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Basta levar a sério o amor para descobrir, também nele, uma “iluminação profana”. Todos
experimentam aventuras de amor muito semelhantes, a todos o Amor concede ou recusa
dádivas que mais se assemelham a uma iluminação que a um prazer sensual, e todos
pertencem a uma espécie de sociedade secreta, que determina sua vida interna, e talvez
também a externa. Essa vida de todos e o amor de todos é mesmo fascinante. Faz com que
histórias peculiares aparentemente comuns e ao mesmo tempo repetidas, sejam narradas,
fotografas, filmadas ou simplesmente vividas como tem que ser a vida de todos.
Amanda, uma doce mulher, como tantas. Kall, um homem típico, aparentemente com várias
facetas, mas um detetive apenas, trás a tona o ar dos grandes e imortais mestres da
investigação de todos os tempos. Kall é um profissional da investigação bem elaborado e
preparado para desvendar tudo, ou melhor: todos os crimes.
Poderia ser em Londres, em Paris, Nova York ou simplesmente São Paulo. Mas a história
de Amanda e Kall, se passa em Perúsia Pequena e Perúsia Grande e em seguida do jardim
da casa do casal para a tão sonhada viagem de lua-de mel rumo a um lugar ambicionado por
dezenas de pessoas, Parja, simplesmente Parja! O autor em sua narrativa, nos embarca, num
cruzeiro rumo a Parja, na mesma viagem de lua-de-mel que é só do casal, mas para nós o
delírio de embarcar mesmo assim como degustadores de aventuras e emoção, o sentido
maior dessa vida tem seu preço.
Amanda
Lembro-me do meu último caso, o qual envolveu a família Antunes, como se fosse
hoje. Não por ter sido uma investigação complicada, mas sim por eu não ter conseguido
escapar de um amor, de um amor à primeira vista. Nessa época, conheci Amanda, a filha do
antigo prefeito de Perúsia Pequena, hoje governador do estado, e com ela desvendei um
novo mistério: A Paixão. Hum...
Entre esse último episódio e hoje passou-se muito, muito tempo. Atualmente, ela
contempla os vinte e cinco anos e eu os trinta. Opa! Se eu estiver mentindo, você me
perdoa, né? Bem, felizmente, essa pequena diferença não impediu nossos três meses de
namoro, que resultariam num brilhante noivado. Nesse tempo, Amanda e eu nos
encontrávamos bastante, acho que seis vezes por semana. Também nos comunicávamos por
cartas. Foi em suas primeiras palavras, que ela mostrou mais uma habilidade, a escrita.
Interessante, né?
Kall, estou apaixonada por ti. Desejo tê-lo em meus braços todos os minutos.
Eu o amo. Sem você eu seria apenas uma mulher, mas com você
sinto-me A mulher.
Isso sem mencionar as horas em que falávamos ao telefone. Parecíamos uma única
pessoa. Eu morava em Perúsia Grande e ela em Perúsia Pequena, mas a distância entre
essas cidades não foi um obstáculo para o nosso amor. É claro que, como todo casal,
tínhamos algumas brigas, principalmente por ciúmes. Porém, foram discussões rápidas, que
ocuparam poucas páginas na história de nossas vidas. Que meigo!
Apesar de ser filha do governador, Amanda sempre dispensou os privilégios a que
tinha direito, por exemplo, circular de limosine pela cidade. Ela dizia que sempre manteria
a sua personalidade simples, sendo seu pai um governador ou um professor, como ele foi no
início. Sem dúvida, essa atitude me fazia ter orgulho dela. Amanda era uma pessoa doce,
carinhosa, delicada, dedicada, amável, culta e tinha um nome que significava tudo isso,
Amanda. Longos cabelos loiros e uns significativos olhos azuis, que me faziam lembrar os
de minha mãe. Uma pessoa de estatura média e de um jeito de falar encantador. Uma
mulher cheia de riquezas externas, um belo rosto, e de riquezas internas, um bom coração.
Profundo, né?
*
Nossa cerimônia de casamento foi impecável e bela. Amanda entrou com um
vestido branco bordado a ouro nas mangas, acompanhada de seu pai, que vestia um
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Mais tarde, não me lembro a que horas da noite, tivemos uma leve refeição. Amanda
abordou um assunto interessante, interessante para ela:
- Gostaria de cultivar plantas em nosso quintal.
- Claro, não vejo porque não.
- Amanhã, eu irei ao mercado comprar algumas sementes – disse ela, entusiasmada.
*
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*
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Minha mulher e eu parecíamos estar vivendo uma nova vida. Amanda estava cada
vez mais doce, delicada, forte, decidida, graciosa e segura. Era uma mulher completamente
diferente. Estava uma noite bonita, toda estrelada. Resolvi ir até a varanda. Sentado na
cadeira, tomei um café, que estava na temperatura adequada. Amanda foi ao meu encontro e
perguntou:
- Algum problema?
- Nada, Amanda, é que não estou acostumado a tirar férias.
- É isso mesmo?
- Claro que sim, o que mais poderia ser?
- Não sei, é que ultimamente você está estranho.
- Estranho, eu? Bobagem!
Na verdade, estava sentindo cada vez mais falta de Marquês. Lembrava dos bons
momentos de nossa amizade. Ele me deu apoio nas épocas em que eu mais precisava, como
na morte de minha mãe. Amanda e eu passamos a ter uma boa fase de convivência. Não
estou falando que o nosso casamento melhorou com a saída de Marquês, não é isso, apenas
Amanda e eu tivemos uma oportunidade para nos conhecer melhor. Eu dependia somente
dela e ela de mim, parecíamos uma única pessoa.
Eu a admirava cada vez mais. Amanda era uma fada para mim, parecia tudo um
sonho. Mas, às vezes, quando lembrava de Marquês, ficava triste. Era difícil perder um
grande amigo e companheiro. Ele não dava notícias e era impossível localizá-lo em Perúsia
Grande, uma cidade enorme que podia ser comparada às grandes metrópoles mundiais.
Estávamos, outro dia, na sala de estar. Ela assistia ao filme “Forrest Gump - O
Contador de Histórias”, do diretor Robert Zemeckis, e eu estava realmente disperso:
- Kall, o que você achou do filme?
- Gostei bastante, trata-se de uma bonita história.
- Você prestou atenção? – perguntou ela
- Claro, quer dizer, mais ou menos.
- Ultimamente, você está muito pensativo. Eu pergunto e você não responde. Às vezes,
parece que você está em outro planeta. Está com saudades de Marquês?
- Estou, não posso negar. Ele foi um grande amigo e já faz uma semana que não o vejo.
- Deve ser difícil, Kall.
*
O dia amanheceu, o sol estava mais lindo do que nunca e o céu totalmente azul.
Amanda não estava em casa, tinha saído de manhã cedo, provavelmente para ir atrás de
Marquês, provavelmente para percorrer toda Perúsia Grande atrás dele. Amanda passou por
ruelas, por becos e por bairros antigos.
- Você conhece esse senhor? – indagou ela, mostrando a foto de Marquês a um vendedor de
frutas da avenida principal da cidade.
- Nunca o vi em minha vida.
Minha mulher foi repetindo várias vezes a mesma pergunta, que parecia já ter
memorizado: Você conhece esse senhor? E nada, ela já estava a cinco horas procurando
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Marquês, e não obteve qualquer informação sobre ele. Passou por hotéis, lojas, pensões,
casas de família. Não recebeu qualquer resposta significativa. Com isso, resolveu encerrar o
seu primeiro dia de investigação. Parecia uma detetive de verdade. Ela chegou em casa
tarde:
- Oi Amanda, você está bem?
- Claro que estou bem, apenas fui andar pela cidade.
- Tudo bem. Só peço que me avise quando sair. Já estava preocupado, você nem almoçou
em casa.
- Sem problemas, da próxima vez eu aviso.
No jantar, comemos uma pizza. Depois, recebemos, via correio, um panfleto da
pensão Shalom, uma antiga casa de hospedagem da cidade. Amanda abriu um imenso
sorriso. Ela sabia que esse poderia ser o local onde Marquês estaria hospedado.
*
No dia seguinte, Amanda acordou bem cedo e simplesmente saiu. Eu já desconfiava
que ela iria procurar por Marquês e também sabia o quanto era importante para ela localizá-
lo. Por isso, não me meti no assunto, fingindo que nada sabia a respeito. Queria também
ver como Amanda conduzia uma investigação. Ela foi em direção a Pensão Shalom, um
lugar pequeno, sujo e com pouca iluminação. Amanda mostrou a foto de Marquês ao
recepcionista e perguntou:
- Você conhece esse senhor?
O recepcionista, um jovem loiro, de estatura mediana e olhos azuis, que se chamava
Lucas, conduziu Amanda a uma sala.
- Sra. Shalom, essa jovem de nome Amanda está perguntando por esse senhor - disse o
recepcionista a uma mulher que aparentava ter sessenta anos, tinha rugas no rosto e usava
óculos sem lentes.
Lucas saiu e Sra. Shalom estudou , por um minuto, a foto que o recepcionista lhe mostrou.
Amanda sentou-se numa antiga cadeira, que estava toda empoeirada.
- Lucas já vai chamá-lo - disse Sra. Shalom.
Nesse momento, minha mulher sentiu um ar de tranqüilidade.
- Ele é seu parente? - perguntou a dona da pensão, curiosa.
- Não, mas é um grande amigo.
Poucos minutos depois, entraram Lucas e Marquês, que estava todo mal vestido.
Amanda não se conteve de emoção e abraçou meu velho amigo por longos dois minutos.
Sra. Shalom e Lucas deixaram eles a sós. Amanda, quase chorando, murmurou:
- Volte, Marquês. A casa sem você não é a mesma. Kall e eu gostamos muito de você.
- Eu também gosto de vocês. Nesse tempo que passei aqui, pude refleti muito sobre nossas
discussões. Contudo, só voltarei se as nossas brigas acabarem. Kall gosta de nós dois. Por
isso, acho que podemos acabar com nossas pequenas intrigas.
- Claro, Marquês. Eu concordo.
- Então, faremos um pacto simples. Vamos jurar que iremos dividir as tarefas da casa, com
isso nunca mais iremos discutir.
- Eu juro – disse Amanda.
- Eu também juro.
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Sendo assim, no dia seguinte, acordei com os famosos sabiás de meu velho amigo.
Fui até a varanda e o encontrei cuidando dos pássaros. Corri para abraçá-lo. Marquês tinha
voltado! Por alguns segundos, fiquei tão emocionado que não pronunciei palavra
alguma.Tudo parecia ter voltado ao normal. Com a exceção de um detalhe: Marquês não
tinha mais ciúmes de Amanda e nem ela dele. Eles pareciam ter mudado completamente,
pareciam velhos e eternos amigos. Passaram a prepara o almoço juntos:
- Marquês, passe-me o sal, por favor?
- Claro. O que você acha dessa salada?
- Deve estar uma delícia. Parece que você não esqueceu de nada.
Passaram a arrumar a casa juntos:
- Pronto, Marquês, já limpei os quartos. Agora só falta cuidar da sala.
- Eu faço isso.
Passaram a lavar e passar roupas juntos. Enfim, passaram a dividir as tarefas da
casa. Amanda passava a maior parte do tempo com Marquês. Não que eu estivesse com
ciúmes, não é isso, o fato é que eu nunca tinha visto duas pessoas ficarem amigos tão
rápidos.
Dias depois, recebi em casa um envelope, contendo duas passagens de navio para
Parja, o destino de nossa tão desejada lua-de-mel. Só podia ser um presente do pai de
Amanda. O navio ia sair do porto de Perúsia Grande e iria rumo à capital do estado de
Lubus. Seria uma viagem inesquecível!
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Em Lua-de-mel
Fomos almoçar num dos restaurantes do navio, onde teríamos um show de mágica,
com o Transroca dando os primeiros sinais de movimento. Sentamos numa mesa
privilegiada, que já estava reservada para nós, onde acompanhamos minuciosamente o
espetáculo, que recebeu o nome de Grande Brenaltis.
Um ator do cinema italiano, de nome Nicolas Pioli, que certamente estava indo a
Parja de férias, ocupava uma mesa próxima a nossa. Ele era um homem alto e moreno,
aparentando uns quarenta e cinco anos. Numa outra, estava sentado um biólogo, de nome
Gláucio, que usava traje de gala, demonstrando satisfação com a viagem. A mesa de
número dois era do francês Rafael Benton e a quatro da indiana Lívia Densher.
A cinco e a seis estão ocupadas, respectivamente, pela portuguesa Ana Pontes e pelo
casal japonês Leda Hosaka e Edmundo Hosaka. E na sete, um pouco afastado de nós, estava
a Sra. Shalom e um rapaz. Eles não paravam de olhar para nós. O restante das mesas
estavam preenchidas por casais com crianças e por pessoas desacompanhadas. O navio
mostrava-se lotado! Uma mulher que aparentava uns sessenta anos e um rapaz de vinte
aproximaram-se da nossa mesa. Ela parecia ser simpática e culta; ele um típico aventureiro.
A mulher inclinou-se em direção a Amanda:
- Oi, como vai Marquês?
- Oi, Sra. Shalom, tudo bem com ele.
Sra. Shalom era a dona da pensão em que Marquês havia se hospedado e Lucas, pelo
que Amanda me contou, era seu secretário. Não me surpreendi quando eles vieram até a
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nossa mesa. Seria apenas uma coincidência encontrá-los aqui? Só poderia ser, afinal, eles
também deveriam estar de férias.
- Você e Kall estão em lua-de-mel?- perguntou Sra. Shalom, curiosa.
- Estamos. Você e Lucas ...
- Não, não. Nós estamos a passeio - interrompeu a mulher.
- Kall, eu acompanhei pelos jornais o seu último caso, o da família Antunes. Parabéns por
ter conseguido resolvê-lo.
- Obrigado, Lucas. É a primeira vez que você vai a Parja?
- Sim, essa viagem foi um presente da Sra. Shalom.
- Sra. Shalom, que número é a sua cabine?- perguntou Amanda.
- Lucas e eu estamos na de número seis da primeira classe. E vocês?
- Na número cinco – respondi.
Interrompemos a conversa. Afinal, iria começar o tão esperado show de mágica do
Grande Brenaltis.
- Senhoras e senhores, - disse o rapaz encarregado de anunciar o espetáculo - vamos iniciar
agora uma ótima apresentação. Peço aplausos ao Grande Brenaltis!
Nesse momento surgiu o mágico, todo sorridente:
- Caros espectadores, vocês vão entrar a partir de agora no campo da mágica. Onde tudo
pode acontecer, realmente tudo!
O mágico tirou um coelho da cartola e todos riram. Ele retomou a fala:
- Bem, num show de mágica existem truques simples como esse e truques mais elaborados,
mais brilhantes, como é o caso do meu próximo número, batizado por mim de mulher
invisível.
Os refletores iluminaram a assistente do mágico, que se apresentou com o nome de
Sheila. De repente, o mágico a fez sumir. Foi realmente incrível, brilhante. Após cinco
minutos, Sheila apareceu na porta principal do restaurante. Todos ficaram impressionados e
Brenaltis foi aplaudido de pé, durante bastante tempo. Após a apresentação do mágico, a
Sra. Shalom e o Lucas voltaram para a mesa de número sete. O mágico Brenaltis fez
questão de se sentar conosco:
- Kall, gostou do show? – perguntou-me ele.
- Claro! Achei um espetáculo muito interessante. Você é um grande mágico e merecia estar
nos palcos norte-americanos.
- Obrigado, é bom receber elogios, ainda mais, de uma pessoa famosa como você.
- Brenaltis, Amanda e eu gostaríamos que jantasse conosco.
- Seria uma honra.
O almoço começou a ser servido e o navio já tinha percorrido um bom caminho,
balançando suavemente.
- Brenaltis, fiquei realmente impressionado com o truque mulher invisível. Como você fez
aquilo?
- Kall, é um segredo de mágico – interrompeu minha mulher.
- Certo, claro – concordei sorrindo.
Nesse instante, sentou-se em nossa mesa a assistente do mágico.
- Sheila, como é sumir por alguns minutos? - perguntou Amanda, curiosa.
- É bárbaro! É uma experiência diferente – disparou Sheila.
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O mágico e sua assistente foram para a cabine. Em seguida, subiu ao palco o capitão
do navio, de nome Marco, um homem de olhos verdes que usava um quepe azul engraçado.
Ele fez um pequeno discurso, que não me trouxe novas informações:
- Boa noite, o navio está indo rumo a capital do estado de Lubus, Parja. Espero que tenham
uma boa viagem e que se divirtam bastante.
Depois, Marco sentou-se em nossa mesa.
- Boa noite, Kall. Boa noite, Amanda. Espero que vocês estejam gostando da viagem.
Cuidarei para que tenham uma boa hospedagem em nosso navio.
- Obrigado, capitão - agradecemos juntos.
- Gostaria de convidá-los para um passeio pelo Transroca. O que acham?
- Seria ótimo – respondemos.
Conforme combinado, o capitão Marco nos levou para conhecer o navio. Não
tínhamos reparado como ele era realmente extenso e bonito. Marco nos levou até a sala de
máquinas.
- Bem, essa máquina é umas das principais, pois controla, entre outras coisas, a velocidade
do navio - disse o capitão, que começou a explicar o funcionamento de todo o maquinário.
- Bom. Agora vou mostra-lhes a cabine de comandos – continuou ele.
O capitão conhecia em detalhes todas as máquinas do Transroca. Ele parecia ter
decorado o manual de funcionamento. Gaivotas, peixes e golfinhos compunham o restante
do cenário, tornando o momento muito agradável. Quando andávamos pelo navio,
encontramos a Sra. Ana Pontes. O capitão, que parecia conhecer a todos os passageiros, nos
apresentou:
- Sra. Ana Pontes, esses são Kall e Amanda.
- Prazer, fico contente em conhecê-los. É a primeira vez que vocês fazem esse cruzeiro? –
indagou a portuguesa.
- Sim, e você? – retruquei.
- Também, mas não será a última, pois estamos num navio encantador – destacou Ana.
- Não será, com certeza. Mas, diga-me, como é Portugal? - perguntou Amanda.
- É um bom país, com poucas desigualdades sociais. Foi uma pena não ter nascido lá.
- Você nasceu no Brasil?
- Sim, no nasci no estado de Ilmo e depois fui morar em Portugal quando tinha quatro anos.
Meus pais nasceram lá.
Lembrei de que o único local de parada do Transroca seria no estado de Ilmo e
perguntei curioso:
- Você nasceu perto da porto de Panarama?
- Não, do outro lado do estado.
- Você vai visitar a sua família quando fizermos a parada? - perguntou Amanda.
- Não.
disputado pelas lindas colegiais de nossa escola. Ele adorava, principalmente, as loiras de
olhos verdes.
- Que triste, Gustavo, lamento muito – tentei consolá-lo.
Meu amigo respirou fundo e continuou:
- Mais tarde encontrei Camila, uma mulher não tão perfeita, mas dedicada e inteligente. É
com ela que estou noivo há três anos. Eu resumo da seguinte forma: Camila não é ciumenta
e eu também não sou. Essa é a minha história de amor. E você Kall, o que andou fazendo
depois que foi para a França?
A França foi e sempre será inesquecível para mim. Lá, estudei na FADEF, a
Faculdade de Detetives da França, uma das mais conceituadas da Europa, e acumulei
bastante experiência, a experiência necessária para ressolver casos complicados. Respondi a
pergunta:
- Depois, cursei uma outra faculdade, a Faculdade de Detetives de Washington, e acabei
conhecendo o então desconhecido Sherlock Holmes. Não demorou muito para eu entrar na
agência de detetives Sucess, uma das mais famosas do Estados Unidos. Quando adquiri um
pouco de experiência fui convidado para resolver um caso juntamente com meu amigo
Holmes.
- E como foi trabalhar com o Sr. Holmes, Kall?
- Foi muito produtivo. Com ele, acumulei técnicas e conhecimentos para solucionar os mais
complicados mistérios. Sherlock sempre me dizia: “você precisa examinar tudo! Qualquer
observação é importante! Não se comova com os depoimentos dos suspeitos”. Ele foi um
verdadeiro mestre para mim.
- Kall, o que você e Amanda estão achando da viagem?
- Estamos gostando bastante, pois a experiência tem se mostrado muito interessante.
- Contaram-me que você gostou do show de mágica do Grande Brenaltis. É verdade?
- Sim, gostei muito, principalmente o truque mulher invisível.
Nesse momento, Camila, a noiva de Gustavo, entrou no quarto.
- Camila, quero lhe mostrar, ou melhor, apresentar um velho amigo meu.
Gustavo nos apresentou e ela começou a conversar com minha mulher, que ainda
estava na varanda, observando a magia da lua e se encantando cada vez mais.
- Amanda, como é estar casada com alguém tão famoso como o Kall?
- Ele é uma pessoa maravilhosa, um homem único.
- Você está gostando da viagem?
- Estou, Camila, está sendo uma cruzeiro maravilhoso.
- Lucas você não é qualquer recepcionista. E você sabe muito bem disso.
- É verdade, Sra. Shalom.
Perto das cabines quatro e cinco da segunda classe, o italiano Nicolas Pioli
conversava com o francês Rafael Benton, um homem loiro, de um metro e setenta, que
tendia a ser engraçado.
- Nicolas, o que o Kall está fazendo nesse navio?
- Nada de mais! Ele só está aproveitando a lua-de-mel. Por que a pergunta?
- Por nada.
- Vamos fechar o negócio, Nicolas?
- Sim, Rafael, vamos sim! Tomara que ele dê certo.
- Não tem como dar errado.
- Eu espero que não.
- Vou pegar os documentos.
- Um brinde a esse acontecimento memorável, disse Nicolas, após assinar os papéis.
A Sra. Ana Pontes e a Sra. Lívia Densher reuniram-se na porta de suas cabines,
respectivamente as de números quatro e dois da primeira classe, uma de frente para a outra.
- Lívia, o que achou do jantar?
- Estava delicioso. E... você gostou?
- Claro, quem não gostaria?
- Ana, por que você não trouxe o seu filho?
- Ele é muito novo, não iria aproveitar o cruzeiro.
- Ele já tem quatorze anos – retrucou Lívia.
- É, mas foi melhor ele ter ficado.
- Claro, compreendo.
- Lívia, mudando de assunto, o que você vai fazer amanhã?
- O Transroca está oferecendo aulas de dança e vou frequentá-las, só para ver como é. E
você?
- Eu não sei ainda.
- Vamos fazer juntas? Vai ser divertido.
- Está bem, vamos sim.
sobre a sua descoberta, mostrando manchetes de jornais e revistas em que esse assunto foi
abordado, inclusive a Science Time, uma consagrada revista norte-americana.
- Amanda, - chamou o biólogo - esse livro é para você. Ele aborda todos os tipos de plantas
usadas para a confecção de remédios.
- Obrigada.
- Você merece! Acho que terá um brilhante futuro se seguir uma profissão associada às
plantas. Você pretende?
- Não sei, a cada dia penso mais sobre o assunto, mas antes preciso me informar melhor.
- Compreendo, Amanda. É muito importante o trabalho com plantas e, pelo jeito, é
adequado a você.
Ela acenou a cabeça, agradecendo, e ele propôs:
- Vamos tomar o café-da-manhã?
- Claro, vamos sim.
Ambos foram ao salão Shilde, onde teriam uma refeição farta, com muitas frutas,
pães e doces de diversos tipos. Encontrei-os sentados na mesma mesa. Sobre o que estariam
conversando? Sobre plantas é claro, só poderiam falar delas. Sobre qual assunto eles
conversariam se não fosse sobre plantas?
- Bom dia, Amanda. Bom dia, Gláucio.
- Bom dia, Kall - exclamaram ambos.
O tal biólogo levantou-se cordialmente, provavelmente para voltar a sua cabine.
- Como foi a conversa com o Gláucio? – perguntei.
- Foi muito boa. Conversamos basicamente sobre plantas, sobre o vírus emoglion e sobre a
carreira dele. Gláucio se formou na faculdade de Standart e fez estágios nos melhores
laboratórios mundiais, por isso tem um bom conhecimento sobre plantas.
Ela fez uma pequena pausa, respirou e prosseguiu:
- Kall, ele disse que eu poderia ter uma boa carreira, se, por um acaso, seguisse alguma
profissão ligada à plantas.
- Amanda,você pretende?
- Eu só estou pensando, ainda não tenho certeza.
Poucas horas depois, o capitão Marco fez um pronunciamento que pôde ser ouvido
de qualquer parte do navio, já que ele oferecia uma boa acústica:
- Passageiros, dentro de dez minutos, vamos iniciar o desembarque no porto de Panarama,
onde ficaremos aportados até às duas da tarde. Bom divertimento a todos.
Iniciamos a decida do Transroca e em poucos minutos já estávamos no porto de
Panarama, um local movimentado, devido a uma grande quantidade de navios. O Transroca
organizou passeios coletivos para conhecermos as cidades de perto do porto e para
visitarmos uma aldeia de pescadores. Após conhecê-la, entramos numa sorveteria, a
sensação entre os habitantes de uma outra cidade, que tinha, segundo o último senso, menos
de dois mil habitantes. No balcão da sorveteria, o tal biólogo Gláucio dirigiu-se à
balconista:
- Por favor, onde posso comprar açúcar?
- Aqui!- exclamou ela, com entusiamo.
Hum.... O biólogo estava parecendo uma formiga, uma formiga que não dispensa
um açúcar (risos). Talvez ele fosse comer o alimento ou talvez fosse usá-lo em algum
experimento. Só Deus sabe! Depois de um dia divertido, voltamos ao Transroca. Mais
tarde, Amanda foi fazer uma aula de ginástica e eu fui fazer tênis, apesar de não ter alguma
prática.
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Lenda interessante
Sobre sua vegetação, praias, costumes típicos, sobre uma estranha lenda e sobre um
espectro... Ah! Um espectro. Seria verdade toda essa história? Seria?
- Eu também acho.
- Mudando de assunto, Sra. Shalom, você está sabendo do baile?
- Que baile?
- O baile à fantasia que vai acontecer em breve.
- Que bom, eu não sabia. Vamos?
- É claro que sim, não perderia por nada.
Sra. Ana Pontes e Sra. Lívia Densher conversavam no bar. O navio balançava um
pouco, mas nada que tornasse a viagem desconfortável.
- O que achou da palestra, Ana?
- Achei muito instrutiva. Agora, eu estou começando a gostar da viagem. Se você não
pedisse, eu não teria vindo, você sabe disso, não sabe?
- É, eu me lembro, mas eu sabia que você ia acabar gostando.
-Realmente, você tinha razão. Prestei atenção em cada detalhe da palestra e fiquei
encantada com a cidade.
- Ana , será que o Kall está no navio para nos proteger?
- Pode ser, Lívia, é bem provável. Ele provou ser um bom detetive ao resolver o seu último
caso, aquele que envolveu a família Antunes. Você acompanhou esse mistério?
- Não, eu estava viajando ao exterior, como foi?
- O caso, conhecido como Enigmas e Passaportes, recebeu destaque em vários jornais. Ele
aconteceu numa pequena cidade e foi considerado de difícil resolução por profissionais
especializados. Não lembro muito bem dos detalhes.
Eram nove horas da noite. O segundo jantar do cruzeiro seria servido nesse
momento. O capitão Marco foi ao palco para fazer mais um pronunciamento, um
pronunciamento mais longo e mais interessante do que o primeiro:
- Boa noite, senhores. O nosso dia de navegação foi um sucesso e já estamos a uma boa
distância de Parja. No entanto, segundo a marinha brasileira, poderemos encontrar fortes
ventos e até mesmo uma tempestade nos próximos dias de navegação. Mas, fiquem
tranqüilos, nosso navio Transroca está equipado com a máxima segurança. Bom, agora o
nosso companheiro Osmar, homem encarregado da programação do Transroca, quer dizer
algo.
Uma tempestade? Esta não! Não era uma bom sinal. Seria o fim do cruzeiro? Uma
tempeste poderia estragar tudo. Ela realmente não seria bem-vinda. O jovem Osmar, um
homem magro e estatura mediana foi ao palco:
- Boa noite. Espero que vocês estejam gostando da programação do navio. Ela foi preparada
especialmente para vocês. Amanhã, teremos campeonato de ping-pong, dardo e tiro ao
prato. Além, é claro, do sensacional baile à fantasia. Portanto, divirtam-se!
Eu até seguiria o conselho do Osmar, se não fosse a vinda de uma possível
tempestade. Uma tempestade? Eu odeio tempestades!
- Kall, - exclamou Amanda - nós iremos a esse baile à fantasia?
- Claro querida, por que não iríamos?
- Mas, nós esquecemos de trazer as fantasias.
- Posso pedir ao Gustavo.
- Claro! Seria ótimo se ele emprestasse.
- Irei falar com ele amanhã.
Nesse momento, o tal biólogo sentou-se em nossa mesa.
- Parabéns pela palestra, estava realmente muito interessante - exclamou Amanda.
- Obrigado, mas teria sido melhor se o italiano não tivesse atrapalhado.
- Você sabe por que ele começou a fazer aquelas brincadeiras? – perguntei, curioso.
- Kall, é isso que eu gostaria de saber. Não fiz nada a ele, realmente eu não sei porque
Nicolas fez aquilo. Mas me digam, vocês vão ao baile à fantasia?
- Acho que sim. - disse Amanda - Mas nós não trouxemos as fantasias. O Kall vai ver se o
Gustavo pode nos emprestar.
- Amanda, – exclamou o tal biólogo - se vocês quiserem eu tenho uma fantasia. Posso
emprestá-la a vocês.
- Mas você não vai ao baile? - perguntou minha mulher.
- Não, eu não gosto de festas. Eu deixo a roupa com vocês.
- Obrigado, Gláucio - exclamou Amanda, com um ar de felicidade.
- Vocês podem pegá-la comigo amanhã de manhã, quando estarei fazendo experiências. É
só ir até a minha cabine e pegar a roupa. Kall, se você quiser visitar o meu laboratório,
ficarei honrado.
- Eu tenho que procurar o Gustavo. Deixarei a ida ao seu laboratório para uma próxima
oportunidade.
- Certo, e você Amanda?
- Irei com o maior prazer, Gláucio. Às sete horas da manhã?
- Claro Amanda, estarei esperando-a - concluiu o biólogo.
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No dia seguinte, pontualmente às sete horas da manhã, minha mulher foi a cabine de
Gláucio e eu fui ao encontro de Gustavo para conseguir mais uma fantasia para o baile.
- Amanda, a maioria dos detergentes são iguais e possuem a mesma fórmula. Estou
fabricando algo inovador, você vai ver - relatou Gláucio.
- Impressionante. Esse detergente já é conhecido por algum fabicante ou alguma empresa?
- Não, ainda não. Estou terminando a fórmula. Devo conclui-la hoje.
- Como esse detergente vai se chamar?
- Inicialmente de Struss.
- Por que Struss?
- Ele é a base de......e isento de.....
- Ah!
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Sangue no navio
A minha mulher Amanda saiu da cabine do tal biólogo e o deixou à vontade para
que ele realizasse novos testes. Até que:
- Eureca! - gritava ele, empolgado com se tivesse encontrado uma fórmula nova.
Seria essa a descoberta do mês, do ano, da década, do século ou do milênio? Se sim, o
tal biólogo teria o nome citado em todos os veículos de comunicação e com certeza seria
mais conhecido do que nunca. Nesse momento, a fama parecia fazer parte do destino dele.
Até que... De repente, ouvi-se um barulho na porta.
O tal biólogo abriu e, imediatamente, foi surpreendido com uma facada no coração
e, em seguida, com mais outra. Ele sangrava muito, já estava morto, antes de levar uma
terceira e última facada. O quarto foi totalmente revirado. O assassino estaria atrás de
alguma coisa?
Mais tarde, a morte de Gláucio era o principal assunto do Transroca. Nicolas Pioli e
Rafael Benton estavam tomando o desjejum:
- Soube da tagédia, Nicolas?
- Não, o que aconteceu?
- O biólogo, aquele que deu uma palestra sobre Parja, morreu hoje de manhã.
- Sério? - murmurou Nicolas, surpreso.
- Sério, encontraram o corpo agora pouco.
- Quem o encontrou?
- Não sei, por quê?
- Curiosidade. Já sabem como ele morreu?
- Ainda não, não examinaram o corpo.
- Só isso?
- Quero que ninguém saiba que ele vem. Ninguém! Entendeu? Cuide disso para mim.
- Cuidarei.
Amanda conversava com Camila, noiva de Gustavo. Elas pareciam velhas amigas:
- Camila, tenho um pressentimento.
- Qual, Amanda?
- Acho que Kall será contratado como detetive para solucionar a morte do biólogo.
- Pode ser, mas por que você acha isso?
- Kall é o único detetive que está no navio e, além do mais, tem muita experiência.
- É bem provável, mas, você acha que ele irá aceitar o caso?
- Acho que sim, só ele pode solucionar!
- É verdade. Kall é um bom detetive, na verdade, o melhor que conheço.
Camila foi dar uma volta pelo navio e Amanda voltou para a nossa cabine.
- Minha mulher, Osmar acabou de passar aqui e me disse que Gustavo deseja falar
comigo.
- Ele vai querer contratá-lo para desvendar do biólogo – afirmou minha mulher.
- É, provavelmente.
- A que horas você vai encontrá-lo?
- Antes do almoço.
- Amanda, gostaria de saber a sua opinião.
- Kall, faça o que você acha que tem de ser feito.
autorizar.
- Quem você quer interrogar primeiro?
- Quem encontrou o corpo?
- Osmar.
- Certo, começarei por ele.
- Tudo bem, Osmar estará no salão do café-da-manhã dentro de meia hora.
- Bom, o restante chamarei quando tiver o mapa das cabines.
- Certo, até mais tarde e muito obrigado – disse Gustavo.
Começando a investigar
Fui ao Hilde, o salão do café-da-manhã, para me encontrar com Osmar. Ele estava
sentado num dos bancos e ao me ver ofereceu um drinque. Recusei, olhei ao redor e percebi
que o ambiente estava muito limpo, limpo até demais. Não havia sinais de que nesse local
seria realizado um baile. Notei, nesse momento, que o evento teria sido transferido de salão
para que eu pudesse conduzir as investigações. Osmar estava um pouco nervoso com a
minha presença:
- Eu não o matei. Eu juro!
- Calma, meu rapaz.
Comecei a fazer as perguntas de rotina, perguntas, que embora fossem tolas,
mereciam ser formuladas, pois podiam revelar pistas interessantes. Esse foi mais um
ensinamento de meu mestre Sherlock Holmes.
- Qual é o seu nome completo?
- Osmar Mentona.
- Há quanto tempo trabalha para Gustavo?
- Há muitos anos.
- Conhecia a vítima?
- Só de nome, nunca falei com ele pessoalmente, pois não o conhecia. Eu não o matei, eu
juro!
- Calma, ninguém está acusando-o. Só estou apenas colhendo algumas informações. Há que
horas encontrou o corpo?
- Às oito e meia da manhã, acho que era isso.
- Como estava o quarto? Algo chamou sua atenção?
- Estava revirado.
- O que você foi fazer no quarto do biólogo?
- Ele me chamou e eu fui ver o que Gláucio desejava.
- O biólogo adiantou qual seria o assunto?
- Não.
- Foi a primeira vez que ele o chamou?
- É, foi a primeira.
- O que você encontrou quando entrou no quarto?
- Uma cena horrível. Gláucio estava caído no chão de costas com dois furos de facada no
coração e mais um de raspão. Acho que era isso.
- Certo, Osmar, gostaria de ver o quarto de Gláucio e depois, imediatamente, o corpo.
- Claro, Kall. O corpo está num freezer, um freezer grande que temos no porão do
Transroca. Achei que seria prudente colocá-lo lá. Mas, o quarto continua do jeito que eu
encontrei. Não tirei nada do lugar!
- Só mais uma pergunta: Osmar, seu quarto é o de número dois da segunda classe, certo? –
perguntei, olhando no mapa do navio Transroca.
- Certo, é esse mesmo.
- Ele é bem perto do quarto de Gláucio, não é?
- Mais ou menos, o de Gláucio era o seis, também da segunda classe.
29
Fui ao quarto do tal biólogo assassinado. O ambiente estava todo revirado, com
livros e revistas jogados no chão, roupas esparramadas e vidros quebrados por todo lado.
Parecia uma cena de filme! Um filme de mistério, no qual um detetive altamente
qualificado tem que solucionar algum crime. Mas, o que eu via era real e, além disso, eu era
o detetive encarregado de buscar uma solução.
Apanhei um livro que estava perto da cama do biólogo e resolvi folheá-lo. Era muito
grande, um verdadeiro almanaque que trazia textos sobre as principais plantas medicinais.
Estava intacto! Nenhuma folha tinha sido arrancada. Observei um outro, intitulado A vida
das plantas, e encontrei uma página dobrada. Abri e achei uma foto, um belo retrato da
portuguesa Ana Pontes.
Uma foto de Ana Pontes! Hum.... Que foto! Eu aposto R$ 50 como ela não veio
parar aqui sozinha. Quer apostar? O retrato tinha uma dedicatória, uma dedicatoria que
poderia solucionar uma dúvida, uma dúvida cruel: “Com amor para Gláucio”. Com amor?
Duas hipóteses surgiram: talvez eles fossem amantes ou talvez fossem namorados. Ao
fundo do retrato estava a pensão Shalom, local onde meu amigo Marquês ficou hospedado.
A Sra. Ana Pontes teria passado férias lá ou ela teria sido dona do local? Sei lá, vai saber!
Guardei a foto no bolso, afinal poderia ser uma pista. Será que o assassino estava
procurando esse retrato quando revirou o quarto do biólogo? O cheiro do cadáver de
Gláucio ainda estava no ar e o sangue dele podia ser facilmente identificado no chão da
cabine. No quarto, só havia duas impressões digitais: as de Osmar, o homem que encontrou
o corpo, e as minhas, o homem que estava tentando achar o assasssino. Isso é óbvio! O
assassino não seria idiota a ponto de deixar suas marcas. A porta da cabine mostrava-se
intacta, não havia qualquer sinal de arrombamento. Como o assassino teria entrado? Ele só
poderia ter feito isso se conhecesse muito bem a vítima, somente com essa condição é que o
tal biólogo abriria a porta. Mas, talvez o tal biólogo não precisasse fazer isso, talvez a porta
já estivesse aberta. Não a porta principal, mas sim uma outra, a que servia de ligação para a
cabine ao lado, a cabine de Rafael Benton. Coloquei a mão na maçaneta e constatei que ela
realmente estava aberta. Por quê? O Rafael conhecia o morto? Anotei o nome dele num
pedaço de papel, pois o rapaz teria que me dar uma boa explicação.
Osmar levou-me para ver o corpo de Gláucio. O homem havia sido brutalmente
assassinado, com duas facadas no coração e mais uma de raspão. Quem poderia ter feito
isso? Quem? E por quê? Por que teriam matado um biólogo?
*
30
O italiano Nicolas Pioli, que discutiu com o Gláucio durante a palestra, foi o
próximo a depor. Ele teria que me falar sobre o espectro e sobre alguns outros fatos que,
embora de menor importância, tomaram um grande tempo de nossa conversa.
- Por que você ficou irritado quando o biólogo comentou sobre a possível existência de um
espectro?
- Eu não acredito nisso, trata-se de uma besteira, uma grande besteira! Histórias desse tipo
são inventadas e, consequentemente, não existem.
- Você conhece Rafael Benton?
- Não, por quê? Deveria?
- É que vocês reservaram cabines no mesmo dia e hora, e ainda escolheram quartos bem
próximos. Por um minuto, pensei que fossem amigos - comentei, analisando os documentos
de reserva de cabines do navio Transroca, que me foram fornecidos pelo Gustavo.
- Foi coincidência, pura coincidência. Eu não o conheço, não o conheço. Eu juro!
- Tem certeza?
- Claro que sim, confie em mim. Se você confiar, eu posso ajudá-lo nessa investigação.
- Pode? Como? Você sabe quem matou Gláucio? – perguntei surpreso.
- Claro que sei, foi o tal espectro. O biólogo disse que ele poderia estar vagando pelo navio.
Pois bem, foi o espectro quem cometeu o assassinato. Kall, eu falo a verdade, você pode
acreditar.
- Nicolas, você trabalha em quê?
- Sou um ator de cinema italiano.
- Já fez filmes sobre espectro?
- Não, por quê? – ele respondeu, surpreso.
- Curiosidade. Você me disse que não acredita em espectro. Por que acha que ele matou
Gláucio?
- Intuição, uma grande intuição. Posso assegurar-lhe que foi o espectro quem matou
Gláucio.
- Que motivos ele teria?
- Não sei, vai ver que ele não gostou da palestra do Gláucio – disse o italiano, ironicamente.
- E você estava onde quando Gláucio morreu?
- Andando pelo navio.
- Tem esse costume?
- Não.
- E porque foi andar na hora em que Gláucio morreu?
- Tive vontade.
- Conhecia a vítima?
- Não.
- Conversou alguma vez com ele?
- Só uma.
- Qual foi o assunto?
- Pedi para a ele não ir embora.
- Por que fez isso?
- Queria conhecê-lo melhor. Gláucio era uma boa pessoa, tínhamos muita coisa para
conversar.
- Sobre o quê, Nicolas?
32
Comecei a chamar os passageiros da primeira classe. Iniciei pela Sra. Lívia Densher.
Estávamos na parte da tarde e o Transroca navegava para, em poucas horas, completar mais
um dia de viagem rumo ao sul do Brasil. A Sra. Lívia tinha algumas coisas para me
esclarecer, algumas coisas que ainda estavam muito estranhas.
- Quantos anos?
- Trinta e cinco.
- Sra. Densher, trabalha em quê?
- Exportação
- De qual tipo de produto?
- Detergente.
- Há quanto tempo você trabalha com ele?
- Sempre trabalhei.
- A Sra. já viajou outras vezes de navio?
- Não.
- Tem certeza?
- Claro que tenho, por quê?
- É que no dia em que embarcamos no navio Transroca a Sra. foi cumprimentada por todos
os empregados e até mesmo pelo capitão Marco. Por um minuto, pensei que a Sra. já
tivesse viajado nesse navio – disse, lembrando-me de alguns fatos que ocorreram quando
Amanda e eu entramos no Transroca.
- Não, nunca fiz isso.
- Então porque você disse “a mesma de sempre” quando, no dia do embarque, Osmar lhe
perguntou qual era o número de sua cabine? – questionei, precionando-a para que ela
revelasse a verdade.
- Isso é uma calúnia, uma acusação grave e um tremendo absurdo.
- Tem certeza?
- Claro que tenho.
Detergente? A Sra. Lívia Densher trabalhava com exportação de detergente! O
Gustavo, dono do Transroca, também comercializava esse produto. Lembro-me quando ele
disse que sua empresa era a terceira do setor, mas que em breve seria a primeira. Quem falta
trabalhar com detergente? Quem?
A Sra. Ana Pontes foi a próxima a depor e teria que me falar sobre aquela foto que
eu encontrei num dos livros do tal biólogo. Aquele retrato poderia ser realmente uma pista e
eu precisava de algumas explicações.
- Sra. Pontes, quantos anos?
- Quarenta e três.
- Trabalha em quê?
- Sou vendedora de imóveis aposentada.
- Você estava onde na hora do crime?
- Dormindo, pois me deitei tarde na noite anterior.
- Você fuma?
35
- É só detetive Kall?
- É, pode ir.
Uma foto da Sra. Ana Pontes em frente à pensão Shalom! Certamente, isso era uma
pista, só poderia ser. Estaria o assassino atrás dessa foto? Por quê? A justificativa
apresentada pela Sra. Ana era muito estranha. Ela disse que tinha tirado a foto em frente à
pensão, pois o nome havia lhe chamado a atenção. Era difícil acreditar nisso, muito difícil
Sra. Shalom, a dona da pensão que leva o mesmo nome, foi a próxima a se sentar na
cadeira, anteriormente ocupada por Ana Pontes, Lívia Densher, Nicolas Pioli, Rafael
Benton e pelo mágico Brenaltis. O meu bloco de anotações já estava com quase todas as
páginas ocupadas. A cada pessoa que eu ouvia, eu encaixava uma peça no quebra-cabeça e
completava uma linha de raciocínio, talvez não fosse a linha correta, mas pelo menos era
um começo, um grande começo. Estava cansado de fazer as mesmas perguntas, mas sabia
que elas eram necessárias e que, na maioria das vezes, ajudariam na solução do caso.
Quando era possível, eu variava na escolha das questões a serem formuladas, mas isso não
ocorria com frequência.
- Sra. Shalom, Marquês ficou hospedado em sua pensão. Correto?
- Sim, mas não por muitos dias.
- Há quanto tempo a Sra. tem aquela pensão?
- Cinco anos.
- Ela já teve outros donos?
- Já, a pensão foi construída há seis anos e eu a comprei do engenheiro que a construiu.
- Como se chama esse homem?
37
*
38
A Sra. Shalom olhava pela janela de sua cabine, quando Lucas a cutucou para iniciar
uma conversa:
- Kall perguntou a você sobre Marquês?
- Sim, Lucas, e ele quis saber também informações sobre a pensão, além do nome do
engenheiro que a construiu.
- O engenheiro? – perguntou Lucas, surpreso
- Sim, o detetive queria saber o nome de quem construiu a pensão. Estranho, não é?
- E o que você disse?
- Falei que não lembrava. Lucas, e o que Kall perguntou a você?
- Se eu já tinha ido a Parja, mas respondi que não. Depois, perguntou se você já tinha estado
lá.
- E o que você disse?
- Que não sabia.
Então quer dizer que a Sra. Lívia Densher sofreu uma tentativa de assassinato? Por
que ela não falou sobre isso? Quem seria esse tal de Peter Korda? Teria ele alguma ligação
com o assassinato do tal biólogo?
Cinco minutos depois, Osmar, o homem que encontrou o corpo do biólogo Gláucio,
voltou para um novo depoimento. Dessa vez, ele mostrou-se mais tranqüilo e teria que me
dar algumas informações sobre o Peter Korda. A investigação já se prorrogava por muito
tempo e eu estava com bastante sono, mas sabia que tinha que prosseguir.
- Kall, em que posso ajudá-lo?
- Osmar, você trabalhou para o Sr. Korda?
- Sim.
- Soube que a Sra. Lívia Densher foi quase assassinada nesse navio. Você confirma? Há
quanto tempo foi? Dez anos?
- Confirmo. Exatamente, há dez anos.
- Quer me contar algo mais sobre esse epsódio?
- Não sei muito mais do que isso.
- Só mais uma pergunta: Gustavo disse-me que algumas pessoas sustentam a hipótese de
que o espectro tentou matar a Sra. Lívia Densher, você acredita nessa história?
- Acredito – disse o encarregado pela programação do navio.
- Esse mesmo espectro pode ter matado Gláucio?
- Claro, por que não?
- Talvez, ou também pode ser mera coincidência.Amanda, alguma vez o Gláucio disse que
temia a morte?
- Não, nunca. Ele dizia que gostava de viver e que valorizava e muito a vida.
- Ele mencionou se tinha inimigos?
- Não, certa vez ele me disse que gostava de todo mundo.
- Ele fumava?
- Não, pelo menos na minha frente, ele nunca acendeu um cigarro, por quê?
- É que, no dia em que visistei o quarto dele, encontrei um toco de cigarro perto da cama.
- Deve pertencer ao assassino, não é?
- Possivelmente. Você é a primeira pessoa com quem falo sobre isso. Até agora eu mantive
segredo, pois essa pode ser uma prova muito importante. Mas, sobre o quê Gláucio e você
conversavam?
- Sobre a carreira dele e sobre os testes que ele estava fazendo.
- Testes?
- Sim, de um novo detergente que iria se chamar Struss.
Nesse momento, flashes passaram pela minha cabeça. Lembrei que Gustavo tinha
uma empresa que comercializava esse produto e que a Sra. Lívia Densher também
trabalhava com detergente. Seria apenas uma coincidência? Fiquei reflentindo e disparei
uma pergunta:
- E o que tinha de mais esse novo detergente?
- Era um produto que ainda não podia ser encontrado no mercado. Gláucio estava
descobrindo algo realmente inovador.
- Ele chegou a concluir a fórmula?
- Não, creio que não. Quando eu deixei o escritório, ele ainda estava fazendo testes. Mas,
por que a pergunta? Você acha que a descoberta da fórmula está relacionada com a morte
de Gláucio?
- Não sei, estou tentando juntar algumas pistas. Amanda, você se importaria em ir comigo
ao quarto do biólogo?
- Não, Kall. Você quer saber se ele concluiu a fórmula?
- Isso mesmo!
Fomos ao quarto do biólogo. O relógio informava que já estava tarde, muito tarde, e
que em breve o baile iria começar.
- Kall, está tudo revirado. Não há vestígios da experiência de Gláucio.
Era o que eu temia ouvir. Acenei com a cabeça para baixo, concordando com a triste
notícia. Ao mesmo tempo, bateram na porta. Era Osmar:
- Kall, deixaram essa carta para você na recepção.
- Certo. Obrigado, Osmar.
Abri o envelope e rapidamente comecei a lê-la:
- “Caro Kall, soube que sua mulher se encontrou inúmeras vezes com o biólogo Gláucio.
Mas, fique tranqüilo, pois eu não acredito que um detetive famoso como você tenha sido
traído...”
Traído? Que brincadeira era essa? Só podia ser uma brincadeira de muito mau
gosto. Amanda não seria capaz de fazer uma coisa dessas. Ela não faria isso comigo.
Continuei a ler a maldita carta:
- “...Agora, mudando de assunto, você não teria motivo para esfaquear o biólogo. Teria?”
42
Essa não! Só faltava isso. Alguém, que eu não sabia quem era, estava me acusando
de ter matado o tal biólogo. Quem teria me mandado uma carta dessas? Só podia ter sido o
assassino. E por quê? Eu teria que descobrir o mais rápido possível. Aos poucos os
pensamentos perderam força e Amanda aproximou-se de mim:
- Kall, algum problema?
- Amanda, o problema é essa carta.
Minha mulher demorou alguns minutos para entender a mensagem que estava
escrita, mas foi rápida para pronunciar umas palavras:
- Kall, é tudo mentira, uma grande calúnia.
- Eu sei Amanda, acredito em você.
- Quem mandou a carta? O assassino?
- Pode ser, mas por que ele faria isso?
- Para forçar você a desistir do caso.
- Mas, eu nunca irei abandoná-lo - disse firme, com toda a força.
- Eu sei, Kall. Não seria justo você desistir agora.
Pensei, por longos momentos, naquela maldita carta que recebi. Afinal, por que me
mandaram ela? Por quê? Certamente para eu dessistir da investigação. Amanda estava mais
do que certa. Mas, isso não iria acontecer. Agora, eu teria mais coragem e mais força do que
nunca. Voltamos para a nossa cabine, tomamos um banho e nos arrumamos para o próximo
evento do navio Transroca, o baile à fantasia.
43
Baile à fantasia
Estava tudo pronto para o evento mais esperado da viagem: o tal baile à fantasia. Em
alguns momentos, acreditei que o evento não seria realizado, uma vez que o tal biologo
morreu. Mas, o salão Merlin, localizado no andar térreo do navio Transroca, recebeu uma
bela decoração para o evento e todos compareceram ao baile. O capitão Marco subiu ao
palco para fazer, como sempre, um rápido pronunciamento, mas acabou se alongando um
pouco:
- Boa noite, senhores passageiros, peço desculpas pelo ocorrido, mas tenho a satisfação de
falar que já estamos tomando providências. Como vocês devem ter percebido, o detetive
Kall foi contratado para desvendar o assassinato de Gláucio e as investigações já
começaram, por isso, peço que todos colaborem com o detetive. De qualquer forma, não
podemos voltar ao porto de Perúsia Grande, de onde partiu o navio, pois o porto mais
próximo é o de Parja, justamente o nosso destino.
Fiquei emocionado com as palavras e cheguei até a acenar com a cabeça para baixo,
agradecendo. Marco fez uma pequena pausa e continuou:
- Preparamos para hoje um evento especial, do qual vocês se lembrarão para sempre. Além
do baile à fantasia, teremos a apresentação do grande mágico Brenaltis. Portanto, divirtam-
se e brinquem à vontade!
Segundos depois, o capitão Marco foi aplaudido e cedeu o lugar ao mágico
Brenaltis, que subiu ao palco com sua assistente Sheila. Ele pronunciou algumas palavras:
- Senhores, para essa noite, resolvi aperfeiçoar o truque mulher invisível, apresentado em
meu último show. Mas, antes de começar o espetáculo, gostaria que fizéssemos um minuto
de silêncio em homenagem ao biólogo.
Todos concordaram e, em seguida, Brenaltis executou, com poucas modificações, o
truque mulher invisível. Mas, a reação do público foi a mesma da primeira apresentação:
aplausos e mais aplausos. O mágico acrescentou apenas algumas vozes, que pronunciavam,
atrás do palco, palavras estranhas e incompreendíveis. Teria ele se inspirado no tal espectro
do biólogo? Antes que eu pensasse numa resposta, Brenaltis pediu silêncio a todos para
explicar o funcionamento do evento:
- O baile à fantasia será da seguinte forma: todos dançarão com todos. Como todo mundo
está fantasiado, ninguém vai saber com quem está dançando. Vai ser muito divertido,
vamos em frente!
A banda começou a tocar e os passageiros do Transroca se espalharam pelo salão.
Cada um foi para um lugar e eu me separei de Amanda. Realmente não sabia com quem
estava dançando. Mas, tinha uma boa pista: a pessoa trajava uma roupa de espectro. Só
podia ser Nicolas Pioli, o ator de cinema italiano. Afinal, se não fosse ele, quem poderia
ser? Ninguém. O homem vestido de espectro, que causou espanto a todos pela ousadia em
sua fantasia, era realmente Nicolas Pioli. Que motivos teria ele para matar Gláucio? Por que
Nicolas mentiu quando perguntei se ele conhecia Rafael Benton?
Os pares foram trocados. Comecei a dançar com uma pessoa vestida de cavaleiro
medieval. Ela tinha estatura média, cabelos encaracolados que estavam por fora da máscara
e olhos pretos. Era Rafael Benton, vizinho de quarto do biólogo Gláucio. Por que ele
mentiu sobre a porta de ligação? Que motivo Rafael teria para matar Gláucio? Mudei
novamente de parceiro e comecei a dançar com uma faca humana, isso mesmo, uma faca
44
hipótese poderia ser aceita com mais faciliade. Mas, qual seria a causa do envenenamento?
O detergente que o Gláucio estava fabricando? Será mesmo? Creio que não.
Na última música, eu dançaria com a Sra. Shalom, que estava usando roupas de
fada. Demos um passo para frente e outro para trás. A música já tinha acabado, mas todos
continuavam a dançar. Seria ela, a culpada pela morte do tal biólogo? Seu motivo estaria
relacionado com a pensão Shalom? Talvez! Eu tinha que saber mais informções sobre essa
tal pensão e Marquês poderia me ajudar nisso. Acabamos de dançar às quatro horas da
manhã. O baile à fantasia estava muito agradável e divertido, todos os passageiros pareciam
ter gostado bastante. Para mim, o evento configurou-se num momento de pura reflexão,
observação dos fatos e levantamento de hipóteses e perguntas que ficaram vagas.
Infelizmente, o que o capitão Marco disse não chegou a acontecer, pois dancei com alguns
passageiros do Transroca, e não com todos. Foi uma pena, pois o baile poderia certamente
se prolongar por mais tempo. O capitão Marco subiu ao palco para novamente pronunciar
algumas palvras. Ele estava gostando de fazer isso:
- Senhores, espero que tenham se divertido bastante. Decidimos, há poucos minutos,
premiar a melhor fantasia do baile. Bom, vou direto ao assunto: o prêmio vai para ...
Um silêncio predominou no salão do baile. Alguns passageiros mordiam as unhas,
outros rezavam. Eu simplesmente olhava e observava o que estava acontecendo ao redor.
Até que.. o Capitão Marco anunciou o grande vencedor:
- A Sra. Lívia Densher.
Os aplausos se estenderam por um minuto e a Sra. Lívia, que trajava uma roupa de
faca, mostrava-se eufórica, a ponto de soltar um grande e forte grito. O capitão concluiu:
- Tenho a honra, nesse momento, de chamar a grande vencedora.
A Sra. Lívia Densher subiu ao palco, sustentando um sorriso amarelo, e recebeu
uma placa que trazia a seguinte inscrição: “ Parabéns. Você é o grande vencedor da noite.”
Marco fez sinal para Lívia discursar, mas ela rejeitou e, por insistência do público, disse
apenas algumas palavras:
- Boa noite, fico muito feliz por ter recebido esse prêmio. Obrigada a todos.
- Você merece Lívia, você sabe disso - disparou Marco, sorridente.
Ao ouvir essas palavras, Lívia, que se mostrava nervosa, ficou trêmula e desmaiou.
Gritos, passageiros nervosos, pessoas andando de um lado para o outro. A vencedora foi
rapidamente levada ao ambulatório, uma sala ampla com equipamentos modernos,
localizada na parte térrea do navio Transroca. Instantes depois, recebi um cutucão nas
costas, que chegou a doer um pouco, devido á força utilizada. Era o capitão Marco:
- Kall, a Sra. Lívia Densher deseja vê-lo no ambulatório.
Assustei-me com o pedido. O que ela queria falar comigo? A Sra. Lívia Densher
desejava confessar alguma coisa? Alguma coisa realmente importante para o andamento das
investigações?
- Vamos? - perguntou o capitão.
- Claro, vamos sim.
Tempestade
Acordamos com um grande sol batendo na janela, com certeza já eram mais do que
meio dia. Dormimos bastante, o suficiente para repor as energias gastadas no dia anterior.
Não havia qualquer sinal da tempestade mencionada pelo capitão. Amanda e eu decidimos
caminhar pelo Transroca:
- Kall, você está muito estranho. Algo perturbou você na noite do baile?
- Durante todo o evento, pensei no assassinato de Gláucio e busquei algumas respostas, que
infelizmente ficaram vagas.
- Tenha calma, senão você vai ficar neurótico.
- É verdade, se é que eu já não estou. Mas, esse caso mostra-se muito complicado, preciso
ainda juntar muitas peças no quebra–cabeça.
- Você conseguiu chegar a alguma conclusão?
- A Sra. Lívia Densher finalmente confirmou que sofreu um atentado há dez anos – disse,
lembrando das três cicatrizes.
- O que você pretende fazer sobre isso?
- Vou pedir informações a Marquês.
- Sobre a Lívia?
- Sobre a Lívia, sobre a pensão Shalom e sobre Peter Korda, o antigo dono desse navio.
- Sobre a pensão Shalom? – espantou-se Amanda.
- Sim, sobre a pensão Shalom, onde Marquês ficou hospedado. O mistério pode estar
relacionado a esses três tópicos: Sra. Shalom, Lívia Densher e Peter Korda.
- Com isso você vai solucionar o caso?
- Talvez.
- Mas, como você vai falar com Marquês?
- Pelo rádio do Transroca. Nós também temos um rádio amador em casa e Marquês poderá
usá-lo – disse, lembrando mais uma vez da briga em que ele e minha mulher tiveram ao
decidirem a localização do objeto.
- Quando vai ser a comunicação?
- Espero que seja agora a tarde, antes da provável....
Não pude completar a frase. Alguém bateu na porta e eu tive que abri-la:
- Sim.
- O Gustavo deseja vê-lo na cabine dele.
- Agora, Osmar?
- Sim, vamos?
- Só vou apanhar o meu chapéu.
Fomos ao local indicado e Gustavo já aguardava a minha chegada:
- Entre, Kall. - disse o dono do navio - Chamei você para tratar de dois assuntos.
- Claro, pode falar.
- Primeiro, eu queria saber se tivemos progresso nas investigações.
- Não, infelizmente, continuam na mesma.
- Kall, eu queria pedir-lhe um favor.
- Qual?
- Que você solucionasse esse crime antes que chegássemos a Parja. Eu não queria que a
polícia local se metesse no caso.
48
- Farei o possível.
-Kall, se precisar de alguma coisa me procure. Não podemos perder tempo, entendido?
- Gustavo, eu preciso usar o rádio da cabine de comandos do navio.
- Claro, eu vou providenciar. Você precisa usar agora?
- Se for possível.
Minutos depois, Marco entrou na cabine de Gustavo e ouviu uma ordem:
- Capitão, Kall precisa usar o rádio amador da cabine de comandos.
- Pois não, acompanhe-me
Passei as instruções necessárias para o capitão Marco localizar Marquês e tentamos
fazer um primeiro contato, mas o aparelho sofria interferência:
- ZZZZ
Tentamos novamente e o resultado foi o mesmo:
- ZZZZ
Após mais algumas tentativas, conseguimos um retorno:
- Alô, Marquês falando.
- Aqui é o Kall.
- Vou deixá-lo a sós – disparou o capitão, retirando-se da cabine de comandos do
Transroca.
- Kall, há quanto tempo!
- Meu amigo, o que anda fazendo?
- As mesmas coisas de sempre, e você, como anda a lua-de-mel?
- Está sendo ótima, só tivemos um problema, na verdade, um assassinato.
- Assassinado? Como?
- Sim, um homem levou três facadas, uma de raspão e duas no coração.
- Nossa, Kall! E não me diga que ...
- Sim, Marquês, eu sou o detetive do caso. Queria pedir umas informações a você.
Fomos surpreendidos por uma interferência:
- ZZZZ
Mas, ela foi passageira:
- Pode falar, Kall.
- Eu gostaria que você investigasse a Pensão Shalom, aquela em que você ficou hospedado,
mas também a Sra. Lívia Densher e um tal de Peter Korda. Se possível, retorne-me antes do
anoitecer.
- Farei o possível.
- Lucas, eu acho pouco provável que, no meio de uma investigação, um detetive entre em
contato com uma pessoa para falar assuntos pessoais.
- É, você tem razão. Mas, será mesmo que ele tentou investigá-la?
- Tenho certeza absoluta.
Nesse momento, a Sra. Ana Pontes e a Sra. Lívia Densher comentavam sobre a
tempestade, a tempestade citada pelo capitão Marco:
- O que é pior do que uma tempestade?
- É sofrer um atentado – respondeu Lívia Densher, ironicamente.
- Você mostrou as cicatrizes ao Kall?
- Mostrei, ele tinha que ver o que fizeram comigo!
- Você acha que realmente teremos uma tempestade? - perguntou Ana, curiosa.
- Não sei, o dia está tão bonito, é provável que não se tenha.
- É verdade, seria melhor, pois as pessoas dizem coisas horríveis sobre ela.
Após a tempestade ter ido embora, Nicolas Pioli e Rafael Benton se encontraram:
50
- Nicolas, nossa viagem vai terminar em breve. Você acha que o Kall descobrirá o
assassino?
- O assassino já está descoberto. É o espectro, só pode ser ele. Mas, diga-me Rafael, o que
você achou da viagem?
- Achei boa, apesar do assassinato, ela estava muito divertida. O baile à fantasia foi
espetacular, você gostou dele?
- Gostei, foi muito divertido.
- Que bom!
Explicando...
Hoje, eu iria interrogar o Rafael Benton e a Sra. Shalom. Algumas peças estavam
faltando no quebra-cabeça e tinha a certeza de que esses dois passageiros poderiam me
esclarecer alguns pontos, pontos relevantes para eu traçar uma linha de raciocínio definitiva
e solucionar o mistério que ainda rondava o navio Transroca. Comecei a conversar com o
Rafael:
- Como a faca foi parar em sua cabine?
- Kall, eu estou tão espantado quanto você. Eu não sou o assassino, não sou. Acredite em
mim! Não sei como ela foi parar lá, apenas a encontrei. O asssassino deve tê-la colocado.
- Há que horas você a encontrou?
- Não me lembro.
- Rafael, normalmente você deixa a porta destrancada quando sai da cabine?
- Não tenho esse hábito, mas ontem eu a deixei .
- E justo no dia em que apareceu a faca?
- É, foi coincidência, pura coincidência.
Rafael ficou algum tempo refletindo e depois me fez uma pergunta simples, mas que
já era esperada:
- Como andam as investigações?
- Sem novidades!
- Você já sabe quem é o assassino?
- Ainda não.
- O que falta para solucionar o caso?
- Algumas informações.
A Sra. Shalom, que ocupava a cabine de número seis da primeira classe, foi a
segunda a dar um depoimento:
- Como a Sra. explica o fato de ter comercializado insulina?
- Kall, isso aconteceu há muito tempo. Eu precisava ganhar dinheiro e aceitei trabalhar com
isso.
- E o Lucas, também traficava?
- Não. Ele não....
- Acho que a Sra. tem algo a me contar, não tem?
- Tudo bem, cansei de esconder. Estava na hora de falar a verdade. A história é muito longa,
mas vou tentar resumi-la. Há alguns anos, fui casada com um homem, um homem que era
dono de um dos mais importantes jornais da cidade. Por isso, as ameaças eram muito
frequentes e tivemos que fugir. Mas, ele adorava a cidade e sempre retornávamos. Um dia,
ele apareceu assassinado. Até hoje, não descobriram quem fez isso. Depois desse epsódio,
fiquei transtornada e me casei novamente. Não demorou muito para o meu segundo marido
morrer. Sem dinheiro e dependendo de parentes para sobreviver, entrei para o comércio de
insulina. Comecei a ganhar muito dinheiro e comprei a pensão Shalom, que me sustenta até
hoje.
- A Sra. vendia insulina dentro da pensão?
- Não, nunca fiz isso. Kall, eu comprei a pensão e, logo depois, parei de trabalhar com esse
produto
- Sra. Shalom, vamos falar de Lucas, o seu acompanhante de quarto.
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- Todos.
- Todos?
- Sim, todos são suspeitos.
- Até eu?
- Eu disse todos, Gustavo. Sem exceção!
- Por que você quer que eu resolva esse caso antes de chegarmos a Parja?
- Eu já respondi a essa pergunta. Eu não quero que a polícia local se envolva no caso.
- Polícia local? Tem certeza disso?
- Claro, Kall, por que não teria?
- Com base em minhas investigações, eu posso afirmar que o Transroca não estava dando
lucro. Uma boa estratégia para se livrar dele é matar alguém, não é? Com isso, o navio seria
apreendido e você não teria que pagar as dispesas dele, que por sinal são muito altas.
- Você está me acusando de assassinato?
- Apenas estou levantando uma hipótese, como muitas outras. Gustavo, você concorda com
o que eu falei?
- Essa seria uma maneira rápida para eu me livrar do Transroca, mas eu nunca seria capaz
de matar uma pessoa. Kall, eu quero que você resolva o mais rápido possível, pois se a
polícia local interferir no caso, o assassinato será amplamente divulgado na imprensa e isso
poderá provocar a minha falência.
- Gustavo, por que você comprou o navio de Peter Korda?
- Achei que seria um bom negócio, mesmo tendo ocorrido a tentativa de assassinato da Sra.
Lívia Densher. Durante alguns anos, o Transroca me deu muito lucro, mas depois eu não
tive muita sorte e estou colecionando dívidas.
- Como era Peter Korda?
- Uma pessoa boa.
- Por que ele vendeu o Transroca a você?
- Não sei, Peter não especificou os motivos.
- Ele tinha quantos anos?
- Acho que beirava os trinta.
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viajando, pois a Sra. Shalom havia pago o cruzeiro como uma forma de premiação pelos
serviços prestados por ele. Uma mentira! Lucas é na verdade um filho adotivo da Sra.
Shalom. Tive a certeza quando olhei a ficha de inscrição dela no Transroca. No documento,
constava o sobrenome Shalom logo após o nome de Lucas. Um erro primário, que me fez
levantar uma hipótese: Lucas poderia ter matado o biólogo como forma de agradecer a tudo
o que a Sra. Shalom fez por ele. Talvez por temer que isso fosse acontecer é que a Sra.
Shalom escondeu a verdadeira identidade de Lucas.
- Kall, diga logo quem é o assassino de Gláucio. Não estou aguentando de tanta curiosidade
- insistiu o italiano.
- Bom, a arma do crime foi encontrada na cabine de número cinco da segunda classe, a de
Rafael Benton, ou melhor Peter Korda. Era a faca que foi usada para matar o biólogo
Gláucio. Agora, chegou a hora de eu falar o nome da pessoa responsável pelo
esfaqueamento. Há alguns anos, Gláucio ainda era um biólogo desconhecido e tinha como
parceiro de experiências Bruno Kiesk, um jovem recém–formado na Faculdade de
Medicina da Califórnia, nos Estados Unidos. Após muitas experiências, Bruno e Gláucio
encontraram a cura do emoglion, um famoso vírus que se multiplica no organismo humano.
Com essa descoberta, os dois ficariam teoricamente famosos, mas não foi o que aconteceu.
Por ter mais anos de experiências, Gláucio destacou-se mais, recebendo todos os créditos
pelo feito. Bruno sonhava em ser o melhor biólogo do mundo, mas ao ver que isso não
estava se tornando realidade, decidiu cometer suicídiu.
- Kall, pare de contar histórias. Diga logo quem é o assassino – insistiu Nicolas, mais uma
vez.
- A mulher de Bruno ficou muito chocada com a morte dele e jurou vingança, jurou matar o
Gláucio, pois considerou que o biólogo era o culpado pela morte de seu marido. A esposa
de Bruno soube que Gláucio iria fazer um cruzeiro no navio Transroca e acreditou que seria
a melhor oportunidade para matá-lo. Ela tem o nome falso de Lívia Densher. Foi ela quem
matou o tal biólogo. A esposa de Bruno soube que, há dez anos, uma mulher chamada Lívia
Densher havia sofrido uma tentativa de assassinato no navio Transroca. Com isso, fez três
cicatrizes em seu corpo e se transformou fisicamente para se parecer com a verdadeira
Lívia. Depois disso, ela só teve que falsificar a carteira de identidade e utilizar o nome Lívia
Densher. Comecei a desconfiar quando ela me chamou ao ambulatório, após ter sofrido um
pequeno desmaio no baile à fantasia. Afinal, eu não sou médico! O que um detetive poderia
fazer no ambulatório? Nada. Ela queria que eu visse as cicatrizes para se fingir de vítima e
complicar as minhas investigações. O primeiro sinal de que ela estava usando uma
identidade falsa foi dado quando ela me disse que teria trinta e cinco anos de idade. Ora, se
esse crime aconteceu há dez anos, a verdadeira Sra. Lívia Densher deveria ter quarenta e
cinco, conforme me informou o meu velho amigo Marquês. Mas, como a falsa Lívia
conseguiu matar o biólogo? Foi muito simples. Ela entrou no quarto do Rafael Benton e se
escondeu dentro da cabine dele. Enquanto o biólogo realizava as experiências, ela bateu a
mão na porta de ligação como se quisesse entrar. Gláucio pensou que era o Rafael e, como
tinha uma cópia da chave, imediatamente abriu a porta. Nesse momento, Lívia encravou a
faca em seu coração por duas vezes seguidas. A marca de raspão foi apenas tapeção, pois o
biólogo não reagiu ao assassinato. Se ele fizesse isso, impediria o crime, pois era muito
mais forte do que a falsa Lívia. Mas, por que a faca apareceu no quarto do Rafael? Por um
simples motivo: antes que eu descobrisse, a falsa Lívia já tinha a certeza de que ele era o
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Peter Korda e que, consequentemente, era um dos suspeitos do assassinato. Ela precisava se
livrar da arma e acreditou que essa era realmente a melhor oportunidade. Com isso, concluo
as investigações. Acredito que essa linha de raciocínio é a mais prudente para a solução do
caso, mas confesso que outras existem e sempre existirão. Confesso também que alguns
mistérios terminaram sem uma explicação lógica, mas isso é compreensível. Afinal, se um
mistério fosse totalmente lógico, ele não seria um mistério.
*
Nunca saberei dizer qual tipo de negócio Nicolas Pioli e Rafael Benton estavam
concluindo dentro do navio Transroca ou por que Ana Pontes não viajou com o filho. Muito
menos posso afirmar quem foi o autor da maldita carta que me acusou de ter matado o tal
biólogo e por que havia um toco de cigarro dentro da cabine de Gláucio. Uma investigação
sempre termina com uma ou outra pergunta vaga e essa não foi diferente. Chegamos ao
porto de Parja no horário marcado. A falsa Sra. Lívia Densher foi levada para uma
delegacia local e Amanda me deu um presente, um presente inesquecível: ela finalmente
estava grávida.