida. Mas
como consolo, um potencial asseverado pela mãe.
80
80 SAMIZDAT janeiro de 2010
O lugar onde
a boa Literatura
é fabricada
http://www.flickr.com/photos/32912172@N00/2959583359/sizes/o/
ficina
www.samizdat-pt.blogspot.com
www.revistasamizdat.com 81
www.oficinaeditora.com
Também nesta edição, textos de