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E só recebe de si mesmo.
O amor não possui
nem quer ser possuído.
Porque o amor
basta ao amor…”
Khalil Gibran, O Profeta
Índice
I – Preferências........................................................................................1
IV – Os vizinhos.....................................................................................7
Zé Manias............................................................................................8
Duarte Pintassilgo..............................................................................9
Josué Gomes......................................................................................10
Vasco Valente....................................................................................10
Raul Pimpão......................................................................................11
Maria José..........................................................................................13
Gabriela Flores .................................................................................14
V -- Despertar de um Interesse..........................................................15
VI – Estratégia.......................................................................................16
X – A visita............................................................................................32
XI – Impressionados............................................................................38
XII – Intimidade....................................................................................41
XIII – Esquemas....................................................................................43
XIV – A surpresa..................................................................................44
XVII – A Secretária...............................................................................49
XVIII – O almoço..................................................................................54
Confidências.....................................................................................57
Recordações.......................................................................................61
XIX – Ciclone Rita................................................................................62
XX – A técnica.......................................................................................67
XXI – Reflexões.....................................................................................69
XXII – Insónias......................................................................................70
XXIV – Cobardia...................................................................................73
XXVI – Coincidências..........................................................................81
XXVII – Desejos....................................................................................83
XXVIII – Confirmação.........................................................................87
XXXII – A herança................................................................................98
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XXXIII – Pressões................................................................................102
XXXVII– O colar.................................................................................114
XL – O amor cura...............................................................................119
XL – E Rita...........................................................................................121
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I – PREFERÊNCIAS
Lá fora chove torrencialmente e o tempo promete transformar-se numa
verdadeira tempestade, típica da zona serrana. Já se houve o intenso ribombar
dos trovões, que faz estremecer as rochas, logo seguidos dos espectaculares
relâmpagos.
Sente-se orgulhosa. Constata que cada vez gosta mais da sua nova casa.
Uma moradia uni familiar, de piso térreo em L, com uma volumetria de
duzentos e quarenta metros quadrados.
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uma pequena lavandaria. A casa está voltada a norte e possui aquecimento
central através da lareira.
No exterior, uma bela piscina de cinco por doze metros e, como não
podia faltar, um jardim à volta da casa e piscina – o seu tão amado jardim.
Mas, entre todos os animais, o que lhe dá mais prazer observar é o gato.
Ao fim da tarde, vêm para junto de sua casa três gatitos que ela adora
ver a brincar, uns com os outros. Dão pulos e cambalhotas, sobem às árvores
com uma rapidez e agilidade surpreendentes. São verdadeiros acrobatas. E o
cuidado que dispensam à sua higiene!
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O carinho e atenção que a mãe lhes dispensa é de facto edificante e vê-los
dormir é algo de sublime. Pena é que o homem raramente consiga tamanha
paz!
Por tudo isto Marta considera a serra algarvia como uma zona
paradisíaca. Segundo ela, nesta região o clima é, em geral, mais ameno e a
poluição mínima. E, por isso mesmo, a elegeu para aqui passar, quem sabe, os
melhores anos da sua vida.
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aproveitamento da água da chuva, algo tão simples como um algeroz com
ligação à cisterna.
II – OPÇÕES DE VIDA
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Sente que atingiu uma maturidade e serenidade que estava habituada a
ver expressa nas pessoas mais velhas, nomeadamente nos idosos. O mais
engraçado é que nunca antes tinha pensado que, um dia, também ela, poderia
sentir e viver essa serenidade.
Por tudo isto, necessita de estar longe dos ruídos e do stress da cidade, de
estar só consigo, com as suas plantas e com a (sua) gata e filhotes (já que estes a
adoptaram).
Encontra-se na recta final dos trintas, a uns escassos dois meses de fazer
quarenta anos.
Por opção não teve filhos, nem bichos de estimação, optou por
privilegiar a carreira e o casamento. Não está arrependida de o ter feito no
passado, embora sinta que deveria ter prestado mais atenção à sua voz interior,
à sua intuição que desde há uns dois anos lhe dizia que devia fazer
transformações de fundo na sua vida. Fazer qualquer coisa por si.
Encontra-se a iniciar uma nova vida, numa casa nova em outra região do
país, e tem uma carreira também ela nova. Por tudo o que já sofreu no passado
considera que deve, a si mesma, este belo presente.
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Há indivíduos que depois de um divórcio sentem necessidade de uma
terapia, ela optou por fazer um balanço sério, ponderado e rigoroso da sua vida.
Esta é a sua terapia!
Nunca foi muito dada a tristezas e depressões. Por mais difíceis que
fossem as condições ou provações da vida sempre as enfrentou de cabeça
erguida e com uma vontade férrea em as ultrapassar.
Tem consciência que o seu sofrimento não é, nem maior, nem menor,
que o de qualquer outro ser humano. Considera que, apesar de tudo o que
sofreu, é uma privilegiada pois tem uns pais formidáveis que sempre se
esforçaram por lhe proporcionar uma vida confortável em termos materiais,
que lhe deram e continuam a dar muito amor, carinho e compreensão.
É filha única, mas essa falta foi colmatada com o facto de ter muitos
primos, de quem esteve sempre próxima, e considera que eles são, cada um à
sua maneira, com os seus defeitos e qualidades, os irmãos que gostaria de ter
tido.
Quando terminou o 12º ano, contra a vontade dos pais, decidiu que
precisava de trabalhar durante as férias para ganhar um dinheiro extra
destinado às suas primeiras férias no estrangeiro. Adorou a experiência, e os
patrões gostaram tanto do seu serviço que lhe fizeram uma proposta
irrecusável. Optou, então, por fazer o seu curso superior no regime de
trabalhador estudante.
Terminou o curso aos vinte e três anos, já com uma larga experiência
profissional, o que é, para si, fonte de enorme satisfação e orgulho.
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Casou aos vinte e oito anos, após um longo namoro de seis anos,
convicta de que o seu casamento, à semelhança do dos seus pais, seria para toda
a vida, “até que a morte os separe”.
Até sair o divórcio, trabalhou para grandes empresas, com horários mais
ou menos rígidos, com pontos a picar. Cansou-se destes ritmos impostos pelos
outros e, pela primeira vez na vida, dada a independência financeira pós
divórcio, permitiu-se reflectir acerca do que queria verdadeiramente para si,
para a sua vida.
É hoje, sem dúvida alguma, uma mulher muito mais feliz e realizada.
IV – OS VIZINHOS
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Zé Manias
José Feliciano, conhecido de todos como Zé Manias, é um indivíduo que
mede um metro e sessenta e dois, de aspecto franzino, permanentemente ébrio
que tem o dom natural de espicaçar os cães da redondeza.
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Mas as particularidades de Zé Manias não se ficam por aqui. É
conhecido por ter um ligeiro grau de atraso mental, o que não é falso. No
entanto, e apesar de ser o doidinho da aldeia, mostra não ser de todo tonto.
Duarte Pintassilgo
Duarte Pintassilgo, outro vizinho, é, por opção, agricultor de profissão,
para grande desgosto de sua mãe que gostaria que o filho fosse doutor. Tem
cinquenta e quatro anos, plantou o pomar e lavrou o Monte de Marta. Desde
então apaixonou-se secretamente por ela. E, “visitava-a” por tudo e por nada.
Todos os pretextos eram válidos.
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É mesmo muito simpática, adoro falar com ela!…
Josué Gomes
Josué Gomes, viúvo há seis anos, apaixonou-se, há cinco anos atrás, por
uma jovem de vinte e um anos a quem comprou e mobilou um apartamento.
Ofereceu-lhe jóias, deu-lhe um carro e quando, por fim, colocou todo o dinheiro
que poupara, de uma vida de trabalho intenso, de grande esforço e muitas
privações, como emigrante na Alemanha, em nome de ambos a jovem vendeu
todos os bens, colocou a conta bancária a zeros e evaporou-se.
Desde então, Josué Gomes, que tinha uma vida confortável, desafogada,
viu-se na obrigação de voltar a trabalhar para ganhar o seu sustento. Como a
idade e a saúde já não ajudam quem lhe tem valido nos momentos de maior
dificuldade são os vizinhos e pessoas amigas. Sempre prontas a dar-lhe uma
refeição quente, ou os ingredientes para que possa cozinhar, outros há que
preferem ajudá-lo requisitando os seus serviços.
Josué Gomes que não suporta viver da caridade alheia sem nada dar em
troca, sempre que pode retribui a generosidade recebida. Ajudando-os, por
exemplo, na lavoura ou pintando-lhes a casa, etc. E este seu gesto leva os
vizinhos e amigos a gostarem ainda mais dele.
Vasco Valente
Não muito longe do Monte Giesta, a uns escassos quinhentos metros,
vive Vasco Valente, que tem algumas semelhanças com Marta. Por exemplo,
também é divorciado (há sete anos), quarentão, e mandou construir uma casa
de linhas direitas, com janelas panorâmicas com acesso directo ao exterior, com
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piscina e jardim. Mudou-se para a sua nova moradia há precisamente sete
meses.
Raul Pimpão
Raul Pimpão é outro vizinho de Marta que fez questão de contar toda a
sua vida na primeira conversa que teve com ela.
Marta ficou a saber que Raul é um jovem de vinte e sete anos que gosta
muito homens e que se identifica mais com as mulheres.
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Assume ser muito tímido e está profundamente deprimido, a sua
postura corporal é, aliás, bem sintomática: recurvado sobre si mesmo, a tal
ponto que está a desenvolver uma pronunciada corcunda. Tem vários tiques,
entre os quais, o esfregar as mãos uma na outra e depois passar a mão direita
pelo nariz e testa, como que para secar o suor (inexistente).
Sempre que se cruza com Marta gosta de lhe fazer o ponto de situação
da sua semana que se resume a um corrupio de consultas: médico de família,
psiquiatra, psicólogo clínico, naturopatas…
Por uma questão de educação, faz questão em tratar Marta por doutora,
apesar de ela lhe ter pedido que a tratasse por Marta ou, se preferisse, por
vizinha.
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Mas eu não percebo porque é que ela diz isso. Então os homens não vão
às putas? E que intimidade ou confiança é que têm com elas?
Eu perguntei-lhe isto mesmo. Sabe o que ela respondeu?
– E o Raul gosta tanto de mulheres ao ponto de recorrer a uma prostituta?
Eu disse-lhe logo que os meus melhores amigos são mulheres. Sou
incapaz de fazer mal a uma mulher, quanto mais da usar só para o sexo!
E, dito isto, olha para o relógio e, visivelmente aflito, diz a Marta que
tem que ir pois está atrasadíssimo para a consulta com o seu médico de família
o Dr. Lúcio Melro.
Maria José
Maria José tem cinquenta e cinco anos, vive muito próximo, a sua casa
dista da de Marta cerca de cem metros, é solteira e surda-muda de nascença.
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Marta apanhou um valente susto com Maria! Por mais que lhe tentasse
explicar que estava a cuidar do que era dela, e que estava a ser extremamente
cautelosa com a queima, pois estava a utilizar um bidão metálico de trezentos
litros onde colocava os resíduos a queimar, não se conseguiu fazer entender.
Gabriela Flores
Gabriela Flores é uma jovem de vinte e oito anos, solteira, que adquiriu
uma pequena casa, com um quintal diminuto, no topo da aldeia.
Para não se sentir tão só, vive rodeada de animais, que vai adoptando.
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É, desde pequena, uma eterna amante de animais. Não pode ver um cão
ou um gato abandonado trata logo de o alimentar, e se o animal não se afasta de
livre vontade acaba por o adoptar. Já perdeu a conta aos gatos e os cães são sete.
Claro que este seu coração mole tem um custo elevadíssimo. Vive num
permanente sufoco, pois gasta grande parte do seu magro salário, para
alimentar os animais.
V -- DESPERTAR DE UM INTERESSE
Desde há três meses que Vasco, sempre que passa frente à casa de Marta,
abranda a velocidade, na esperança de a ver e de poder “dar dois dedos de
conversa”.
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Apesar disso, fica sempre com a sensação de ter tido uma longa conversa
com ela e que ela adorou falar com ele, que esteve sempre atentíssima a tudo o
que ele lhe disse.
VI – ESTRATÉGIA
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pela segunda vez, todos os dados desde o início, o que já é cansativo fazer-se
uma vez, mas, como diz o povo “o que não tem remédio remediado está”.
Dizendo isto voltou costas a Marta, e afastou-se tão rapidamente que ela
ficou boquiaberta com o comportamento de Vasco. Enquanto fechava a porta de
casa pensou:
– Este tipo é mesmo louco. E agora o que faço com isto?!… Nem esperou
que eu lhe agradecesse.
Mais um dos meus estranhos vizinhos. O que é que é que moverá este
indivíduo para além de, obviamente, gostar de viver de aparências.
Possui a casa maior das redondezas, o melhor carro da aldeia, pratica
um desporto que está na moda…
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Será que gosta de ler um bom livro quando está em casa? Tanto quanto
sei é divorciado e vive só, nunca o vi acompanhado… Será um desses criativos
excêntricos de que tanto se fala?
Mas o que é isto Marta? A vida dos outros não te diz respeito!
Nem me reconheço, logo eu que nunca me interessei pela vida dos
outros, nos últimos tempos, surpreendo-me a pensar nos vários vizinhos…
Será que agora além de divorciada também sou cusca? Teria a sua graça,
aos trinta e nove anos estou a revelar-me… Ah! Ah! Nada como uma boa dose
de humor para aligeirar as tristezas da vida…
É cada vez mais frequente, Vasco parar junto aos muros do Monte Giesta
para meter conversa com Marta.
Marta está a fazer a sua meditação. Enquanto cuida dos seus canteiros
aproveita para colocar os pensamentos em ordem, como tal não se apercebe da
aproximação de Vasco, e que este está a tentar chamar a sua atenção,
gesticulando.
– Olá Marta! Então já não fala com os vizinhos? – e sem esperar pela
resposta de Marta, continua:
– Apenas a quero convidar para vir conhecer a minha casa. Já nos
conhecemos há algum tempo e a Marta ainda não desfrutou da vista
espectacular que eu possuo sobre a Serra. Garanto-lhe que dali, usufrui da
melhor panorâmica da Serra, que há na aldeia.
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Apanhada de surpresa, Marta demorou alguns segundos a reagir e, um
pouco reticente Marta acabou por aceitar.
Há treze anos atrás casou com Júlia Carrascão pela Igreja com grande
pompa. O casamento foi noticiado nos mais variados meios de comunicação
social, contou com a presença de mais de quinhentas pessoas. Não fora ele, uma
pessoa tão importante, ou melhor, não fora a noiva filha de um grande
empresário da construção civil.
No entanto, quatro anos depois, tinha o seu filho Bruno dois anos,
acontece o divórcio. O que, segundo a sua versão dos factos, só sucedeu porque
Júlia deu ouvidos à mexeriquice maldosa dos seus familiares (dela) e das
vizinhas que diziam que quando ela saia para o trabalho ele metia dentro de
casa outras mulheres.
A verdade é que fora visitado, uma vez por outra, por amigas que
necessitavam de desabafar as suas mágoas e ele é de facto o melhor consolo do
mundo.
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hotel (até porque não tinha dinheiro para isso) e era muito mais prático lá em
casa, no vão da escada. As saudades que ele sente daquele recanto da casa!
Quanto ao ter estado apaixonado por Júlia, Vasco, ainda hoje, não sabe o
que sentia por ela. Nos primeiros tempos foi-lhe fiel, mas depois, e ainda
segundo a sua versão, Júlia começou a dar as coisas como certas e tornou-se
profundamente autoritária e enfadonha. Ele não teve outra alternativa… Foi
procurar fora de casa o que não encontrava dentro.
Vasco vive uma vida pacata que considera ser uma permanente
aventura. A qual se resume a engatar todo o tipo de mulheres para lhes mostrar
a sua enorme (vinte centímetros) e longa erecção (cerca de duas horas).
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– Estivemos ontem juntos…
– Ahhh!… Claro. – mas como é que esta gaja conseguiu o meu número
de telemóvel? Tanto quanto me recordo eu não lho dei… ou será que dei?
Tenho que ter mais cuidado com o que bebo…
– Então estás boa, a… a…
– Carolina. Não me digas que já não sabes o meu nome?
– Claro que não. Só que a minha secretária entrou de repente no gabinete
e eu desconcentrei-me. E interiormente perguntava-se: – Mas quem é esta? Nem
das pernas me lembro, quanto mais da cara!
– Hum, estou a ver! Até porque depois de tudo o que vivemos ontem tu
nunca te poderias esquecer de mim…
– Ah sim! Queres-me excitar um pouco?
– Sempre meu amor…
– Então surpreende-me.
– Bom… não sei por onde começar?
– Que tal pelo início? – e pensava: Será que esta gaja é loura?
– Está bem. Conhecemo-nos no Lost, e para falar verdade estávamos os
dois um pouco perdidos. Olhaste para mim e eu senti que era amor à primeira
vista…
– (Não é que esta gaja é mesmo loura. Amor à primeira vista… pelos
vistos ainda acredita no Pai Natal. Ah! Ah! Ah!). Agora tenho outra chamada
em linha, depois ligo-te. OK?
– Mas… – Esta agora! Desligou e ainda por cima não tem o meu número.
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As mulheres entram e saem da sua vida à velocidade da luz porque não
quer compromissos. São consideradas como seres misteriosos, que apenas têm
uma utilidade: só servem para aliviar a pressão que sente entre as pernas.
– Olá Patrícia!
– Ah! Ainda te lembras de mim? Disseste-me até logo há mais de uma
semana e eu tenho estado à espera que ligues…
– Como é que eu poderia esquecer-me de ti? Foste fabulosa… – esta
também já me está a chatear, tenho que a pôr com dono.
– Então quando é que vamos jantar juntos? Apetece-te, não apetece?
– Claro, um dia destes telefono-te para combinarmos, agora tenho que ir
para uma reunião. Sabes como é? Job is first. – e desliga a chamada sem mais.
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Apesar dos seus quarenta e seis anos mantém uma compleição física
atlética: magro, com um metro e oitenta e cinco de altura, cabelo liso louro
escuro, de corte médio-comprido, ao qual dedica uma grande atenção, rosto
ovalado, lábios finos, olhos negros, nariz aquilino, com sardas nas maçãs do
rosto.
Isto é, ele bem gostava que assim fosse, mas, mais uma vez, a realidade
está longe do seu desejo e a verdade é que se afastou do filho quase quando este
nasceu e, inconscientemente, sente-se culpado mas não o admite, nem mesmo
de si para si. A estratégia que utiliza para se sentir menos culpado é
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“compensá-lo” comprando-lhe os brinquedos e roupas mais caros mas, quando
lhos entrega, faz questão de lhe chamar a atenção para o facto.
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que se encontrava com ele uma vez por semana para uma espectacular tarde de
sexo.
Durante anos a sua relação com Vasco limitou-se a uma sessão de sexo,
uma vez por semana, da parte da tarde, em que não era trocada qualquer
palavra entre eles, a não ser durante o acto propriamente dito, aí o vocabulário
empregue por ambos resumia-se ao português vernáculo.
Rita é uma jovem, trintona, com menos dezasseis anos que Vasco,
profundamente deprimida, muito carente e que estabeleceu com ele uma
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relação de forte dependência afectiva. É asmática e Vasco é para ela o “ar que
respira”.
É uma mulher muito apagada, feia, de olhar mortiço que não cuida da
sua aparência, à parte o fazer questão em usar sempre vestuário de marca, aí a
sua preferência vai para Boss Women, Dolce & Gabbana e Calvin Klein (vá-se lá
saber porquê?).
Vive uma vida repleta de aventura: tanto tem as chaves de casa do seu
“namorado”, como no dia seguinte é enxotada como um cão vadio, para logo
de seguida vir a abanar a cauda à espera de uma carícia, quem sabe um doce
(que mais não é que uma queca higiénica).
Sabendo que Vasco, não é homem, de uma mulher só, e que mantém
uma vida sexual de enorme promiscuidade, prefere fazer vista grossa que é
como quem diz ignorar o facto.
Vasco faz sexo com qualquer uma e, mais grave ainda, apesar de estar
perfeitamente consciente da elevada probabilidade de ser contaminado com o
vírus da SIDA, ou de poder contrair outra qualquer doença que se transmita
sexualmente. Recusa-se a usar preservativo, até porque:
– Sou muito homem!… Essas coisas não se me pegam…
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Faz questão de tomar um bom duche depois do acto e de lavar
cuidadosamente o pénis, na esperança de assim se livrar de qualquer
probabilidade de contágio que, como se sabe, passa pela troca de fluidos
sexuais, por isso, de pouco serve este cuidado higiénico, apesar de ser de louvar
o gesto, pois o que previne de facto o contágio é o uso do preservativo.
Rita não desiste dele e ele também não desiste dela. Aliás, Vasco, tem
perfeita consciência que com ela não corre o risco de se apaixonar, além de que
pode esconder-se atrás dela quando as outras começam a chatear, já para não
falar na grande vantagem de ter a casa sempre limpa e a roupa lavada.
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– Então que tal encontrarmo-nos em minha casa depois de saíres do
trabalho? Para fazermos o nosso programazinho… Parece-te bem?
– Claro que sim Vasco. Estou aí dentro de quinze minutos. – Rita põe o
auscultador do telefone no descanso, desliga o computador arrancando a ficha
da tomada e pega no casaco e na carteira e sai a correr, o que provoca uma
deslocação de ar que arrasta as folhas soltas que estavam sobre a secretária,
estas levantam voo indo aterrar, espalhadas, no chão. Sem olhar para trás Rita
bate com a porta.
Judite fica perplexa e tenta dizer-lhe que o seu Director, Dr. Emanuel
Sousa, convocara uma reunião para as cinco da tarde na qual exige a sua
comparência.
Via-se agora a braços com um problema que não era seu mas que,
mesmo assim, a deixava muito incomodada. Como é que ia dizer ao Director
Emanuel Sousa que a sua assessora acabara de sair com a indicação de que já
não voltava?
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atrás de si, mete-lhe a mão entre as pernas e apalpa-a, beija-a e morde-a com
grande sofreguidão. Aperta-lhe os seios com grande violência, enquanto lhe
pergunta:
– Então, tiveste saudades minhas, queres sentir o gatinho a ronronar na
tua ratinha? – pensando que ela não iria resistir ao seu charme e que, com este
diálogo profundo, Rita cederia, uma vez mais.
Mas Rita, furiosa, liberta-se das mãos de Vasco e num rompante abre a
porta e sai de casa falando aos gritos.
Mas Rita nem por isso fica mais calma e continua a falar num tom de voz
demasiado alto.
– Tu não tens palavra. Ainda ontem me dizias que querias voltar a viver
comigo. Querias que eu cá dormisse e depois tive que me ir embora, e nem
pude tomar banho antes de sair de casa.
Tu não prestas! Depois de tudo o que eu fiz por ti… Eu que até te limpo
a casa e passo a roupa a ferro. Estou farta dos teus joguinhos… ou páras de
andar com as outras ou nunca mais me vês.
Rita tomou conhecimento que ele tinha outras mulheres (fazia sexo com),
por coincidência. Ia arrumar umas roupas que acabara de engomar quando
abriu, ao acaso, uma grande gaveta (que Vasco lhe garantira estar encravada) a
qual estava repleta de peças de roupa interior feminina.
Ficou curiosa e a partir daí e, sempre que ele lhe permitia o acesso à
lavandaria, abria a dita gaveta e acabou por se aperceber que, ao longo do
tempo, o número de peças foi aumentando.
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Furiosa, por estar a ser traída, sentiu crescer dentro de si a vocação de
detective. E como não é mulher para negar a vocação, iniciou de imediato o seu
trabalho: fazer rondas assíduas (pelo menos uma vez por dia) à casa do
“namorado”.
Vasco apercebe-se, então, que cada vez é mais difícil controlar a sua
“menina”… um verdadeiro problema! E isto está a acontecer-lhe a si! Por mais
que pense, não consegue encontrar uma explicação lógica para o facto.
O assunto foi discutido entre eles e Vasco decidiu que continuavam a ser
apenas bons amigos. Isto é, ela continuava a frequentar e a ter as chaves de casa,
e sempre que ele recebe visitas de trabalho, ela ajuda-o.
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Rita apercebe-se que falou demais e como não pode confessar o seu
hobby de detective a Vasco, opta por, dar o dito por não dito, pelo que, entra em
casa e pensa resolver o assunto quando ele estiver nos seus braços. E só de
pensar em como é bom fazer as pazes com Vasco já se sente toda
“molhadinha”…
Para grande satisfação de Vasco, Pinheirinho está muito meiga nesse dia.
Vem-lhe à memória, a recordação da primeira vez que teve sexo com ela. Ainda
estava casado com Júlia, mas logo se separou, ou melhor, Júlia colocou-lhe as
malas à porta.
Rita deu-lhe uma tarde de sexo espectacular naquele vão da sua antiga
casa.
– Como ela se deixou domar tão facilmente! Desde aí ficou pelo
beicinho, só preciso estalar os dedos e já ela está a lamber-mo ou, se lho pedir, a
lamber o chão que piso.
Fazem uma vez mais as pazes, Rita, fica, pela enésima vez, com as
chaves de casa.
Rita apesar de saber que Vasco nunca irá mudar, ilude-se dizendo de si
para si:
– Por amor a mim, ele vai deixar de ir para a cama com as outras
mulheres.
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realidade à sua volta se transformou radicalmente. O jovem belo, dedicado,
atencioso, meigo, terno – o príncipe encantado – por quem se apaixonaram e
com quem casaram deixou de ser jovem e belo, é resmungão, autoritário, por
vezes mesmo machista – ou seja, resta apenas uma sombra muito ténue do seu
príncipe.
Perdida em tanta felicidade Rita nem estranhou que Vasco lhe pedisse
para lhe limpar a casa a fundo.
X – A VISITA
Vasco sente-se ansioso por poder estar a sós com Marta, de tê-la só para
si durante umas horas, em sua casa.
Por acaso, tem-se cruzado com ela todos os dias, ou melhor, forjou o
acaso para a poder ver.
Para Vasco o tempo está a passar muito devagar. Estes últimos dois dias
foram vividos com uma forte sensação de solidão, apesar de ter tido a
companhia de Rita a quem pediu que caprichasse na limpeza da casa.
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Para evitar surpresas desagradáveis, tratou de se assegurar que
Pinheirinho não iria aparecer, por acaso, a meio da tarde para lhe estragar o seu
programazinho com Marta.
Está um lindo dia de Inverno, apesar do frio que se faz sentir na rua.
Naquele momento Vasco apercebe-se que, dentro de si, existe algo mais
que o simples desejo de conquistar Marta para a sua cama. Ela está divina!
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A reacção que a sua imagem despertou em Vasco, não passou
despercebida a Marta, e deu consigo a pensar, divertida, que até gostava.
Vasco fez questão de lhe mostrar a casa toda tendo guardado para o fim
o tão afamado terraço/miradouro do qual se tem uma visão panorâmica,
simplesmente, deslumbrante.
Enquanto mostra a sua “jóia da coroa” pensa que está a ser um bom
anfitrião, educado e respeitador.
Vasco é arrancado aos seus pensamentos por Marta que lhe diz:
– Devo confessar-lhe que estou a gostar muito do que vi. A paisagem é
de facto soberba. Está de parabéns.
O jardim é lindíssimo. E apesar de não ser uma grande especialista na
matéria atrevo-me a dizer que o arquitecto paisagista fez aqui um excelente
trabalho.
– Concordo plenamente consigo, aliás já cá esteve outro paisagista que
me disse o mesmo.
Mas talvez seja melhor entrarmos, até porque hoje está muito frio para
ficarmos aqui pela esplanada. Venha vamos para a sala…
– Gostei muito de toda a casa. Conseguiu reunir um conjunto de objectos
muito harmoniosos.
– Ainda bem que gosta.
– A sua casa é ainda mais confortável no interior do que aparenta ser do
exterior.
– Agora é a minha vez de lhe agradecer o elogio.
Só falta um som de fundo para que tudo esteja perfeito como eu gosto,
mas optei por esperar por si. Que música é que gosta de ouvir? Talvez jazz?
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– Sim gosto muito de jazz.
– Sente-se, e fique à vontade. O que é que bebe?
– Se tiver sumo de laranja bem fresco…
– Não gosta de bebidas alcoólicas? Eu estava a pensar em fazer-mos um
brinde com champanhe…
– Vou abrir uma excepção. De facto não sou grande apreciadora e muito
menos consumidora de bebidas alcoólicas!
Mas devo confessar-lhe que o champagne é a minha bebida preferida, se
estiver bem gelado e se for brut, hum!…
– Eu só bebo champanhe bem fresco e, claro está, brut.
Marta apercebe-se que tudo tinha sido pensado até ao ínfimo pormenor
e diz de si para si:
– Se eu fosse uma femme fatale diria que ele está tentar cativar-me, talvez
mesmo seduzir-me o mais interessante é que eu estou a gostar e, porque não
admiti-lo, disposta a ser seduzida. Serão carências? Bah, isso não é importante.
A verdade é que Vasco se está a revelar, apesar de algumas incongruências, um
indivíduo bem interessante. – Após o que se dirige a Vasco:
– Conseguiu surpreender-me, está tudo perfeito. Já percebi que gosta
mesmo de receber visitas e, permita-me que lho diga, fá-lo na perfeição.
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Marta já estava à espera da pergunta. E gostou que ele tivesse tomado a
iniciativa porque também ela está curiosa e quer conhecê-lo melhor.
Por ser uma mulher franca, que não tem receio em se mostrar, decide
revelar a Vasco um pouco mais de si do que é habitual fazê-lo.
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Agora, brincadeira à parte, é preciso ser muito corajosa para vir isolar-se
aqui no meio de nenhures. Não tem receio que a assaltem?
– Se nem mesmo quando vivia, e me movia, em Lisboa tinha medo
porque haveria de o ter agora?
– Também é verdade, vivemos numa zona do país que, por enquanto,
ainda é segura. E o mais engraçado é que estamos isolados na serra, longe de
tudo e de todos, mas, tendo carro, como é o caso, em apenas quinze minutos,
estamos na cidade…
– É bem verdade. Esse foi um dos factores que me levou a escolher o
meu Monte, o outro foi porque me apaixonei pelo sítio logo que o vi.
Aquele recanto estava lá para mim, à minha espera. Repare que estava à
venda há três ou quatro anos, mas não tinha tabuleta e foi a irmã do Valério
Casaco, o antigo proprietário, que me indicou o sítio.
Quando o vi, e mesmo antes de saber qual o preço, decidi que tinha que
ser meu.
– Eu quando vim ver aqui a aldeia não sabia que o Monte Giesta estava à
venda. Mas devo confessar-lhe que não lhe faria concorrência, é um terreno
demasiado grande.
– Agora já chega de falar de mim! E o Vasco, o que é que faz
profissionalmente? Para além de receber bem as suas visitas.
– Eu sou um indivíduo muito modesto. Licenciei-me em Marketing, e
sou um criativo de publicidade.
Também gosto muito de ler, mas como tenho uma vida social muito
preenchida, a profissão a isso obriga, acabo por ter muito pouco tempo para o
fazer. Tal como a Marta, gosto de fazer um pouco de jardinagem.
Como vê temos algumas coisas em comum.
Quando Vasco fez estas últimas afirmações, Marta sentiu que ele estava
a tentar impressioná-la. Recordou-se que não vira, em toda a casa, um único
livro, à excepção da enciclopédia britânica. Pelo que lhe pareceu estranha a
afirmação, mas decidiu não dar importância ao facto, até porque estava a
adorar a companhia.
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Duas horas depois, Marta despedia-se de Vasco, extremamente bem
disposta.
XI – IMPRESSIONADOS
Ele revelou-se uma pessoa muito agradável, nada snobe. Marta ficou com
a sensação que Vasco era um indivíduo extremamente carente e inseguro, que
utiliza uma máscara de autoritarismo e arrogância como defesa…
O resto da tarde passou a voar e Marta deu consigo, por diversas vezes,
a pensar em Vasco.
– Tenho que tomar uma decisão rapidamente. Daqui a pouco a Rita vai
estar a bater-me à porta… Porra pá. Já me esquecia que ela agora tem as chaves!
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Tenho que arranjar maneira de a impedir de vir cá durante uns tempos. O que
é que vou inventar, desta vez, que não lhe levante suspeitas?
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– Por mim está bem.
– Então fico à sua espera. Durma bem, e até amanhã. Um beijo.
– Amanhã às sete, lá estarei à sua porta. Beijinhos.
Descobriu que têm alguns gostos em comum. E está a suceder com ela
algo muito estranho que, não sabe como explicar, por isso decidiu chamar-lhe
as suas afinidades.
Acontecem coisas do género: ele inicia uma frase e ela termina-a; ou,
mais bizarro, ainda, no momento em que pensa telefonar a Vasco, toca o
telefone e, sem mesmo olhar para o visor, sabe que é ele; por diversas vezes que
sucedeu sentir no ar o perfume de Vasco e passados uns segundos ele está a
ligar-lhe.
Por outro lado, Vasco apercebeu-se que ela exerce sobre si uma forte
atracção, um poder que ele não sabe definir. Não sabe como lhe chamar: será
magnetismo, sedução, sensualidade, ou talvez seja uma mistura de tudo isso?
Mas o mais estranho, é que dá consigo a pensar que não quer apressar as coisas,
não quer tê-la na cama só por ter, isso deixou de ser o mais importante! Tem a
certeza que quando suceder de fazerem amor, esse será um momento mágico
para ambos.
Vasco sente-se cada vez mais confuso. Marta desperta-lhe o desejo, mas
não é só desejo sexual, o que é, para ele, uma sensação estranha, até porque está
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habituado, mais precisamente, viciado, em conquistas fáceis e só “para o que é
que é”.
XII – INTIMIDADE
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Quando chegou a casa, Vasco estava radiante consigo mesmo.
Finalmente voltava a ser dono da sua liberdade e da sua casa. Sente-se
preparado para, de uma vez por todas, conquistar Marta.
Quando terminou o seu primeiro encontro, Marta sentiu que tinha à sua
frente uma árdua tarefa: orientar Vasco no amor, para que a forma como ele faz
amor se aproxime mais do modo como ela gosta de fazer amor.
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Marta está habituada a um amor calmo, meigo, sem acrobacias, com
muitas carícias, e dialogante, mesmo que nenhuma palavra seja pronunciada…
Vasco quer fazer dela uma contorcionista, mas a idade e a estrutura óssea de
Marta já não lho permite.
XIII – ESQUEMAS
À medida que o tempo passa, Vasco, sente-se cada vez mais pressionado
por Pinheirinho. E interroga-se sobre o que Rita quererá mais, pois ele não lhe
falta com nada: isto é, tem quase todos os dias relações sexuais com ela, mas
nunca mais permitiu que ela lá ficasse à noite e, muito menos, que lá
pernoitasse.
A partir das sete da tarde é para Marta que Vasco tem toda a atenção
deste mundo e cada vez gosta mais dela. Embora tente esconder isso de si
mesmo, argumentando que é apenas mais uma das suas conquistas.
Considera-a como alguém muito especial que o faz sentir bem. Satisfá-lo
sexualmente como nenhuma outra, mas não é apenas isso… Tem perfeita
consciência que adora falar e estar com Marta e, por vezes, basta-lhe isso, e esta
é uma experiência completamente nova para Vasco, que o deixa perplexo.
Mas não pode abdicar de Rita que é uma boa amiga de longa data com
quem pôde contar aquando da morte da mãe.
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apesar de ainda estar no presente, pertence, em termos amorosos, ao passado e
essa explicação foi suficiente.
XIV – A SURPRESA
Aí, foi ela quem ficou surpreendida, pois quem lhe abriu a porta foi Rita
que de muito mau humor lhe perguntou:
– O que é que quer Marta?
– Boa tarde Rita. Eu quero falar com o Vasco, se isso não constituir um
problema para si… – respondeu-lhe Marta com um sorriso de irónico.
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Vasco, quando ouviu a campainha, bem se apressou por chegar à porta
antes de Rita, mas foi em vão que o fez, pois Pinheirinho disparou que nem um
relâmpago e como que movida a pilhas correu para a porta.
Tendo ficado sem alternativa, resta a Vasco fingir que está tudo bem.
Marta apercebeu-se que Vasco se esforça por aparentar uma naturalidade e
calma que está longe de sentir, mais não conseguiu que ficar sem jeito,
nitidamente comprometido.
E as coisas não ficaram por aí, a situação foi-se tornando cada vez mais
bizarra. Rita, num misto de ciúmes e rancor, começou a discutir com Vasco, na
sua frente.
Mas Marta que não gostou do que presenciou, até porque está habituada
a ver brigas de casal. Assistiu a algumas com um casal amigo que têm uma
relação de cão e gato, o Jorge e a Becas que, como eles gostam de dizer, se
“aturam” um ao outro há onze anos.
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– Não Marta. Estás enganada. É que a Rita de repente teve uma recaída e
agora está convencida que é a dona da casa. Agora peço-te, que vás para casa
que eu já lá vou ter contigo para esclarecer as coisas. Vai amor…
– Vou sim. Não porque tu me pedes mas sim porque o devo a mim
mesma. Não estou habituada a este tipo de situações e não é aos quarenta anos
que me vou sujeitar a elas.
Por favor, não faltes à tua palavra, pois precisamos de esclarecer toda
esta embrulhada em que me envolveste e de que nem sequer tiveste a
honestidade de me informares para saber se eu estaria disposta a um
relacionamento deste tipo.
E, já agora, por falar em esclarecimentos, talvez não seja má ideia
começares por o fazeres com a Rita, parece-me que, pelo menos, lhe deves isso.
Tchau. Quanto ao amor não sei. Logo se vê se sim ou não tenho razão.
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todas as minhas namoradas fizeram um aborto, sou um homem muito potente, os meus
espermatozóides são muito resistentes.
O argumento que ele tinha apresentado era, tal como ela suspeitara na
altura, apenas uma “desculpa de mau pagador”. De facto, não há nada de mais
íntimo e natural que, duas pessoas que se amam, tentem atingir o orgasmo ao
mesmo tempo, entrelaçados num abraço profundo que envolve todo o seu ser.
Quando, por fim, chegou a casa sente uma profunda serenidade que lhe
advém do facto de se terem dissipado algumas dúvidas que a tinham deixado,
sem que ela se tivesse apercebido, tensa. Estava finalmente ciente e consciente
que a sua intuição estava correcta, de facto algo de estranho se estava a passar e
agora sabia-o: Vasco andava a trai-la com Rita… ou talvez o inverso seja ainda
mais verdadeiro, até porque a sua “amiga” Rita já existia quando Vasco decidiu
aproximar-se dela.
Nesse preciso momento sentiu uma pena imensa de Rita, mais do que de
si. E diz para consigo:
– Eu já tive um marido e só não tive filhos com Carlos Cerdeira porque
sempre tive a certeza de que ele não era o homem indicado para ser o pai dos
meus filhos, vejo agora que nunca o amei como pensei tê-lo amado.
Mas a Rita que ainda nunca viveu uma relação deste tipo como é que ela
se sentirá ao viver um pseudo namoro com Vasco? Ou será uma pseudo relação
conjugal?
Vasco raramente se encontrava comigo nos fins-de-semana agora já
começo a perceber o porquê. Mais uma vez a minha intuição estava correcta e
eu não lhe dei ouvidos. Ao contrário do que ele me dizia, ele reservava os fins-
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de-semana para estar mais tempo com Rita. Não era com o filho que ele passava
esse tempo.
Como é que pude ser tão ingénua? Afinal o que é que ele quererá de
mim?
Será apenas sexo? Será que me estou a tentar enganar quando penso que,
apesar de todas as evidências, Vasco também me ama? Será apenas o não
querer assumir o insucesso, ou a dor que causa saber que não somos amados
pelo ser que amamos?
Aguardou por Vasco até às nove horas da noite, mas ele não apareceu, o
que não foi surpresa para Marta. Esta foi ocupando o tempo com coisas que lhe
dão prazer, e nem sequer se aborreceu por ele ter faltado à palavra. Aliás, já
estava à espera de algo do género.
No dia seguinte, bem cedo, Vasco toca à campainha. E mal ela abre a
porta, já Vasco está a tentar desculpar-se, visivelmente ansioso e pouco à
vontade.
– Marta, meu amor… Tenho que te pedir desculpa por ontem mas não
me foi possível livrar-me de Rita. Ela está muito em baixo e eu tenho que a
apoiar, até porque não me posso esquecer que quando a minha mãe morreu, e
eu precisei foi ela quem aturou toda a minha dor (as suas eternas bebedeiras –
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eternas porque nessa época estava permanentemente ébrio – bem como os seus
ataques de choro e de mau génio).
– Ficam-te muito bem esses sentimentos. Mas, será que é necessário
recordar-te que os telefones também servem para essas eventualidades, para
avisar que não se pode comparecer ou que não dá jeito?
Agora, e se não estás demasiado apressado para ires trabalhar, ou fazer
qualquer outra coisa, podes entrar e tomar o pequeno almoço comigo ou, caso
já o tenhas tomado, talvez possas fazer-me companhia e, quem sabe, aproveitar
para esclarecer toda esta embrulhada em que me envolveste.
– Adoraria Marta, mas não posso. Tenho uma reunião marcada para
daqui a vinte minutos, tenho que ir a voar até lá. Mas fiz questão de vir ver
como estavas e pedir-te desculpa. Depois falamos… Então, tchau, meu amor.
– Tudo bem, falamos mais logo. Quando te der jeito, é claro! E sabes uma
coisa, não me surpreende nada que estejas com tanta pressa. Porque será?
Agora vai, e não te preocupes comigo. Eu estou bem. Mas não te
esqueças que precisamos de falar. Seja qual for o rumo que tome a nossa vida, a
verdade é que esta relação não se iniciou pelo telefone.
– Sim.
– Então, até logo e, já agora, boa reunião e um bom dia de trabalho…
– Hem! À, sim obrigado!… Tchau… E pensou: – De facto esta mulher é
mesmo um espanto. Como ela sabe reagir tão dignamente e ainda é capaz de
ironizar. Que mulheraça!
XVII – A SECRETÁRIA
A sua secretária, Zélia Tabaco, está cada vez mais cansada de o encobrir,
mas precisa do dinheiro para viver. Não fora esta necessidade e há muito que o
tinha denunciado, até porque ele é uma pessoa intratável, de uma falta de
educação que continua a surpreendê-la, pela negativa, apesar de já trabalhar
com ele há três anos.
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Há seis meses atrás viu-se obrigada a ter uma conversa definitiva com
ele, na qual colocou os pontos nos “is”. E tudo isto porque foi severa e
injustamente repreendida, por diversas vezes, pelo chefe de Vasco.
Que mais podia ela fazer? Dizer que estava cansada de trabalhar com
um fanfarrão, irresponsável e incompetente? Quantas vezes desejara poder
responder com a verdade nua e crua, mas ditava-lhe o bom senso que se assim
o fizesse quem iria ser despedido seria ela e não ele.
Ficou igualmente assente que se ele quebrar, uma vez que seja, o acordo,
ela não espera que o Director de Vasco, o Dr. Paulo do Ó, a chame, é ela quem
vai, apresentar queixa e daí lava as suas mãos.
Zélia está confiante que Vasco percebera a mensagem pois, desde essa
sua conversa, não só ele atende de imediato o telefone como lhe pede desculpa
pelo incómodo causado, isto é, pelos elevados níveis de stress provocados pelo
receio de ser apanhada em falta por causa dele. E tem vindo a cumprir o
acordado.
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A partir desse dia, Vasco tem-se esforçado por ser mais educado com
Zélia. Quando pretende ficar em casa, “a trabalhar”, liga-lhe logo de manhã a
avisá-la e aproveita para se inteirar se está tudo bem com ela, se não voltou a
ser incomodada pelo “parvo do Paulo”, etc.
Como esta o tranquilizou dizendo-lhe que estava tudo bem Vasco foi
“trabalhar”.
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Depois de ter percorrido os diversos gabinetes, e de se ter mostrado
muito atarefado, em pleno processo criativo, está tão satisfeito consigo mesmo,
quase eufórico que, para escamotear a ansiedade que sente, um verdadeiro
frenesim, decide fazer alarde das suas proezas sexuais, junto de um ou outro
colega.
– Sabes Ricardo agora até ando com duas ao mesmo tempo. Uma à tarde
e outra à noite. Elas adoram-me…
– Hã, pois… Isso deve ser óptimo, pá!… – e sem sequer olhar para ele,
continuou a andar, pensando:
– Este tipo é mesmo um galhordas. Que cretino! Vai sendo tempo de
crescer?
Apercebendo-se que com Ricardo não ia conseguir falar dos seus feitos, e
como não gostava de dar o braço a torcer, despediu-se apressadamente dele:
– Então até logo, sabes estou cheio de pressa. Ainda tenho um assunto
urgentíssimo a tratar, antes de ir almoçar.
Quando se dirige para o seu gabinete cruza-se com uma “menina das
informáticas” que é, no seu entender, um “naco” de mulher. Enche o peito de ar
e, destemidamente, decide engatá-la, ali mesmo, em pleno corredor para que
todos possam vê-lo em plena acção…
– Olá, cara colega! Deixe que lhe diga mas, a Rosália, hoje está um
espanto. Não me leve a mal o elogio. Eh! Eh! Mas, sabe, não resisto a uma
mulher bonita e ainda por cima charmosa como a Rosália…
– Ah não?! Então talvez seja melhor dizê-lo ao meu marido. Por acaso
não precisa de lhe telefonar, nem de esperar muito para o fazer, ele acaba de
cruzar aquela porta – e aponta para a porta de entrada ao fundo hall, a qual se
situa mesmo atrás de Vasco.
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– Decididamente hoje o dia não me está a correr de feição. Primeiro
aquele idiota do Ricardo e agora esta. Era só o que me faltava uma reunião de
família por causa de um piropo tão inocente. Eu nem sequer insinuei que a
queria levar para a cama!…
Decididamente o dia está-lhe a correr mal! Pelo andar das coisas, daqui a
pouco está a ser chamado ao Director, que ele considera um novato, lambe
botas, pretensioso, com o rei na barriga.
– Era só o que me faltava vir a ser repreendido por um puto que nem
barba tem!
Estas gajas andam todas histéricas! Estão completamente alucinadas!…
Já um gajo não pode fazer um piropo que ficam logo convencidas que as estão a
seduzir ou assediar…
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Entra de rompante no gabinete apanha a pasta e sai logo de seguida
dirigindo-se ao gabinete da secretária para a avisar que vai sair para almoçar e
que hoje já não volta ao serviço. Diz-lhe:
– Zélia qualquer coisa ligue para o telemóvel. Hoje não me estou a
conseguir concentrar aqui, vou para casa e até o telefone fixo vou desligar, não
quero de forma alguma ser incomodado, preciso estar sossegado a trabalhar no
novo projecto que tenho em mãos.
Zélia diz-lhe que sim com a cabeça, pois está ao telefone, e de si para si,
fica-se a rir. Rosália está do outro lado da linha e acabou de lhe contar o
sucedido. Pensa:
– Sim, sim. Foge “com o rabo entre as pernas”. Cobarde! Pensas que
levas sempre a melhor mas a Rosália chegou para ti. Ah! Ah! Ah! – e voltando-
se para ele diz-lhe:
– Tenha uma boa tarde de trabalho doutor! Até amanhã.
XVIII – O ALMOÇO
Uma vez na rua decide ir almoçar e como não gosta de tomar as refeições
sozinho, lembra-se de convidar o seu grande amigo João Cavaco. Assim, “mata
dois coelhos de uma cajadada só”, fica com um excelente ouvinte, o João adora
estar a par dos seus feitos sexuais, das suas conquistas e, por outro lado o
almoço sai-lhe a custo zero. “Se bem pensou, melhor o fez”, pega no telemóvel e
liga-lhe.
– Está? João? – diz ele num tom de voz bem próximo do grito.
Isto porque optou por uma rede que tem uma cobertura algo deficiente
na zona do Algarve, só porque todos os “tipos” que realmente interessam estão,
segundo ele, conectados a ela, e como se considera também ele uma pessoa VIP,
não podia de forma alguma ir para a concorrência.
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Por outro lado, este facto faz com que se assista a situações algo caricatas
que só vêm acrescentar um pouco de sabor à vida. É uma alegria, vê-los a sair
dos edifícios de telemóvel “xpto” em punho a falarem aos gritos!
– Está? Fogo pá, esta porra não dá com nada… Primeiro que te consiga
apanhar… o que é que tens andado a fazer grande cabrão? Olha vou agora
almoçar e lembrei-me de te convidar. Que tal? Hã, pá? Esta porra!… Sim diz.
– Estava-te a dizer que hoje não me dava jeito. Não pode ser antes
amanhã e, em vez de almoço, ser um jantar?
– Não pá. Porra pá! Sempre que preciso de falar contigo nunca podes.
Fogo pá. Caraças…
– Pronto. Está bem. Sabes aquela garina, a… a… Ah! Já me lembrei do
nome, a Joana Covinhas, aquela febra que é mesmo “um pedaço de mau
caminho”, finalmente aceitou almoçar comigo e sabes como é…
– Oh pá deixa-te de merdas… Tens muito tempo para te afiambrares a
essa puta. Telefona-lhe a desmarcar o almoço e, nem a deixas respirar, marcas
logo um jantar à luz das velas! Até podes enfrascá-la que ela nem dá por isso…
Pode ser que no final esteja tão escuro que se perca e vá directamente para a tua
cama. Que tal esta, hem?
– Tudo bem. Pode ser que ela caía nessa, até teria a sua piada… Ah! Ah!
Tu és o máximo…
A gaja até se tem andado a armar em finória comigo… Não sei se estás a
ver a sorte que a espera? Tu conheces-me bem… Eh! Eh!
OK. Então, onde é que vamos almoçar?
– Agora sim. Agora já és o tipo que eu conheço e não um maricas
acagaçado… Por momentos, pensei que estavas amansado, por causa dessa
filha da puta. Até me assustei, porra pá…
– Então e onde é que nos encontramos?
– Que tal o Arcadas, estão lá sempre os finórios. Como tu sabes tem um
bom marisco ou, se o preferires, bons pratos de caça. Eh! Eh! Caça, não sei se
estás a ver? Ah… e antes que me esqueça és tu que pagas. Sabes como é, as
garinas chupam-mo todo. Ah! Ah! Carago, hoje estou mesmo inspirado… agora
a sério, tu até podes. Tu és uma porra dum ricaço…
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Agora tenho que desligar, até daqui a vinte minutos.
– Vinte minutos?!… Tás doido ou quê? Eu demoro pelo menos trinta e
cinco minutos, e é preciso ir a abrir… Até logo, e quem chegar primeiro espera.
Tchau.
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– Então meu velho? Sempre o mesmo? Já estou a ver que alguém ficou,
outra vez, sem entrada!… Ah! Ah!
– Claro! Então não conheces o poder de persuasão do je? Ninguém me
resiste. E por falar em não me resistirem, já te contei que agora tenho duas em
permanência?
– Não pá. Mas não me espanta. Não sei o que é que fazes a essas gajas
mas elas não te largam. Um dia ainda tens de me contar em pormenor, mas
agora – e voltando-se para Carlitos diz-lhe: – venha de lá essa lista que eu estou
cheio de fome.
Confidências
Ao longo da refeição Vasco foi apresentando os detalhes picantes das
garinas com quem faz sexo.
Há a eterna Rita, que já está bem domada e o sexo anal com ela é um
espanto. É óptimo ouvi-la gritar de prazer (ou será de dor?).
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Constata-se uma vez mais que as meninas de boas famílias já não são o
que eram. Aparentemente tão inocentes dão-se ao desfrute dos prazeres carnais
e, à exposição das suas partes pudicas, em plena luz do dia, aos olhos de
qualquer caminhante.
É sem sombra (porque não se protege dos raios solares) de dúvida uma
bela vista! Que o digam os jovens, e os menos jovens (velhotes) da aldeia, que
não sendo egoístas, passaram palavra, aos amigos: recomendam-na!
Ao longo dessa semana, para além das duas namoradas fixas, Vasco
confessou a João, já sob o efeito do álcool, ter levado mais quatro tontinhas para
a cama:
– Puro gozo pá! As gajas caiem na cantiga do vigário, ou melhor, caiem
na cantiga do Vasco? Ah! Ah! Esta teve piada, hem?
– Só eu não tenho a tua sorte, isto é, não tenho a tua lábia, é o que é.
Primeiro que consiga engatar uma garina vejo e desejo-me e depois, quando
começam a levar com ele, só falam em casamento. Não sei onde é que estas
gajas têm a cabeça. Em vez de quererem gozar, querem é pôr a trela a um tipo.
– Tu dás-lhes muita atenção e do que elas gostam mesmo é de desprezo
e, uma vez por outra um belo tabefe…
Mas estava-te a contar… Ah, sim, com a Gabriela, a secretária daquele
gajo que tu também conheces, o… o Brito Sequeira. Fingi que já não dava uma
há meses, foi mesmo à fossanguice. Estava cheio de pressa, mas arranjo sempre
tempo para mais uma. Sabes como é? Ela queria e, eu, em meia hora dei conta
do serviço, despachei-a.
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As vistas que lhe mostrei da casa foi o chão da sala, mas devias vê-la a
gritar de prazer. E quanto mais ela gritava, mais fundo eu o enterrava. Foi para
casa sem cuecas e sem soutien, são o meu troféu de caça.
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Serve-se de mais um copo, porque falar seca muito a garganta.
– E também estive com a Olívia Rebelo. Carago! Não faças essa cara de
espanto.
– Hem quem? Ouvi bem! Aquela puta que andei a comer durante meses?
Aquela que tem um repertório impressionante de guinchos. Que gosta
de ser comida à bruta? És mesmo um cabrão de sorte pá. Telefonaste à porca? E
a vaca, como é que ela reagiu quando a espetaste?
– Ela é que me telefonou para me dizer que tu já não a comias há uns seis
meses. E eu, um coração mole, mostrei-lhe do que sou capaz, por amizade e
solidariedade, claro!
– Sim, pois claro.
– Sempre me saíste cá um amigo da onça. Podias ter-me dito que já não
querias nada com ela, ou melhor, podias ter-ma passado.
A gaja tem mesmo tudo no sítio! Mexe-se e geme como poucas.
Essa teve sorte. Apanhou-me num dia em que tinha tempo. Estive com
ela quatro horas, uma verdadeira maratona. Para aquecimento, e depois do
almoço, bebemos uma garrafa de champanhe bem geladinha. Reguei-a e bebi-a
e ela chupou-mo todo. Depois mostrei-lhe o meu repertório completo, levou
com ele todo, bem no fundo, e em todas as posições que possas imaginar.
Adorou.
Quando lhe dei com ele por trás, eu já estava com a pressão toda e, fui
mesmo bruto mas, a gaja vibrou e, pediu-me para lhe ir ao cu.
Havias de ver a cadela a ganir quando lho meti todo lá dentro. Que
prazer só de pensar já estou a ficar teso. Desculpa lá pá… Ah! Ah! A vida é
mesmo irónica, vê lá tu… Uns perdem e outros ganham. Tu fizeste pressão para
lhe ires ao cu e ela népia, e a mim saiu-me a lotaria.
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Recordações
– Olha lá João, e tu lembras-te daquele ano em que passamos férias
juntos, e que fizemos aquela aposta maluca que quem comesse mais mulheres
naquele mês ganhava um jantar no melhor restaurante de Madrid? Foi o
máximo, hem?
– Se me lembro. Bons tempos esses…
– É pá eu tive dias de comer duas e três. E a bebida. Já nem se fala
estávamos sempre atestados. Aquilo é que foi curtir pá…
– Olha, por falares nisso, a tua “ex” ainda nos acompanhou em algumas
incursões aos bares. O jeito que ela tinha para nos ajudar a engatá-las. Ah! Ah!
– Ah! Ah! Se ela soubesse que estávamos a usar, com o feitiozinho que
tem, matava-nos. Ah! Ah! Mas nunca suspeitou de nada. Também foi logo
depois do divórcio e ela queria a reconciliação…
– Uma gaja porreira essa, bem diferente das outras. Já não a vejo há dois
anos. Como é que ela está?
– Continua aquela máquina. Casou à coisa de uns seis meses com um
tipo todo intelectual, diz que é professor. Não sei…
Ela merece um tipo decente, ela é bem porreira.
– Essa é que te ficou atravessada! Pensavas que a enganavas mas saiu-te
o tiro pela culatra.
– Tu nem me fales disso, pá!… Sabes bem que eu não tive nada a ver
com isso.
Lembras-te de eu te ter dito que começaram a meter-se uns e outros, a
fazer intrigas e nós limitámo-nos a assistir ao ruir do casamento, não fizemos
nada para contrariar.
Agora já chega de merdas pá. Que tal um digestivo para rematar o
almoço? Come-se bem aqui. Carago!
– Mas que boa ideia! Quantas garrafas é que deitámos abaixo, caraças?
Três, hem? É uma boa média. Continuamos em forma, porra!
– É mesmo uma boa média, como nos velhos tempos. Agora só falta
mesmo o digestivo – e, enquanto diz isto, Vasco faz sinal ao empregado.
O solícito Carlitos apressa-se a responder ao chamamento. Está
cansadíssimo, foi um corrupio de clientes e, para ajudar à festa, aqueles dois
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chagas!… O que o anima é saber que no final vai haver uma gorjeta choruda,
que aquele papalvo do João deixa, nunca menos de dez euros. Junto à mesa faz
o seu melhor sorriso, esboça uma vénia e pergunta:
– Os doutores já terminaram? Talvez queiram o digestivo do costume,
não é verdade?
João respondeu-lhe, sem olhar para ele: – Sim, sim, se faz favor mas isso
bem servido! – e, voltando-se para Vasco, continua:
– Olha lá, e o trabalho como é que vai?
– Caraças, pá. Porra, pá… Já me estragaste a refeição!
Então hoje aquela vaca da Rosália… aquela das informáticas. Tu sabes eu
já te falei dela, aquela que tem uns dentes de cavalo que até metem medo ao
susto! Embicou comigo só porque lhe fiz um pequeno elogio. Veio logo para
cima de mim com aquela treta do assédio sexual. Imagina se eu ia com aquilo
para a cama. Assédio… Ah! Ah!
– É tudo uma cambada de putas…
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Marta apercebe-se que Rita está fora de si, pelo que, decide falar com ela,
mas primeiro teve que estabelecer algumas regras:
– Antes de mais boa tarde Rita. Faz favor de entrar.
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Agora responde-me tu, pois fiquei curiosa, como é que tu sabes que o
Vasco me telefona e inclusive o número de vezes e horas a que o faz?
– Isso é simples! Eu andava desconfiada que algo se estava a passar pelo
que fui ver à factura do telemóvel. E para te provar que vim aqui com a melhor
das intenções e que apenas pretendo apurar a verdade digo-te que fui eu que,
por várias vezes, te liguei com o código de ocultar o número, sabes o número
suprimido. Apesar de estar envergonhada de ter chegado a tal extremo de
cobardia tenho que confessar que não tive coragem de falar contigo, eu apenas
queria ter a certeza que eras tu.
Nas ausências de Vasco, Rita é a grande detective, que tanto invade a sua
privacidade (dele) como a das suas amigas. Quando Vasco a trata com mais
desprezo, ou a repudia, ela não olha a meios, pega no telefone e liga às mais
diversas horas do dia ou da noite para as amigas de Vasco (que não conhece),
para lhes fazer um interrogatório muito semelhante ao que veio fazer a Marta.
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– Porque estávamos assim… meio afastados. Sabes a minha relação com
o Vasco sempre foi muito difícil, com muitas brigas e discussões mas, é como se
não pudéssemos viver um sem o outro porque acabamos de brigar e já estamos
a fazer as pazes. Ele tem o problema da bebida e quando está com os copos não
pode ser contrariado senão parte tudo. Sabes como é?
– Por acaso não sei. De facto já várias vezes o vi com um pouco de álcool
a mais, mas nunca fez nenhuma cena comigo.
Agora e para responder à tua primeira pergunta, ele contou-me que
vocês tinham vivido maritalmente, durante alguns meses, mas que não tinha
dado certo e que assegurou-me que estava tudo terminado entre vós. Como é
que eu podia adivinhar que não era bem assim, depois daquela apresentação?
Está a ser “manipulada” por Vasco, porque deixa e quer, há quase três
anos! Enquanto Rita lhe ia confessando pormenores da sua relação com Vasco,
Marta, deu consigo a pensar que é preciso não ter um pingo de amor-próprio,
para que uma moça jovem – que diga-se a bem da verdade não é um exemplo
de virtude – se sujeite a tamanha agressão, não física, mas psicológica. E que
continue a permitir que a humilhem e se humilhe desta forma tão desumana.
Tanto quanto lhe é dado perceber, não lhe parece que Rita goste de sofrer, que
seja masoquista… Vá-se lá saber o que move esta rapariga? Talvez apenas
procure ser feliz ao lado do homem que ama (ou que pensa amar).
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Outra hipótese é o ele se sentir profundamente culpado pela forma cruel
como tem vindo a tratar esta rapariga. Humilha-a constantemente, leva-a a
sentir-se culpada, inútil, sem qualquer mérito, depois, arrepende-se da sua
crueldade e passa de uma e extrema violência para uma ternura também ela
desmedida. É uma relação algo paradoxal, como é que alguém pode ser feliz ao
lado de um indivíduo que tanto diz gostar muito como demonstra por atitudes
que é precisamente o contrário o que sente?
Logo que Rita saiu, Marta deixou que as lágrimas, que teimosamente
afloravam os seus olhos, caíssem livremente pelo seu rosto. Sentia-se
profundamente revoltada com Vasco por toda a situação em que este a
envolveu.
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Rita, acabara de lhe confirmar, e jurara pelos seus pais, que Vasco era seu
namorado e que até frequentava a casa dos pais dela. Mais grave, ainda, que
planeavam casar até ao fim do ano.
XX – A TÉCNICA
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Quando se sente sexualmente satisfeito, ou quem sabe cansado, em
poucos minutos atinge o orgasmo optando, quase sempre, por se masturbar e
ejacular para cima do corpo da sua parceira, aí a sua preferência vai para os
seios, cara e boca.
Não pretende dar-lhes prazer, nem se digna tentar, por isso mesmo o
diálogo que até ali é fluente seca, e só o sexo conta, para quê saber quais as
preferências sexuais das suas companheiras de ocasião? E, o que se revela mais
sintomático de que algo está errado em Vasco, já para não falar do facto de não
ser selectivo – querê-las todas – é a sua necessidade de penetrar as mulheres
violentamente, de preferência por trás ou em coito anal. A par desta
necessidade de mostrar que é muito macho, e de querer levar todas as mulheres
para a cama, há a considerar o seu problema de alcoolismo.
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egocentrismo, incapaz de se afastar por segundos da contemplação da sua
imagem. À semelhança da lenda de Narciso, também só ele conta e só ele é o
mais belo.
XXI – REFLEXÕES
Enquanto conduzia decidiu ser o momento ideal para ter a tal conversa
com Marta. Deu a volta à Rita com uma categoria que estava convicto que ela
nem se apercebeu que não o ia ver durante, pelo menos, uma semana. Com
Marta, tinha consciência que ia ser um pouco mais difícil mas, só de pensar em
fazer as pazes com ela, já se sentia todo arrepiado.
Esta é uma reacção que ele não consegue explicar. Quando está junto de
Marta, principalmente quando estão a fazer amor, sucede cada vez mais
frequentemente sentir um forte arrepio que se inicia na base da nuca, lhe
percorre a coluna, as pernas e os braços e que o deixa num estado de extremo
prazer, comparável ao estado que antecede o atingir do clímax. E, ao mesmo
tempo, sente-se invadido por uma profunda paz de espírito e um calor
agradável em todo o corpo.
Nunca sentiu aquela sensação de arrepio quando faz amor com as outras
mulheres, nem mesmo com a Rita, e interroga-se, agora que pensa nisso, porque
será que isso nunca sucedeu em tantos anos de convívio.
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O que mais admira em Marta é a sua capacidade de o acalmar, mesmo
que nenhuma palavra seja trocada entre eles. É como se ela adivinhasse o que
lhe vai na alma. A forma como ela é capaz de lhe transmitir serenidade e paz.
Tudo fica instantaneamente bem quando está próximo dela.
Este facto faz Vasco recordar o sentimento que a sua falecida mãe lhe
transmitia, quando pequeno, mas também em “graúdo”. A sua presença e
ternura afastava todos os receios, todos os medos, todos os problemas, como
que por magia. Por isso mesmo, já pensou, por diversas vezes, que Marta é uma
mulher com uma capacidade impar de amar e de se entregar. E como ela daria
uma boa mãe, compreensiva, terna, meiga, afável, carinhosa e amável.
XXII – INSÓNIAS
Nos últimos tempos, Vasco, sente-se tenso, muito ansioso, irritável, mas
não sabe porquê. Tem dificuldade em adormecer, e acorda muitas vezes
durante a noite e, quando consegue dormir um pouco mais, são pesadelos uns
atrás dos outros.
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XXIII– OPERAÇÃO STOP
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É-lhe dada a instrução de encostar à berma.
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Vasco logo que seguiu viagem nem queria acreditar na sorte.
O que ele desconhecia é que o agente era seu vizinho e que, numa
primeira vez, levara isso em conta e que não haveria uma segunda vez.
XXIV – COBARDIA
– Quando dizes que estás aqui em “x” minutos, não falhas, eu gostava de
ter essa capacidade, nunca sou capaz de prever o tempo de uma forma tão
exacta. Então como correu a tua manhã?
– Bem. Como é hábito. E tu? Estás bem? – e dizendo isto aproximou-se
de Marta para a beijar nos lábios mas ela desviou o rosto.
– Estou bem. Talvez seja melhor entrarmos para podermos conversar
tranquilamente. Que te parece?
– Parece-me bem. Sabes que eu estou sempre do teu lado… – e dizendo
isto ia seguindo Marta, que já se encaminhava para o interior da casa, mais
precisamente para a sala, onde tinha a aparelhagem ligada com uma música de
fundo muito suave e acolhedora.
À medida que ia seguindo Marta, Vasco sente-se esperançado que
também com ela não sejam necessárias grandes explicações, até porque as
mulheres quando estão apaixonadas “não vêm um palmo à frente dos olhos”. E
pensava:
– Como ela consegue estar sempre tão serena. Não preciso de me estar a
preocupar vou conseguir dar-lhe a volta em três tempos.
Uma vez sentados, Vasco tentou aproximar-se mais de Marta e abraçá-la
mas ela não o permitiu.
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– Agora que estamos aqui, que nada, nem ninguém, espero eu, nos vai
incomodar explica-me por favor que jogo é esse que tu andas a fazer comigo e
com a Rita?
Vasco sentiu que o chão se abria a seus pés. Estava esperançado que iria
ser mais fácil, “de caras” mesmo, mas começava a aperceber-se que com Marta
as coisas “piam mais fino”, tinha que arranjar uma boa explicação para a
convencer.
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aproximaste de mim… porque é que me vieste procurar e fizeste tanta questão
em te envolveres afectivamente comigo, de inclusive me pedires em namoro se
o que pretendias era apenas ter mais uma na tua cama! Devias ter sido sincero
comigo desde o início.
– Mas eu disse-te que não queria problemas com mulheres…
– É bem verdade. No entanto, enquanto não me tiveste na tua cama não
me largaste a porta.
Costumo dizer que o povo tem sempre razão e hoje mais do que nunca
estou convicta disso, “há males que vêm por bem”. Por muito que esteja
magoada contigo e a sofrer, só posso estar agradecida por tudo isto ter sucedido
num momento em que nada tenho, até porque tu não te podes envolver comigo
visto que já tens mulher. Imagina se eu só descobria quando estivesse a ter uma
relação a sério contigo, quem sabe partilhar a cama, a casa…
A vida é mesmo irónica, repara tu, que me apercebo agora que vamos
pôr um ponto final a algo, que pelo que vejo, nunca começou.
Estou, apesar desta sacanice, chamemos as coisas pelo nome, disposta a
conservar algo que é demasiado belo para ser desperdiçado – a amizade, mas a
minha relação daqui para a frente vai-se resumir a isso… Isto é, se a minha
amizade tem algum valor para ti!
– Não sejas tão radical… Eu até posso ter-lhe dito que ela podia
continuar a frequentar a minha casa, e é verdade que lhe pedi oito dias, mas foi
para pensar como é que devo agir para a afastar de vez da minha vida sem a
magoar. Ela está a querer coisas que eu não lhe posso dar nem a ela, nem a
nenhuma mulher…
Também nunca te prometi casamento, pois não? E se te trato por amor
foi porque me apercebi que tu fazias muito gosto nisso!
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disto tudo!… Eu posso ter sido enganada, mas a verdade é que me deixei
enganar porque quis! Ao longo de todo este tempo fui-me apercebendo, através
de pequenos indícios que me indicavam que algo não estava bem, o teu
comportamento era algo paradoxal, nomeadamente ao nível sexual… eu sentia
que algo estava errado mas optei por fechar os olhos e por não dar ouvidos à
minha intuição.
– O quê? Agora vais acusar-me de eu não ter sexo contigo!
– Não é nada disso, mas também não vale a pena aprofundar mais isso,
pois seria pura perda de tempo. Aliás esses factos, neste momento, já não têm
qualquer importância pelo que vale mais passar à frente antes que se instalem
ainda mais equívocos e sejam trocadas entre nós palavras impensadas.
– Mas…
– O melhor é tu ires para casa descansar porque obviamente estás
exausto.
Quanto à nossa relação, ou, talvez seja mais correcto dizer, essa coisa que
tivemos, ela termina aqui. Se um dia conseguires ser apenas um bom amigo…
– Lá estás tu armada em detentora da verdade. Estás convencida que só
tu tens a razão e a opinião dos outros não conta para nada…
– Vasco, por favor sai. Isso não é argumento e já me aborreci mais do que
gostaria. Estou profundamente decepcionada com a tua falta de dignidade e
coragem. Sempre te vi como um homem responsável que assume todos os seus
actos e afinal…
– Desculpa lá mas eu nunca te disse que queria casar contigo ou que
queria alguma coisa mais…
– Por acaso discordo. Não fui eu que te pedi em namoro e alimentei
falsas esperanças, mas isso já não tem qualquer importância. O que me
entristece é estar a ser confrontada com uma outra imagem de ti que não gosto e
que não te enobrece, bem pelo contrário!
Ao longo de todo este tempo, mostraste ser um homem em quem se
pode confiar e amar e agora estás a revelar-te um indivíduo profundamente
vulgar, sem carácter, sem escrúpulos com quem eu não posso, nem quero ter
qualquer tipo de relacionamento.
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Sai, por favor. – E, enquanto diz isto, dirige-se para a entrada onde abre
a porta e, com a mão, pede a Vasco que se retire.
Ao ver Vasco afastar-se, Marta sente um enorme vazio que invade todo o
seu ser, como se algo lhe tivesse sido arrancado das entranhas e a dor é imensa.
Enquanto tranca os portões do Monte, sente que está a virar uma página no
livro da sua vida – aí, Vasco, fica aprisionado, para sempre, no passado.
Tem consciência que Vasco evita a todo o custo a confrontação com uma
realidade que o fere e que, talvez, nem sequer tenha noção de quanto a magoou,
por estar demasiado virado para dentro de si mesmo, de tão concentrado que
está nos seus próprios problemas e pensamentos.
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sérias dúvidas, sempre irá permanecer algo muito precioso que não é
destrutível.
Viveu intensamente estes últimos meses da sua vida, teve com Vasco um
belo romance de amor, que lhe invadiu a vida, o espírito a alma, enfim todo o
seu ser. Foi um amor que irrompeu na sua vida, sem se fazer anunciar, e que
lhe deu mais do que dez anos de um casamento, considerado por todos,
perfeito.
Agora tem a sensação, quase certeza, que Vasco tem medo do casamento
e do que isso implica. Mentalmente, agradece a Vasco por tudo o que lhe foi
dado viver.
E mais animada, agora que está mais calma, e que conseguiu começar a
perceber tudo o que lhe foi verbalizado primeiro por Rita e depois por Vasco,
iniciou de imediato o processo de arrumar as ideias, e apercebe-se que este foi o
fim de um ciclo pelo que a este se seguirá o início de um outro período, pois
tudo na vida é cíclico, são as estações no ano, o cultivo dos produtos agrícolas,
etc.
É obvio que ainda vai levar algum tempo até que consiga perceber tudo
o que lhe sucedeu e “esquecer” e “perdoar” a Vasco, mas, no entretanto, Marta
tem consciência que esta nova fase da vida a levará a muitas outras
experiências, mais ou menos, gratificantes e sente-se desde já preparada para as
viver!
A vida de Marta aos poucos foi retomando os ritmos normais. Logo após
o incidente, decidiu tirar uns dias para si, para reflectir sobre tudo o que lhe
sucedera naqueles dois dias em que foi surpreendida com a dolorosa revelação
de que Vasco também namorava com Rita, para além de ter relações sexuais
com outras mulheres.
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Marta dá graças por as coisas se terem revelado atempadamente.
Secretamente estava a pensar em casar (isto é, talvez, juntar os trapinhos?) com
Vasco. E, quem sabe, ter um filho? O mais estranho é que mesmo agora que
tudo terminou a ideia de ter um filho de Vasco não lhe desagrada, vá-se lá saber
porquê?
Está muito magoada com Vasco, mas mais magoada ainda consigo
porque se deixou iludir, e teimou em “não dar ouvidos” à sua intuição que lhe
dizia que algo estava errado, e que não devia ter iniciado, tão prematuramente,
um relacionamento tão íntimo.
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experiência, embora negativa, possa ser fonte de sabedoria no futuro, e assim se
corrijam alguns erros cometidos no passado, por falta de experiência ou
ingenuidade.
Está consciente que o homem meigo que a amou ao longo dos últimos
meses nunca se permitiu entregar-se completamente ao seu amor por receio de
vir a sofrer. E continua sem conseguir perceber plenamente como é que um
indivíduo que com ela era meigo, generoso, carinhoso e humilde foi capaz de
tamanha crueldade com outra (e está a pensar em Rita), ou melhor outras
mulheres?
Marta decide falar do assunto com a sua amiga Márcia Rebelo que é
psicóloga, pode ser que ela a possa esclarecer um pouco mais sobre os
mecanismos de defesa do ser humano. Está cada vez mais curiosa em saber um
pouco mais sobre este tema.
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tudo isso considera-se uma pessoa equilibrada, optimista, e com uma enorme
vontade de viver.
Marta está, cada vez, convicta que o ser humano aprende com a
experiência, e que, normalmente, as experiências mais dolorosas, por incrível
que pareça, são as que melhor ensinam e fazem crescer o indivíduo enquanto
ser.
XXVI – COINCIDÊNCIAS
Passou pouco mais de um mês desde que terminou a sua relação com
Vasco.
Quem sabe se, um dia, não acabam juntos de novo? Para isso é
necessário que Vasco se aperceba que para se viver com alguém não basta ser-
se amigo e gostar um pouco… é necessário amar essa pessoa, aceitá-la e
respeitá-la.
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por muito que os seus amigos e estilos de vida possam ser motivo de
desagrado, não se podem julgar os seus amigos, familiares ou mesmo a pessoa
que se ama, sob pena de se perder o seu respeito…
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não encontrei o tal príncipe ou, se o encontrei, estava distraída a olhar para o
lado…
XXVII – DESEJOS
Passaram quase dois meses sobre o dia em que Marta terminou a sua
relação com Vasco, sente-se mais conformada e enquanto trata das suas plantas
vai pensando:
– Não há ferida que o tempo não consiga sarar. De facto a vida é
maravilhosa, apesar de nos poder tirar algumas coisas e, por vezes, de nos
afastar dos que amamos, há sempre algo porque vale a pena viver! Quando
menos esperamos já estamos enredados a viver outras experiências, igualmente
interessantes.
Oh, meu Deus! Como sinto a falta de Vasco, do seu carinho! O que me
vale é ter este belo jardim para cuidar e haver bons livros para ler!…
Quando vim viver para aqui nunca pensei vir a ter uma secretária a
trabalhar para mim! Imagine-se!
Ainda bem que as mulheres gostam de cuidar de si e dos maridos, estou-
lhes eternamente grata. Nunca ganhei tanto dinheiro na vida…
O trabalho também já era demasiado. É melhor assim. A Dolores Santos
é uma óptima profissional.
Nos últimos tempos tem notado que está muito cansada, mas atribui isso
ao calor que se faz sentir. Desde que contratou a Dolores, há mais ou menos um
mês e meio, tem aproveitado para dormir a sesta. Sente-se muito nostálgica,
emociona-se muito facilmente e dá consigo a chorar por tudo e por nada.
Quando se apercebe do facto, pensa:
– Mas que sentimentalona, Marta. As separações deixaram-te muito
frágil, um verdadeiro vidrinho!
83
Ah! Ah! Vá lá, não te tiraram o sentido de humor. Já não é mau…
Ou então:
– Concerteza que sim. Mas corrige-me se estou errada, queres uma
relação “pró que é que é” ou é só uma “queca higiénica”? Não obrigada. Sabes o
povo diz que “mais vale só que mal acompanhada”, e quem sou eu para o
contradizer? Não me interpretes mal, tu não és uma má companhia apenas me
queres levar por maus caminhos e eu sou uma menina de famílias, não me
posso arriscar a perder a minha honra… De qualquer forma obrigada por te
lembrares de mim… fico lisonjeada.
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infantil, inconsequente e porque não dizê-lo mesmo caricato. Como ele próprio
diz um “homem livre”. Tem-se apercebido que ele se transformou num homem
mais triste, talvez mesmo deprimido. Das últimas vezes que se cruzaram
verificou que lhe desapareceu dos lábios o sorriso, que perdeu o brilho do olhar
e que tem uma postura corporal mais encurvada, os ombros estão ligeiramente
descaídos, como se suportassem um pesado fardo!
Quando Marta o confronta com o facto de ele não ser um homem livre –
vive, de novo, maritalmente com Rita –, começa por argumentar que é apenas
uma amiga, e como Marta não “abre guarda”, fica frustrado e reage como o
menino mimado a quem se lhe nega um brinquedo… faz birra, e a conversa
termina aí.
Uma vez por outra, lembra-se de lhe telefonar para saber como é que ela
está, e quando isso sucede Marta pressente “a sua presença” alguns minutos
antes de o telefone tocar. Outras vezes, quando pega no telefone para atender
vem-lhe a certeza intuitiva de que é ele.
De todas as vezes que fala com ele, fica sempre com a sensação de que
ele gostaria de lhe dizer algo mais. No entanto, também isso é típico em Vasco
pois sempre foi muito lacónico e pouco expressivo, ao telefone.
A dor abranda e fica o desejo de comer algo que Marta ainda não
identificou o sabor… Por fim apercebe-se que se trata de:
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– Figos! É isso. Preciso de comer figos… Até me faz água na boca, só de
pensar!
Desde há um mês e meio que vem sentindo enjoos matinais mas não lhes
tem prestado grande atenção – a culpa dessas indisposições era atribuída às
azeitonas que, ultimamente, tem consumido em grande quantidade.
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A última vez que fez amor com Vasco teve um orgasmo diferente de
todos os outros, muito mais intenso e pressentiu que algo mais sucedera.
Apesar das dificuldades que já antevê, sente-se a mulher mais feliz à face
da terra! E está decidida em não permitir que nada, nem ninguém lhe estrague
esta sua felicidade…
XXVIII – CONFIRMAÇÃO
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– A menina é uma caixinha de surpresas! Primeiro fica grávida sem se
dar conta e agora isto.
– Diga-me o que é doutor, não me deixe nesta agonia…
– É que a Marta está grávida de gémeos.
– Eu? Grávida de gémeos? Mas como é que isso é possível? na minha
família não há casos de gémeos e, tanto quanto sei, também na família de Vasco
nunca se registou um caso.
– Pode acontecer a qualquer casal, mesmo que não haja casos nas
respectivas famílias.
– Claro que sim doutor. Fiquei como que sufocada com a informação e
estava a tentar agarrar-me a uma tábua de salvação, por isso, procurava uma
explicação lógica que me traga à realidade! Sinto-me completamente nas
nuvens. Sempre desejei ter filhos, e esta gravidez, como sabe não foi planeada, e
ainda não percebi como pode acontecer, apesar de tomar a pílula. Agora a
juntar a essa imensidão de improbabilidades ainda, mais esta belíssima
surpresa: gémeos! Só falta que sejam “o casalinho” que eu sempre desejei.
O Dr. Francisco informou Marta dos cuidados a ter, pois esta é uma
gravidez que comporta alguns riscos, dada a idade e o facto de serem gémeos.
88
Entra feliz em casa e dá a boa nova a Dolores que se abraça a ela muito
feliz. Depois disso pega no telefone e liga para os seus pais e coloca-os a par da
situação.
Está felicíssima e nem mesmo uma reacção negativa de Vasco lhe pode
tirar a felicidade. E decide que o melhor é telefonar de imediato a Vasco e
quando este atende diz-lhe:
– Vasco desculpa estar a incomodar-te mas preciso de falar contigo com
alguma urgência sobre um assunto que diz respeito aos dois e para isso gostava
que viesses cá a casa. É possível?
– Claro que sim, minha querida! Mas não me podes adiantar do que se
trata.
– Se não te importas prefiro falar contigo quando estiveres face a face
comigo. Não me leves a mal, mas penso que é mais justo assim.
– OK! Estou aí dentro de meia hora.
Vasco desliga o telemóvel e está eufórico. É a primeira vez que Marta lhe
liga, desde que acabaram, isso, segundo ele:
– Só pode querer dizer uma coisa, ela quer a reconciliação. Como vai ser
bom tê-la de novo nos meus braços! – e apressa-se a sair.
Marta fica apreensiva, sabe que Vasco deve pensar que ela pretende a
reconciliação e o que ela precisa de lhe transmitir é bem diferente. Para ser
sincera consigo mesma até ela ficou surpreendida com a gravidez, pois nunca
falhou a toma da pílula, esta gravidez só pode ter uma outra explicação que ela
desconhece.
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Passada meia hora Vasco está a tocar à campainha e Marta recomenda a
Dolores:
– Se faz favor, vá atender a porta. Se for o Dr. Vasco, encaminhe-o para o
salão e peça-lhe que espere um pouco, enquanto eu vou buscar os resultados
dos exames médicos ao meu quarto, para lhe mostrar. E reze por mim, para que
tudo dê certo…
Vasco fica surpreso por ser Dolores a abrir a porta e pergunta se está
tudo bem com Marta.
Vasco fica só, na sala e, nesse momento, sente-se invadido por uma
profunda saudade da serenidade que Marta lhe transmite, do amor muito terno
que ela lhe dava, da tranquilidade que sentiu e viveu naquela casa.
90
pai de novo. E, em relação a isso, fui, desde o início, honesto contigo. Disse-te
sempre que não queria filhos, recordas-te?
– Claro que sim. Acontece que não foi nada que eu tenha planeado,
tomei sempre a pílula, no entanto, estou grávida, o que é que queres? Queres
que te peça desculpa? Então, desculpa lá por o destino nos ter pregado esta
rasteira, desculpa lá por estar grávida…
Quanto ao fazer algo, se te referes a um aborto sabes bem o que eu penso
acerca disso.
Também eu não estava à espera de ficar grávida, mas fiquei e estes bebés
são muito desejados e vou tê-los independentemente da tua vontade.
– Eu como pai também tenho uma palavra a dizer, ou não?
– Claro que sim. Se quiseres assumir o teu papel de pai. Mas, se o que
pretendes é que eu faça um aborto, deixas de ter direito a qualquer opinião!
Estes bebés vão, seguramente, alterar muito mais a minha vida do que a tua
mas, vão nascer e, vão ser muito amados. Desculpa mas tenho que ser egoísta
por mim e por eles. A única coisa que te peço é que reconheças a paternidade.
Se tiveres alguma dúvida quanto a isso sabes bem que se pode fazer um teste de
ADN.
– Se colocas as coisas nesses termos! Sabes bem da minha situação
financeira e, neste momento, não tenho qualquer hipótese de assumir mais
encargos, e os filhos dão muitas despesas…
– Por acaso, não faço a menor ideia do que estás a falar! Não me recordo
de alguma vez me falares acerca da tua situação económica… Mas isso, graças a
Deus, não é um problema pois eu estou numa fase de vida de grande desafogo
financeiro, pelo que posso assumir sozinha as despesas inerentes à gravidez e
maternidade. Estou, aliás, a planear contratar alguém para me fazer as limpezas
da casa e me ajudar com os bebés. A Dolores irá continuar a dar-me apoio de
secretariado. E os meus pais já se prontificaram para me ajudar no que for
preciso.
– Mas não é só o dinheiro! É tudo… Eu não desejo que estes bebés
nasçam!
– Essa é uma decisão que não está nas tuas mãos! E já que não queres
cooperar peço-te o favor de, pelo menos, não atrapalhares… Esta é uma
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gravidez que requer alguns cuidados extra devido à minha idade e eu não
quero perder os bebés, considero-os uma bênção pelo que são demasiado
preciosos para mim.
Peço-te, pelo que vivemos juntos, que não tomes nenhuma decisão
apressada de que te possas vir a arrepender! Deves ponderar muito bem…
– Mas vai ser extremamente duro para ti, teres que trabalhar e tratar,
sozinha, de gémeos…
É mesmo isso que queres?
– Sim. E como deves calcular não vou estar só! Apenas te peço que
assumas o teu papel de pai, no sentido de estares presente sempre que
necessário. E eu faço questão que os meus filhos conheçam e convivam com o
pai, até porque tu não morreste.
Não te estou a pedir que cases ou venhas viver comigo, pois isso não faz
qualquer sentido. E dou-te a minha palavra de honra que os gémeos nunca irão
ser um instrumento de pressão ou chantagem.
Pensa no assunto e dás-me uma resposta quando estiveres mais calmo,
mais consciente das implicações que este meu pedido trará para a tua vida.
– Ainda não acredito, como é que isto foi suceder Marta?
– Não me admira que estejas atordoado com tudo isto, se mesmo eu
ainda sinto que estou a viver um sonho.
É uma verdadeira bênção!
Estou muito feliz não o vou negar. Tu sabes que eu desejava muito ter
um filho e que até já estava a considerar a hipótese da adopção.
– OK! Olha Marta preciso de ficar a sós, para reflectir sobre tudo isto…
Eu depois ligo-te. Não me leves a mal a minha reacção. Desculpa lá se não me
mostro tão optimista e feliz quanto tu, mas tenho as minhas razões.
Marta acompanhou Vasco à porta. Quando ele se afastou ela sentiu uma
profunda calma e, naquele momento, soube que tudo iria correr pelo melhor.
Pensou:
– Vasco vai ser um bom pai, por muito que essa ideia o assuste agora. Ele
é, apesar de tudo, uma pessoa generosa. Tem as suas fragilidades, as suas
inseguranças, como qualquer ser humano.
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Os dias foram-se seguindo uns aos outros. Marta dava cada vez mais
atenção aos filhos que carregava dentro de si, e às questões práticas que se
impunham: a compra dos biberões, chuchas, roupa, fraldas, decoração do
quarto, etc. …
Vasco, após um período inicial de rejeição da ideia de ser pai, que durou
cerca de um mês, tem-se mostrado um pai interessado. Telefona todos os dias a
Marta para se inteirar se está tudo bem. Tem a visitado muitas vezes e apesar
de não ser capaz de o admitir, está feliz com a gravidez. Basta ver o ar
enternecido com que olha para a barriga de Marta.
Marta, por diversas vezes, ficou com a sensação que Vasco gostaria de
acariciar a sua barriga, de tentar sentir os seus filhos, no entanto, como ele
nunca tomou a iniciativa de lho pedir, ela nada diz. A última coisa que ela
pretende é que ele se sinta pressionado a algo… A sua relação está muito bem
assim, não pretende que uma precipitação sua possa estragar a base de
diplomacia e entendimento que se foi estabelecendo entre eles.
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XXX – SEGUNDA ECOGRAFIA
Marta está ansiosa e esperançada que, desta vez já se consiga ver o sexo
dos gémeos.
Ao longo dos últimos meses, Marta, não só confia no seu médico como
foi desenvolvendo uma relação de amizade com ele. Francisco tem sido o seu
“porto de abrigo” sempre que sente algum desconforto.
94
Como é que o Vasco irá reagir?
Logo que chegou a casa fez uma festa, primeiro contou à Dolores e
depois pegou no telefone e informou os pais. De seguida ligou para o Vasco e,
mais uma vez, pediu-lhe que viesse a sua casa, a pretexto de lhe mostrar o
vídeo da ecografia.
Está felicíssima!
Vasco veio logo que lhe foi possível e estava nitidamente excitado.
Quando Marta lhe disse que tinha uma surpresa para ele ficou feliz e voltando-
se para ela disse-lhe:
– São meninas? É isso, Marta?
– Não Vasco é um casalinho.
– Marta tu não páras de me surpreender primeiro a gravidez e agora um
casal. Estou feliz por ti, cumpriu-se o que mais desejavas.
Deixa-me abraçar-te!
Desde que me disseste que estavas grávida não parei de reflectir, e
cheguei à conclusão que não foi por acaso que ficaste grávida!
Eu estava a precisar de um pequeno empurrão para me reencontrar.
Tenho andado muito perdido de mim mesmo, mas agora acho que já começo a
ver qual o rumo que devo dar à minha vida.
No outro dia dei comigo a recusar uma menina de vinte e três anos que
tem tudo no sítio. Desculpa estar a ser franco contigo… mas, se há alguém neste
mundo que merece que eu seja sincero, és, seguramente, tu. Tens-me dado
tanto, nunca me recriminaste, nem nunca me julgaste.
Reconheço agora que fui injusto contigo e peço-te que me desculpes, se
fores capaz de mais esse gesto de generosidade!
Prometo que vou ser um bom pai para os nossos filhos, apenas preciso
que me dês um pouco mais de tempo para reorganizar a minha vida. Penso
que, se tudo correr bem, até ao nascimento dos gémeos vou ter as coisas
encaminhadas.
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– Sabes bem que acredito em ti. Consigo ler nos teus olhos que estás a ser
sincero. E nunca duvidei que és capaz de ser um bom pai para os meus filhos,
mesmo dadas as circunstâncias, isto é, o facto de não sermos casados e já não
mantermos uma relação de amor.
– Obrigado pelo voto de confiança. Isso é importante para mim. Mas não
preciso de te o dizer pois não? Tu sabes que é verdade. Vou-te só pedir mais
uma coisa, posso?
– Claro que sim, Vasco.
– Posso vir cá a casa visitar-te todos os dias, prometo que não vou tentar
nada… Apenas quero seguir mais de perto esta gravidez, e talvez possa
acompanhar-te às consultas. Não quero que me interpretes mal, eu estou
mesmo interessado e faço questão de te ajudar em tudo o que esteja ao meu
alcance.
– Por mim tudo bem… mas como é que a Rita vai aceitar isso? Eu não
quero que ela recomece com os telefonemas anónimos, porque se comecei por
achar piada à sua cobardia, neste momento já estou um pouco cansada. Agora
sou eu que te peço desculpa pela franqueza. Sei que gostas dela e não quero
interferir na vossa relação.
– Em relação à Rita fica descansada, é um assunto que eu tenho que
tratar de uma vez por todas. As coisas já se arrastam há muito tempo, ela
merece ser feliz ao lado de um homem que a ame de verdade.
Eu nem me reconheço Marta! Tu estás a ver o mesmo que eu? Estou a
crescer! Obrigado por tudo Marta. Agora vou até casa até porque deves estar a
precisar de descansar, é muita emoção para um dia só. Fica bem querida. Até
amanhã. Se necessitares de mim sabes como me contactar…
Não precisas de me acompanhar à porta, eu sei o caminho.
Marta nem quer acreditar que Vasco se tenha modificado tanto, em tão
pouco tempo. E pensa:
– O povo tem um ditado que descreve na perfeição estas transformações
tão bruscas: quando a esmola é grande até os Santos desconfiam! Assim estou eu…
Quero muito acreditar em Vasco, mas tenho receio que ele não consiga ir até ao
96
fim nas suas decisões. Mas, não me vou preocupar com isso agora, o tempo o
dirá…
Foi um imenso choque para Vasco, que não estava nada à espera que tal
sucedesse. Tinha-se encontrado com o tio na semana passada e este estava,
aparentemente, bem de saúde. Pensou:
– É bem verdade que para morrer basta estar vivo! Alguma vez pensei
que ele podia ter uma trombose e morrer disso, estive com ele há tão pouco
tempo e vendia saúde, velhote, é um facto, mas perfeitamente lúcido e com uma
vitalidade de meter inveja a muitos jovens, pobre tio… E agora com quem é que
vou desabafar? A quem é que vou pedir conselho quando tudo o que faço sai
errado?
97
Está duplamente triste! Faleceu uma das pessoas que mais amava, e face
a esta perda irreparável apercebe-se que já lhe restam tão poucas vivas, aliás, o
que mais o aflige é o receio de que algumas delas estejam irremediavelmente
longe ou que já seja demasiado tarde para corrigir alguns dos seus erros! Como
gostava que o tempo pudesse voltar a trás para lhe agradecer pessoalmente.
Há cerca de três meses e meio que consulta regularmente, uma vez por
semana, o psicólogo Rogério Couceiro, e está profundamente satisfeito com os
resultados: sente-se, menos perdido, menos ansioso e percebeu que Marta, à sua
maneira, o ajudou e contribuiu para que despertasse nele a vontade de querer
encontrar-se e ser uma pessoa melhor.
XXXII – A HERANÇA
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– De facto assim é. Eu sou o advogado do seu falecido tio. Emanuel
Serafim. Quero antes de mais apresentar-lhe os meus pêsamos. Estou aqui a
cumprir a última vontade do seu tio. Ele encarregou-me da leitura do
testamento no dia do seu enterro.
– Testamento?! Mas o tio Luís era uma pessoa tão humilde! Nunca lhe
conheci riquezas, nem grandes bens pessoais. Mas seja, se me disser onde é o
gabinete eu encontro-me lá consigo.
– Tenho que concordar consigo o seu tio era uma pessoa muito humilde
e generosa.
Agradeço-lhe a disponibilidade. Já convoquei os seus primos. Se quiser
pode seguir-me, o meu carro é aquele ali, o preto. Prometo que não lhe vou
roubar muito tempo.
Para grande desgosto dos seus cinco primos e primas, que consideraram
injusto serem excluídos do “bolo”, apesar de nenhum deles fazer a menor ideia
de que “bolo” se tratava.
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Luís Valente da Costa conhecia muito bem os sobrinhos que tinha e,
precisamente por isso, optou por dividir o testamento em duas partes para
evitar discussões e situações embaraçosas a Vasco.
O tio Luís tinha em Vasco o seu sobrinho preferido, o mais meigo, o mais
amigo e desprendido.
E era o momento ideal para lho aconselhar, Vasco vira terminar a sua
relação com a única mulher que alguma vez amou. Apesar de não conhecer
pessoalmente Marta, parecia-lhe que era de facto a única capaz de modificar
Vasco, precisamente pela via do amor.
Viu como Vasco estava feliz quando lhe comunicou que ia ser pai e a
enorme alegria que sentiu por essa gravidez ser de gémeos.
100
Os primos apesar de contrariados tiveram que sair da sala. Vasco ficou a
sós com o advogado que lhe deu conta da relação de bens que o seu tio lhe
testamentou, na qual contemplou o seu filho Bruno Miguel e os gémeos. E que
era a seguinte:
– Uma quinta, de sessenta hectares, com casa senhorial e acomodações
para rendeiros, em Leiria;
– Uma quinta, de oitenta hectares, com casa senhorial e de rendeiros,
mais cavalariças com doze cavalos Lusitanos, puro-sangue no Ribatejo;
– Uma quinta, de cem hectares, com palacete, do séc. XVIII, casa de
rendeiros, cavalariças com dez puro-sangue Lusitanos, e oitenta e três touros,
duzentas vacas e vitelos, e um enorme rebanho de ovelhas, em Almodôvar;
– Uma residencial de doze quartos em Coimbra;
– Doze apartamentos: seis em Vila Moura, três em Coimbra, dois no
Porto e um em Castelo Branco;
– A casa em que viveu até ao dia da sua morte, uma vivenda apalaçada
do início do século, em Bragança; e,
– Além de tudo isso, duzentos e setenta mil euros, que pode movimentar
a partir da data de leitura do testamento.
101
Quando Vasco regressou a casa, estava como que anestesiado,
profundamente abalado pela morte do tio, mas também pela enorme surpresa
que o tio lhe reservara.
Precisava de tirar uns dias para gerir tanta informação: tamanha fortuna;
mas isso iria ter que ficar para depois agora precisava de se concentrar no
projecto que tinha em mãos.
XXXIII – PRESSÕES
Rita vira-se forçada a ficar em casa dos pais durante os dois dias em que
Vasco estivera ausente.
Mal soube que Vasco já estava de volta, apressou-se a ir ter com ele. E fê-
lo em tão boa altura que Vasco lhe pediu que o deixasse a sós pois tinha um
trabalho cuja data limite de entrega já expirara e que precisava de terminar
impreterivelmente até ao fim da semana, e só lhe restavam três míseros dias!
Rita sentiu que estava a ser posta de lado, ou melhor, a ser posta na rua.
Ela que tanto o ajudara e que estava sempre a dar a outra face!
102
está insuportável desde há muito, e eu pura e simplesmente cansei-me das tuas
exigências.
Se não faço a vontade à menina tenho cenas e amuos. Tenho sido muito
paciente contigo apesar de me infernizares a vida. Se falo com uma amiga é
porque isto ou aquilo… não sou casado contigo e que me lembre nunca se
colocou tal hipótese, tu sempre aceitaste as minhas regras. Sempre te disse que
não queria compromissos com ninguém, que não queria prisões!
– Pois é, já tens outra. Ou melhor, é essa puta da Marta que está a dar-te
a volta à cabeça, os gémeos... eu sempre soube que ela te estava a chantagear,
fez isso tudo só para te apanhar… e tu estás pelo beicinho, és mesmo um idiota.
– Chega de delírios. A Marta não é perdida nem achada na nossa relação
que nunca esteve bem, nem antes nem depois de ter conhecido a Marta. E
proíbo-te de tentares seja o que for com Marta. Ela não merece que a perturbem
já lhe chega o mal que eu lhe fiz.
Desculpa se estou a ser bruto contigo mas não suporto mais as tuas
histerias. Peço-te que me desculpes se fores capaz por todas as situações em que
te coloquei, sei que fui um pulha contigo, que te magoei muito, e estou muito
arrependido disso e envergonhado. Agora preciso mesmo de um pouco de
sossego para poder terminar este projecto. Eu depois ligo-te. Estou
profundamente arrependido de te ter feito sofrer e vou fazer o que estiver ao
meu alcance para te compensar pelos anos que passaste ao meu lado a aturar as
minhas neuras.
– Eu nem acredito no que estou a ouvir! Tu já nem és o Vasco que eu
conheci. Desde que te meteste com essa gaja que não te reconheço…
– Vamos parar por aqui. A verdade é que eu não te amo e nunca te amei.
Mas só agora me apercebo disso. Eu tentei. Juro pela alma da minha mãe que
tentei, e só Deus sabe quanto, mas o sentimento nunca esteve presente.
– És um sacana da pior espécie.
– Não vamos entrar em discussões. Não te quero magoar mais. É melhor
assim. Vamos pôr um ponto final numa situação de faz de conta que não
engana ninguém, excepto nós mesmos. E agora preciso mesmo de trabalhar.
Não sei bem como, mas tenho que terminar ainda hoje o projecto. Amanhã
quero apresentá-lo para uma primeira discussão…
103
– És um reles, estou farta disto tudo. Tu não vales nada!
Os meus pais tinham razão e eu é que nunca quis acreditar, nem ouvir
falar mal de ti, sempre te defendi…
– O.K., tens razão. Eu fui mesmo muito sacana contigo, mas isso é
passado, já te expliquei que estou sinceramente arrependido e que não quero
perpetuar uma situação que só te faz sofrer e que me faz ter nojo de mim
mesmo. Agora, por favor, deixa-me trabalhar. Peço-te que vás arrumar as tuas
coisas e quando acabares de o fazer não te esqueças de me dares as chaves de
casa.
Vendo que não ia conseguir demover Vasco, Rita decidiu fazer o que ele
lhe pedia deixando, no entanto, uns quantos pertences pensando que em breve
já estaria de volta. Este truque resultara muito bem no passado, e era o tão
ambicionado pretexto para lá voltar e fazer as pazes.
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Rita foi surpreendida com esta reacção de Vasco. E, nesse momento,
apercebeu-se que, pela primeira vez, Vasco estava a ser sincero e o que mais a
magoou foi ver em Vasco um homem convicto e seguro de si. Aquele homem
que ela tanto desejara e que nunca conseguira ter junto de si, no seu colo. As
lágrimas caíram pelo rosto sem que Rita fosse capaz de se controlar. Agora
sabia que estava tudo terminado entre eles e que nunca tivera verdadeiramente
Vasco. Como era triste aperceber-se disso, ao fim de tantos anos e de outras
tantas brigas.
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XXXIV – “LIMPEZA GERAL”
Mais do que o fim de uma profissão de que Vasco não gostava era, acima
de tudo, o encerrar de um ciclo de vida e, desta vez, fizera-o com chave de ouro.
O seu tio Luís, se fosse vivo, haveria de se orgulhar dele, neste momento.
Depois disso ligou ao seu psicólogo a marcar uma consulta extra, pois
por razões óbvias, o enterro do tio, faltara à sua última marcação. E precisava,
hoje mais do que nunca falar com alguém e quem melhor do que um bom
profissional?
106
Decide jantar em casa. Dirige-se para a cozinha, abre o frigorífico e ao
olhar para dentro vê uma enorme quantidade de caixas e caixinhas, os restos de
comida, que Rita tanto gostava de armazenar, durante semanas, muitas vezes
até se estragarem. E pensa:
– Se quero mesmo encerrar um capítulo da minha vida também vou ter
que contratar uma firma para me fazer a limpeza da casa. Quanto à limpeza do
frigorífico “não guardes para amanhã o que podes fazer hoje”, que belo ditado
este!
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Às nove e meia quer estar na empresa para entregar e discutir o
rascunho final do projecto com o cliente. Faz questão de acompanhar este
projecto até ao fim, o que corresponde sensivelmente a mais um mês de
trabalho. Depois disso vai apresentar a sua carta de demissão.
Pela primeira vez na vida, vai fazer bem a um estranho. Com a sua saída
da empresa abre uma vaga para um criativo, com certeza, mais motivado e
seguramente alguém com mais sentido de responsabilidade que ele.
Por volta do meio-dia quer estar no balcão do Banco para falar com o seu
gerente de conta a fim de saldar as suas dívidas, junto da instituição bancária.
Quer-se encontrar com o seu grande amigo Henrique Colaço por volta
da uma da tarde, para lhe agradecer, uma vez mais, a ajuda e o apoio
incondicional que lhe deu ao longo de todos estes anos, mais de quinze anos.
Este é um amigo com “a” maiúsculo, quando precisou ele esteve sempre lá para
o ouvir e apoiar, muitas vezes discordou dele no entanto nunca o recriminou de
nada. Está agora em condições de saldar a sua dívida financeira, no entanto,
mantém-se uma dívida maior, a dívida de gratidão e essa nunca a conseguirá
pagar, por mais anos que viva.
Desta vez, faz questão de ser ele a pagar o almoço no melhor restaurante
da cidade, Henrique bem o merece.
O seu futuro vai tomar um rumo bem diferente, vai ter que aprender a
gerir as suas propriedades e os rendimentos das mesmas. Não quer, por
incompetência ter que vir a vender alguma delas. São demasiado preciosas, não
pelo seu valor de mercado, mas pelo valor afectivo. Para isso, tenciona pedir
ajuda à mulher que ama.
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certeza que se vai sentir uma mulher realizada. Talvez assim, ele possa
reconciliar-se com o seu passado, se conseguir que Rita reencontre a felicidade
já terá valido a pena realizar-lhe este seu grande desejo e um dia, quem sabe,
talvez ela possa realizar o maior sonho da sua vida casar e ter filhos! Ela bem o
merece depois de tudo o que já sofreu…
Quer conquistar o amor de Marta mas, desta vez, não quer, de forma
alguma, fazer nada errado. Vai ter que se aconselhar junto do Dr. Rogério.
Pretende pedir Marta em casamento no dia em que nascerem os gémeos. Esta é
uma ideia que tem vindo a tomar forma nos últimos tempos e que cada vez
mais lhe agrada. Desde a última conversa que teve com o tio Luís que ficou com
a certeza que é esse o seu maior desejo, casar com a mulher que ama com todas
as fibras do seu ser. Se o tio fosse vivo seria o padrinho e como ele se
orgulharia!
Até lá vai ter algum tempo para reconquistar Marta, para mimá-la,
namorar e fazê-la muito, muito feliz.
Amanhã vai fazer uma surpresa a Marta, vai convidá-la para saírem e se
ela aceitar vai levá-la à sua loja de móveis favorita para aí escolher o mobiliário
para o quarto dos gémeos. De certeza que ela vai adorar a surpresa.
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Um belo colar de ouro branco com três pequenas pérolas cinzentas,
ladeadas, cada uma, por dois lindos diamantes. Entrou para perguntar o preço.
Uma vez no interior e tocando no colar, não resistiu e decidiu que esta era uma
prenda que Marta merecia por ter suportado de forma tão digna a sua péssima
e inqualificável reacção à notícia dos gémeos.
Dali foi directo para o carro e, quando chegou à aldeia, parou frente à
casa de Marta para lhe fazer as surpresas.
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– Desculpa, distrai-me completamente.
– Estás desculpada. E para que me desculpes de aparecer sem avisar
aqui está esta flor que estava em falta no teu jardim. Agora se me dás licença,
gostava de te dar um beijo de boa tarde. Posso?
– Obrigada Vasco. Como é que tu sabias que eu gosto de camélias
brancas?
– Sabes esse é o segredo do artista, como deves calcular não o posso
revelar.
– Devo ter comentado contigo a respeito…
– É óbvio Marta. Agora quero convidar-te a vires dar um passeio
comigo, para poderes relaxar um pouco. Prometo que não vou tentar nada de
estúpido. Preciso de conversar contigo uma série de coisas.
– Por acaso até vou aceitar o convite. Estou a precisar de ir ao Fórum
fazer umas compras e se não te importas vou aproveitar a condução.
– Mas que coincidência! Eu estava a pensar em ir contigo ao Fórum para
comeres um daqueles gelados italianos que tanto gostas…
– Então vou só buscar a carteira e um casaco, não vá arrefecer… Eu não
me posso constipar.
Só te peço que não me faças nenhuma das tuas outras propostas.
– Palavra de honra que o não farei. Só te quero proporcionar uma tarde
agradável, sem segundas intenções, pela alma da minha mãe…
– Pára Vasco! Não precisas de chamar quem já morreu… deixa a tua mãe
descansar em paz.
– Peço desculpa Marta, este é um mau hábito que ainda não consegui
alterar.
Marta sentia-se feliz. Pressentia que aquela iria ser uma tarde bem
agradável.
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Enquanto dirigia Vasco contou a Marta da morte do tio Luís Valente da
Costa, e da enorme surpresa que este lhe fizera.
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Tens sido uma mulher muito corajosa ao assumires esta gravidez
sozinha. Mas, de hoje em diante, gostaria de estar mais presente na tua vida.
– Sabes que não precisas de me oferecer a mobília para os gémeos mas se
fazes questão. Tenho mais é que agradecer a tua generosidade – dito isto, as
lágrimas, tantas vezes reprimidas, irromperam. Marta limitou-se a acrescentar –
Desculpa, mas estou muito emocionada…
– Não chores Marta! Não tenho qualquer intenção em te magoar de
novo. Quero redimir-me junto de ti por todo o mal que te fiz. Desculpa-me.
– Estás desculpado Vasco, há muito que o fiz. Vamos lá às compras que
eu detesto estas minhas lamechices, agora choro por tudo e por nada. Tudo me
comove…
– Dizem que as mulheres quando estão grávidas ficam mais sensíveis, é
perfeitamente normal que também tu te sintas mais vulnerável.
Sabes o meu psicólogo tem-me dito cada coisa… Espera lá…
Ainda não tinha comentado contigo que ando no psicólogo à, mais ou
menos, três meses e meio!
– Ah sim? Então agora está explicada a tua grande transformação.
Estavas a fazer segredo, ou tinhas vergonha de dizer que consultavas um
psicólogo?
– Nem uma coisa nem outra. Estava à espera do momento ideal para te
dizer. A Rita também não sabe, e nunca o irá saber. Aliás, com ela não quero
mais conversas, nos tempos mais próximos. Vou ter que lhe telefonar a dizer-
lhe que a minha advogada vai entrar em contacto e talvez um dia possamos
voltar a ser amigos.
– Vasco sabes bem que por mim ficava a ouvir-te a tarde toda, mas a
realidade chama-me, está-se a fazer tarde e eu ainda não comprei o que preciso.
Como era hora de jantar, Vasco convidou Marta para ir com ele a um
restaurante super simpático, que ela gostava muito. Marta não se fez rogada e
aceitou prontamente, até porque não se estava a ver a chegar a casa dali por,
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sensivelmente, meia hora e ainda ir cozinhar uma refeição só para si. Sentia-se
um pouco cansada, ou melhor, verdadeiramente exausta.
Sente-se feliz por estar de novo ao lado da mulher que ama, embora não
ouse sequer abordar o assunto, até porque tem noção que este não é o momento
ideal para iniciar uma relação de amor.
Primeiro tem que arrumar muito bem as ideias, conferir ordem no caos
que foi a sua vida, e só depois pode pensar em ter uma conversa com Marta. A
morte do tio deixou-o muito abalado. Se a sua herança já lhe está a facilitar a
vida: com ela pôde saldar todas as suas dívidas; a verdade é que preferia ter o
tio ao seu lado…
XXXVII– O COLAR
Findo o jantar Vasco conduziu Marta de volta a casa. Uma vez aí,
ajudou-a com os sacos, isto é, fez questão de ser ele a carregar todas as compras
para casa. Marta não se opôs, até porque se sentia exausta.
Pouco depois entra Marta, com um café para Vasco e o seu copo de leite.
Entrega-lhe a chávena de café e quando vai pousar o copo de leite apercebe-se
que, em cima da mesa está um presente, mas não pensou que fosse para si. Só
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quando Vasco, passados alguns minutos lhe perguntou se não ia abrir o
embrulho é que percebeu que era para si.
– Marta por favor, apenas te quero fazer feliz, não te quero pôr a chorar,
minha querida!
– Estou a chorar de felicidade. Hoje as surpresas têm-se sucedido umas
às outras, a uma velocidade que mal tenho tempo de me recompor do choro já
estou a ser alvo de mais uma.
O colar é lindíssimo, mas ainda não me disseste porque é que mo estás a
dar!
– Esta é a minha forma de te pedir desculpa pela péssima, e
imperdoável, reacção que tive, de início, a esta gravidez.
A verdade é que se não fosses tu e também os gémeos, eu ia continuar a
ser aquele ser desprezível em que me fui transformando, que não respeitava
nada nem ninguém…
Peço desculpa por todo o mal que te fiz, por todo o sofrimento,
desnecessário, que te…
– Não precisas de me pedir desculpa por nada. Se tu me fizeste sofrer a
verdade é que eu também permiti que isso sucedesse.
Da minha parte estás desculpado, só te peço que de futuro, estejas
atento, para não fazeres sofrer os teus filhos.
– Prometo-te. Por tudo o que há de mais sagrado, que vou fazer os
possíveis, e os impossíveis também, para que nada falte aos meus filhos.
Penso que chegou o momento de me ir embora, tu estás exausta, precisas
de descansar. Tenho ainda muita coisa a conversar contigo mas isso pode
esperar. Talvez possamos conversar amanhã a horas mais decentes.
Não precisas de me acompanhar.
– Faço questão em te acompanhar à porta. Mas primeiro deixa-me
agradecer condignamente todas as surpresas que me fizeste hoje – e, ao mesmo
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tempo que dizia isto, Marta abraçou Vasco e sussurrou-lhe um “muito
obrigada” ao ouvido. Depois, olhando-o, bem fundo nos olhos, beijou-lhe
suavemente os lábios.
– Obrigado por tudo Marta. Até amanhã minha querida, isto é, se tu não
te importas que eu venha cá amanhã. Posso?
– Claro que sim Vasco.
– Antes de sair gostava só de te pedir uma coisa. Há já algum tempo que
ando com vontade de fazer isso, mas não tenho tido coragem, e penso mesmo
que, na altura, não fazia o menor sentido.
Dás-me licença que coloque a minha mão sobre a tua barriga para sentir
os meus filhos? – e ao dizer isto, foi a vez de Vasco se emocionar. Uma lágrima
rolou-lhe pelo rosto.
Marta pensou:
– Este é o Vasco por quem me apaixonei. – E voltando-se para ele disse-
lhe:
– Podes sim Vasco.
E é frequente pensar:
– Como a vida é simples e como o ser humano é perito em complicá-la!
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A sua proximidade com Marta levou-o a descobrir o prazer em coisas tão
simples como contemplar a natureza, fazer jardinagem ou, apenas ficar alguns
momentos a observar os gatos a brincar, no final da tarde.
Viveu culpabilizado por não ter estado mais próximo da mãe quando lhe
foi feito o diagnóstico da sua doença terminal e a respectiva previsão de vida.
Em vez de lhe dizer o quanto a amava e de a acarinhar no fim da sua vida,
andou a perder-se nos braços de qualquer uma. Interroga-se agora como pôde
ser tão insensível, porque é que para ele é tão difícil expressar os seus
sentimentos as suas emoções.
Apesar de todo o lixo da sua vida passada há uma coisa muito positiva, é
que ficou a memória da experiência vivida, e com ela a possibilidade de não
voltar a cometer os mesmos erros.
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XXXIX – PEDIDO DE NAMORO
Optou por desenhar ele mesmo a aliança e solicitar a sua feitura junto de
artífice de ourivesaria, daí resultou um finíssimo trabalho de filigrana em ouro
velho, no qual estavam incrustados dois pequenos diamantes, que simbolizam
os gémeos.
Marta estava à espera que Vasco abordasse o assunto, mas nunca pensou
que ele o fizesse de uma forma tão bela. Ele pediu-lhe que organizasse um
pequeno jantar com os pais dela e o seu pai.
Dissimulou tão bem a verdadeira intenção que ela ficou convencida que
era apenas um jantar convívio para que a família mais próxima de ambos se
pudesse conhecer melhor.
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Está a sair-se lindamente com a gestão dos bens que herdou do tio Luís e
até já começou a diversificar o ramo de actividade. Neste momento está a
investir no sector imobiliário. Compra montes com casas em ruínas, reconstrói e
vende-as.
Ao lado de Vasco, Marta sente que o tempo voa e está ansiosa por ter nos
seus braços os filhos que tanto deseja e ama.
XL – O AMOR CURA
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Vasco, para selar o pedido oficial de casamento, ofereceu a Marta uma
aliança de noivado em ouro branco, cravejada de diamantes. E fez questão de
assinalar o momento mais importante da sua vida: o nascimento dos gémeos.
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Percebeu que tem estado deprimido, quase desde sempre, aprendeu a
gerir a sua agressividade, as suas emoções e está pronto para amar a vida.
XL – E RITA...
Mas há dois meses atrás ele fez-lhe uma enorme surpresa, telefonou-lhe,
convidou-a para ir a sua casa e quando ela lá chegou ele deu-lhe um lindo ramo
de flores, no meio do qual estava uma pequena caixa. Quando ela a abriu viu
que continha um pequeno solitário. Nesse momento ele perguntou-lhe se ela
queria namorar com ele e, quem sabe talvez casar...
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Rita foi colhida de surpresa e, naquele momento, sentiu-se a mulher
mais feliz do mundo. Sente-se amada, importante, não aquele objecto que se usa
e deita fora, que tantas vezes a fez sentir.
FIM
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