You are on page 1of 7

APRENDENDO COM A FEIJOADA

João Pedro Balieiro da Costa

Introdução:
O autor deste artigo estuda o segundo ano do curso de Midialogia na Universidade
Estadual de Campinas – Unicamp, fato que o tirou de Ribeirão Preto, cidade onde morou por
quase vinte anos, e o levou a residir em Campinas a partir de 2004. Desde então, começou a
adquirir interesse pela culinária, já que teria que sobreviver sem a presença constante dos pais.
Não é que nunca tivesse manejado panelas sobre um fogão. Entretanto, a culinária
para ele não passava de algo totalmente funcional (matar a fome sem a preocupação de “como”)
dotado de certo imediatismo, ou seja, preparar comida instantânea e calórica, apesar de que desde
criança tenha sido dado aos prazeres da mesa, ou no “bom português”, sempre tenha gostado de
comer. A preocupação com a culinária só aconteceu mesmo anos depois, como já foi citado,
como decorrência de uma certa “necessidade” de se alimentar de coisas que saíssem um pouco
dos costumeiros ovo mexido e macarrão instantâneo (nem se pode falar de “arroz-com-feijão”!),
que, de fato, nunca o abandonaram, e que ele pudesse preparar.
A oportunidade de aprender culinária surgiu dentro do meio acadêmico, na
disciplina de “Educação e Tecnologia”, ministrada pelo Prof. José A. Valente do DMMMC da
Unicamp. A disciplina cuidou para que o aluno conhecesse seu próprio processo de
aprendizagem e, com o intuito de colocá-lo à prova, foi proposto um projeto, envolvendo um
estudo de algo de seu interesse, no caso a culinária, que redundasse num produto, síntese de todo
esse jogo de “aprender a aprender”1 . Assim, esse produto seria usado para verificar se, de fato, o
aluno aprendeu, levando em conta todas as considerações e reflexões sobre os processos de
construção de conhecimento e da preparação do produto. Entretanto, era de suma importância o
uso nesse estudo de mídias baseadas em tecnologia derivada da eletricidade (CD-ROM, Internet,
vídeo...), já que estas compõem questão central dentro da disciplina.
O produto escolhido foi nada a menos do que uma “Feijoada Brasileira” completa,
composta de arroz branco, couve, farofa pronta e a feijoada propriamente dita (o que, a priori,
parece fugir da proposta de “ser possível preparar”), acompanhada de caipirinha. Desse modo, o
autor deste artigo poderia se embrenhar pelo vasto campo da culinária, intensificando seu contato
com as mídias eletrônicas e ainda entender melhor seu próprio processo de construção de
conhecimento.

Objetivo geral:
O objetivo do projeto de aprendizagem foi aprender a fazer uma “Feijoada
Brasileira” completa acompanhada de caipirinha.

Objetivos específicos:
Para tal empreita, pretendia-se fazer um uso bem simples da tecnologia: procurar
receitas na Internet2 . Depois disso era só ir pra cozinha, no caso, a cozinha da minha casa e de um
dos colegas do grupo.

1
Valente, José Armando. A espiral da aprendizagem e as tecnologias da informação e comunicação: repensando
conceitos.
2
A Internet foi eleita por que tem o potencial de fornecer informações variadas e em grande quantidade no tempo
que é preciso, diferentemente da televisão ou de um CD – ROM, por exemplo.

1 1
Também para o trabalho, foi formado um grupo, do qual obviamente eu fazia
parte, junto com mais duas pessoas. Aliás, a escolha do produto foi conjunta do grupo. Ele
deveria fazer algumas reuniões para as preparações do prato e da caipirinha, as quais deveriam
ser fotografadas da primeira à última etapa, em que deveria constar um “grupo de teste”, ou seja,
várias pessoas dispostas a provar a feijoada e a dar a sua nota, além de contribuir financeiramente
para o projeto. No fim de cada reunião, uma espécie de relatório deveria ser construído a fim de
que as outras pessoas envolvidas na disciplina do projeto ficassem sabendo sobre seu
desenvolvimento.

Metodologia:
Com tudo isso definido, nós fomos atrás das receitas de feijoada de maneira
exatamente igual à que prevíamos, mas deixamos a caipirinha para uma segunda etapa. Foram
encontradas várias receitas do prato, todas através do buscador Google, que, por motivos como
orçamento restrito, tiveram que ser adaptadas numa só, própria. De fato, antes do projeto, nós já
havíamos manifestado predileção por alguns tipos de carne, assim, aproveitamos mais as receitas
que, de certa forma, as valorizavam, além de também dar preferência pelas que possuíam
informações mais claras e precisas.
A parte da caipirinha acabou ficando totalmente a cargo de um outro elemento do
grupo, já que este não pode estar presente na reunião para fazer a feijoada. Isso mesmo: só
conseguimos fazer uma feijoada e sem caipirinha acompanhando. Não arrumamos tempo para
outra tentativa e a caipirinha só foi feita dias depois, na mesma cozinha, com a minha
participação como espectador.
Entretanto, nesse evento as coisas aconteceram de forma um pouco diferente:
foram usadas duas receitas retiradas também da Internet, mas elas foram seguidas fielmente, tanto
na questão dos ingredientes como na do “preparar”. Ambos os casos foram documentados com
fotos, relatórios e, também em ambos, havia um grupo de teste de mais ou menos oito pessoas,
nas quais era possível se encontrar componentes do grupo.

Resultados:
Receitas encontradas, planejamento feito: era hora de por as mãos na massa, para a
feijoada sair do papel, ou da tela do computador. Começamos, então, de véspera, pondo as carnes
salgadas para demolhar, o que tirou um tanto do sal e da gordura dessas carnes. Tinha que dar
tempo de trocar a água do molho por volta de quatro vezes antes que chegasse a hora do
cozimento dessas carnes. O feijão preto também ficou de molho de véspera. Entretanto, esse
procedimento era para ele poder cozinhar em tempo, sem precisar de panela de pressão.
Tudo isso foi confirmado pela pessoa que atendia pelo nome de “Isabela” no
supermercado em que compramos os ingredientes. Ela forneceu ao grupo informações
importantes acerca do preparo das carnes e da quantidade dos ingredientes, já que pôde perceber
que não tínhamos muita intimidade com o assunto quando entramos na fila do açougue, que
ficava ao lado do balcão que continha coisas para feijoada. Forneceu até seu telefone, para o qual
poderíamos ligar se surgisse alguma dúvida acerca da preparação da feijoada. Seria mais um uso
da tecnologia.
Na verdade, antes de colocar as carnes de molho, tivemos que cortá-las, o que foi
bastante difícil, já que as carnes eram cruas e salgadas, portanto duras, e porque não dispúnhamos
de facas com muito corte. Apenas o pé de porco não foi cortado, ou seja, foi jogado inteiro no
molho porque continha osso e não havia martelo de carne para quebrá-lo.

2 2
No dia seguinte a isso, reiniciamos a preparação da feijoada cerca de nove e meia
da manhã, esperando que ficasse pronta ao meio dia. As carnes demolhadas, ou seja, as que eram
salgadas, foram postas juntas para cozinhar por cerca de três horas. Para isso, trocamos pela
última vez a água do molho. As receitas diziam para cozinhá-las separadas, para preservar o
sabor individual e continuar o processo de tirar o sal. Entretanto, como não contávamos com a
infra-estrutura requerida, colocamos tudo na mesma panela.

As carnes salgadas foram cortadas primeiro, para depois serem colocadas de molho.

O feijão preto foi colocado para cozinhar no mesmo momento que as carnes,
seguindo o conselho que a mãe do meu companheiro nos deu por telefone. Entretanto, a água que
foi para o fogo com o feijão era a mesma desde o começo, diferentemente das carnes. No início
do cozimento, o aspecto do conteúdo era até repulsivo, com direito a uma sobrenadante espuma
roxa, que foi se incorporando ao caldo à medida que esse engrossava durante o processo. Para
temperar o feijão, colocamos cebola e alho picados previamente fritos no azeite.

O feijão cozinhando numa panela e as carnes salgadas, na outra.

Quando as carnes já estavam macias o suficiente, tratamos de misturá-las no


feijão. Só havia duas panelas grandes, uma sendo usada para o cozimento das carnes e a outra
para o do feijão. Então, tivemos que fazer uso de recipientes menores para “manobras”, que
resultaram na divisão dos ingredientes que já estavam no fogo em duas partes iguais, separadas

3 3
nessas duas panelas grandes. Dentre as tais manobras, esteve a retirada do pé de porco da mistura,
o qual não seria aproveitado por ninguém, ainda mais inteiro.
Já era quase meio dia. Nessa hora, pudemos adicionar a lingüiça e o paio nas duas
panelas, que continuavam sobre o fogo, sem que houvesse risco dessas carnes, mais macias, se
desfizessem na mistura, já que o tempo total de cozimento estava se esgotando. Antes disso,
ambos haviam sido “descascados” e cortados em pedaços menores, o que levou um bom tempo
para ser feito. As receitas também indicavam, nessa etapa, a adição de uma laranja descascada
para facilitar a digestão da gordura. Assim, descascamos uma laranja, cortamo-la ao meio e
colocamos cada metade em uma panela.

A “pré-preparação” das lingüiças e paios / A “amputação” do pé do porco / A feijoada quase pronta no fogo.

Daí, começamos a nos preocupar com a preparação dos complementos. Primeiro o


arroz, que foi feito da maneira mais tradicional possível: “arroz branco”, mesmo. Quando
passamos para a couve, percebemos que havíamos nos esquecido do bacon. Ele seria usado tanto
para incrementar a couve como para dar um sabor na própria feijoada. Assim, preparamos a
couve, picada bem fininha, com um tempero semelhante àquele de cebola e alho colocado no
feijão.
O cozimento de tudo chegou ao fim e nós do grupo e o “grupo de teste” pudemos
degustar a feijoada, que foi suficiente para oito pessoas. Mas essas oito pessoas comeram dois
pratos no almoço, repetiram na janta e ainda sobrou feijoada. Parece que faltou um pouco de sal,

4 4
mas isso já não era mais perceptível na janta, quando o sabor do prato havia se acentuado por
causa do tempo.
Apesar de eu não compor oficialmente a frente da caipirinha, eu acompanhei,
como espectador mesmo, a preparação das tais duas “sessões”, que ocorreram no mesmo dia, mas
não participei da escolha dos ingredientes. Cada sessão foi feita exatamente como mandavam as
duas receitas obtidas através da internet, menos a parte da decoração do copo que uma delas
propõe. São elas:

Caipirinha Tradicional:
• 1 limão;
• 1 dose de pinga (as amarelinhas costumam ser melhores);
• 2 colheres de sobremesa de açúcar;
• 3 pedras de gelo.

Lave o limão e pique-o em rodelas finas. Coloque-o em um copo alto, junto com o
açúcar e amasse se miolo com o pilão.
Depois coloque em um copo menor, acrescente a pinga e o gelo. Decore com uma
fatia de limão na borda do copo e um canudinho pequeno.
Está pronta para ser servida.
Rendimento: 1 porção.

Caipirinha Frozen:
• 5 limões;
• 5 doses de pinga (as amarelinhas costumam ser melhores);
• 10 colheres de sobremesa de açúcar;
• 10 pedras de gelo.

Lave os limões, depois descasque-os de forma meridional, e pique-os. Coloque-os


no liquidificador junto com o açúcar e o gelo. Bata até o gelo estar totalmente quebrado.
Acrescente a pinga. Bata por mais 5 segundos. Coe com uma peneira fina para retirar o
bagaço.
Está pronta para ser servida.
O copo pode ser decorado com uma fatia de limão e canudinho.
Rendimento: 5 porções.

Esta última receita foi repetida duas vezes, já que na primeira o bagaço não havia
sido retirado. Fora isso, a única reserva que se deve ter com relação a ela é beber a caipirinha
imediatamente após o preparo, já que ela é batida e deve amargar com o tempo. Entretanto, essa
teve maior aprovação do que a outra, além de ser mais prática por preparar um número maior de
porções por vez.

5 5
Haja limão!

Desse “modo crítico de fazer culinária” todo, a única preferência de aprendizagem


que pude constatar é que eu aprendo com melhor aproveitamento quando há alguém comigo que
saiba mais do que eu, no caso o meu colega da frente da feijoada, para me conduzir, como já foi
observado antes em testes apropriados. Não pude observar se sou “mais imagético do que
verbal”3 , por exemplo, mas também não houve nada no processo que pusesse minhas convicções
acerca dessas preferências em conflito.
Por isso, não acredito que tenha evoluído com essa preparação da feijoada do
ponto de vista do meu próprio conhecimento sobre o meu próprio processo de aprendizagem..
Percebi que fazer feijoada não é algo difícil ou cheio de segredos: é apenas trabalhoso. E muito.
Por isso, só tivemos chance de fazê-la uma vez, ou seja, só houve uma única etapa, não havendo
possibilidade de terminar ciclo de aprendizagem “descrição-execução-reflexão-depuração”4 .
Posso falar que faltou sal, mas não posso precisar o quanto, já que não houve outras experiências
(índice de problemas na etapa de “depuração”).
Além disso, não julgo tão importante o papel da tecnologia nesse processo, nesse
caso. A Internet apenas nos levou às receitas, que podem ser encontradas em livros ou facilmente
obtidas através de um contato pessoal, como de fato ocorreu, quando conhecemos a supracitada
“Isabela”, que nos deu várias informações para fazer a feijoada numa conversa no supermercado.
A rede mundial de computadores só faz isso de maneira mais rápida, o que, no final das contas,
nem faz tanta diferença, já que preparar a feijoada é tarefa que exige muito mais de quem a
executa do que ir atrás de receitas.
Pra não dizer que a tecnologia foi dispensável, fizemos um bom uso do telefone
quando surgiu uma dúvida que as receitas não esclareciam. O telefone seria o único meio que nos
possibilitaria feedback imediato e só foi usado porque sabíamos que a informação era portada por
alguém que estava espacialmente longe de nós. O que quero dizer é que não fomos simplesmente
atrás de informação: fomos atrás da fonte, que nos falaria individualmente, apesar da mediação
técnica, diferentemente do que ocorre quando se lança informação na Web, na televisão, em CD-
ROM ou até em um livro.

Conclusões:

3
Cavellucci, Lia C.B. & Valente, José Armando. Preferências de Aprendizagem: aprendendo na empresa e
criando oportunidade na escola.
4
Valente, José Armando. A espiral da aprendizagem e as tecnologias da informação e comunicação:
repensando conceitos.

6 6
Considerando que o objetivo principal era aprender a fazer uma feijoada completa,
com direito a caipirinha, eu e mais todos os que participaram da etapa de testes do trabalho
diriam que ele foi atingido, não importando a quantidade de sal.
Entretanto, vendo por uma ótica mais abrangente, não acho que eu tenha evoluído
muito. O que aprendi com o trabalho é muito pouco perto do que já foi construído no campo da
culinária. Além disso, creio que tenhamos subutilizado as mídias baseadas em eletricidade (não
por incompetência nossa), quer dizer, continuaremos a fazer uso delas da mesma forma que o
fazíamos antes do trabalho.
A consciência sobre as minhas preferências de aprendizagem não fez a diferença
nesse processo. O pouco que foi constatado acerca disso, como a preferência por um “condutor”
no projeto, por exemplo, já era algo sobre o qual não pairava dúvidas. Dessa forma, a feijoada
não me fez entender melhor meu próprio processo de aprendizagem.
Mas ninguém que tenha degustado o produto final do projeto o considerou ruim,
mesmo depois de apelos por parte de meu colega de grupo para que essas pessoas dessem suas
opiniões mais sinceras, o que me anima muito e só me incentiva a continuar praticando a
culinária. Afinal, creio que só lavar toda a louça suja nessa coisa toda seja mais trabalhoso do que
prepará-la.

Referências Bibliográficas:
? ? Valente, José Armando. A espiral da aprendizagem e as tecnologias da

informação e comunicação: repensando conceitos. In: A Tecnologia no


Ensino: implicações para a aprendizagem ; Editado por Maria Cristina Joly,
São Paulo: Casa do Psicólogo Editora, 2002 P. 15-37./
? ? Valente, José Armando. Concepções de aprendizagem.
? ? Cavellucci, Lia C. B. & Valente, José Armando. Preferências de
Aprendizagem: aprendendo na empresa e criando oportunidade na escola.

7 7

You might also like