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“… O amor só dá de si mesmo,

E só recebe de si mesmo.
O amor não possui
nem quer ser possuído.
Porque o amor
basta ao amor…”
Khalil Gibran, O Profeta
Índice
I – Preferências........................................................................................1

II – Opções de vida ................................................................................4

III – Amores e desamores......................................................................5

IV – Os vizinhos.....................................................................................7

Zé Manias............................................................................................8
Duarte Pintassilgo..............................................................................9
Josué Gomes......................................................................................10
Vasco Valente....................................................................................10
Raul Pimpão......................................................................................11
Maria José..........................................................................................13
Gabriela Flores .................................................................................14
V -- Despertar de um Interesse..........................................................15

VI – Estratégia.......................................................................................16

VII – Vasco: o Homem.........................................................................19

VIII – Uma namorada..........................................................................24

IX– Fazer as pazes................................................................................27

X – A visita............................................................................................32

XI – Impressionados............................................................................38

XII – Intimidade....................................................................................41

XIII – Esquemas....................................................................................43

XIV – A surpresa..................................................................................44

XVI -- Faz-se luz...................................................................................46


XVI – Prepara o terreno.......................................................................48

XVII – A Secretária...............................................................................49

XVII – Uma manhã de trabalho.........................................................51

XVIII – O almoço..................................................................................54

Confidências.....................................................................................57
Recordações.......................................................................................61
XIX – Ciclone Rita................................................................................62

XX – A técnica.......................................................................................67

XXI – Reflexões.....................................................................................69

XXII – Insónias......................................................................................70

XXIII– Operação Stop..........................................................................71

XXIV – Cobardia...................................................................................73

XXV – Tomada de consciência...........................................................78

XXVI – Coincidências..........................................................................81

XXVII – Desejos....................................................................................83

XXVIII – Confirmação.........................................................................87

XXIX – A boa nova...............................................................................88

XXX – Segunda ecografia....................................................................94

XXXI – Morte do tio.............................................................................97

XXXII – A herança................................................................................98

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XXXIII – Pressões................................................................................102

XXXIV – “Limpeza Geral”................................................................106

XXXV – Nova vida.............................................................................107

XXXVI – Ida às compras....................................................................109

XXXVII– O colar.................................................................................114

XXXVIII – A transformação radical.................................................116

XXXIX – Pedido de namoro..............................................................118

XL – O amor cura...............................................................................119

XL – E Rita...........................................................................................121

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I – PREFERÊNCIAS
Lá fora chove torrencialmente e o tempo promete transformar-se numa
verdadeira tempestade, típica da zona serrana. Já se houve o intenso ribombar
dos trovões, que faz estremecer as rochas, logo seguidos dos espectaculares
relâmpagos.

Marta Figueira, do interior do gabinete de trabalho, em sua casa,


contempla a beleza do jardim atapetado a relva com lindas ilhotas de lavanda,
rosmaninho, e alecrim.

Junto dos muros estão plantados hibiscus, buganvílias, e dracaenas.

Fascinada com tanta beleza, pensa:


– Como as plantas agradecem os cuidados que lhes dispensamos. Em
menos de um mês e já têm praticamente o dobro do tamanho.

Sente-se orgulhosa. Constata que cada vez gosta mais da sua nova casa.
Uma moradia uni familiar, de piso térreo em L, com uma volumetria de
duzentos e quarenta metros quadrados.

O arquitecto responsável pelo projecto fez um bom trabalho e seguiu à


risca as suas indicações.

Marta restaurou e ampliou as ruínas existentes no Monte Giesta e fez


questão em manter o traçado arquitectónico de sua casa dentro do típico
algarvio.

Em relação ao espaço interior optou por o adaptar ao conforto dos


tempos modernos.

O resultado final satisfá-la plenamente. Tem uma casa de linhas direitas


com janelas panorâmicas de acesso directo ao exterior, em todas as divisões:
duas suites uma delas, a de Marta, com lareira; dois quartos servidos por uma
casa de banho ao centro; um gabinete de trabalho/biblioteca; uma zona de open
space (sala comum com lareira e cozinha equipada com encastráveis Mièle); e

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uma pequena lavandaria. A casa está voltada a norte e possui aquecimento
central através da lareira.

No exterior, uma bela piscina de cinco por doze metros e, como não
podia faltar, um jardim à volta da casa e piscina – o seu tão amado jardim.

Vive há sete meses, perdida no meio da serra algarvia, rodeada de


vegetação e bichos.

As árvores que mais a impressionam são: as velhas alfarrobeiras cujos


troncos retorcidos e com buracos mais parecem esculpidos. As amendoeiras, tão
belas quando floridas como quando despidas de folhagem. E, os velhos
sobreiros com a sua enorme copa e os seus belíssimos troncos.

A par da flora também gosta de observar a fauna.

O ruído típico das cobras quando se deslocam, ao sentirem a


aproximação de um qualquer perigo. Os ratos do campo que, para se
alimentarem, juntam as duas patas da frente para segurar o alimento e, por
vezes, mais parecem estar sentados sobre as patas traseiras.

As mais diversas aves: umas pequeníssimas, outras bem maiores, com


plumagem discreta ou mais vistosa, algumas com um canto diversificado,
maravilhoso, outras há que parecem repetir uma sequência de notas vezes sem
conta. Os sapos gorduchos que gostam de sair da terra nos dias invernosos de
chuva, com a sua pele viscosa. As osgas, lagartixas e camaleões.

Mas, entre todos os animais, o que lhe dá mais prazer observar é o gato.

Ao fim da tarde, vêm para junto de sua casa três gatitos que ela adora
ver a brincar, uns com os outros. Dão pulos e cambalhotas, sobem às árvores
com uma rapidez e agilidade surpreendentes. São verdadeiros acrobatas. E o
cuidado que dispensam à sua higiene!

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O carinho e atenção que a mãe lhes dispensa é de facto edificante e vê-los
dormir é algo de sublime. Pena é que o homem raramente consiga tamanha
paz!

Também os insectos merecem alguma observação. Existem uns


gafanhotos lindíssimos diferentes de todos os que viu noutras regiões do país.
Os louva-a-deus são espectaculares. Há, além destes, toda uma variedade de
escaravelhos, formigas e moscas.

A contemplação da natureza dita inanimada é outra das suas paixões. As


rochas são muito bonitas: de um tom avermelhado com formas irregulares,
desenhadas, como que esculpidas, talvez por uma mão divina. Outras têm, no
seu interior, formações de cristal. Outras ainda, são o testemunho vivo de que o
mar já por aqui passou e têm belos fósseis marinhos incrustados.

Por tudo isto Marta considera a serra algarvia como uma zona
paradisíaca. Segundo ela, nesta região o clima é, em geral, mais ameno e a
poluição mínima. E, por isso mesmo, a elegeu para aqui passar, quem sabe, os
melhores anos da sua vida.

Neste paraíso, perdido no meio da serra, apenas consegue apontar um


ponto que não permite a perfeição absoluta, o facto de existirem ainda muitas
aldeias que não estão abrangidas pelo sistema de rede pública de abastecimento
de água e esgotos.

Para poderem usufruir de água canalizada, os residentes têm que ter:


uma cisterna com uma boa capacidade (vinte a trinta mil litros); uma boa
bomba para puxar a água à pressão ideal (para não avariar as máquinas de
lavar roupa e loiça); e o saneamento básico processa-se através de fossa.

O abastecimento de água é assegurado por particulares que possuem um


depósito, normalmente, atrelado a um tractor, que cobram a água a um custo
algo oneroso. Assim, é de toda a conveniência possuir-se um sistema para

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aproveitamento da água da chuva, algo tão simples como um algeroz com
ligação à cisterna.

II – OPÇÕES DE VIDA

Os familiares de Marta bem se esforçam para a levar de volta para


Lisboa, mas ela não se deixa influenciar pelos argumentos e pressões utilizadas.

Este afastamento físico, dos que ama, levou-a a reflectir acerca da


importância do afecto e da necessidade de demonstrar mais os seus sentimentos
e emoções. Compreende-os, neste momento, melhor do que no passado e ama-
os ainda mais.

Considera estar numa fase de vida crucial para o seu desenvolvimento


espiritual. Até porque tem mais tempo para si, e mais disponibilidade para
ouvir os outros, resultando daí uma profunda satisfação pessoal.

Atribui grande importância à reflexão e observação das suas atitudes,


comportamentos e sentimentos, bem como à observação dos outros. Uma das
suas estratégias de meditação baseia-se na observação da natureza, o que lhe
proporciona uma imensa calma e paz interior.

Começa a não duvidar que existe um ser superior, algo imanente,


omnipresente que gera toda esta beleza, e perfeição. E está convicta que apesar
dos esforços que o homem tem vindo a fazer, mesmo que inconscientemente,
para destruir o equilíbrio, essa mão divina estará sempre presente para o
impedir.

É uma amante do conforto. Para ela a vertente espiritual e a material


complementam-se. Considera que as pessoas quando são demasiado radicais
acabam por não serem felizes; e a felicidade, normalmente, encontra-se onde e
quando menos se espera, normalmente, nas coisas mais simples da vida.

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Sente que atingiu uma maturidade e serenidade que estava habituada a
ver expressa nas pessoas mais velhas, nomeadamente nos idosos. O mais
engraçado é que nunca antes tinha pensado que, um dia, também ela, poderia
sentir e viver essa serenidade.

Por tudo isto, necessita de estar longe dos ruídos e do stress da cidade, de
estar só consigo, com as suas plantas e com a (sua) gata e filhotes (já que estes a
adoptaram).

Está, cada vez mais integrada neste ambiente e profundamente satisfeita


com as suas opções de vida.

III – AMORES E DESAMORES

Passou, recentemente, por uma situação difícil: divorciou-se após dez


anos de um casamento que, sempre, considerou perfeito.

Desde que está longe de tudo e de todos começou a aperceber-se que, no


seu casamento, houve muito a desejar e que, de perfeito, apenas restava o seu
sincero desejo de que assim fosse.

Encontra-se na recta final dos trintas, a uns escassos dois meses de fazer
quarenta anos.

Por opção não teve filhos, nem bichos de estimação, optou por
privilegiar a carreira e o casamento. Não está arrependida de o ter feito no
passado, embora sinta que deveria ter prestado mais atenção à sua voz interior,
à sua intuição que desde há uns dois anos lhe dizia que devia fazer
transformações de fundo na sua vida. Fazer qualquer coisa por si.

Encontra-se a iniciar uma nova vida, numa casa nova em outra região do
país, e tem uma carreira também ela nova. Por tudo o que já sofreu no passado
considera que deve, a si mesma, este belo presente.

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Há indivíduos que depois de um divórcio sentem necessidade de uma
terapia, ela optou por fazer um balanço sério, ponderado e rigoroso da sua vida.
Esta é a sua terapia!

Nunca foi muito dada a tristezas e depressões. Por mais difíceis que
fossem as condições ou provações da vida sempre as enfrentou de cabeça
erguida e com uma vontade férrea em as ultrapassar.

Tem consciência que o seu sofrimento não é, nem maior, nem menor,
que o de qualquer outro ser humano. Considera que, apesar de tudo o que
sofreu, é uma privilegiada pois tem uns pais formidáveis que sempre se
esforçaram por lhe proporcionar uma vida confortável em termos materiais,
que lhe deram e continuam a dar muito amor, carinho e compreensão.

É filha única, mas essa falta foi colmatada com o facto de ter muitos
primos, de quem esteve sempre próxima, e considera que eles são, cada um à
sua maneira, com os seus defeitos e qualidades, os irmãos que gostaria de ter
tido.

Quando terminou o 12º ano, contra a vontade dos pais, decidiu que
precisava de trabalhar durante as férias para ganhar um dinheiro extra
destinado às suas primeiras férias no estrangeiro. Adorou a experiência, e os
patrões gostaram tanto do seu serviço que lhe fizeram uma proposta
irrecusável. Optou, então, por fazer o seu curso superior no regime de
trabalhador estudante.

Terminou o curso aos vinte e três anos, já com uma larga experiência
profissional, o que é, para si, fonte de enorme satisfação e orgulho.

Após a licenciatura, concorreu para uma profissão mais adequada às


suas habilitações, mas essa saída profissional só se viria a proporcionar, dois
anos mais tarde, aos vinte e cinco anos.

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Casou aos vinte e oito anos, após um longo namoro de seis anos,
convicta de que o seu casamento, à semelhança do dos seus pais, seria para toda
a vida, “até que a morte os separe”.

Até sair o divórcio, trabalhou para grandes empresas, com horários mais
ou menos rígidos, com pontos a picar. Cansou-se destes ritmos impostos pelos
outros e, pela primeira vez na vida, dada a independência financeira pós
divórcio, permitiu-se reflectir acerca do que queria verdadeiramente para si,
para a sua vida.

Decidiu que queria afastar-se deste passado de pressões que nada


tinham a ver com ela. E a partir daí decidiu que não ia mais fugir de si mesma!

Abandonou a carreira de gestora de empresas, na qual se estava a sentir


cada vez mais insatisfeita. Em conversa com amigos, surgiu a ideia de se
estabelecer como empresária em nome individual no ramo da cosmética e a
partir desse dia iniciou uma pesquisa de mercado que a levou aos contactos que
lhe permitem agora trabalhar em casa.

Marta descobriu que adora estar só e a partir daí habituou-se a recusar


de forma amável os mais diversos convites que lhe são dirigidos, sempre que
lhe apetece ficar a “gozar o seu cantinho”.

É hoje, sem dúvida alguma, uma mulher muito mais feliz e realizada.

IV – OS VIZINHOS

Aos poucos, Marta vai-se familiarizando com as particularidades e


idiossincrasias, dos vizinhos, alguns deles bem engraçados. Por exemplo:

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Zé Manias
José Feliciano, conhecido de todos como Zé Manias, é um indivíduo que
mede um metro e sessenta e dois, de aspecto franzino, permanentemente ébrio
que tem o dom natural de espicaçar os cães da redondeza.

A partir de determinada altura, Marta apercebe-se e acha estranho que,


de repente, os cães da aldeia entrem em histeria colectiva, que é como quem diz
uma algazarra que só visto.

Considerando o fenómeno bizarro e como adora resolver enigmas, Marta


começa a estar atenta e constata que, algum tempo depois dos cães começarem
a fazer uma barulheira infernal, se ouve, ao longe, o barulho de uma
motorizada.

Espicaçada a sua curiosidade natural, decide averiguar se aquele


fenómeno era fruto de uma qualquer coincidência, ou se, pelo contrário, existia
uma relação mais profunda.

Nos dias seguintes o fenómeno repetiu-se: os cães latiam, ladravam ou


uivavam, consoante a preferência e estilo de cada um, e isto tanto podia suceder
às onze horas da noite como às duas ou três horas da manhã e passados uns
cinco minutos lá estava o ruído da motorizada, ao longe.

No entanto, só passados quinze dias é que Marta pôde solucionar o


enigma. O deslindar do caso deu-se quando estava a tratar do seu jardim e, de
repente, em pleno dia, os cães começaram na costumeira algazarra a que Marta
estava habituada à noite.

Achou estranho e, a partir desse momento, passou a estar a atenta à


estrada. Qual não foi o seu espanto quando passados uns cinco minutos
começou a ouvir mais uma vez a motorizada e pouco depois passava frente à
sua casa Zé Manias.

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Mas as particularidades de Zé Manias não se ficam por aqui. É
conhecido por ter um ligeiro grau de atraso mental, o que não é falso. No
entanto, e apesar de ser o doidinho da aldeia, mostra não ser de todo tonto.

Para ganhar uns cobres extras, depois de ir trabalhar, durante a manhã,


para o patrão, Júlio Coelho, à tarde dedica-se a outras actividades: vai apanhar
(roubar) a alfarroba e amêndoa de todos os valados e montes que não estejam
vedados, inclusive daqueles em que foi proibido pelos donos, de o fazer, e
depois vende-a ao patrão.

Quando tem dinheiro é vê-lo a acelerar a sua velha motorizada. Quanto


o dinheiro começa a escassear aproveita para desligar o motor nas descidas. Por
fim, quando já não tem “tusto” então é ver o Zé Manias a descer a serra de
motor desligado e a subir a serra a pé, a puxar pela motorizada.

Como qualquer mortal Zé Manias tem as suas imperfeições mas também


tem virtudes. É muito trabalhador, um bom agricultor e um especialista em
poda e enxertos de árvores.

Duarte Pintassilgo
Duarte Pintassilgo, outro vizinho, é, por opção, agricultor de profissão,
para grande desgosto de sua mãe que gostaria que o filho fosse doutor. Tem
cinquenta e quatro anos, plantou o pomar e lavrou o Monte de Marta. Desde
então apaixonou-se secretamente por ela. E, “visitava-a” por tudo e por nada.
Todos os pretextos eram válidos.

Duarte pensa com alguma frequência em Marta. Afirma de si para si


coisas do género:
– Um dia destes, arranjo coragem para lhe confessar que fiquei
apaixonado por ela logo que a vi… Que me recorde, só me aconteceu uma coisa
parecida quando tinha quinze ou dezasseis anos!…
Porque é que eu me fui logo apaixonar por uma doutora que nem sequer
vê que eu existo?

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É mesmo muito simpática, adoro falar com ela!…

Marta apercebeu-se que Duarte Pintassilgo se apaixonara e como detesta


passar por situações embaraçosas, cortou com aquelas visitas sem sentido. E,
para evitar constrangimentos futuros optou por recorrer aos serviços de um
outro profissional: o senhor Josué Gomes de setenta e oito anos, que lhe foi
recomendado com a indicação de que vive na miséria.

Josué Gomes
Josué Gomes, viúvo há seis anos, apaixonou-se, há cinco anos atrás, por
uma jovem de vinte e um anos a quem comprou e mobilou um apartamento.
Ofereceu-lhe jóias, deu-lhe um carro e quando, por fim, colocou todo o dinheiro
que poupara, de uma vida de trabalho intenso, de grande esforço e muitas
privações, como emigrante na Alemanha, em nome de ambos a jovem vendeu
todos os bens, colocou a conta bancária a zeros e evaporou-se.

Desde então, Josué Gomes, que tinha uma vida confortável, desafogada,
viu-se na obrigação de voltar a trabalhar para ganhar o seu sustento. Como a
idade e a saúde já não ajudam quem lhe tem valido nos momentos de maior
dificuldade são os vizinhos e pessoas amigas. Sempre prontas a dar-lhe uma
refeição quente, ou os ingredientes para que possa cozinhar, outros há que
preferem ajudá-lo requisitando os seus serviços.

Josué Gomes que não suporta viver da caridade alheia sem nada dar em
troca, sempre que pode retribui a generosidade recebida. Ajudando-os, por
exemplo, na lavoura ou pintando-lhes a casa, etc. E este seu gesto leva os
vizinhos e amigos a gostarem ainda mais dele.

Vasco Valente
Não muito longe do Monte Giesta, a uns escassos quinhentos metros,
vive Vasco Valente, que tem algumas semelhanças com Marta. Por exemplo,
também é divorciado (há sete anos), quarentão, e mandou construir uma casa
de linhas direitas, com janelas panorâmicas com acesso directo ao exterior, com

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piscina e jardim. Mudou-se para a sua nova moradia há precisamente sete
meses.

E imensas dissemelhanças, senão, veja-se: considera-se um grande


profissional, um grande homem, com uma excelente profissão, criativo, ligado à
publicidade. Na realidade, é um indivíduo cinzentão, tristonho, motivo de
chacota dos seus colegas. De uma inegável incompetência e com uma tremenda
queda para os equívocos.

Tem pavor à solidão. E Estar só é, para ele, sinónimo de solidão.

No entanto, junto dos amigos ou conhecidos, afirma ser um divorciado


que vive só por convicção.

Faz questão de arvorar uma liberdade e independência que nada, nem


ninguém, pode prejudicar ou alterar e, no entanto, está permanentemente a
procurar a companhia das mais diversas mulheres com quem tem sexo para
não se sentir só e tentar preencher o eterno vazio que sente no peito. Outra das
estratégias que utiliza para preencher o referido vazio é o ingerir enormes
quantidades de álcool, e sentar-se frente ao televisor sintonizado no canal da
pornografia.

Raul Pimpão
Raul Pimpão é outro vizinho de Marta que fez questão de contar toda a
sua vida na primeira conversa que teve com ela.

Marta ficou a saber que Raul é um jovem de vinte e sete anos que gosta
muito homens e que se identifica mais com as mulheres.

É um indivíduo franzino, de uma magreza esquelética, em que tudo nele


é baço (o cabelo, os olhos e a pele). Todo ele treme. Permanentemente a olhar
para trás, como se estivesse com receio de estar a ser seguido ou, quem sabe, a
ser observado.

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Assume ser muito tímido e está profundamente deprimido, a sua
postura corporal é, aliás, bem sintomática: recurvado sobre si mesmo, a tal
ponto que está a desenvolver uma pronunciada corcunda. Tem vários tiques,
entre os quais, o esfregar as mãos uma na outra e depois passar a mão direita
pelo nariz e testa, como que para secar o suor (inexistente).

Traz sempre consigo um saco de plástico de alças (que é como que um


apêndice dele mesmo, que o acompanha onde quer que vá) com uma enorme
variedade de medicamentos adquiridos com receita médica e/ou de medicinas
alternativas. Entre eles podem encontrar-se: estimulantes sexuais, anti-
depressivos, ansiolíticos, fortificantes, vitaminas, laxantes, etc.

Sempre que se cruza com Marta gosta de lhe fazer o ponto de situação
da sua semana que se resume a um corrupio de consultas: médico de família,
psiquiatra, psicólogo clínico, naturopatas…

Por uma questão de educação, faz questão em tratar Marta por doutora,
apesar de ela lhe ter pedido que a tratasse por Marta ou, se preferisse, por
vizinha.

Adora falar-lhe do seu enorme dilema:


– Sabe doutora, os medicamentos que ando a tomar para dar vigor
sexual não estão a fazer efeito. No outro dia pedi a uma amiga minha para
termos sexo e ela acedeu, mas no momento “H” não consegui sequer a erecção,
fiquei sem jeito… os comprimidos não me ajudaram nada!…
– Diga-me Raul alguma vez esteve apaixonado por alguém? Assim ao
ponto de querer fazer amor com essa pessoa?
– Não doutora. Engraçado, essa foi uma pergunta que a minha psicóloga
também me fez. A Dra. Eulália Figo também me disse que se não estiver muito
apaixonado por alguém, com quem tenha uma relação muito próxima, que me
leve a sentir uma enorme vontade de fazer amor com essa pessoa que não vou
conseguir deixar de estar inibido e que esse é um dos motivos que levam a que
eu não consiga sequer a erecção.

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Mas eu não percebo porque é que ela diz isso. Então os homens não vão
às putas? E que intimidade ou confiança é que têm com elas?
Eu perguntei-lhe isto mesmo. Sabe o que ela respondeu?
– E o Raul gosta tanto de mulheres ao ponto de recorrer a uma prostituta?
Eu disse-lhe logo que os meus melhores amigos são mulheres. Sou
incapaz de fazer mal a uma mulher, quanto mais da usar só para o sexo!

Marta intervém perguntando-lhe:


– A sua psicóloga sabe com certeza que o Raul gosta mesmo é de homens
e que só nunca aconteceu nenhuma experiência homossexual porque o Raul
está a tentar provar a si mesmo que é capaz de se apaixonar por uma mulher?
Tal como me confidenciou no outro dia.
– Sim, aliás ela já me disse que tudo se irá resolver quando eu decidir o
que quero de verdade. Que quando eu partir em perseguição do meu sonho de
vida, dos objectivos que traçar para mim, então, tudo irá ficar no seu devido
lugar…

E, dito isto, olha para o relógio e, visivelmente aflito, diz a Marta que
tem que ir pois está atrasadíssimo para a consulta com o seu médico de família
o Dr. Lúcio Melro.

Maria José
Maria José tem cinquenta e cinco anos, vive muito próximo, a sua casa
dista da de Marta cerca de cem metros, é solteira e surda-muda de nascença.

Um dia estava Marta a cortar e queimar as ervas que invadiam as suas


ruínas, Maria desconhecendo que ela era a actual proprietária, foi ter com ela
com um pau enorme na mão e dava uns gritos estranhíssimos enquanto brandia
o pau no ar, numa tentativa de se fazer entender.

Algum tempo depois, com ajuda de outra vizinha, a Adelaide Figo,


percebeu que o que ela tentara comunicar é que Marta não tinha nada que
andar a mexer nas coisas dos outros. Na verdade fora muito convincente!

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Marta apanhou um valente susto com Maria! Por mais que lhe tentasse
explicar que estava a cuidar do que era dela, e que estava a ser extremamente
cautelosa com a queima, pois estava a utilizar um bidão metálico de trezentos
litros onde colocava os resíduos a queimar, não se conseguiu fazer entender.

Maria, insistente, levou Marta a abandonar o trabalho e a sair do Monte


Giesta, pensando de si para si:
– Mas onde é que eu vim parar? Isto mais parece o far west…

Marta optou por só regressar ao Monte no dia seguinte, desta vez


acompanhada por uns amigos. “Não fosse o diabo tecê-las!”

Gabriela Flores
Gabriela Flores é uma jovem de vinte e oito anos, solteira, que adquiriu
uma pequena casa, com um quintal diminuto, no topo da aldeia.

Mede cerca de um metro e cinquenta e dois, rosto arredondado, com uns


lindíssimos olhos azuis e cabelo louro encaracolado. Veste pobremente, mas de
um asseio irrepreensível, gosta de se perfumar com água-de-colónia de bebé.

Foi abandonada pelo namorado João Martinho quase junto ao altar.


Tinham a data de casamento marcada e ele, um mês antes perdeu-se de amores
por uma estrangeira. Partiu com Carol para o seu país de origem, não se tendo
dignado de informar a noiva que veio a saber pela mãe dele, a quem, Gabriela,
já tratava por sogra.

Desde há algum tempo que Gaby, como é conhecida, está a tentar


cicatrizar as suas feridas, embora lhe seja muito difícil, pois era um namoro que
já durava há nove anos, quase um casamento.

Para não se sentir tão só, vive rodeada de animais, que vai adoptando.

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É, desde pequena, uma eterna amante de animais. Não pode ver um cão
ou um gato abandonado trata logo de o alimentar, e se o animal não se afasta de
livre vontade acaba por o adoptar. Já perdeu a conta aos gatos e os cães são sete.

Claro que este seu coração mole tem um custo elevadíssimo. Vive num
permanente sufoco, pois gasta grande parte do seu magro salário, para
alimentar os animais.

Quanto ao vestuário a providência trata de lhe fazer chegar o que


necessita. Isto é, as patroas para quem trabalha a fazer limpezas, dão-lhe a
roupa que já não querem e ela, que é uma moça “prendada”, quando as peças
são demasiado grandes, pega na sua velha Singer de pedal, e adapta-as ao seu
corpo.

V -- DESPERTAR DE UM INTERESSE

Desde há três meses que Vasco, sempre que passa frente à casa de Marta,
abranda a velocidade, na esperança de a ver e de poder “dar dois dedos de
conversa”.

Só de pensar na possibilidade de a ver nos seus lindíssimos fatos de


treino, nos jeans justos e belos camisolões de lã, que lhe realçam as formas, a
cuidar dos canteiros do jardim, de preferência junto à estrada, fica ansioso.

Começa por contemplar a sua figura esbelta e quando dá por si já se está


a sentir excitado! Como ele gosta do sorriso de Marta…

Para justificar o seu comportamento, Vasco, tenta convencer-se que


apenas abranda junto à casa de Marta, porque gosta de falar com ela – mas, o
seu diálogo tem-se resumido a um:
– Olá! Passou bem?

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Apesar disso, fica sempre com a sensação de ter tido uma longa conversa
com ela e que ela adorou falar com ele, que esteve sempre atentíssima a tudo o
que ele lhe disse.

A explicação para tal facto é muito simples. Marta gosta de olhar as


pessoas nos olhos enquanto fala com elas. É uma pessoa sincera, simpática por
natureza, com um eterno sorriso nos lábios e, no desempenho da sua profissão,
aprendeu a desenvolver, ainda mais, uma característica: ser empática e
despertar confiança no outro.

A empatia é, como se sabe, muito importante em comunicação e nas


relações interpessoais. Assistiu e presidiu, a muitas reuniões ao longo da sua
vida profissional, com elevado nível de sucesso.

Assim, é natural que possa despertar aqueles pensamentos em Vasco,


que está habituado a olhar e não ver.

E, na verdade, o que leva Vasco, a adoptar tal comportamento é um


sentimento que secretamente (até porque Vasco nunca se permitiria tal erro!…)
se vai enraizando e crescendo dentro dele, e que teve o seu início em pequenos
indícios que demonstram a integridade e rectidão de carácter de Marta.

No entanto, e porque é um homem muito ocupado, não tem tempo para


telenovelas (pensar em coisas sérias, como, por exemplo, permitir-se sentir
amor por alguém), vai dizendo de si para si: – Esta também já está no papo…

VI – ESTRATÉGIA

Imersa no seu trabalho, Marta, quase não se apercebeu que alguém


estava a tocar à campainha. E enquanto se levantava ia dizendo de si para si:
– Quem quer que seja escolheu uma má altura, interrompeu-me
completamente o raciocínio e agora vou ter que voltar ao início. – E a contra
gosto lá se foi arrastando para a porta pensando: – agora vou ter que confirmar,

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pela segunda vez, todos os dados desde o início, o que já é cansativo fazer-se
uma vez, mas, como diz o povo “o que não tem remédio remediado está”.

Vasco esperava que Marta lhe abrisse a porta e pensava entusiasmado


em como era fácil conquistar uma mulher. Com Marta optou por utilizar uma
estratégia diferente que consistia em se aproximar aos poucos e agora já se
sentia pronto para a surpreender.

Marta constatou, através do óculo da porta que era Vasco e pensou:


– Mas o que é que este quererá? – e entreabriu a porta.
– Boa tarde Vasco. O que o traz por cá?
– Então hoje não é dia de caça? – e de si para si, pensou: Ah! Ah! Que
piada. Caça pois sim… e tu és a caça. Esta teve mesmo piada Ah! Ah! Ah!
– Talvez, não sei… – Marta olhando para a perdiz que Vasco segurava
nas mãos, perguntava a si mesma que mal teria feito o pobre animal para
merecer tal fim. – E pensava: – Que desporto mais sangrento.
– Sabe eu gosto de caçar. Para mim é um desporto de que saio sempre
vencedor, trago sempre alguns troféus para casa. Como esta bela perdiz que lhe
venho oferecer e que espero saiba apreciar devidamente…
Agora, se me dá licença retiro-me. Estou cheio de pressa, sabe como é,
ainda tenho que me ir vestir decentemente, tenho uma reunião inadiável daqui
a pouco mais de uma hora.

Dizendo isto voltou costas a Marta, e afastou-se tão rapidamente que ela
ficou boquiaberta com o comportamento de Vasco. Enquanto fechava a porta de
casa pensou:

– Este tipo é mesmo louco. E agora o que faço com isto?!… Nem esperou
que eu lhe agradecesse.
Mais um dos meus estranhos vizinhos. O que é que é que moverá este
indivíduo para além de, obviamente, gostar de viver de aparências.
Possui a casa maior das redondezas, o melhor carro da aldeia, pratica
um desporto que está na moda…

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Será que gosta de ler um bom livro quando está em casa? Tanto quanto
sei é divorciado e vive só, nunca o vi acompanhado… Será um desses criativos
excêntricos de que tanto se fala?
Mas o que é isto Marta? A vida dos outros não te diz respeito!
Nem me reconheço, logo eu que nunca me interessei pela vida dos
outros, nos últimos tempos, surpreendo-me a pensar nos vários vizinhos…
Será que agora além de divorciada também sou cusca? Teria a sua graça,
aos trinta e nove anos estou a revelar-me… Ah! Ah! Nada como uma boa dose
de humor para aligeirar as tristezas da vida…

E, bem disposta, depois de colocar a perdiz no congelador, voltou ao


trabalho.

É cada vez mais frequente, Vasco parar junto aos muros do Monte Giesta
para meter conversa com Marta.

Dois meses após a sua primeira grande aproximação, Vasco tomou


coragem para a convidar a ir a sua casa. Parou junto à casa de Marta e logo que
a viu fez-lhe sinal com a mão para que ela se aproximasse.

Marta está a fazer a sua meditação. Enquanto cuida dos seus canteiros
aproveita para colocar os pensamentos em ordem, como tal não se apercebe da
aproximação de Vasco, e que este está a tentar chamar a sua atenção,
gesticulando.

É arrancada da sua introspecção, por Vasco, que buzina e aos gritos a


chama e lhe pergunta:

– Olá Marta! Então já não fala com os vizinhos? – e sem esperar pela
resposta de Marta, continua:
– Apenas a quero convidar para vir conhecer a minha casa. Já nos
conhecemos há algum tempo e a Marta ainda não desfrutou da vista
espectacular que eu possuo sobre a Serra. Garanto-lhe que dali, usufrui da
melhor panorâmica da Serra, que há na aldeia.

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Apanhada de surpresa, Marta demorou alguns segundos a reagir e, um
pouco reticente Marta acabou por aceitar.

– Bom… OK. Posso visitá-lo, na próxima quarta-feira – dali a dois dias –


às quatro da tarde? Está bem para si?
– Está perfeito Marta. Fico ansiosamente à espera da sua visita – e de si
para si dizia: – Nem sabes quão ansiosamente sua gostosa…

Enquanto Vasco se afasta, Marta tenta perceber porque é que hesitou em


aceitar um convite apresentado de forma tão gentil. Chegou à conclusão que,
apesar de Vasco ser simpático e educado, este lhe inspira, intuitivamente,
alguma desconfiança.

VII – VASCO: O HOMEM

Há treze anos atrás casou com Júlia Carrascão pela Igreja com grande
pompa. O casamento foi noticiado nos mais variados meios de comunicação
social, contou com a presença de mais de quinhentas pessoas. Não fora ele, uma
pessoa tão importante, ou melhor, não fora a noiva filha de um grande
empresário da construção civil.

No entanto, quatro anos depois, tinha o seu filho Bruno dois anos,
acontece o divórcio. O que, segundo a sua versão dos factos, só sucedeu porque
Júlia deu ouvidos à mexeriquice maldosa dos seus familiares (dela) e das
vizinhas que diziam que quando ela saia para o trabalho ele metia dentro de
casa outras mulheres.

A verdade é que fora visitado, uma vez por outra, por amigas que
necessitavam de desabafar as suas mágoas e ele é de facto o melhor consolo do
mundo.

Nunca foi nada pensado ou propositado, aconteceu sempre por acaso e


ele não é homem para contrariar o acaso! Não as podia levar sempre para o

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hotel (até porque não tinha dinheiro para isso) e era muito mais prático lá em
casa, no vão da escada. As saudades que ele sente daquele recanto da casa!

Quanto ao ter estado apaixonado por Júlia, Vasco, ainda hoje, não sabe o
que sentia por ela. Nos primeiros tempos foi-lhe fiel, mas depois, e ainda
segundo a sua versão, Júlia começou a dar as coisas como certas e tornou-se
profundamente autoritária e enfadonha. Ele não teve outra alternativa… Foi
procurar fora de casa o que não encontrava dentro.

Tentou por diversas vezes retomar a relação e depois ela insistiu em


engravidar e essa foi a gota de água. Vasco não queria aquele tipo de prisão.
Ainda gostava de Júlia mas não sentia amor (e duvidava alguma vez ter sentido
tal sentimento que considera ser apenas mais uma palavra que os outros, os
idiotas usam e abusam), a paixão (o desejo, a tesão) esmorecera com o passar
dos anos. O sexo tornara-se monótono, ela deixara de ser criativa na cama…

Vasco vive uma vida pacata que considera ser uma permanente
aventura. A qual se resume a engatar todo o tipo de mulheres para lhes mostrar
a sua enorme (vinte centímetros) e longa erecção (cerca de duas horas).

Sente-se muito orgulhoso de si (do seu pénis) e considera que não há


nenhum homem que possa dar tanto prazer a uma mulher, quanto ele.

Está ociosamente sentado no seu sofá Divani & Divani (escolheu o


melhor e mais caro sofá de três lugares que havia na loja), a pensar em nada,
como é seu hábito, quando o telefone toca. Vasco demorou alguns segundos a
atender, ao olhar para o visor e ver o número que ali se apresentava constatou
que não sabia quem poderia estar do outro lado da linha.

– Olá! Estás bom? Gostaste da surpresa?


– Olá! Desculpe mas não estou a ver…
– Ora essa! Então já não te recordas da noite que passámos juntos?
– (Quem será esta?) Vais-me desculpar mas ainda não consegui
reconhecer a voz. Talvez me possas ajudar um pouco mais?

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– Estivemos ontem juntos…
– Ahhh!… Claro. – mas como é que esta gaja conseguiu o meu número
de telemóvel? Tanto quanto me recordo eu não lho dei… ou será que dei?
Tenho que ter mais cuidado com o que bebo…
– Então estás boa, a… a…
– Carolina. Não me digas que já não sabes o meu nome?
– Claro que não. Só que a minha secretária entrou de repente no gabinete
e eu desconcentrei-me. E interiormente perguntava-se: – Mas quem é esta? Nem
das pernas me lembro, quanto mais da cara!
– Hum, estou a ver! Até porque depois de tudo o que vivemos ontem tu
nunca te poderias esquecer de mim…
– Ah sim! Queres-me excitar um pouco?
– Sempre meu amor…
– Então surpreende-me.
– Bom… não sei por onde começar?
– Que tal pelo início? – e pensava: Será que esta gaja é loura?
– Está bem. Conhecemo-nos no Lost, e para falar verdade estávamos os
dois um pouco perdidos. Olhaste para mim e eu senti que era amor à primeira
vista…
– (Não é que esta gaja é mesmo loura. Amor à primeira vista… pelos
vistos ainda acredita no Pai Natal. Ah! Ah! Ah!). Agora tenho outra chamada
em linha, depois ligo-te. OK?
– Mas… – Esta agora! Desligou e ainda por cima não tem o meu número.

Depois de desligar Vasco ficou levemente apreensivo. Pressentia que


esta era mais uma das muitas meninas que fazem parte do que ele considera o
Universo das mulheres, daquelas que, um tipo bom como ele, leva uma vez
para a cama para lhes dar o prazer que nunca antes sentiram e ficam logo com
ideias… E dizia para os seus botões:
– Era só o que me faltava. Logo eu, um quarentão, um divorciado
convicto que tanto prezo a minha liberdade.

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As mulheres entram e saem da sua vida à velocidade da luz porque não
quer compromissos. São consideradas como seres misteriosos, que apenas têm
uma utilidade: só servem para aliviar a pressão que sente entre as pernas.

Decidiu não se preocupar mais com o assunto. E veio-lhe ao


pensamento:
– Tenho uma técnica impar de “fazer amor”. E elas deliram comigo… Só
sabem o que é fazer amor depois de passarem pelas minhas mãos. De facto sou
mesmo um grande macho…

Após o telefonema de Carolina, as suas hormonas atingiram o auge pelo


que começou a congeminar sobre quem seria a “próxima vítima”:
– Ora vamos lá ver quem é que hoje se vai deitar na minha cama para a
maravilhosa queca de duas horas?
Como elas gostam de mim!…
Hoje apetece-me algo de diferente… talvez a Pinheirinho? Esta é boa que
se farta! Além do mais limpa-me a casa, em troca de passar o fim-de-semana cá
em casa.

Nesse momento toca de novo o telemóvel, desta vez a chamada está


identificada.

– Olá Patrícia!
– Ah! Ainda te lembras de mim? Disseste-me até logo há mais de uma
semana e eu tenho estado à espera que ligues…
– Como é que eu poderia esquecer-me de ti? Foste fabulosa… – esta
também já me está a chatear, tenho que a pôr com dono.
– Então quando é que vamos jantar juntos? Apetece-te, não apetece?
– Claro, um dia destes telefono-te para combinarmos, agora tenho que ir
para uma reunião. Sabes como é? Job is first. – e desliga a chamada sem mais.

Considera-se plenamente satisfeito. Viajou por alguns (poucos) países e


sente que o Mundo é seu, ou melhor, que à semelhança das mulheres também o
mundo está a seus pés.

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Apesar dos seus quarenta e seis anos mantém uma compleição física
atlética: magro, com um metro e oitenta e cinco de altura, cabelo liso louro
escuro, de corte médio-comprido, ao qual dedica uma grande atenção, rosto
ovalado, lábios finos, olhos negros, nariz aquilino, com sardas nas maçãs do
rosto.

Gosta de cultivar a sua imagem de macho progressista, sempre na


vanguarda da moda pelo que só usa vestuário de marca, optando por Boss,
Dolce & Gabbana, Calvin Klein e Massimo Dutti. E, por uma questão estética, usa,
um minúsculo brinco de ouro com um diamante, no lóbulo da orelha direita.

Vangloria-se, junto dos outros machos, de ter uma técnica de engate


infalível. Para ele as mulheres são todas umas “tontinhas” que acabam por cair
na sua cama ou, mais concretamente, por se espetar no seu pénis.

De facto, não está muito longe da realidade, pois todas as mal-amadas,


que com ele se cruzam, acabam por tropeçar em algo dele, e quando recobram a
consciência, estão espetadas na sua erecção – o seu maior orgulho!

Imagine-se a surpresa dessas mulheres, dessas garinas como ele gosta de


lhes chamar!…

Preza demasiado a sua liberdade. Divorciado, pai de um rapaz de 9


anos, o Bruno Miguel, aproveita todos os momentos em que se encontra com ele
para tecer considerações críticas ao mais insignificante gesto do filho, culpando-
o pelo mal do mundo… Mas, junto das suas “amigas” vangloria-se de ter com o
filho uma relação muito carinhosa, de grande abertura, baseada numa forte
amizade, companheirismo e confiança.

Isto é, ele bem gostava que assim fosse, mas, mais uma vez, a realidade
está longe do seu desejo e a verdade é que se afastou do filho quase quando este
nasceu e, inconscientemente, sente-se culpado mas não o admite, nem mesmo
de si para si. A estratégia que utiliza para se sentir menos culpado é

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“compensá-lo” comprando-lhe os brinquedos e roupas mais caros mas, quando
lhos entrega, faz questão de lhe chamar a atenção para o facto.

É extremamente difícil para o Bruno Miguel relacionar-se com o pai, e


sempre que pode esquiva-se às visitas paternas. Assim, inscreveu-se no inglês,
no judo e na natação. Pelo que é frequente as aulas, e os treinos coincidirem
com as visitas, e como Vasco não gosta de ficar sentado a ver o filho a treinar, a
não ser que haja por perto um objecto feminino de interesse, acabam por estar
pouquíssimo tempo juntos, basicamente o tempo do lanche, o que é um alívio
para Bruno.

Por morte da mãe, Vasco, aproximou-se, ou deixou que uma grande


amiga de longa data – sete anos (tantos quantos os anos de divorciado) –, de seu
nome Rita Pinheiro, se aproximasse. Estabeleceu com ela, de um dia para o
outro, uma relação tão profunda que dispensou o namoro, até porque não é
homem para fazer as coisas pela metade…

Viveu maritalmente durante três meses, uma relação recheada de


aparências para o exterior e repleta de conflitos e mal-entendidos, por falta de
diálogo, na intimidade.

Actualmente, e volvidos dois anos, essa relação continua tão conflituada


como no início, até porque Vasco faz questão de ter todos os dias uma mulher
diferente, se possível mais de uma, tal como gosta de mudar de camisa mais de
uma vez ao dia.

VIII – UMA NAMORADA

Rita conheceu Vasco quando trabalhava num laboratório de revelação


fotográfica do qual ele era cliente. As colegas fartaram-se de o elogiar dizendo
que era um óptimo cliente. Adorava pagar-lhes o lanche, na hora de descanso. E
uma delas, mais atrevida, pavoneava-se de ser a sua namorada. Contou a Rita

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que se encontrava com ele uma vez por semana para uma espectacular tarde de
sexo.

Sempre que Vasco ia ao laboratório passou a fazer questão de ser


atendido por Rita, pouco tempo depois de ela lá estar a trabalhar a colega que
dizia ser namorada de Vasco apresentou uma carta de demissão alegando
motivos de saúde. Foi comentado, entre as colegas que o namorado dela lhe
dera uma sova e a ameaçara de morte, pelo que Jessica Fontana, apavorada
decidiu mudar de residência e partiu para Torres Vedras, onde viviam os seus
familiares.

Menos de um mês depois de Rita iniciar a sua actividade profissional,


numa brincadeira Vasco, teve acesso ao seu número de telefone e dois dias
depois já lhe estava a ligar às tantas da madrugada, perdido de bêbado a pedir-
lhe ajuda.

Rita desconhecia que Vasco era casado, e permaneceu nessa ignorância


durante mais de dois meses, até porque o acesso que lhe era permitido dentro
de casa se restringia ao vão da escada. Mas o inevitável aconteceu, certo dia,
Vasco inadvertidamente, quem sabe, permitiu-lhe o acesso ao interior da casa e
ela viu as fotografias de Júlia espalhadas pela sala. Perguntando-lhe quem era
aquela mulher, obteve como resposta:
– Ninguém importante. Pertence ao passado.

Profundamente apaixonada Rita acreditou piamente na palavra de


Vasco.

Durante anos a sua relação com Vasco limitou-se a uma sessão de sexo,
uma vez por semana, da parte da tarde, em que não era trocada qualquer
palavra entre eles, a não ser durante o acto propriamente dito, aí o vocabulário
empregue por ambos resumia-se ao português vernáculo.

Rita é uma jovem, trintona, com menos dezasseis anos que Vasco,
profundamente deprimida, muito carente e que estabeleceu com ele uma

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relação de forte dependência afectiva. É asmática e Vasco é para ela o “ar que
respira”.

É uma mulher muito apagada, feia, de olhar mortiço que não cuida da
sua aparência, à parte o fazer questão em usar sempre vestuário de marca, aí a
sua preferência vai para Boss Women, Dolce & Gabbana e Calvin Klein (vá-se lá
saber porquê?).

Tem um metro de cinquenta de altura, é ligeiramente obesa, usa o cabelo


comprido sempre apanhado em rabo-de-cavalo, pintado de um tom ruivo
muito avermelhado, e faz questão de trazer sempre os óculos de sol na cabeça,
quer seja de dia ou de noite, como que uma referência de marca.

Exerce, actualmente, a profissão de assessora de direcção, apesar de ser


licenciada em matemáticas, e está, mais uma vez, à beira do desemprego pois,
sempre que Vasco lhe estala os dedos, ela larga tudo no momento e corre para
os seus braços…

Também ela é uma grande figura, ou melhor um verdadeiro cromo.

Vive uma vida repleta de aventura: tanto tem as chaves de casa do seu
“namorado”, como no dia seguinte é enxotada como um cão vadio, para logo
de seguida vir a abanar a cauda à espera de uma carícia, quem sabe um doce
(que mais não é que uma queca higiénica).

Sabendo que Vasco, não é homem, de uma mulher só, e que mantém
uma vida sexual de enorme promiscuidade, prefere fazer vista grossa que é
como quem diz ignorar o facto.

Vasco faz sexo com qualquer uma e, mais grave ainda, apesar de estar
perfeitamente consciente da elevada probabilidade de ser contaminado com o
vírus da SIDA, ou de poder contrair outra qualquer doença que se transmita
sexualmente. Recusa-se a usar preservativo, até porque:
– Sou muito homem!… Essas coisas não se me pegam…

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Faz questão de tomar um bom duche depois do acto e de lavar
cuidadosamente o pénis, na esperança de assim se livrar de qualquer
probabilidade de contágio que, como se sabe, passa pela troca de fluidos
sexuais, por isso, de pouco serve este cuidado higiénico, apesar de ser de louvar
o gesto, pois o que previne de facto o contágio é o uso do preservativo.

Rita considera-se uma menina de família, pura (quem sabe, talvez,


virgem?), inocente, mas que se apressa a satisfazer os anseios e desejos sexuais
do “namorado” às mais diversas horas do dia ou da noite. Por exemplo, vem
almoçar com Vasco e sai duas horas depois, ou entra às onze e meia da noite e
sai à uma e meia da manhã. Mas também pode chegar à uma hora da manhã
para sair duas horas e meia depois a acelerar com o carro porque mais uma vez
brigou com Vasco e este retirou-lhe as chaves de casa.

Convenhamos que os costumes das meninas de bem sofreram grandes


modificações desde o 25 de Abril de 1974!…

Rita não desiste dele e ele também não desiste dela. Aliás, Vasco, tem
perfeita consciência que com ela não corre o risco de se apaixonar, além de que
pode esconder-se atrás dela quando as outras começam a chatear, já para não
falar na grande vantagem de ter a casa sempre limpa e a roupa lavada.

Na verdade, escuda-se em Rita para não se voltar a apaixonar. Não quer


voltar a sofrer os horrores que sofreu quando se divorciou de Júlia Carrascão.

IX– FAZER AS PAZES

Quando chegou a casa, após ter oferecido a perdiz a Marta sentiu-se


muito bem disposto e decidiu chamar a sua “menina” preferida.
– Olá Rita! Estive a pensar que podíamos ir jantar àquele restaurante que
tu tanto gostas, em Vila Moura… e depois conversávamos…
– Mas que boa ideia Vasco…

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– Então que tal encontrarmo-nos em minha casa depois de saíres do
trabalho? Para fazermos o nosso programazinho… Parece-te bem?
– Claro que sim Vasco. Estou aí dentro de quinze minutos. – Rita põe o
auscultador do telefone no descanso, desliga o computador arrancando a ficha
da tomada e pega no casaco e na carteira e sai a correr, o que provoca uma
deslocação de ar que arrasta as folhas soltas que estavam sobre a secretária,
estas levantam voo indo aterrar, espalhadas, no chão. Sem olhar para trás Rita
bate com a porta.

Ao passar pela recepcionista diz-lhe, sem parar:


– Judite já saí e não volto mais hoje.

Judite fica perplexa e tenta dizer-lhe que o seu Director, Dr. Emanuel
Sousa, convocara uma reunião para as cinco da tarde na qual exige a sua
comparência.

Há mais de trinta minutos, que estava a tentar comunicar-lhe isso


mesmo, mas Rita, durante todo esse tempo, esteve “pendurada ao telefone”.
Judite ainda pensou em deslocar-se pessoalmente ao gabinete de Rita para a
prevenir mas acabou por não ter qualquer hipótese de sair da recepção.

Via-se agora a braços com um problema que não era seu mas que,
mesmo assim, a deixava muito incomodada. Como é que ia dizer ao Director
Emanuel Sousa que a sua assessora acabara de sair com a indicação de que já
não voltava?

Rita é uma amante do risco e da alta velocidade, orgulha-se de fazer em


metade do tempo qualquer percurso. Para ela os limites não existem, porque é
que havia, então, de haver limites de velocidade?
– Isso é bom para os idiotas que cumprem as regras…

Passados dezasseis minutos Rita está a tocar à campainha.


Vasco abre prontamente o portão para Rita estacionar o carro no interior
da sua propriedade e deixa-a entrar em casa. Uma vez no interior, fecha a porta

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atrás de si, mete-lhe a mão entre as pernas e apalpa-a, beija-a e morde-a com
grande sofreguidão. Aperta-lhe os seios com grande violência, enquanto lhe
pergunta:
– Então, tiveste saudades minhas, queres sentir o gatinho a ronronar na
tua ratinha? – pensando que ela não iria resistir ao seu charme e que, com este
diálogo profundo, Rita cederia, uma vez mais.

Mas Rita, furiosa, liberta-se das mãos de Vasco e num rompante abre a
porta e sai de casa falando aos gritos.

– Estou farta dos teus joguinhos… Pára. Tu nunca mais me tocas…


– Mas tu és a minha menina… Vá lá… deixa-te disso vem para dentro de
casa conversar comigo… – diz-lhe Vasco num tom de voz baixo, meigo e
conciliatório.

Mas Rita nem por isso fica mais calma e continua a falar num tom de voz
demasiado alto.

– Tu não tens palavra. Ainda ontem me dizias que querias voltar a viver
comigo. Querias que eu cá dormisse e depois tive que me ir embora, e nem
pude tomar banho antes de sair de casa.
Tu não prestas! Depois de tudo o que eu fiz por ti… Eu que até te limpo
a casa e passo a roupa a ferro. Estou farta dos teus joguinhos… ou páras de
andar com as outras ou nunca mais me vês.

Rita tomou conhecimento que ele tinha outras mulheres (fazia sexo com),
por coincidência. Ia arrumar umas roupas que acabara de engomar quando
abriu, ao acaso, uma grande gaveta (que Vasco lhe garantira estar encravada) a
qual estava repleta de peças de roupa interior feminina.

Ficou curiosa e a partir daí e, sempre que ele lhe permitia o acesso à
lavandaria, abria a dita gaveta e acabou por se aperceber que, ao longo do
tempo, o número de peças foi aumentando.

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Furiosa, por estar a ser traída, sentiu crescer dentro de si a vocação de
detective. E como não é mulher para negar a vocação, iniciou de imediato o seu
trabalho: fazer rondas assíduas (pelo menos uma vez por dia) à casa do
“namorado”.

– Vá lá Pinheirinho. Mas quem é que te anda a pôr ideias nessa


cabecinha? Eu não ando com mais ninguém e tu sabes isso…
Vem para dentro, para fazermos as pazes tu gostas tanto de ver o teu
gatinho a ronronar… Vá lá?

Vasco apercebe-se, então, que cada vez é mais difícil controlar a sua
“menina”… um verdadeiro problema! E isto está a acontecer-lhe a si! Por mais
que pense, não consegue encontrar uma explicação lógica para o facto.

O assunto foi discutido entre eles e Vasco decidiu que continuavam a ser
apenas bons amigos. Isto é, ela continuava a frequentar e a ter as chaves de casa,
e sempre que ele recebe visitas de trabalho, ela ajuda-o.

Nesses momentos, sente-se orgulhoso da sua menina. Fica muito


enternecido com ela e pensa com carinho:
– Ela adora desempenhar o papel de dona da casa e fá-lo na perfeição
(que bem que lhe fica o avental!).

Junto dos melhores e mais respeitáveis clientes é mesmo apresentada


como companheira. Nessas alturas é Rita quem se derrete com tão grande
demonstração de amor, e como isso lhe faz bem ao Ego, sempre que tal sucede,
diz de si para si:
– Eu sou a mulher que ele quer ter, mesmo que diga o contrário.

Vasco começa a ter consciência que esta relação se está a tornar


problemática. Logo ele que detesta ser contrariado e que não admite pressões.
No entanto, como não gosta de pensar, opta por resolver a situação mais tarde.
Até porque precisa que Rita lhe limpe a casa para poder receber Marta, dali a
dois dias.

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Rita apercebe-se que falou demais e como não pode confessar o seu
hobby de detective a Vasco, opta por, dar o dito por não dito, pelo que, entra em
casa e pensa resolver o assunto quando ele estiver nos seus braços. E só de
pensar em como é bom fazer as pazes com Vasco já se sente toda
“molhadinha”…

Uma vez no interior, decidiram desistir do jantar de reconciliação. Tendo


optado por ficar por casa, isto é, pela cama.

Para grande satisfação de Vasco, Pinheirinho está muito meiga nesse dia.
Vem-lhe à memória, a recordação da primeira vez que teve sexo com ela. Ainda
estava casado com Júlia, mas logo se separou, ou melhor, Júlia colocou-lhe as
malas à porta.

Rita deu-lhe uma tarde de sexo espectacular naquele vão da sua antiga
casa.
– Como ela se deixou domar tão facilmente! Desde aí ficou pelo
beicinho, só preciso estalar os dedos e já ela está a lamber-mo ou, se lho pedir, a
lamber o chão que piso.

Vasco fica muito comovido com as recordações e num acesso de carinho,


promete-lhe que vai deixar de “falar” com as outras mulheres que
insistentemente o procuram.

Fazem uma vez mais as pazes, Rita, fica, pela enésima vez, com as
chaves de casa.

Rita apesar de saber que Vasco nunca irá mudar, ilude-se dizendo de si
para si:
– Por amor a mim, ele vai deixar de ir para a cama com as outras
mulheres.

E, assim, vive, em fantasia, num estado de felicidade só comparável ao


das jovens esposas que ignoram que um dia acordam do seu sonho de fadas e a

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realidade à sua volta se transformou radicalmente. O jovem belo, dedicado,
atencioso, meigo, terno – o príncipe encantado – por quem se apaixonaram e
com quem casaram deixou de ser jovem e belo, é resmungão, autoritário, por
vezes mesmo machista – ou seja, resta apenas uma sombra muito ténue do seu
príncipe.

Nos dois dias seguintes, num estado de felicidade eufórica, vai


encontrar-se com o seu grande amor, para lhe limpar a casa a fundo e depois
receber a paga por um serviço feito com tanto esmero e brio. Vasco dá-lhe uma
queca maravilha, e entre a meia-noite e a uma hora da manhã já está de saída,
tal qual a Cinderela, do conto infantil… (mas o seu Fiat ainda não tem a
capacidade de se transmutar em abóbora…)

Perdida em tanta felicidade Rita nem estranhou que Vasco lhe pedisse
para lhe limpar a casa a fundo.

Que futuro auspicioso lhe é reservado. Vasco só não a perde porque


como ela mesma fez questão de o referir, quando foi apresentada a Marta:
– Eu não o largo. Ando sempre pendurada ao pescoço dele, com uma
trela, e só por isso é que ele não me perde.

X – A VISITA

Vasco sente-se ansioso por poder estar a sós com Marta, de tê-la só para
si durante umas horas, em sua casa.

Por acaso, tem-se cruzado com ela todos os dias, ou melhor, forjou o
acaso para a poder ver.

Para Vasco o tempo está a passar muito devagar. Estes últimos dois dias
foram vividos com uma forte sensação de solidão, apesar de ter tido a
companhia de Rita a quem pediu que caprichasse na limpeza da casa.

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Para evitar surpresas desagradáveis, tratou de se assegurar que
Pinheirinho não iria aparecer, por acaso, a meio da tarde para lhe estragar o seu
programazinho com Marta.

Finalmente, chega o tão esperado dia e Vasco capricha no vestuário.


Opta por vestir roupa confortável, desportiva e usar um perfume novo, que
comprou, sem se aperceber, a pensar em Marta.

Está um lindo dia de Inverno, apesar do frio que se faz sentir na rua.

Marta teve alguma dificuldade em escolher a toilette. Por fim, decide


vestir calças castanhas, camiseiro de seda verde azeitona, e um camisolão, que
ela tricotou, em tons de verde e castanho.

Como maquilhagem, optou por contornar os olhos com um lápis verde,


alongar as pestanas com um pouco de rímel e realçar os lábios com um batôn de
cor muito suave.

Depois de vestida e maquilhada olhou-se ao espelho para ver o


resultado final. Gostou da imagem que o espelho lhe devolveu. Está vestida e
maquilhada de uma forma simples mas que a favorecem.

Chegou pontualmente às quatro horas da tarde. Quando Vasco lhe abriu


a porta ficou especado a olhar para ela sem saber o que dizer.

Marta mede cerca de um metro e sessenta e três, usa cabelo comprido


ondulado, e faz questão em não o pintar, até porque considera o seu tom
natural, castanho claro acobreado, lindíssimo, e a sua silhueta é esbelta, e bem
delineada.

Naquele momento Vasco apercebe-se que, dentro de si, existe algo mais
que o simples desejo de conquistar Marta para a sua cama. Ela está divina!

É detentora de um magnetismo que o deixa completamente fora de si. A


simples proximidade física deixa-o electrizado.

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A reacção que a sua imagem despertou em Vasco, não passou
despercebida a Marta, e deu consigo a pensar, divertida, que até gostava.

Logo que Vasco recobrou da sua surpresa, convidou Marta a entrar:


– Desculpe mas quando a vi fiquei sem palavras. A Marta está um
espanto e digo-o com a maior sinceridade. Mas, venha… Faça o favor de entrar
e sinta-se em sua casa…
– Obrigada pelo elogio e pelo convite.

Vasco fez questão de lhe mostrar a casa toda tendo guardado para o fim
o tão afamado terraço/miradouro do qual se tem uma visão panorâmica,
simplesmente, deslumbrante.

Enquanto mostra a sua “jóia da coroa” pensa que está a ser um bom
anfitrião, educado e respeitador.

Vasco é arrancado aos seus pensamentos por Marta que lhe diz:
– Devo confessar-lhe que estou a gostar muito do que vi. A paisagem é
de facto soberba. Está de parabéns.
O jardim é lindíssimo. E apesar de não ser uma grande especialista na
matéria atrevo-me a dizer que o arquitecto paisagista fez aqui um excelente
trabalho.
– Concordo plenamente consigo, aliás já cá esteve outro paisagista que
me disse o mesmo.
Mas talvez seja melhor entrarmos, até porque hoje está muito frio para
ficarmos aqui pela esplanada. Venha vamos para a sala…
– Gostei muito de toda a casa. Conseguiu reunir um conjunto de objectos
muito harmoniosos.
– Ainda bem que gosta.
– A sua casa é ainda mais confortável no interior do que aparenta ser do
exterior.
– Agora é a minha vez de lhe agradecer o elogio.
Só falta um som de fundo para que tudo esteja perfeito como eu gosto,
mas optei por esperar por si. Que música é que gosta de ouvir? Talvez jazz?

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– Sim gosto muito de jazz.
– Sente-se, e fique à vontade. O que é que bebe?
– Se tiver sumo de laranja bem fresco…
– Não gosta de bebidas alcoólicas? Eu estava a pensar em fazer-mos um
brinde com champanhe…
– Vou abrir uma excepção. De facto não sou grande apreciadora e muito
menos consumidora de bebidas alcoólicas!
Mas devo confessar-lhe que o champagne é a minha bebida preferida, se
estiver bem gelado e se for brut, hum!…
– Eu só bebo champanhe bem fresco e, claro está, brut.

Enquanto diz isto, Vasco vai abrindo a garrafa de champanhe, de


seguida enche duas flûtes, de cristal Atlantis, que separara para impressionar
Marta.

Marta apercebe-se que tudo tinha sido pensado até ao ínfimo pormenor
e diz de si para si:
– Se eu fosse uma femme fatale diria que ele está tentar cativar-me, talvez
mesmo seduzir-me o mais interessante é que eu estou a gostar e, porque não
admiti-lo, disposta a ser seduzida. Serão carências? Bah, isso não é importante.
A verdade é que Vasco se está a revelar, apesar de algumas incongruências, um
indivíduo bem interessante. – Após o que se dirige a Vasco:
– Conseguiu surpreender-me, está tudo perfeito. Já percebi que gosta
mesmo de receber visitas e, permita-me que lho diga, fá-lo na perfeição.

Ele sente-se corar, mas disfarça mostrando a Marta a capa do CD que


colocou na aparelhagem.

Após o brinde à amizade Vasco, não resiste à curiosidade de saber o que


aquela mulher faz na vida. Anseia por a conhecer um pouco melhor. Logo que
se apresenta uma oportunidade, pergunta-lhe:
– Desculpe-me a ousadia Marta qual é a sua profissão? Em que é que
ocupa o seu tempo, para além da jardinagem, claro está?

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Marta já estava à espera da pergunta. E gostou que ele tivesse tomado a
iniciativa porque também ela está curiosa e quer conhecê-lo melhor.

Por ser uma mulher franca, que não tem receio em se mostrar, decide
revelar a Vasco um pouco mais de si do que é habitual fazê-lo.

– OK! Sou formada em gestão de empresas, divorciei-me há


sensivelmente oito meses.
Após a separação decidi ter mais tempo para mim, e para os meus
hobbies, pelo que me vim “enterrar” aqui no interior da serra algarvia. E agora
sou empresária, em nome individual, no ramo da cosmética.
– A sério!… mas isso é óptimo. Calculo que não lhe faltam clientes.
– Não tenho tido razão de queixa. Para grande surpresa minha, devo
confessá-lo, estou com um salário mais elevado do que aquele que tinha
quando decidi despedir-me e, mais importante ainda, estou a trabalhar menos
horas por dia!
Nas horas livres, tal como já o referiu, adoro fazer jardinagem.
Tenho a paixão da leitura, devoro livros uns atrás aos outros, são, desde
criança, uma companhia, perfeitamente indispensável. Há várias áreas
científicas pelas quais tenho um particular interesse, por exemplo, gosto muito
de ler coisas relacionadas com a psicologia.
– Que coincidência eu também gosto de observar o comportamento dos
outros e considero que a psicologia é uma área muito interessante.
– Estou de acordo consigo. Esta paixão tem vindo a crescer, desde há uns
anos a esta parte, ao ponto de estar a considerar seriamente a hipótese de fazer
uma segunda licenciatura. Nem que seja só para me conhecer melhor!
– E que mais é que gosta de fazer, já vi que é “a mulher dos sete
ofícios”…
– Adoro fazer coisas muito simples, nada intelectuais, como cozinhar,
fazer tricot e bordar.
– A sério!… engraçado porque pensei que não fazia mais nada além da
jardinagem!…
É claro que me estou a meter consigo…

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Agora, brincadeira à parte, é preciso ser muito corajosa para vir isolar-se
aqui no meio de nenhures. Não tem receio que a assaltem?
– Se nem mesmo quando vivia, e me movia, em Lisboa tinha medo
porque haveria de o ter agora?
– Também é verdade, vivemos numa zona do país que, por enquanto,
ainda é segura. E o mais engraçado é que estamos isolados na serra, longe de
tudo e de todos, mas, tendo carro, como é o caso, em apenas quinze minutos,
estamos na cidade…
– É bem verdade. Esse foi um dos factores que me levou a escolher o
meu Monte, o outro foi porque me apaixonei pelo sítio logo que o vi.
Aquele recanto estava lá para mim, à minha espera. Repare que estava à
venda há três ou quatro anos, mas não tinha tabuleta e foi a irmã do Valério
Casaco, o antigo proprietário, que me indicou o sítio.
Quando o vi, e mesmo antes de saber qual o preço, decidi que tinha que
ser meu.
– Eu quando vim ver aqui a aldeia não sabia que o Monte Giesta estava à
venda. Mas devo confessar-lhe que não lhe faria concorrência, é um terreno
demasiado grande.
– Agora já chega de falar de mim! E o Vasco, o que é que faz
profissionalmente? Para além de receber bem as suas visitas.
– Eu sou um indivíduo muito modesto. Licenciei-me em Marketing, e
sou um criativo de publicidade.
Também gosto muito de ler, mas como tenho uma vida social muito
preenchida, a profissão a isso obriga, acabo por ter muito pouco tempo para o
fazer. Tal como a Marta, gosto de fazer um pouco de jardinagem.
Como vê temos algumas coisas em comum.

Quando Vasco fez estas últimas afirmações, Marta sentiu que ele estava
a tentar impressioná-la. Recordou-se que não vira, em toda a casa, um único
livro, à excepção da enciclopédia britânica. Pelo que lhe pareceu estranha a
afirmação, mas decidiu não dar importância ao facto, até porque estava a
adorar a companhia.

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Duas horas depois, Marta despedia-se de Vasco, extremamente bem
disposta.

No último instante, e como que a prolongar um pouco mais o momento,


Vasco, deu a Marta o número de telefone confidencial e pediu-lhe o seu
contacto.

XI – IMPRESSIONADOS

Marta, apercebe-se, enquanto se dirige para casa, que Vasco conseguiu


surpreendê-la, mais do que ela alguma vez pensou ser possível… Ficou com
uma imagem bem diferente daquela que fora construindo ao longo dos últimos
meses!

Ele revelou-se uma pessoa muito agradável, nada snobe. Marta ficou com
a sensação que Vasco era um indivíduo extremamente carente e inseguro, que
utiliza uma máscara de autoritarismo e arrogância como defesa…

O resto da tarde passou a voar e Marta deu consigo, por diversas vezes,
a pensar em Vasco.

Mal fechou a porta de casa, também Vasco deu consigo a pensar na


Marta mulher e não na Marta objecto sexual, o que não lhe sucedia há muito
tempo, talvez anos, mais precisamente treze ou catorze anos.

Apercebeu-se que Marta tinha despertado sentimentos que julgava ter


banido de dentro de si, de uma vez por todas. E surpreendeu-se a pensar que
precisava de ficar só. Ele que evitava, a todo o custo, estar só! Chegou mesmo a
considerar a hipótese de estar a “chocar uma gripe”. Só podia estar doente…

– Tenho que tomar uma decisão rapidamente. Daqui a pouco a Rita vai
estar a bater-me à porta… Porra pá. Já me esquecia que ela agora tem as chaves!

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Tenho que arranjar maneira de a impedir de vir cá durante uns tempos. O que
é que vou inventar, desta vez, que não lhe levante suspeitas?

Demorou cerca de cinco minutos a congeminar a desculpa que ia


apresentar a Rita para justificar o não a querer lá em casa. Após o que, sem
hesitar, pegou no telefone e pediu a Pinheirinho que ficasse por casa dos pais
alegando que:
– Surgiu-me um imprevisto, tenho que sair já de viagem mas logo que
chegue combinamos um programazinho para te compensar desta minha
ausência.

E, de si para si, dizia:


– Assim, já posso encontrar-me à vontade com a Marta.
Caraças! Não me posso é esquecer de estacionar o carro dentro da
garagem, não vá a Rita lembrar-se de passar por aqui! Também se começar a
fazer muitas ondas tiro-lhe as chaves de casa e acabou-se-lhe a tosse.

Às nove da noite toca o telefone. Marta atende, é Vasco.

– Olá Marta! Estou-lhe a telefonar para saber como está.


– Estou óptima, obrigada. E o Vasco?
– Melhor do que nunca, telefonei-lhe para, uma vez mais lhe agradecer a
sua visita. Adorei tê-la tido em minha casa. Foi de facto um enorme prazer.
– Eu também gostei muito. O Vasco proporcionou-me uma tarde bem
agradável, e gostei de o ter conhecido um pouco melhor.
– Correndo o risco de ser um grande atrevimento da minha parte,
gostaria de a convidar para jantar amanhã aqui em minha casa. Eu cozinho…
– Ora essa! Vai ser um prazer estar de novo consigo, diga-me só o que
preciso levar…
– Não precisa trazer nada. A que horas costuma jantar?
– Por volta das oito, oito e meia, mas se não lhe der jeito pode ser mais
tarde. Como lhe disse hoje, eu cortei com os horários rígidos e obrigatórios…
– Então que tal aparecer por volta das sete da tarde, conversamos um
pouco enquanto preparo o jantar e a noite vai ser nossa!

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– Por mim está bem.
– Então fico à sua espera. Durma bem, e até amanhã. Um beijo.
– Amanhã às sete, lá estarei à sua porta. Beijinhos.

Passou-se uma semana, e Marta sente-se a viver nas nuvens. Descobriu


que se está a apaixonar por Vasco e não faz nada para contrariar tal sentimento.
Ele revelou ser um homem atencioso e carinhoso, muito charmoso e
interessante do ponto de vista intelectual.

Descobriu que têm alguns gostos em comum. E está a suceder com ela
algo muito estranho que, não sabe como explicar, por isso decidiu chamar-lhe
as suas afinidades.

Acontecem coisas do género: ele inicia uma frase e ela termina-a; ou,
mais bizarro, ainda, no momento em que pensa telefonar a Vasco, toca o
telefone e, sem mesmo olhar para o visor, sabe que é ele; por diversas vezes que
sucedeu sentir no ar o perfume de Vasco e passados uns segundos ele está a
ligar-lhe.

A bem da verdade, não é só Marta que se sente apaixonada. Também


Vasco se surpreende a pensar em Marta: no que ela pode estar a fazer naquele
momento; a interrogar-se sobre o que ela pode trazer vestido, etc. O que não é
nada habitual nele.

Por outro lado, Vasco apercebeu-se que ela exerce sobre si uma forte
atracção, um poder que ele não sabe definir. Não sabe como lhe chamar: será
magnetismo, sedução, sensualidade, ou talvez seja uma mistura de tudo isso?
Mas o mais estranho, é que dá consigo a pensar que não quer apressar as coisas,
não quer tê-la na cama só por ter, isso deixou de ser o mais importante! Tem a
certeza que quando suceder de fazerem amor, esse será um momento mágico
para ambos.

Vasco sente-se cada vez mais confuso. Marta desperta-lhe o desejo, mas
não é só desejo sexual, o que é, para ele, uma sensação estranha, até porque está

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habituado, mais precisamente, viciado, em conquistas fáceis e só “para o que é
que é”.

Considera que Marta é uma mulher diferente, de uma riqueza interior


impressionante e muito inteligente, o que despertou nele uma enorme vontade
de a conhecer melhor e de estar mais tempo com ela!

Falaram dos assuntos mais díspares e, para sua surpresa, apercebeu-se


que ela se movia bem entre conceitos, qualquer que fosse a área abordada.

Tem de admitir que a cultura geral, o bom senso, a perspicácia, e a


sensibilidade, que ela denota ter, o deixam verdadeiramente impressionado!
Mesmo porque, de todas as mulheres que conhece, e são muitas, poucas foram
as que demonstraram ter este tipo de abertura e, mais importante ainda, esta
capacidade de manter um diálogo interessante! Mas, a bem da verdade, ele
nunca se preocupou em tentar conhecer as mulheres que leva para a cama.
Limita-se ao acto sexual e a retirar o máximo prazer possível.

XII – INTIMIDADE

A semana terminou e Rita começou a pressionar Vasco para se


encontrarem. Afirmando que estava cheia de saudades.

Para obviar os problemas que se começam a desenhar no horizonte,


Vasco, opta por marcar um encontro com ela à hora de almoço. E, no final da
refeição, aproveita a ocasião para lhe pedir as chaves de casa. O argumento que
apresentou foi:
– Sabes estou a precisar de reflectir sobre o rumo que devo dar à minha
vida e sobre tudo o que nos tem sucedido nos últimos tempos. Acho melhor
darmos um tempo à nossa relação, até para podermos perceber o que sentimos
um pelo outro, e o que é melhor para nós.

Pinheirinho bem tentou demovê-lo mas Vasco mostrou-se intransigente.

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Quando chegou a casa, Vasco estava radiante consigo mesmo.
Finalmente voltava a ser dono da sua liberdade e da sua casa. Sente-se
preparado para, de uma vez por todas, conquistar Marta.

Os encontros, entre Vasco e Marta, tornaram-se cada vez mais frequentes


e, um mês depois, decidiram iniciar um relacionamento mais profundo, mais
íntimo.

No primeiro contacto sexual, Marta ficou muito admirada com a duração


da erecção de Vasco e, algo decepcionada, com a sua forma frenética de fazer
amor.

Quando terminou o seu primeiro encontro, Marta sentiu que tinha à sua
frente uma árdua tarefa: orientar Vasco no amor, para que a forma como ele faz
amor se aproxime mais do modo como ela gosta de fazer amor.

O seu ex-marido tinha o cuidado de se informar se estava a ser bom


para ela, se estava a ser prazeroso, e ela fazia o mesmo em relação a ele. Sem
querer entrar em comparações, mas apesar disso, fazendo-as, ficou com a
sensação que Vasco é algo egoísta na forma como se entrega ao amor. Ela, pelo
contrário é muito altruísta, primeiro quer dar muito prazer ao seu parceiro e só
depois retira o seu próprio prazer.

Vasco, à parte comentários algo vulgares – usa e abusa dos palavrões, o


que Marta considera de muito mau gosto, e que têm nela o efeito contrário do
pretendido, retiram-lhe o prazer do momento – mostrou-se muito reservado em
relação a verbalizar fosse o que fosse.

A sua técnica revelou-se frustrante para Marta, apesar de terem estado a


fazer amor durante cerca de duas horas e, de ela sentir um forte desejo por ele,
não conseguiu alcançar o orgasmo.

A variedade e mudança de posições foram demasiado rápidas.

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Marta está habituada a um amor calmo, meigo, sem acrobacias, com
muitas carícias, e dialogante, mesmo que nenhuma palavra seja pronunciada…
Vasco quer fazer dela uma contorcionista, mas a idade e a estrutura óssea de
Marta já não lho permite.

XIII – ESQUEMAS

À medida que o tempo passa, Vasco, sente-se cada vez mais pressionado
por Pinheirinho. E interroga-se sobre o que Rita quererá mais, pois ele não lhe
falta com nada: isto é, tem quase todos os dias relações sexuais com ela, mas
nunca mais permitiu que ela lá ficasse à noite e, muito menos, que lá
pernoitasse.

A partir das sete da tarde é para Marta que Vasco tem toda a atenção
deste mundo e cada vez gosta mais dela. Embora tente esconder isso de si
mesmo, argumentando que é apenas mais uma das suas conquistas.

Considera-a como alguém muito especial que o faz sentir bem. Satisfá-lo
sexualmente como nenhuma outra, mas não é apenas isso… Tem perfeita
consciência que adora falar e estar com Marta e, por vezes, basta-lhe isso, e esta
é uma experiência completamente nova para Vasco, que o deixa perplexo.

Confia em Marta. Ela não só é linda, dona de um corpo de modelo, com


um magnetismo que lhe desperta o desejo e o deixa completamente louco…
Também é uma mulher inteligente e muito perspicaz, tem que o admitir.

Mas não pode abdicar de Rita que é uma boa amiga de longa data com
quem pôde contar aquando da morte da mãe.

Marta, habituada que está a relações ditas normais em que a palavra-


chave é a confiança, nunca imaginaria tal situação. Não tem motivos para
desconfiar. Vasco falou-lhe de Rita como sendo uma grande amiga, alguém que

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apesar de ainda estar no presente, pertence, em termos amorosos, ao passado e
essa explicação foi suficiente.

Considera-se uma mulher independente, com uma vida bem preenchida:


trabalho, q.b., relações de amizade, e hobbies. Não sente necessidade de andar a
cuscar a vida dos outros.

A resolução dos seus problemas ocupa-lhe o tempo, e o pensamento.


Pelo que, nunca se apercebeu do corrupio de mulheres que Vasco “carrega”
para casa, nem mesmo da frequência com que Rita frequenta a casa.

XIV – A SURPRESA

Certo dia, estando Marta menos pressionada de trabalho, decidiu fazer


uma surpresa a Vasco e foi ter com ele a casa, a meio da tarde.

Aí, foi ela quem ficou surpreendida, pois quem lhe abriu a porta foi Rita
que de muito mau humor lhe perguntou:
– O que é que quer Marta?
– Boa tarde Rita. Eu quero falar com o Vasco, se isso não constituir um
problema para si… – respondeu-lhe Marta com um sorriso de irónico.

Apercebeu-se, de imediato, que tinha sido pouco educada com Rita


porque o comportamento dela era agressivo. E isso irritou-a, o que não era
muito usual nela. Ainda se interrogava do porquê daquela falta de chá de Rita
quando esta lhe disse:
– Entre. Eu vou chamar o meu namorado.

Marta ficou estupefacta, apanhada de surpresa só lhe ocorreu:


– Será que ela endoidou de vez!…

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Vasco, quando ouviu a campainha, bem se apressou por chegar à porta
antes de Rita, mas foi em vão que o fez, pois Pinheirinho disparou que nem um
relâmpago e como que movida a pilhas correu para a porta.

Tendo ficado sem alternativa, resta a Vasco fingir que está tudo bem.
Marta apercebeu-se que Vasco se esforça por aparentar uma naturalidade e
calma que está longe de sentir, mais não conseguiu que ficar sem jeito,
nitidamente comprometido.

Gaguejou quando a cumprimentou e evitou o beijo nos lábios, fingindo


estar ocupado com algo que estaria a passar-se no interior da casa.

E as coisas não ficaram por aí, a situação foi-se tornando cada vez mais
bizarra. Rita, num misto de ciúmes e rancor, começou a discutir com Vasco, na
sua frente.

Vasco pegou em Rita por um braço, e educada e suavemente foi-a


encaminhando, firmemente, para dentro de casa. Logo que conseguiu fechar a
porta voltou para junto do portão e pediu desculpa a Marta.

Mas Marta que não gostou do que presenciou, até porque está habituada
a ver brigas de casal. Assistiu a algumas com um casal amigo que têm uma
relação de cão e gato, o Jorge e a Becas que, como eles gostam de dizer, se
“aturam” um ao outro há onze anos.

Decidiu colocar um ponto final à sua visita. E estando naquele momento


a sós com Vasco, apesar de Rita os observar, disse-lhe:
– Agora não é o momento, nem o local para explicações. Mas faço
questão que me expliques o que se está a passar.
Das duas uma, ou a Rita enlouqueceu de vez, ou tu estás a fazer jogo
duplo. Muito sinceramente, estou mais inclinada para a segunda hipótese, até
porque esta justifica todo o teu comportamento dúbio, ao longo do nosso
namoro (cinco meses).

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– Não Marta. Estás enganada. É que a Rita de repente teve uma recaída e
agora está convencida que é a dona da casa. Agora peço-te, que vás para casa
que eu já lá vou ter contigo para esclarecer as coisas. Vai amor…
– Vou sim. Não porque tu me pedes mas sim porque o devo a mim
mesma. Não estou habituada a este tipo de situações e não é aos quarenta anos
que me vou sujeitar a elas.
Por favor, não faltes à tua palavra, pois precisamos de esclarecer toda
esta embrulhada em que me envolveste e de que nem sequer tiveste a
honestidade de me informares para saber se eu estaria disposta a um
relacionamento deste tipo.
E, já agora, por falar em esclarecimentos, talvez não seja má ideia
começares por o fazeres com a Rita, parece-me que, pelo menos, lhe deves isso.
Tchau. Quanto ao amor não sei. Logo se vê se sim ou não tenho razão.

Dito isto, Marta voltou costas e regressou a casa.

Vasco, enquanto Marta debitava a sua indignação, tentava argumentar


mas nem sequer se esforçava muito até porque tinha consciência que de pouco
adiantaria fazê-lo.

XVI -- FAZ-SE LUZ

Enquanto percorre, a pé, a pequena distância que a separa do seu Monte


vai pensando o quanto tudo isto lhe faz sentido agora. Vasco sempre evitou que
Marta o visitasse durante a tarde e fazia questão de se ir encontrar com ela, em
sua casa. De repente tudo faz sentido. Fez-se, finalmente, luz!

– Pois claro! – disse de si para si – Vasco raramente se permite chegar ao


orgasmo enquanto me penetra, e agora percebo muito bem o porquê. Ao
contrário do que ele me disse:
– Não quero que engravides, tal como já sucedeu com outras namoradas minhas
que apesar de tomarem a pílula ficaram grávidas. Não quero sujeitar-te ao aborto. Aliás

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todas as minhas namoradas fizeram um aborto, sou um homem muito potente, os meus
espermatozóides são muito resistentes.

Na altura Marta achou-o patético e a razão que agora intui leva-a a


concluir que Vasco não se quer entregar, como se costuma dizer “de corpo e
alma”, não se quer envolver afectivamente com ela.

O argumento que ele tinha apresentado era, tal como ela suspeitara na
altura, apenas uma “desculpa de mau pagador”. De facto, não há nada de mais
íntimo e natural que, duas pessoas que se amam, tentem atingir o orgasmo ao
mesmo tempo, entrelaçados num abraço profundo que envolve todo o seu ser.

Propositadamente, demorou uma eternidade a transpor o percurso que a


separa de sua casa.

Quando, por fim, chegou a casa sente uma profunda serenidade que lhe
advém do facto de se terem dissipado algumas dúvidas que a tinham deixado,
sem que ela se tivesse apercebido, tensa. Estava finalmente ciente e consciente
que a sua intuição estava correcta, de facto algo de estranho se estava a passar e
agora sabia-o: Vasco andava a trai-la com Rita… ou talvez o inverso seja ainda
mais verdadeiro, até porque a sua “amiga” Rita já existia quando Vasco decidiu
aproximar-se dela.

Nesse preciso momento sentiu uma pena imensa de Rita, mais do que de
si. E diz para consigo:
– Eu já tive um marido e só não tive filhos com Carlos Cerdeira porque
sempre tive a certeza de que ele não era o homem indicado para ser o pai dos
meus filhos, vejo agora que nunca o amei como pensei tê-lo amado.
Mas a Rita que ainda nunca viveu uma relação deste tipo como é que ela
se sentirá ao viver um pseudo namoro com Vasco? Ou será uma pseudo relação
conjugal?
Vasco raramente se encontrava comigo nos fins-de-semana agora já
começo a perceber o porquê. Mais uma vez a minha intuição estava correcta e
eu não lhe dei ouvidos. Ao contrário do que ele me dizia, ele reservava os fins-

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de-semana para estar mais tempo com Rita. Não era com o filho que ele passava
esse tempo.
Como é que pude ser tão ingénua? Afinal o que é que ele quererá de
mim?
Será apenas sexo? Será que me estou a tentar enganar quando penso que,
apesar de todas as evidências, Vasco também me ama? Será apenas o não
querer assumir o insucesso, ou a dor que causa saber que não somos amados
pelo ser que amamos?

Quando chega a casa, e porque apesar de tudo se sente um pouco tensa,


decide dedicar-se ao seu hobby favorito a jardinagem. Embrenhada no trabalho
e rodeada das suas plantas, vai pensando que Vasco conseguira sem que ela se
tivesse dado conta, na altura, quebrar a sua harmonia, a sua serenidade e isso
ela não pode deixar que suceda e muito menos que se reflicta na sua maneira de
estar na vida. Apercebe-se agora que apesar de se sentir bem ao lado de Vasco,
sempre sentiu um certo estado de tristeza, como se lhe faltasse algo, que não
sabia definir até lhe ter sido revelado por Rita e isso ela tinha que lho agradecer.

Aguardou por Vasco até às nove horas da noite, mas ele não apareceu, o
que não foi surpresa para Marta. Esta foi ocupando o tempo com coisas que lhe
dão prazer, e nem sequer se aborreceu por ele ter faltado à palavra. Aliás, já
estava à espera de algo do género.

XVI – PREPARA O TERRENO

No dia seguinte, bem cedo, Vasco toca à campainha. E mal ela abre a
porta, já Vasco está a tentar desculpar-se, visivelmente ansioso e pouco à
vontade.

– Marta, meu amor… Tenho que te pedir desculpa por ontem mas não
me foi possível livrar-me de Rita. Ela está muito em baixo e eu tenho que a
apoiar, até porque não me posso esquecer que quando a minha mãe morreu, e
eu precisei foi ela quem aturou toda a minha dor (as suas eternas bebedeiras –

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eternas porque nessa época estava permanentemente ébrio – bem como os seus
ataques de choro e de mau génio).
– Ficam-te muito bem esses sentimentos. Mas, será que é necessário
recordar-te que os telefones também servem para essas eventualidades, para
avisar que não se pode comparecer ou que não dá jeito?
Agora, e se não estás demasiado apressado para ires trabalhar, ou fazer
qualquer outra coisa, podes entrar e tomar o pequeno almoço comigo ou, caso
já o tenhas tomado, talvez possas fazer-me companhia e, quem sabe, aproveitar
para esclarecer toda esta embrulhada em que me envolveste.
– Adoraria Marta, mas não posso. Tenho uma reunião marcada para
daqui a vinte minutos, tenho que ir a voar até lá. Mas fiz questão de vir ver
como estavas e pedir-te desculpa. Depois falamos… Então, tchau, meu amor.
– Tudo bem, falamos mais logo. Quando te der jeito, é claro! E sabes uma
coisa, não me surpreende nada que estejas com tanta pressa. Porque será?
Agora vai, e não te preocupes comigo. Eu estou bem. Mas não te
esqueças que precisamos de falar. Seja qual for o rumo que tome a nossa vida, a
verdade é que esta relação não se iniciou pelo telefone.
– Sim.
– Então, até logo e, já agora, boa reunião e um bom dia de trabalho…
– Hem! À, sim obrigado!… Tchau… E pensou: – De facto esta mulher é
mesmo um espanto. Como ela sabe reagir tão dignamente e ainda é capaz de
ironizar. Que mulheraça!

XVII – A SECRETÁRIA

A sua secretária, Zélia Tabaco, está cada vez mais cansada de o encobrir,
mas precisa do dinheiro para viver. Não fora esta necessidade e há muito que o
tinha denunciado, até porque ele é uma pessoa intratável, de uma falta de
educação que continua a surpreendê-la, pela negativa, apesar de já trabalhar
com ele há três anos.

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Há seis meses atrás viu-se obrigada a ter uma conversa definitiva com
ele, na qual colocou os pontos nos “is”. E tudo isto porque foi severa e
injustamente repreendida, por diversas vezes, pelo chefe de Vasco.

Foi acusada de estar a encobri-lo. Na realidade, o que sucedia é que


perante a ausência de resposta aos seus pedidos de comparência com urgência
enviados pelos mais diversos meios: telefone, fax, telemóvel, e porque lhe era
exigida uma explicação para o facto de ele não estar presente, ela acabava,
invariavelmente, por concluir que:
– O Dr. Vasco deve estar numa reunião com algum cliente pois está
incontactável, e como não tenho nenhum registo isso só pode querer dizer que a
reunião foi marcada pelo cliente em cima da hora, caso contrário ele ter-me-ia
avisado.

Que mais podia ela fazer? Dizer que estava cansada de trabalhar com
um fanfarrão, irresponsável e incompetente? Quantas vezes desejara poder
responder com a verdade nua e crua, mas ditava-lhe o bom senso que se assim
o fizesse quem iria ser despedido seria ela e não ele.

Nesse dia, Vasco, mostrou-se muito humilde, pediu inclusive desculpa e


prometeu que não voltaria a faltar à sua palavra. Concordou com Zélia que o
melhor seria ela apresentar uma desculpa (uma reunião fora) e depois telefonar-
lhe que ele está no serviço, impreterivelmente, vinte e cinco minutos depois.

Ficou igualmente assente que se ele quebrar, uma vez que seja, o acordo,
ela não espera que o Director de Vasco, o Dr. Paulo do Ó, a chame, é ela quem
vai, apresentar queixa e daí lava as suas mãos.

Zélia está confiante que Vasco percebera a mensagem pois, desde essa
sua conversa, não só ele atende de imediato o telefone como lhe pede desculpa
pelo incómodo causado, isto é, pelos elevados níveis de stress provocados pelo
receio de ser apanhada em falta por causa dele. E tem vindo a cumprir o
acordado.

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A partir desse dia, Vasco tem-se esforçado por ser mais educado com
Zélia. Quando pretende ficar em casa, “a trabalhar”, liga-lhe logo de manhã a
avisá-la e aproveita para se inteirar se está tudo bem com ela, se não voltou a
ser incomodada pelo “parvo do Paulo”, etc.

Zélia cumpridora que é dos seus horários e que tem o orgulho de se


poder considerar uma boa secretária, não tem qualquer intenção de vir a ser
despedida por causa de um irresponsável e mentiroso como Vasco.

XVII – UMA MANHÃ DE TRABALHO

Vasco chegou às dez e meia da manhã ao serviço, o que não é de


estranhar nele. Aliás, estranho seria ele chegar a horas, até porque a maior parte
das vezes nem sequer lá vai, apesar do horário estabelecido ser das nove às
cinco. Tem, no entanto, alguma flexibilidade, dado o seu estatuto de criativo e,
acima de tudo, porque já ali trabalha há quinze ou dezasseis anos, e os colegas
já lhe conhecem as manhas.

Hoje, logo que chegou, dirigiu-se ao gabinete da secretária para saber se


está tudo bem com ela, e se tudo esteve sob controlo durante a sua ausência.
Isto é, ontem não compareceu ao serviço e quase não falou com ela, apenas lhe
telefonou uma vez, de manhã, para a informar que não ia ao gabinete. Pelo que
sentindo-se profundamente culpado necessita de se mostrar muito atencioso e
interessado.

Como esta o tranquilizou dizendo-lhe que estava tudo bem Vasco foi
“trabalhar”.

Pousou a pasta em cima da cadeira, no seu gabinete e, para matar a


ociosidade, dirige-se, de imediato, aos gabinetes dos diversos colegas para
saber como está tudo. Nesse momento, aproveita para se pôr a par das últimas
novidades, estas mais não são que as novas anedotas que correm pela empresa.

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Depois de ter percorrido os diversos gabinetes, e de se ter mostrado
muito atarefado, em pleno processo criativo, está tão satisfeito consigo mesmo,
quase eufórico que, para escamotear a ansiedade que sente, um verdadeiro
frenesim, decide fazer alarde das suas proezas sexuais, junto de um ou outro
colega.

– Sabes Ricardo agora até ando com duas ao mesmo tempo. Uma à tarde
e outra à noite. Elas adoram-me…
– Hã, pois… Isso deve ser óptimo, pá!… – e sem sequer olhar para ele,
continuou a andar, pensando:
– Este tipo é mesmo um galhordas. Que cretino! Vai sendo tempo de
crescer?

Apercebendo-se que com Ricardo não ia conseguir falar dos seus feitos, e
como não gostava de dar o braço a torcer, despediu-se apressadamente dele:
– Então até logo, sabes estou cheio de pressa. Ainda tenho um assunto
urgentíssimo a tratar, antes de ir almoçar.

Quando se dirige para o seu gabinete cruza-se com uma “menina das
informáticas” que é, no seu entender, um “naco” de mulher. Enche o peito de ar
e, destemidamente, decide engatá-la, ali mesmo, em pleno corredor para que
todos possam vê-lo em plena acção…

– Olá, cara colega! Deixe que lhe diga mas, a Rosália, hoje está um
espanto. Não me leve a mal o elogio. Eh! Eh! Mas, sabe, não resisto a uma
mulher bonita e ainda por cima charmosa como a Rosália…
– Ah não?! Então talvez seja melhor dizê-lo ao meu marido. Por acaso
não precisa de lhe telefonar, nem de esperar muito para o fazer, ele acaba de
cruzar aquela porta – e aponta para a porta de entrada ao fundo hall, a qual se
situa mesmo atrás de Vasco.

Vasco, visivelmente atrapalhado, pede-lhe muitas desculpas e tenta


retirar-se o mais depressa que pode, pensando:

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– Decididamente hoje o dia não me está a correr de feição. Primeiro
aquele idiota do Ricardo e agora esta. Era só o que me faltava uma reunião de
família por causa de um piropo tão inocente. Eu nem sequer insinuei que a
queria levar para a cama!…

Rosália é uma mulher determinada, com uma forte personalidade. Bem


informada e astuta. Ao se aperceber da intenção de Vasco querer “sair de
mansinho”, impede-o de se afastar pegando-lhe no braço e diz-lhe, olhando-o
bem nos olhos:
– Não se esqueça caro colega que aquilo que acaba de fazer chama-se
assédio sexual e, nesta empresa graças a Deus dá direito a processo disciplinar,
já para não falar de despedimento por justa causa.
Hoje vou relevar, porque estou bem disposta e não permito que um
idiota chapado me estrague o dia.
Então, passe bem caro colega!

Vasco ficou literalmente sem palavras, entrou em pânico e nem se


atreveu a balbuciar um pedido de desculpa com receio que isso fosse
interpretado como uma confissão de culpa.

Alguns segundos depois, já recomposto do susto, Vasco considera o


incidente perfeitamente descabido, no entanto, e como diz o velho ditado: “gato
escaldado de água fria tem medo”, decide afastar-se dali o mais rápido possível.

Decididamente o dia está-lhe a correr mal! Pelo andar das coisas, daqui a
pouco está a ser chamado ao Director, que ele considera um novato, lambe
botas, pretensioso, com o rei na barriga.

– Era só o que me faltava vir a ser repreendido por um puto que nem
barba tem!
Estas gajas andam todas histéricas! Estão completamente alucinadas!…
Já um gajo não pode fazer um piropo que ficam logo convencidas que as estão a
seduzir ou assediar…

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Entra de rompante no gabinete apanha a pasta e sai logo de seguida
dirigindo-se ao gabinete da secretária para a avisar que vai sair para almoçar e
que hoje já não volta ao serviço. Diz-lhe:
– Zélia qualquer coisa ligue para o telemóvel. Hoje não me estou a
conseguir concentrar aqui, vou para casa e até o telefone fixo vou desligar, não
quero de forma alguma ser incomodado, preciso estar sossegado a trabalhar no
novo projecto que tenho em mãos.

Zélia diz-lhe que sim com a cabeça, pois está ao telefone, e de si para si,
fica-se a rir. Rosália está do outro lado da linha e acabou de lhe contar o
sucedido. Pensa:
– Sim, sim. Foge “com o rabo entre as pernas”. Cobarde! Pensas que
levas sempre a melhor mas a Rosália chegou para ti. Ah! Ah! Ah! – e voltando-
se para ele diz-lhe:
– Tenha uma boa tarde de trabalho doutor! Até amanhã.

XVIII – O ALMOÇO

Uma vez na rua decide ir almoçar e como não gosta de tomar as refeições
sozinho, lembra-se de convidar o seu grande amigo João Cavaco. Assim, “mata
dois coelhos de uma cajadada só”, fica com um excelente ouvinte, o João adora
estar a par dos seus feitos sexuais, das suas conquistas e, por outro lado o
almoço sai-lhe a custo zero. “Se bem pensou, melhor o fez”, pega no telemóvel e
liga-lhe.

– Está? João? – diz ele num tom de voz bem próximo do grito.

Isto porque optou por uma rede que tem uma cobertura algo deficiente
na zona do Algarve, só porque todos os “tipos” que realmente interessam estão,
segundo ele, conectados a ela, e como se considera também ele uma pessoa VIP,
não podia de forma alguma ir para a concorrência.

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Por outro lado, este facto faz com que se assista a situações algo caricatas
que só vêm acrescentar um pouco de sabor à vida. É uma alegria, vê-los a sair
dos edifícios de telemóvel “xpto” em punho a falarem aos gritos!

– Está? Fogo pá, esta porra não dá com nada… Primeiro que te consiga
apanhar… o que é que tens andado a fazer grande cabrão? Olha vou agora
almoçar e lembrei-me de te convidar. Que tal? Hã, pá? Esta porra!… Sim diz.
– Estava-te a dizer que hoje não me dava jeito. Não pode ser antes
amanhã e, em vez de almoço, ser um jantar?
– Não pá. Porra pá! Sempre que preciso de falar contigo nunca podes.
Fogo pá. Caraças…
– Pronto. Está bem. Sabes aquela garina, a… a… Ah! Já me lembrei do
nome, a Joana Covinhas, aquela febra que é mesmo “um pedaço de mau
caminho”, finalmente aceitou almoçar comigo e sabes como é…
– Oh pá deixa-te de merdas… Tens muito tempo para te afiambrares a
essa puta. Telefona-lhe a desmarcar o almoço e, nem a deixas respirar, marcas
logo um jantar à luz das velas! Até podes enfrascá-la que ela nem dá por isso…
Pode ser que no final esteja tão escuro que se perca e vá directamente para a tua
cama. Que tal esta, hem?
– Tudo bem. Pode ser que ela caía nessa, até teria a sua piada… Ah! Ah!
Tu és o máximo…
A gaja até se tem andado a armar em finória comigo… Não sei se estás a
ver a sorte que a espera? Tu conheces-me bem… Eh! Eh!
OK. Então, onde é que vamos almoçar?
– Agora sim. Agora já és o tipo que eu conheço e não um maricas
acagaçado… Por momentos, pensei que estavas amansado, por causa dessa
filha da puta. Até me assustei, porra pá…
– Então e onde é que nos encontramos?
– Que tal o Arcadas, estão lá sempre os finórios. Como tu sabes tem um
bom marisco ou, se o preferires, bons pratos de caça. Eh! Eh! Caça, não sei se
estás a ver? Ah… e antes que me esqueça és tu que pagas. Sabes como é, as
garinas chupam-mo todo. Ah! Ah! Carago, hoje estou mesmo inspirado… agora
a sério, tu até podes. Tu és uma porra dum ricaço…

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Agora tenho que desligar, até daqui a vinte minutos.
– Vinte minutos?!… Tás doido ou quê? Eu demoro pelo menos trinta e
cinco minutos, e é preciso ir a abrir… Até logo, e quem chegar primeiro espera.
Tchau.

Quando Vasco entrou no Arcadas Café, o empregado de mesa, assim


que o viu, dirigiu-se solicitamente a ele e perguntou-lhe:
– Está à espera de alguém doutor? Talvez uma amiga? – e pisca-lhe o
olho.
– Olha Carlitos, sim e não. Estou de facto à espera de uma pessoa mas,
infelizmente para mim, não é uma senhora. E, felizmente para ti é o meu amigo
João. Aquele que é dono de metade do Ribatejo. Sabes?…
– Se sei. É um dos nossos melhores clientes e, entre nós que ninguém nos
ouve, deixa sempre uma bruta gorjeta, não desfazendo no doutor, é claro…
– Então arranja-nos a melhor mesa, com a melhor vista para o mar e a
mais reservada, porque eu e o João vamos ter uma conversa privada.
– É para já doutor. Talvez aqui a mesa seis. Que tal?
– Está óptimo. Obrigado. Entretanto podes trazer algo que me abra o
apetite – e dizendo isto, piscou-lhe o olho em sinal de cumplicidade.
Carlitos afastou-se para logo regressar com uma entrada de amêijoas ao
bulhão pato e um bom vinho verde. Dizendo:
– Tomei a liberdade de escolher o vinho. Esta é a casta da preferência do
doutor e, ainda por cima está bem geladinha.
– OK. Carlitos. Mas diz-me só uma coisa. A quem é que roubas-te as
amêijoas?
– Ah, isso? Mesa treze. Os camones nem dão pelo atraso tão entretidos
que estão com o pão e o caroço das azeitonas. Ah! Ah!
– És o máximo Carlitos. Essa teve imensa piada. Ah! Ah!

No entretanto, chega João. Que ignora o empregado de mesa que se


dirige para ele, e olhando de relance para a sala, logo que vê Vasco, dirige-se na
sua direcção.

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– Então meu velho? Sempre o mesmo? Já estou a ver que alguém ficou,
outra vez, sem entrada!… Ah! Ah!
– Claro! Então não conheces o poder de persuasão do je? Ninguém me
resiste. E por falar em não me resistirem, já te contei que agora tenho duas em
permanência?
– Não pá. Mas não me espanta. Não sei o que é que fazes a essas gajas
mas elas não te largam. Um dia ainda tens de me contar em pormenor, mas
agora – e voltando-se para Carlitos diz-lhe: – venha de lá essa lista que eu estou
cheio de fome.

Confidências
Ao longo da refeição Vasco foi apresentando os detalhes picantes das
garinas com quem faz sexo.

Há a eterna Rita, que já está bem domada e o sexo anal com ela é um
espanto. É óptimo ouvi-la gritar de prazer (ou será de dor?).

– Só para teres uma ideia de como domei a Rita. Tu sabes, a minha


menina. Há um mês atrás não podia aproveitar a bela piscina, apesar do sol
radioso e da temperatura da água ser a ideal, só porque, como ela dizia:
– “Não me sinto à vontade com os homens ali em baixo” – os gajos da
construção civil que estavam a acabar o pombal, que fica na zona da adega e
arrecadações, o piso térreo.
– Já me falas na Rita ta há um ror de anos e nunca ma apresentas-te.
– Não corro esse risco. Se a tipa sabe que és rico ainda muda de campo e
as coisas estão bem como estão. Ah! Ah!
Mas estava eu a dizer, a gaja estava armada em fina. Agora, é vê-la a
mergulhar nua na piscina e a tomar banhos de sol sobre a relva “como Deus a
deitou ao Mundo”, em pleno dia. É um portento!
Descobriu que adora levar com ele, ao ar livre, sobre a relva em todas as
posições, e adora montar-me. Sempre que estou inspirado, mergulhamos na
piscina e lá dentro faço a festa. Como ela grita e guincha… só visto, hum, que
prazer!

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Constata-se uma vez mais que as meninas de boas famílias já não são o
que eram. Aparentemente tão inocentes dão-se ao desfrute dos prazeres carnais
e, à exposição das suas partes pudicas, em plena luz do dia, aos olhos de
qualquer caminhante.

De facto, Rita, só pode ser um espectáculo de miúda!

É sem sombra (porque não se protege dos raios solares) de dúvida uma
bela vista! Que o digam os jovens, e os menos jovens (velhotes) da aldeia, que
não sendo egoístas, passaram palavra, aos amigos: recomendam-na!

Desde que descobriram este novo atractivo paisagístico fazem os


impossíveis por passar frente à Vivenda Regalo. E que regalo para os olhos
daqueles homens habituados a uma vida bem pacata em que os dias se seguem
uns aos outros sem grandes alterações.

Ao longo dessa semana, para além das duas namoradas fixas, Vasco
confessou a João, já sob o efeito do álcool, ter levado mais quatro tontinhas para
a cama:
– Puro gozo pá! As gajas caiem na cantiga do vigário, ou melhor, caiem
na cantiga do Vasco? Ah! Ah! Esta teve piada, hem?
– Só eu não tenho a tua sorte, isto é, não tenho a tua lábia, é o que é.
Primeiro que consiga engatar uma garina vejo e desejo-me e depois, quando
começam a levar com ele, só falam em casamento. Não sei onde é que estas
gajas têm a cabeça. Em vez de quererem gozar, querem é pôr a trela a um tipo.
– Tu dás-lhes muita atenção e do que elas gostam mesmo é de desprezo
e, uma vez por outra um belo tabefe…
Mas estava-te a contar… Ah, sim, com a Gabriela, a secretária daquele
gajo que tu também conheces, o… o Brito Sequeira. Fingi que já não dava uma
há meses, foi mesmo à fossanguice. Estava cheio de pressa, mas arranjo sempre
tempo para mais uma. Sabes como é? Ela queria e, eu, em meia hora dei conta
do serviço, despachei-a.

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As vistas que lhe mostrei da casa foi o chão da sala, mas devias vê-la a
gritar de prazer. E quanto mais ela gritava, mais fundo eu o enterrava. Foi para
casa sem cuecas e sem soutien, são o meu troféu de caça.

E serve-se de mais um copo.

– A Amélia Reis, uma gaja que trabalha no economato da Simões &


Simões, Lda., já teve direito a ser despida à entrada de casa. Quase que lhe
arrancava a roupa.
Estava mesmo louco, a gaja esteve a provocar-me durante todo o almoço.
A minha vontade era rasgar-lhe a roupa toda para ela ver como é que lhe
cantam. Enquanto a ia despindo, ia-a encostando ao corrimão da escada e dei-
lhe por trás, uivou de prazer. Foi mesmo como ela gostava, à bruta, apalpei-a
toda com força e deixei nela a minha marca.
Fiz-lhe uma série de chupões para o enconado do marido ver que há
homens que são capazes de lhe dar o que ela quer. A essa fiquei-lhe com as
cuecas como recordação. Gostou tanto que está farta de me ligar para saber
quando é que lhe posso dar outra…

Bebe um longo trago, e continua:


– Com a Brigitte le Clerc fui mais meigo, um pouco mais civilizado…
Mas também temos que ter em atenção que era produto importado, pelo que
merece um tratamento VIP.
A gaja tem tudo no sítio. De certeza que se vai lembrar de recomendar
aqui o macho junto das outras – e aponta para o peito – o que aumenta o
número de garinas do meu harém. Ah! Ah!
Levei-a para o quarto e antes que ela se apercebesse já estava a levar com
ele. Nem lhe dei tempo de se despir, estava de mini-saia, atirei com ela para
cima da cama, desapertei as calças com um puxão, peguei-lhe nas cuecas,
puxei-as para o lado e atirei-me a ela.
Levou com ele em todas as posições, devias ver a cara, de espanto e
prazer, da gaja. Havias de ver e ouvir os guinchos da gaja quando estava a levar
com ele por trás. Com ela, admito, caprichei, estive praí uma hora e meia. No
final ela já se enroscava toda a mim e pedia-me: – Give me more Vasco, please.

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Serve-se de mais um copo, porque falar seca muito a garganta.

– E também estive com a Olívia Rebelo. Carago! Não faças essa cara de
espanto.
– Hem quem? Ouvi bem! Aquela puta que andei a comer durante meses?
Aquela que tem um repertório impressionante de guinchos. Que gosta
de ser comida à bruta? És mesmo um cabrão de sorte pá. Telefonaste à porca? E
a vaca, como é que ela reagiu quando a espetaste?
– Ela é que me telefonou para me dizer que tu já não a comias há uns seis
meses. E eu, um coração mole, mostrei-lhe do que sou capaz, por amizade e
solidariedade, claro!
– Sim, pois claro.
– Sempre me saíste cá um amigo da onça. Podias ter-me dito que já não
querias nada com ela, ou melhor, podias ter-ma passado.
A gaja tem mesmo tudo no sítio! Mexe-se e geme como poucas.
Essa teve sorte. Apanhou-me num dia em que tinha tempo. Estive com
ela quatro horas, uma verdadeira maratona. Para aquecimento, e depois do
almoço, bebemos uma garrafa de champanhe bem geladinha. Reguei-a e bebi-a
e ela chupou-mo todo. Depois mostrei-lhe o meu repertório completo, levou
com ele todo, bem no fundo, e em todas as posições que possas imaginar.
Adorou.
Quando lhe dei com ele por trás, eu já estava com a pressão toda e, fui
mesmo bruto mas, a gaja vibrou e, pediu-me para lhe ir ao cu.
Havias de ver a cadela a ganir quando lho meti todo lá dentro. Que
prazer só de pensar já estou a ficar teso. Desculpa lá pá… Ah! Ah! A vida é
mesmo irónica, vê lá tu… Uns perdem e outros ganham. Tu fizeste pressão para
lhe ires ao cu e ela népia, e a mim saiu-me a lotaria.

Curiosamente, e apesar de João ter perguntado insistentemente quem


era a outra fixa, e como é que ela era na cama, a verdade é que Vasco optou por
mudar de assunto, esquivando-se, assim, à resposta.

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Recordações
– Olha lá João, e tu lembras-te daquele ano em que passamos férias
juntos, e que fizemos aquela aposta maluca que quem comesse mais mulheres
naquele mês ganhava um jantar no melhor restaurante de Madrid? Foi o
máximo, hem?
– Se me lembro. Bons tempos esses…
– É pá eu tive dias de comer duas e três. E a bebida. Já nem se fala
estávamos sempre atestados. Aquilo é que foi curtir pá…
– Olha, por falares nisso, a tua “ex” ainda nos acompanhou em algumas
incursões aos bares. O jeito que ela tinha para nos ajudar a engatá-las. Ah! Ah!
– Ah! Ah! Se ela soubesse que estávamos a usar, com o feitiozinho que
tem, matava-nos. Ah! Ah! Mas nunca suspeitou de nada. Também foi logo
depois do divórcio e ela queria a reconciliação…
– Uma gaja porreira essa, bem diferente das outras. Já não a vejo há dois
anos. Como é que ela está?
– Continua aquela máquina. Casou à coisa de uns seis meses com um
tipo todo intelectual, diz que é professor. Não sei…
Ela merece um tipo decente, ela é bem porreira.
– Essa é que te ficou atravessada! Pensavas que a enganavas mas saiu-te
o tiro pela culatra.
– Tu nem me fales disso, pá!… Sabes bem que eu não tive nada a ver
com isso.
Lembras-te de eu te ter dito que começaram a meter-se uns e outros, a
fazer intrigas e nós limitámo-nos a assistir ao ruir do casamento, não fizemos
nada para contrariar.
Agora já chega de merdas pá. Que tal um digestivo para rematar o
almoço? Come-se bem aqui. Carago!
– Mas que boa ideia! Quantas garrafas é que deitámos abaixo, caraças?
Três, hem? É uma boa média. Continuamos em forma, porra!
– É mesmo uma boa média, como nos velhos tempos. Agora só falta
mesmo o digestivo – e, enquanto diz isto, Vasco faz sinal ao empregado.
O solícito Carlitos apressa-se a responder ao chamamento. Está
cansadíssimo, foi um corrupio de clientes e, para ajudar à festa, aqueles dois

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chagas!… O que o anima é saber que no final vai haver uma gorjeta choruda,
que aquele papalvo do João deixa, nunca menos de dez euros. Junto à mesa faz
o seu melhor sorriso, esboça uma vénia e pergunta:
– Os doutores já terminaram? Talvez queiram o digestivo do costume,
não é verdade?

João respondeu-lhe, sem olhar para ele: – Sim, sim, se faz favor mas isso
bem servido! – e, voltando-se para Vasco, continua:
– Olha lá, e o trabalho como é que vai?
– Caraças, pá. Porra, pá… Já me estragaste a refeição!
Então hoje aquela vaca da Rosália… aquela das informáticas. Tu sabes eu
já te falei dela, aquela que tem uns dentes de cavalo que até metem medo ao
susto! Embicou comigo só porque lhe fiz um pequeno elogio. Veio logo para
cima de mim com aquela treta do assédio sexual. Imagina se eu ia com aquilo
para a cama. Assédio… Ah! Ah!
– É tudo uma cambada de putas…

Depois de bem bebidos, saíram do restaurante e dirigiram-se ao parque


de estacionamento tendo-se despedido um do outro, como era seu hábito sem
trocarem uma palavra, com um piscar de olho e uma forte palmada no ombro.

XIX – CICLONE RITA

Enquanto decorria o almoço de Vasco com João, Marta é surpreendida


com a visita, não anunciada, de Rita.

Rita inicia um interrogatório extremamente agressivo mal Marta lhe abre


a porta.

– És capaz de me dizer porque é que o Vasco te telefona tantas vezes ao


dia, e às duas, três ou mesmo cinco da manhã? E porque é que tu telefonas para
o Vasco tantas vezes? Podes responder-me? O que é que o Vasco sente por ti?

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Marta apercebe-se que Rita está fora de si, pelo que, decide falar com ela,
mas primeiro teve que estabelecer algumas regras:
– Antes de mais boa tarde Rita. Faz favor de entrar.

Já no interior e enquanto a conduz até à sala vai dizendo:


– Aqui estamos mais à vontade, temos mais privacidade.
– Mas podes responder-me?
– Em relação à primeira pergunta que me estás a fazer deverás dirigi-la
ao Vasco e não a mim, só ele te pode esclarecer do porquê de me telefonar
tantas vezes ao dia e às mais variadas horas. Depois não gosto de ser
interrogada por alguém que mal conheço. Não sei se já te apercebeste mas estás
a invadir a minha privacidade…
– Mas, como mulher, podes dizer-me o que se passa entre ti e o Vasco?
– Claro que posso responder à tua pergunta mas primeiro tens que
modificar a tua postura, não podes ser indelicada e agressiva comigo. Estou a
receber-te na minha casa, apesar de nada me obrigar a fazê-lo.
E, como deves calcular, não estou habituada a discutir com as pessoas, é
uma questão de princípios.
– Mas podes responder-me, por favor?
– Já te disse que sim, mas primeiro quero deixar bem claro que tenho o
maior prazer em falar contigo, apesar de esta ser uma situação muito delicada
para ti e para mim. Até porque percebo porque é que estás tão chateada
comigo, ou melhor porque é que estás tão zangada com o Vasco.
Se, mesmo assim, persistes em querer discutir, o melhor é saíres já.
– Desculpa Marta, tens toda a razão em estabelecer as regras da nossa
conversa. Também não vim aqui para te fazer nenhuma cena e na verdade
apenas pretendo perceber o que há entre ti e o Vasco. Não quero, de forma
alguma, discutir. Desculpa esta minha entrada intempestiva, estou com os
nervos em franja.
Agora podes então dizer-me, como mulher, o que se passa entre ti e o
Vasco?
– Claro que sim! Não é segredo para ninguém, eu namoro com o Vasco
desde há cinco meses. Mas pensei que ele já to tinha dito.

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Agora responde-me tu, pois fiquei curiosa, como é que tu sabes que o
Vasco me telefona e inclusive o número de vezes e horas a que o faz?
– Isso é simples! Eu andava desconfiada que algo se estava a passar pelo
que fui ver à factura do telemóvel. E para te provar que vim aqui com a melhor
das intenções e que apenas pretendo apurar a verdade digo-te que fui eu que,
por várias vezes, te liguei com o código de ocultar o número, sabes o número
suprimido. Apesar de estar envergonhada de ter chegado a tal extremo de
cobardia tenho que confessar que não tive coragem de falar contigo, eu apenas
queria ter a certeza que eras tu.

Nas ausências de Vasco, Rita é a grande detective, que tanto invade a sua
privacidade (dele) como a das suas amigas. Quando Vasco a trata com mais
desprezo, ou a repudia, ela não olha a meios, pega no telefone e liga às mais
diversas horas do dia ou da noite para as amigas de Vasco (que não conhece),
para lhes fazer um interrogatório muito semelhante ao que veio fazer a Marta.

– Por acaso não me surpreende, eu suspeitei que fosses tu desde a


primeira vez em que isso sucedeu.
Quando fomos apresentadas, há uns seis meses, recordas-te? Eu tinha
sido convidada para ir jantar lá a casa e tu apareceste de surpresa. Recordo-me
agora que o Vasco ficou admirado de te ver por ali e muito pouco à vontade.
– Sim recordo-me. Tinha-mos acabado de fazer as pazes e pouco depois
ele veio com a conversa de dar um tempo à nossa relação. Eu achei isso muito
estranho desta vez nem sequer tinha-mos discutido nem nada. Foi esta minha
suspeita que me levou a passar lá por casa e depois ainda fiquei mais
desconfiada, pois confirmei a minha suspeita ele estava de facto acompanhado
por outra mulher. Eras tu.
– É verdade, recordo-me bem, ele ficou pouco à vontade e acabou por te
convidar para jantares connosco. Tu foste de tal modo indelicada, que eu só
fiquei por respeito ao Vasco. Por minha vontade dava meia volta e saía. Apesar
disso jantámos os três e tudo decorreu normalmente, de uma forma educada.
Se eras a namorada, porque é que, quando o Vasco te apresentou como
uma grande e velha amiga, tu não o corrigiste?

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– Porque estávamos assim… meio afastados. Sabes a minha relação com
o Vasco sempre foi muito difícil, com muitas brigas e discussões mas, é como se
não pudéssemos viver um sem o outro porque acabamos de brigar e já estamos
a fazer as pazes. Ele tem o problema da bebida e quando está com os copos não
pode ser contrariado senão parte tudo. Sabes como é?
– Por acaso não sei. De facto já várias vezes o vi com um pouco de álcool
a mais, mas nunca fez nenhuma cena comigo.
Agora e para responder à tua primeira pergunta, ele contou-me que
vocês tinham vivido maritalmente, durante alguns meses, mas que não tinha
dado certo e que assegurou-me que estava tudo terminado entre vós. Como é
que eu podia adivinhar que não era bem assim, depois daquela apresentação?

Mais calma, Rita contou-lhe a sua versão dos acontecimentos.

Está a ser “manipulada” por Vasco, porque deixa e quer, há quase três
anos! Enquanto Rita lhe ia confessando pormenores da sua relação com Vasco,
Marta, deu consigo a pensar que é preciso não ter um pingo de amor-próprio,
para que uma moça jovem – que diga-se a bem da verdade não é um exemplo
de virtude – se sujeite a tamanha agressão, não física, mas psicológica. E que
continue a permitir que a humilhem e se humilhe desta forma tão desumana.
Tanto quanto lhe é dado perceber, não lhe parece que Rita goste de sofrer, que
seja masoquista… Vá-se lá saber o que move esta rapariga? Talvez apenas
procure ser feliz ao lado do homem que ama (ou que pensa amar).

Marta de repente pressentiu que talvez Vasco persista em manter Rita a


todo o custo a seu lado porque, inconscientemente, ao fazê-lo se sente mais
próximo da sua mãe, como que fazendo-a reviver. Lera isso num livro de teoria
psicanalítica ou de psicologia? Já não se recorda, mas faz todo o sentido. De
facto, Rita esteve ao lado de Vasco, durante todo o processo de luto. Estava
presente quando Vasco recebeu a notícia da morte da mãe, acompanhou-o no
funeral e esteve a seu lado durante os meses seguintes, período em que ele
esteve a chorar a morte da mãe, a elaborar o luto, como dizem os psicólogos.

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Outra hipótese é o ele se sentir profundamente culpado pela forma cruel
como tem vindo a tratar esta rapariga. Humilha-a constantemente, leva-a a
sentir-se culpada, inútil, sem qualquer mérito, depois, arrepende-se da sua
crueldade e passa de uma e extrema violência para uma ternura também ela
desmedida. É uma relação algo paradoxal, como é que alguém pode ser feliz ao
lado de um indivíduo que tanto diz gostar muito como demonstra por atitudes
que é precisamente o contrário o que sente?

Marta apercebeu-se que Rita estava a precisar urgentemente de ajuda


especializada. Rita mostrou ser, à semelhança de Vasco, incapaz de se
confrontar com a realidade. O seu comportamento oscilava entre uma perfeita
consciência da situação, em que afirmava que Vasco de facto não a amava, e
não a respeitava, para logo afirmar que apesar de todas as zangas a verdade é
que eles nunca tinham terminado a sua relação, mostrando-se revoltada por
Marta ter afirmado que namorava e estava apaixonada por Vasco.

À semelhança da avestruz que face ao perigo esconde a cabeça num


buraco debaixo da terra, também Rita optou por não ouvir o que Marta lhe
dizia. E abanando a cabeça em sinal de incredulidade limitava-se a repetir:
– Eu nem acredito no que ouço, como é que uma mulher como tu pode
estar apaixonada pelo Vasco, sabendo que ele tem mulher?!

Ao fim da terceira tentativa de explicação Marta desistiu, não tem


vocação para aturar pessoas que não querem aceitar a verdade apesar de todas
as evidências. Assim, quando Rita reiniciou o seu discurso circular pela quarta
vez, Marta disse-lhe que precisava de trabalhar e pôs, assim, fim àquilo que
mais parecia “uma conversa de bêbados”.

Logo que Rita saiu, Marta deixou que as lágrimas, que teimosamente
afloravam os seus olhos, caíssem livremente pelo seu rosto. Sentia-se
profundamente revoltada com Vasco por toda a situação em que este a
envolveu.

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Rita, acabara de lhe confirmar, e jurara pelos seus pais, que Vasco era seu
namorado e que até frequentava a casa dos pais dela. Mais grave, ainda, que
planeavam casar até ao fim do ano.

Rita esteve em casa de Marta, aproximadamente, uma hora e a sua


passagem à semelhança de um ciclone tudo destruiu, isto é, Marta viu-se de um
momento para o outro de posse de uma enorme quantidade de informação que
até ali desconhecia e que mexia com todas as suas certezas e todo o seu ser.
Estava agora mais consciente da gravidade da situação criada por Vasco e,
obviamente, estava com alguma dificuldade em elaborar tamanha quantidade e
gravidade de informação. Face a tudo o que fora dito perguntava-se o que era
feito do amor que Vasco sempre lhe demonstrara e que ela sentira como
genuíno, apesar de raramente verbalizado, como se ao fazê-lo ele se estivesse a
comprometer mais do que gostaria ou seria capaz? Mas essa era uma das
muitas particularidades de Vasco que acabavam por jogar a seu favor pois
Marta sempre a interpretara como uma sincera falta de segurança e um enorme
receio de sofrer por amor!

XX – A TÉCNICA

Quando Vasco ligou o motor do seu potente carro, sentia-se o maior,


estava extremamente bem disposto consigo mesmo. Pensou:
– De facto, a vida é mesmo engraçada, elas até parece que passam
palavra só para serem espetadas por mim. Sou o máximo! E que técnica!… – e
arrancou em alta velocidade, levantando uma nuvem de pó e gravilha atrás de
si.

A sua técnica consiste em: ou se deitar de costas e deixar que a mulher


lhe dê prazer; ou, se está mais bem disposto, também utiliza o método do “tira e
mete” em que coloca a parceira sexual nas mais variadas, e incómodas,
posições, para poder usufruir de uma visão panorâmica dos órgãos genitais em
acção. Mas termina invariavelmente deitado de costas.

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Quando se sente sexualmente satisfeito, ou quem sabe cansado, em
poucos minutos atinge o orgasmo optando, quase sempre, por se masturbar e
ejacular para cima do corpo da sua parceira, aí a sua preferência vai para os
seios, cara e boca.

O seu maior prazer deriva do facto de se poder exibir a uma fêmea e


contemplar os seus (dele) genitais em acção. Nesses momentos, é frequente
pensar:
– Esta vaca até se vem só de me ver vir, como ela gosta do meu corpo!…
Sou, ou não, um verdadeiro macho?…

A realidade é, no entanto, bem diferente e, ao contrário da sua convicção,


Vasco demonstra, isso sim, um profundo desprezo pelas mulheres em geral.

As mulheres que com ele se cruzam, salvo algumas excepções,


raramente atingem o orgasmo e normalmente saem bastante magoadas pela
violência com que ele as penetra.

É muito sedutor até as deixar entrar em casa, depois fecha a porta à


chave e, uma vez isso feito, revela ser um indivíduo bem menos atencioso. A
partir desse momento é ele e só ele que interessa, a mulher passa a ser um
objecto nas suas mãos que usa e abusa a seu belo prazer.

Não pretende dar-lhes prazer, nem se digna tentar, por isso mesmo o
diálogo que até ali é fluente seca, e só o sexo conta, para quê saber quais as
preferências sexuais das suas companheiras de ocasião? E, o que se revela mais
sintomático de que algo está errado em Vasco, já para não falar do facto de não
ser selectivo – querê-las todas – é a sua necessidade de penetrar as mulheres
violentamente, de preferência por trás ou em coito anal. A par desta
necessidade de mostrar que é muito macho, e de querer levar todas as mulheres
para a cama, há a considerar o seu problema de alcoolismo.

Quanto à embalagem esta é completamente descartável, sem qualquer


interesse. Apenas se vê a si mesmo e só ele importa, de um extremo

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egocentrismo, incapaz de se afastar por segundos da contemplação da sua
imagem. À semelhança da lenda de Narciso, também só ele conta e só ele é o
mais belo.

Profundamente autoritário, cínico e arrogante. Considera-se o mais


inteligente, o melhor amante (Ah! Ah!) e extremamente generoso… Está
convicto que todos os seus amigos o tentam imitar mas, por mais que tentem,
“nunca lhe chegarão aos calcanhares”.

XXI – REFLEXÕES

Enquanto conduzia decidiu ser o momento ideal para ter a tal conversa
com Marta. Deu a volta à Rita com uma categoria que estava convicto que ela
nem se apercebeu que não o ia ver durante, pelo menos, uma semana. Com
Marta, tinha consciência que ia ser um pouco mais difícil mas, só de pensar em
fazer as pazes com ela, já se sentia todo arrepiado.

Esta é uma reacção que ele não consegue explicar. Quando está junto de
Marta, principalmente quando estão a fazer amor, sucede cada vez mais
frequentemente sentir um forte arrepio que se inicia na base da nuca, lhe
percorre a coluna, as pernas e os braços e que o deixa num estado de extremo
prazer, comparável ao estado que antecede o atingir do clímax. E, ao mesmo
tempo, sente-se invadido por uma profunda paz de espírito e um calor
agradável em todo o corpo.

Com Rita sucede precisamente o inverso. Quando está próximo dela


sente-se tenso, pressionado, oprimido, frustrado, sendo relativamente frequente
que pouco tempo depois de estarem juntos já se encontrem a discutir.

Nunca sentiu aquela sensação de arrepio quando faz amor com as outras
mulheres, nem mesmo com a Rita, e interroga-se, agora que pensa nisso, porque
será que isso nunca sucedeu em tantos anos de convívio.

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O que mais admira em Marta é a sua capacidade de o acalmar, mesmo
que nenhuma palavra seja trocada entre eles. É como se ela adivinhasse o que
lhe vai na alma. A forma como ela é capaz de lhe transmitir serenidade e paz.
Tudo fica instantaneamente bem quando está próximo dela.

Este facto faz Vasco recordar o sentimento que a sua falecida mãe lhe
transmitia, quando pequeno, mas também em “graúdo”. A sua presença e
ternura afastava todos os receios, todos os medos, todos os problemas, como
que por magia. Por isso mesmo, já pensou, por diversas vezes, que Marta é uma
mulher com uma capacidade impar de amar e de se entregar. E como ela daria
uma boa mãe, compreensiva, terna, meiga, afável, carinhosa e amável.

XXII – INSÓNIAS

Nos últimos tempos, Vasco, sente-se tenso, muito ansioso, irritável, mas
não sabe porquê. Tem dificuldade em adormecer, e acorda muitas vezes
durante a noite e, quando consegue dormir um pouco mais, são pesadelos uns
atrás dos outros.

Acorda invariavelmente mais cansado do que quando se deitou. No


entanto, não consegue arranjar qualquer explicação lógica para o facto, até
porque tem uma vida confortável, nada lhe falta, isto é, se conseguisse
aumentar o ordenado para o dobro dar-lhe-ia uma maior liberdade de
movimento.

As dívidas que contraiu junto do Banco para a construção da casa e


aquisição do carro estão controladas. O pior são as que têm vindo a crescer
junto de um grande amigo, dono de uma cadeia de hotéis, Henrique Colaço,
que está sempre disposto a ajudá-lo, mas também essas há-de pagá-las… um
dia!

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XXIII– OPERAÇÃO STOP

Enquanto dirige a alta velocidade (cerca de 160 km/h), numa auto-


estrada, pega no telemóvel e vai alternando a sua atenção entre a condução e a
pesquisa do nome de Marta. Logo que este surge no visor faz a chamada,
conduzindo só com uma mão. Quando esta atende diz-lhe:

– Olá amor! Estou aí dentro de sensivelmente trinta e cinco minutos para


falarmos e tenho a tarde toda para ti minha querida.

Do outro lado da linha, Marta tenta perceber quem está ao telefone


(Vasco insiste em usar o código de número suprimido) e o que estão a dizer. O
que lhe chega aos ouvidos é algo como se alguém estivesse a falar aos soluços e
para além disso, completamente abafados por um ruído intenso, perfeitamente
ensurdecedor. No meio de tanto ruído lá conseguiu perceber que era Vasco
quem estava do outro lado.

Marta considerou a atitude de Vasco, de uma enorme imprudência.


Recordou-se como dois amigos seus tiveram acidentes muito semelhantes e
decidiu alertar Vasco:
– Tu sabes que é proibido falar ao telemóvel enquanto se conduz, não
sabes? Olha há uns quatro anos atrás dois amigos meus facilitaram como tu
estás a fazer agora e o resultado foi um acidente aparatoso, do qual, por sorte,
apenas resultaram leves escoriações mas os dois BMW’s foram directamente
para a sucata. Tem cuidado por favor!
– Está bem, está bem…
– Agora, por favor, repete o que me estavas a dizer no início da nossa
conversa que eu não te consegui perceber nada, tal era o ruído de fundo.
– Mas eu estou a ouvir-te na perfeição. Eu vou ter cuidado, fica
tranquila. Estava-te a dizer que estou aí dentro de trinta e cinco minutos e a
tarde é nossa! Olha… – e quando se preparava para “entusiasmar” Marta surge-
lhe na frente uma Operação Stop, só tem tempo de desligar e atirar com o
telemóvel para cima do banco e “reza” para que o agente estivesse distraído a
olhar para outro condutor.

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É-lhe dada a instrução de encostar à berma.

Marta, entretanto, pensa:


– É sempre a mesma coisa… os telemóveis estão sempre a falhar. Ou é a
bateria que vai abaixo, ou é a rede que não abrange… Se for mesmo importante
ele volta a ligar.

O agente aproxima-se da viatura de Vasco e diz:


– Muito boa tarde. Queira apresentar os seus documentos por favor!

Vasco volta-se ligeiramente para procurar dentro da pasta a carteira dos


documentos que apresenta ao agente. Sai do carro e já no exterior liga para
Marta e, logo que esta atende diz-lhe num sussurro:
– Desculpa lá mas tive que desligar fui apanhado numa Operação Stop, e
estou feito!… Se eles me pedem que sopre no balão fico sem carta, sem carro e
sei lá que mais…
– Fica calmo, vai tudo correr bem, vais ver…
– Estou frito… – e voltando-se para o agente que solicitava a sua atenção,
disse: – Diga senhor agente?
– Estava-lhe a perguntar se o senhor condutor esteve a beber?
– Vou ser sincero. Estive numa reunião de trabalho, ao almoço, e sabe
como são essas coisas, acaba-se sempre por beber um pouco mais do que se
devia…
– Estou a ver… Diga-me tem consciência que vinha em contravenção,
quando o mandámos parar? Deslocava-se na faixa da esquerda quando tinha a
faixa da direita completamente livre…
– Sim, sim senhor agente. – No entanto, Vasco, não fazia a menor ideia
que assim fosse.
– Vou ter que o autuar… Queira assinar aqui em baixo por favor…
Muito obrigado.
– Aqui estão os seus documentos. Fica o aviso de futuro não beba
durante as reuniões de trabalho desta vez relevei, da próxima… Tenha, então,
um resto de viagem conduzindo com segurança. Boa tarde.

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Vasco logo que seguiu viagem nem queria acreditar na sorte.

O que ele desconhecia é que o agente era seu vizinho e que, numa
primeira vez, levara isso em conta e que não haveria uma segunda vez.

Pegou de novo no telemóvel e ligou a Marta a contar-lhe o sucedido.

XXIV – COBARDIA

Passados uns vinte minutos estava a parar frente à entrada de Marta.


Que, logo que o viu, lhe abriu o portão.

– Quando dizes que estás aqui em “x” minutos, não falhas, eu gostava de
ter essa capacidade, nunca sou capaz de prever o tempo de uma forma tão
exacta. Então como correu a tua manhã?
– Bem. Como é hábito. E tu? Estás bem? – e dizendo isto aproximou-se
de Marta para a beijar nos lábios mas ela desviou o rosto.
– Estou bem. Talvez seja melhor entrarmos para podermos conversar
tranquilamente. Que te parece?
– Parece-me bem. Sabes que eu estou sempre do teu lado… – e dizendo
isto ia seguindo Marta, que já se encaminhava para o interior da casa, mais
precisamente para a sala, onde tinha a aparelhagem ligada com uma música de
fundo muito suave e acolhedora.
À medida que ia seguindo Marta, Vasco sente-se esperançado que
também com ela não sejam necessárias grandes explicações, até porque as
mulheres quando estão apaixonadas “não vêm um palmo à frente dos olhos”. E
pensava:
– Como ela consegue estar sempre tão serena. Não preciso de me estar a
preocupar vou conseguir dar-lhe a volta em três tempos.
Uma vez sentados, Vasco tentou aproximar-se mais de Marta e abraçá-la
mas ela não o permitiu.

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– Agora que estamos aqui, que nada, nem ninguém, espero eu, nos vai
incomodar explica-me por favor que jogo é esse que tu andas a fazer comigo e
com a Rita?

Vasco sentiu que o chão se abria a seus pés. Estava esperançado que iria
ser mais fácil, “de caras” mesmo, mas começava a aperceber-se que com Marta
as coisas “piam mais fino”, tinha que arranjar uma boa explicação para a
convencer.

– Sabes querida, a Rita sempre frequentou a minha casa como amiga


que é, mas agora ficou com ideias, só porque no outro dia ela estava muito em
baixo, a chorar e eu, ingénuo, deixei que ela dormisse abraçada a mim. Desde
esse dia tem-me feito a vida negra e eu só não te disse nada para não te
magoar… eu sei que te ia fazer sofrer.
– Ah! Pois claro, foste ingénuo. Então, e porque é que quando ela
afirmou que tu eras o seu namorado tu não a desmentiste? Foi para não me
magoar a mim ou para não a magoar a ela?
– Vou ser sincero eu não quero magoar a Rita nem te quero magoar a
ti… é claro que já tive uma conversa séria com a Rita e já a proibi de voltar a
fazer-me este tipo de cenas… de te fazer passar por estes constrangimentos.
Agora que já estamos esclarecidos vamos fazer as pazes querida, que
como tu própria dizes, a vida é demasiado curta para estarmos a perder tempo
com ninharias que não levam a lado nenhum…
– Ah! Pois claro, está tudo esclarecido! Mas sabes a Rita fez-me hoje uma
visita. Veio falar comigo e jurou-me, pela saúde dos pais, que tu lhe tinhas
pedido um tempo, uns oito dias para poderes afastar a chata da Marta que não te
larga!… – e ao dizer isto olhou Vasco bem fundo nos olhos e durante alguns
segundos ficou esperançada que ele reagisse dignamente, isto é, que ele
assumisse de uma vez por todas o seu jogo duplo, as suas canalhices, ou o que
quer que fosse. Mas Vasco ficou sem fala pelo que ela continuou:
– Já vi que não vais negar. Sabes, estou habituada a lidar com pessoas
rectas, verdadeiras, leais pelo que agradeço que me expliques para eu tentar
perceber o que se passa contigo… Ainda não percebi porque é que te

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aproximaste de mim… porque é que me vieste procurar e fizeste tanta questão
em te envolveres afectivamente comigo, de inclusive me pedires em namoro se
o que pretendias era apenas ter mais uma na tua cama! Devias ter sido sincero
comigo desde o início.
– Mas eu disse-te que não queria problemas com mulheres…
– É bem verdade. No entanto, enquanto não me tiveste na tua cama não
me largaste a porta.
Costumo dizer que o povo tem sempre razão e hoje mais do que nunca
estou convicta disso, “há males que vêm por bem”. Por muito que esteja
magoada contigo e a sofrer, só posso estar agradecida por tudo isto ter sucedido
num momento em que nada tenho, até porque tu não te podes envolver comigo
visto que já tens mulher. Imagina se eu só descobria quando estivesse a ter uma
relação a sério contigo, quem sabe partilhar a cama, a casa…
A vida é mesmo irónica, repara tu, que me apercebo agora que vamos
pôr um ponto final a algo, que pelo que vejo, nunca começou.
Estou, apesar desta sacanice, chamemos as coisas pelo nome, disposta a
conservar algo que é demasiado belo para ser desperdiçado – a amizade, mas a
minha relação daqui para a frente vai-se resumir a isso… Isto é, se a minha
amizade tem algum valor para ti!
– Não sejas tão radical… Eu até posso ter-lhe dito que ela podia
continuar a frequentar a minha casa, e é verdade que lhe pedi oito dias, mas foi
para pensar como é que devo agir para a afastar de vez da minha vida sem a
magoar. Ela está a querer coisas que eu não lhe posso dar nem a ela, nem a
nenhuma mulher…
Também nunca te prometi casamento, pois não? E se te trato por amor
foi porque me apercebi que tu fazias muito gosto nisso!

À medida que fala o seu tom de voz vai-se transformando, radicalmente,


de terno, doce, passa a alterado e agressivo, o que não passa despercebido a
Marta, por isso mesmo, decide chamar-lhe a atenção para o facto.

– OK! Estou a perceber a tua estratégia… Agora tornas-te agressivo para


tentar ganhar a razão! Tu é que és a vítima, se é que há alguma vítima no meio

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disto tudo!… Eu posso ter sido enganada, mas a verdade é que me deixei
enganar porque quis! Ao longo de todo este tempo fui-me apercebendo, através
de pequenos indícios que me indicavam que algo não estava bem, o teu
comportamento era algo paradoxal, nomeadamente ao nível sexual… eu sentia
que algo estava errado mas optei por fechar os olhos e por não dar ouvidos à
minha intuição.
– O quê? Agora vais acusar-me de eu não ter sexo contigo!
– Não é nada disso, mas também não vale a pena aprofundar mais isso,
pois seria pura perda de tempo. Aliás esses factos, neste momento, já não têm
qualquer importância pelo que vale mais passar à frente antes que se instalem
ainda mais equívocos e sejam trocadas entre nós palavras impensadas.
– Mas…
– O melhor é tu ires para casa descansar porque obviamente estás
exausto.
Quanto à nossa relação, ou, talvez seja mais correcto dizer, essa coisa que
tivemos, ela termina aqui. Se um dia conseguires ser apenas um bom amigo…
– Lá estás tu armada em detentora da verdade. Estás convencida que só
tu tens a razão e a opinião dos outros não conta para nada…
– Vasco, por favor sai. Isso não é argumento e já me aborreci mais do que
gostaria. Estou profundamente decepcionada com a tua falta de dignidade e
coragem. Sempre te vi como um homem responsável que assume todos os seus
actos e afinal…
– Desculpa lá mas eu nunca te disse que queria casar contigo ou que
queria alguma coisa mais…
– Por acaso discordo. Não fui eu que te pedi em namoro e alimentei
falsas esperanças, mas isso já não tem qualquer importância. O que me
entristece é estar a ser confrontada com uma outra imagem de ti que não gosto e
que não te enobrece, bem pelo contrário!
Ao longo de todo este tempo, mostraste ser um homem em quem se
pode confiar e amar e agora estás a revelar-te um indivíduo profundamente
vulgar, sem carácter, sem escrúpulos com quem eu não posso, nem quero ter
qualquer tipo de relacionamento.

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Sai, por favor. – E, enquanto diz isto, dirige-se para a entrada onde abre
a porta e, com a mão, pede a Vasco que se retire.

Vasco, irritado por não conseguir contra-argumentar e sentir que só


muito dificilmente a voltaria a ter nos seus braços, fica de tal maneira
perturbado e frustrado que ao passar por ela, lhe dá um encontrão de tal forma
forte que esta se desequilibrou e quase caiu. Mas Marta opta por não dizer mais
nada para evitar que sejam trocadas palavras mais duras entre eles, mais
amargas, até porque se apercebeu que Vasco está como diz o povo “de cabeça
quente”, completamente fora de si, como tal tudo o que pudesse ser dito iria
tornar as coisas ainda mais difíceis. Sente uma profunda compaixão pelo
homem, que apesar de tudo, ainda ama, mas, no momento, nada mais pode
fazer que evitar uma discussão.

Ao ver Vasco afastar-se, Marta sente um enorme vazio que invade todo o
seu ser, como se algo lhe tivesse sido arrancado das entranhas e a dor é imensa.
Enquanto tranca os portões do Monte, sente que está a virar uma página no
livro da sua vida – aí, Vasco, fica aprisionado, para sempre, no passado.

Sente uma intensa amargura. As lágrimas correm-lhe pelo rosto e nada


faz para as reter, limita-se a chorar a sua dor até à exaustão. Passado algum
tempo surpreende-se a pensar que está a chorar por todas as perdas da sua
vida. Todas as perdas que nunca fora capaz de chorar antes. Provavelmente,
perdeu o homem que ama mas também perdeu um bom amigo.

Tem consciência que Vasco evita a todo o custo a confrontação com uma
realidade que o fere e que, talvez, nem sequer tenha noção de quanto a magoou,
por estar demasiado virado para dentro de si mesmo, de tão concentrado que
está nos seus próprios problemas e pensamentos.

As lágrimas vão secando e, de repente, sente-se invadida por uma


enorme serenidade e fica a certeza que o seu amor por Vasco não irá morrer
nunca. Mesmo que a relação tenha terminado aqui, facto de que começa a ter

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sérias dúvidas, sempre irá permanecer algo muito precioso que não é
destrutível.

Viveu intensamente estes últimos meses da sua vida, teve com Vasco um
belo romance de amor, que lhe invadiu a vida, o espírito a alma, enfim todo o
seu ser. Foi um amor que irrompeu na sua vida, sem se fazer anunciar, e que
lhe deu mais do que dez anos de um casamento, considerado por todos,
perfeito.

Agora tem a sensação, quase certeza, que Vasco tem medo do casamento
e do que isso implica. Mentalmente, agradece a Vasco por tudo o que lhe foi
dado viver.

E mais animada, agora que está mais calma, e que conseguiu começar a
perceber tudo o que lhe foi verbalizado primeiro por Rita e depois por Vasco,
iniciou de imediato o processo de arrumar as ideias, e apercebe-se que este foi o
fim de um ciclo pelo que a este se seguirá o início de um outro período, pois
tudo na vida é cíclico, são as estações no ano, o cultivo dos produtos agrícolas,
etc.

É obvio que ainda vai levar algum tempo até que consiga perceber tudo
o que lhe sucedeu e “esquecer” e “perdoar” a Vasco, mas, no entretanto, Marta
tem consciência que esta nova fase da vida a levará a muitas outras
experiências, mais ou menos, gratificantes e sente-se desde já preparada para as
viver!

XXV – TOMADA DE CONSCIÊNCIA

A vida de Marta aos poucos foi retomando os ritmos normais. Logo após
o incidente, decidiu tirar uns dias para si, para reflectir sobre tudo o que lhe
sucedera naqueles dois dias em que foi surpreendida com a dolorosa revelação
de que Vasco também namorava com Rita, para além de ter relações sexuais
com outras mulheres.

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Marta dá graças por as coisas se terem revelado atempadamente.
Secretamente estava a pensar em casar (isto é, talvez, juntar os trapinhos?) com
Vasco. E, quem sabe, ter um filho? O mais estranho é que mesmo agora que
tudo terminou a ideia de ter um filho de Vasco não lhe desagrada, vá-se lá saber
porquê?

Está muito magoada com Vasco, mas mais magoada ainda consigo
porque se deixou iludir, e teimou em “não dar ouvidos” à sua intuição que lhe
dizia que algo estava errado, e que não devia ter iniciado, tão prematuramente,
um relacionamento tão íntimo.

Apesar da grande frustração, e da profunda dor que o afastamento e


falta de comunicação de Vasco, lhe está a provocar sente que nutre por ele um
verdadeiro amor, aquele que o povo chama de: “talhado no céu”. Está a sofrer
com a ausência de Vasco na sua vida, no entanto, optou por, propositadamente,
se manter à distância, para lhe dar a liberdade de que ele tanto precisa. Não o
recrimina por nada do que sucedeu, e apenas deseja que ele seja feliz, mesmo
que isso implique que ela o tenha “perdido” para sempre, se é que se pode
perder alguém, quando nunca ninguém é de ninguém.

Percebe agora que Vasco é, um eterno menino assustado, que se esconde


de tudo e de todos (inclusive, e principalmente, de si mesmo) com receio de ser
magoado e com isso sofrer a dor da perda do afecto de alguém, pois essa dor é
insuportável e leva muitos meses a ser ultrapassada. Compreende bem o receio
de Vasco em se envolver, até porque também ela já sentiu na pele o que é sofrer
por amor, ou melhor sofrer porque o sentimento mudou, ou deixou de existir, e
a relação terminou!

O vazio que se sente é insuportável, as auto-recriminações ainda são


piores. Durante algum tempo não se pensa em mais nada que nos eternos “se
tivesse… ” Mas o povo tem razão quando afirma que: “não vale a pena chorar
sobre o leite derramado”, de facto de nada adiantam as auto-recriminações,
primeiro que tudo é preciso reaprender a viver a sós e deixar que o tempo sare
as feridas, que permita uma melhor compreensão da situação, para que essa

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experiência, embora negativa, possa ser fonte de sabedoria no futuro, e assim se
corrijam alguns erros cometidos no passado, por falta de experiência ou
ingenuidade.

De facto, quando se é confrontado com o fim de uma relação raramente


se está preparado para o choque que isso provoca. Todas as estruturas do ser
são postas em questão e a auto-estima é profundamente abalada, o que provoca
o enorme sofrimento que só é ultrapassado quando se encara de frente a causa
do insucesso, o que pode originar ainda mais sofrimento, mas só conhecendo as
suas limitações e aprendendo com os erros cometidos no passado se pode
seguir em frente.

Está consciente que o homem meigo que a amou ao longo dos últimos
meses nunca se permitiu entregar-se completamente ao seu amor por receio de
vir a sofrer. E continua sem conseguir perceber plenamente como é que um
indivíduo que com ela era meigo, generoso, carinhoso e humilde foi capaz de
tamanha crueldade com outra (e está a pensar em Rita), ou melhor outras
mulheres?

Marta decide falar do assunto com a sua amiga Márcia Rebelo que é
psicóloga, pode ser que ela a possa esclarecer um pouco mais sobre os
mecanismos de defesa do ser humano. Está cada vez mais curiosa em saber um
pouco mais sobre este tema.

Até lá vai fazer os impossíveis por manter o seu equilíbrio, porque se


surpreende muitas vezes a pensar em Vasco e a sofrer como se aquela ferida
continuasse em carne viva, sem qualquer possibilidade de cicatrização, apesar
do tempo que passa (lentamente é certo). Tem-se orgulhado por ter aprendido a
manter o equilíbrio psicológico, apesar das “bofetadas” da vida, e de retirar a
devida lição das experiências que vivenciou, as boas mas também das menos
boas, e a verdade é que nunca se deu mal com esta filosofia de vida, bem pelo
contrário, os problemas pessoais nunca interferiram na vida profissional mas
também os problemas profissionais nunca atrapalharam a vida pessoal, por

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tudo isso considera-se uma pessoa equilibrada, optimista, e com uma enorme
vontade de viver.

Marta está, cada vez, convicta que o ser humano aprende com a
experiência, e que, normalmente, as experiências mais dolorosas, por incrível
que pareça, são as que melhor ensinam e fazem crescer o indivíduo enquanto
ser.

XXVI – COINCIDÊNCIAS

Passou pouco mais de um mês desde que terminou a sua relação com
Vasco.

Marta faz os impossíveis para manter o seu equilíbrio mental e


emocional. Aos poucos vai formando uma imagem do passado que a deixa
mais tranquila. Não está arrependida de se ter envolvido com Vasco e, apesar
das evidências serem contrárias, Marta sente que ele é o homem da sua vida, a
sua alma gémea.

Quem sabe se, um dia, não acabam juntos de novo? Para isso é
necessário que Vasco se aperceba que para se viver com alguém não basta ser-
se amigo e gostar um pouco… é necessário amar essa pessoa, aceitá-la e
respeitá-la.

E o amar implica uma boa capacidade de diálogo, um grande respeito


mútuo, um bom entendimento sexual, e afinidades a vários outros níveis (por
exemplo, preferências, gostos, mas também ao nível intelectual, etc.).

A reciprocidade, é fundamental, mas também o afecto, ternura, e


carinho. Deve-se, aceitar o outro tal como ele é, não o desvirtuar, tentando
modificá-lo para que se adapte à auto-imagem do homem/mulher ideal
construído ao longo da vida. Não se podem impor, ao outro, os nossos valores,
ele deve-se sentir livre, tal como não se pode interferir na sua vida e amizades,

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por muito que os seus amigos e estilos de vida possam ser motivo de
desagrado, não se podem julgar os seus amigos, familiares ou mesmo a pessoa
que se ama, sob pena de se perder o seu respeito…

Precisamente por estar profundamente convicta que a vida tem sido


justa consigo, sente que tudo o que viveu com Vasco foi gratificante, até mesmo
a “insegurança” que por vezes a visitou. Está consciente que amadureceu
muito, principalmente, nos últimos meses, consegue algo que nunca pensou ser
possível, como que se desdobra em duas aquela que age e a que assiste ao seu
agir. As situações que antes eram vividas apenas ao nível da emoção hoje são
vividas muito mais ao nível da razão. Sente-se mais serena… E voltaria a viver
tudo de novo, até porque foi em consequência do sofrimento que surgiu esta
nova Marta.

Presentemente, percebe melhor as reacções de Vasco, até porque se


permite estar a viver a situação e ao mesmo tempo analisar o que sente. Marta
teve o cuidado de consultar vários livros de psicologia e de psicanálise, para
melhor se compreender e embora as teorias sejam algo densas para os seus
conhecimentos rudimentares a verdade é que muito do que leu faz sentido.

A sua amiga Márcia, tem vindo passar alguns fins-de-semana com o


namorado, Rui Carvalho, ao Algarve e, fica alojada no Monte Giesta, pelo que
têm tido longos serões, longas tertúlias e Marta aproveita essas ocasiões para
tirar algumas dúvidas e aprofundar os seus conhecimentos.

No dia em que Marta foi apresentada ao Rui, sucedeu algo de


engraçado, este olhou para ela e disse:
– A Márcia está sempre a falar de ti, finalmente encontrámo-nos! Já não
era sem tempo – e enquanto dizia isto olhava-a fixamente, depois acrescentou:
Vais-me desculpar o atrevimento mas ou muito me engano ou estás grávida?
– É interessante que me digas isso. Já uma cliente minha me disse o
mesmo esta semana… Eu penso que não, no entanto não me importava nada,
pelo contrário até o desejo muito… Ao contrário da minha querida amiga que te
tem estado a esconder do mundo e que parece estar a dar-se muito bem, ainda

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não encontrei o tal príncipe ou, se o encontrei, estava distraída a olhar para o
lado…

Mas este comentário fê-la pensar na coincidência de duas pessoas, na


mesma semana, lhe vaticinarem uma gravidez. Logo ela que não acredita em
coincidências!

XXVII – DESEJOS

Passaram quase dois meses sobre o dia em que Marta terminou a sua
relação com Vasco, sente-se mais conformada e enquanto trata das suas plantas
vai pensando:
– Não há ferida que o tempo não consiga sarar. De facto a vida é
maravilhosa, apesar de nos poder tirar algumas coisas e, por vezes, de nos
afastar dos que amamos, há sempre algo porque vale a pena viver! Quando
menos esperamos já estamos enredados a viver outras experiências, igualmente
interessantes.
Oh, meu Deus! Como sinto a falta de Vasco, do seu carinho! O que me
vale é ter este belo jardim para cuidar e haver bons livros para ler!…
Quando vim viver para aqui nunca pensei vir a ter uma secretária a
trabalhar para mim! Imagine-se!
Ainda bem que as mulheres gostam de cuidar de si e dos maridos, estou-
lhes eternamente grata. Nunca ganhei tanto dinheiro na vida…
O trabalho também já era demasiado. É melhor assim. A Dolores Santos
é uma óptima profissional.

Nos últimos tempos tem notado que está muito cansada, mas atribui isso
ao calor que se faz sentir. Desde que contratou a Dolores, há mais ou menos um
mês e meio, tem aproveitado para dormir a sesta. Sente-se muito nostálgica,
emociona-se muito facilmente e dá consigo a chorar por tudo e por nada.
Quando se apercebe do facto, pensa:
– Mas que sentimentalona, Marta. As separações deixaram-te muito
frágil, um verdadeiro vidrinho!

83
Ah! Ah! Vá lá, não te tiraram o sentido de humor. Já não é mau…

Tem dedicado mais tempo a cuidar do seu jardim, nele se refugia


quando a tristeza a invade. Através da contemplação da natureza e da beleza
do seu jardim recupera as forças de que necessita quando se sente menos bem,
mais triste ou carente.

Enquanto vai arrancando as ervas daninhas dos seus canteiros, e


contempla as flores pensa, invariavelmente: – quanta beleza! – e vai arrumando
os seus pensamentos, vai alcançando um maior auto-conhecimento. Adquiriu
uma maior compreensão e consciência de si, das suas reacções, dos seus afectos,
dos seus sentimentos, dos valores que a movem nos dias de hoje.

Continuam a suceder-lhe as sincronicidades com Vasco, apesar de já não


namorarem. Quando pensa que gostaria de ver Vasco, ele acaba por se cruzar
com ela. Isso já sucedeu umas três ou quatro vezes.

Invariavelmente, Vasco acaba por lhe perguntar se não tem saudades de


fazer amor com ele, e confessa-lhe que gostaria muito de retomar a sua relação
com ela. Quando isso sucede, Marta opta por fazer humor e responde-lhe algo
do género:
– Ah sim! Estou a ver… mas o menino não é já casado?

Ou então:
– Concerteza que sim. Mas corrige-me se estou errada, queres uma
relação “pró que é que é” ou é só uma “queca higiénica”? Não obrigada. Sabes o
povo diz que “mais vale só que mal acompanhada”, e quem sou eu para o
contradizer? Não me interpretes mal, tu não és uma má companhia apenas me
queres levar por maus caminhos e eu sou uma menina de famílias, não me
posso arriscar a perder a minha honra… De qualquer forma obrigada por te
lembrares de mim… fico lisonjeada.

Está perfeitamente consciente que Vasco não está preparado para


assumir uma relação adulta, que ele quer continuar a ser aquele indivíduo algo

84
infantil, inconsequente e porque não dizê-lo mesmo caricato. Como ele próprio
diz um “homem livre”. Tem-se apercebido que ele se transformou num homem
mais triste, talvez mesmo deprimido. Das últimas vezes que se cruzaram
verificou que lhe desapareceu dos lábios o sorriso, que perdeu o brilho do olhar
e que tem uma postura corporal mais encurvada, os ombros estão ligeiramente
descaídos, como se suportassem um pesado fardo!

Quando Marta o confronta com o facto de ele não ser um homem livre –
vive, de novo, maritalmente com Rita –, começa por argumentar que é apenas
uma amiga, e como Marta não “abre guarda”, fica frustrado e reage como o
menino mimado a quem se lhe nega um brinquedo… faz birra, e a conversa
termina aí.

Uma vez por outra, lembra-se de lhe telefonar para saber como é que ela
está, e quando isso sucede Marta pressente “a sua presença” alguns minutos
antes de o telefone tocar. Outras vezes, quando pega no telefone para atender
vem-lhe a certeza intuitiva de que é ele.

De todas as vezes que fala com ele, fica sempre com a sensação de que
ele gostaria de lhe dizer algo mais. No entanto, também isso é típico em Vasco
pois sempre foi muito lacónico e pouco expressivo, ao telefone.

Marta está embrenhada em seus pensamentos, quando é chamada à


realidade pela voz de Dolores que lhe comunica ter uma chamada de uma
cliente muito especial, que aos poucos se tornou numa boa amiga.

Marta pousa as ferramentas, levanta-se e dirige-se para o escritório.


Quando vai a entrar sente uma dor aguda ao nível da barriga, que a faz dobrar
sobre si mesma. Dolores fica aflita sem saber o que fazer. Marta decide alongar-
se no sofá e pede a Dolores que diga à sua amiga que já lhe liga.

A dor abranda e fica o desejo de comer algo que Marta ainda não
identificou o sabor… Por fim apercebe-se que se trata de:

85
– Figos! É isso. Preciso de comer figos… Até me faz água na boca, só de
pensar!

Marta ergue-se do sofá, e ao fazê-lo sente uma ligeira tontura. Dolores


insiste que fique a descansar mais um pouco mas Marta sente-se bem e diz-lhe:
– Sabe Dolores de repente fiquei com uma vontade louca de comer figos.
Será que temos figos nas figueiras que estão no topo do Monte?
Vou lá ver. Não suporto a espera… mas que desejo este!
– Eu não lhe disse que a doutora está mais gordinha. Sabe o que me
parece? Pezinhos…
– Pezinhos?! Acha Dolores?
– Tenho a certeza. Ainda não lhe tinha dito, porque não sabia como é que
ia reagir… A sua cara é a de uma mulher grávida…
– Essa seria a maior ironia do destino. Estar grávida de um homem com
quem terminei a relação há quase dois meses e que nem sequer é capaz de
pensar na hipótese de ter outro filho!
Mas… É bem possível, sabe que, agora que fala nisso, é que me apercebo
que a falha do período do mês passado, que atribui ao facto de andar um pouco
tensa, pode ter essa outra explicação…
– Pois é doutora!
– Dolores faça-me um favor. Vá lá acima ao topo do Monte buscar-me os
figos que lá houver. Enquanto isso eu vou marcar uma consulta de urgência
com o meu ginecologista, o Dr. Francisco Braga.

Enquanto digita o número do consultório médico vai juntando as peças


do puzzle.

Desde há um mês e meio que vem sentindo enjoos matinais mas não lhes
tem prestado grande atenção – a culpa dessas indisposições era atribuída às
azeitonas que, ultimamente, tem consumido em grande quantidade.

A sonolência que de repente se apodera dela, depois de almoço, etc.

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A última vez que fez amor com Vasco teve um orgasmo diferente de
todos os outros, muito mais intenso e pressentiu que algo mais sucedera.

São dados mais do que suficientes para a confirmação de uma evidência.

Marta apercebe-se agora que o novo ciclo que se iniciou quando


terminou a sua relação com Vasco é bem mais complexo do que ela poderia
supor. Agora é que a sua vida está a sofrer uma mudança de cento e oitenta
graus!

Apesar das dificuldades que já antevê, sente-se a mulher mais feliz à face
da terra! E está decidida em não permitir que nada, nem ninguém lhe estrague
esta sua felicidade…

XXVIII – CONFIRMAÇÃO

Marta estava expectante na sala de espera do consultório e ia


bebericando, a muito custo, a garrafa de água que lhe recomendaram que
bebesse.

Quando a Luísa, assistente do Dr. Francisco, a chamou ficou contente,


até porque, se demorassem mais uns minutos, talvez fosse demasiado tarde.
Provavelmente, já teria ido à casa de banho, tal não era a pressão que sentia na
bexiga!

Quando entrou no gabinete o Dr. Francisco, sorriu-lhe, cumprimentou-a


e solicitou-lhe que se deitasse na marquesa, junto ao computador. E foi falando
com ela, parecendo no entanto, que estava a falar para si mesmo:
– Vamos lá ver se a menina tem razão. Se a suspeita se confirma.
– Os indícios são elevados doutor. Mas só o teste poderá apresentar as
evidências.
– Pois é Marta! É verdade cá está ele. Mas temos mais uma surpresa.
– Mais uma surpresa? Qual?

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– A menina é uma caixinha de surpresas! Primeiro fica grávida sem se
dar conta e agora isto.
– Diga-me o que é doutor, não me deixe nesta agonia…
– É que a Marta está grávida de gémeos.
– Eu? Grávida de gémeos? Mas como é que isso é possível? na minha
família não há casos de gémeos e, tanto quanto sei, também na família de Vasco
nunca se registou um caso.
– Pode acontecer a qualquer casal, mesmo que não haja casos nas
respectivas famílias.
– Claro que sim doutor. Fiquei como que sufocada com a informação e
estava a tentar agarrar-me a uma tábua de salvação, por isso, procurava uma
explicação lógica que me traga à realidade! Sinto-me completamente nas
nuvens. Sempre desejei ter filhos, e esta gravidez, como sabe não foi planeada, e
ainda não percebi como pode acontecer, apesar de tomar a pílula. Agora a
juntar a essa imensidão de improbabilidades ainda, mais esta belíssima
surpresa: gémeos! Só falta que sejam “o casalinho” que eu sempre desejei.

O Dr. Francisco informou Marta dos cuidados a ter, pois esta é uma
gravidez que comporta alguns riscos, dada a idade e o facto de serem gémeos.

Pediu-lhe que fosse fazer alguns exames complementares, medicou-a e


marcou a próxima consulta.

Marta despediu-se e saiu mais feliz do que nunca do consultório,


enquanto se dirigia para o parque de estacionamento, passou frente a uma loja
de roupa infantil e não resistiu a comprar duas botinhas, umas amarelas e
outras verdes, para os seus gémeos.

XXIX – A BOA NOVA

Marta acabou de chegar do seu ginecologista que lhe confirmou a sua


suspeita – que era quase uma certeza – está grávida de dois meses. A grande
surpresa foi mesmo o saber que está à espera de gémeos.

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Entra feliz em casa e dá a boa nova a Dolores que se abraça a ela muito
feliz. Depois disso pega no telefone e liga para os seus pais e coloca-os a par da
situação.

Estes mostraram-se felizes mas apreensivos pela reacção de Vasco. Têm


receio que ele não queira reconhecer os filhos.

Marta tranquilizou-os informando-os que, hoje em dia, esses problemas


são muito facilmente resolvidos, em caso de dúvidas basta pedir um teste de
ADN. Nada mais simples!

Está felicíssima e nem mesmo uma reacção negativa de Vasco lhe pode
tirar a felicidade. E decide que o melhor é telefonar de imediato a Vasco e
quando este atende diz-lhe:
– Vasco desculpa estar a incomodar-te mas preciso de falar contigo com
alguma urgência sobre um assunto que diz respeito aos dois e para isso gostava
que viesses cá a casa. É possível?
– Claro que sim, minha querida! Mas não me podes adiantar do que se
trata.
– Se não te importas prefiro falar contigo quando estiveres face a face
comigo. Não me leves a mal, mas penso que é mais justo assim.
– OK! Estou aí dentro de meia hora.

Vasco desliga o telemóvel e está eufórico. É a primeira vez que Marta lhe
liga, desde que acabaram, isso, segundo ele:
– Só pode querer dizer uma coisa, ela quer a reconciliação. Como vai ser
bom tê-la de novo nos meus braços! – e apressa-se a sair.

Marta fica apreensiva, sabe que Vasco deve pensar que ela pretende a
reconciliação e o que ela precisa de lhe transmitir é bem diferente. Para ser
sincera consigo mesma até ela ficou surpreendida com a gravidez, pois nunca
falhou a toma da pílula, esta gravidez só pode ter uma outra explicação que ela
desconhece.

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Passada meia hora Vasco está a tocar à campainha e Marta recomenda a
Dolores:
– Se faz favor, vá atender a porta. Se for o Dr. Vasco, encaminhe-o para o
salão e peça-lhe que espere um pouco, enquanto eu vou buscar os resultados
dos exames médicos ao meu quarto, para lhe mostrar. E reze por mim, para que
tudo dê certo…

Vasco fica surpreso por ser Dolores a abrir a porta e pergunta se está
tudo bem com Marta.

– Está sim, doutor Vasco. Faça o favor de entrar e de esperar um minuto


no salão, que a doutora vem já. Talvez queira tomar alguma coisa?
– Não obrigada!
– Nesse caso, se me dá licença, retiro-me pois tenho muito trabalho.

Vasco fica só, na sala e, nesse momento, sente-se invadido por uma
profunda saudade da serenidade que Marta lhe transmite, do amor muito terno
que ela lhe dava, da tranquilidade que sentiu e viveu naquela casa.

Marta entra, pouco depois, de Vasco se ter sentado, no seu lugar


preferido. Quando Marta o vê pensativo, fica com uma vontade louca de correr
para ele, de o abraçar, de o beijar, mas controla-se e limita-se a cumprimentá-lo:
– Boa tarde, Vasco. Ainda bem que pudeste vir. O que tenho a falar
contigo é um assunto muito delicado.
– Podes dizer-me tudo o que queiras Marta eu estou aqui para isso… Tu
sabes bem que eu gosto muito de ti.
– Pois bem, vou deixar-me de rodeios. Estou grávida de dois meses e,
como deves calcular, tu és o pai…
– O quê?
– Estou à espera de um filho teu… Isto é, estou à espera de dois filhos
teus. Estão aqui os exames que comprovam o que te estou a dizer.
– Tu o quê? Estás grávida de quê? Desculpa, disseste que estás grávida
de gémeos? Talvez possas fazer algo… Sinceramente não me estou a ver a ser

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pai de novo. E, em relação a isso, fui, desde o início, honesto contigo. Disse-te
sempre que não queria filhos, recordas-te?
– Claro que sim. Acontece que não foi nada que eu tenha planeado,
tomei sempre a pílula, no entanto, estou grávida, o que é que queres? Queres
que te peça desculpa? Então, desculpa lá por o destino nos ter pregado esta
rasteira, desculpa lá por estar grávida…
Quanto ao fazer algo, se te referes a um aborto sabes bem o que eu penso
acerca disso.
Também eu não estava à espera de ficar grávida, mas fiquei e estes bebés
são muito desejados e vou tê-los independentemente da tua vontade.
– Eu como pai também tenho uma palavra a dizer, ou não?
– Claro que sim. Se quiseres assumir o teu papel de pai. Mas, se o que
pretendes é que eu faça um aborto, deixas de ter direito a qualquer opinião!
Estes bebés vão, seguramente, alterar muito mais a minha vida do que a tua
mas, vão nascer e, vão ser muito amados. Desculpa mas tenho que ser egoísta
por mim e por eles. A única coisa que te peço é que reconheças a paternidade.
Se tiveres alguma dúvida quanto a isso sabes bem que se pode fazer um teste de
ADN.
– Se colocas as coisas nesses termos! Sabes bem da minha situação
financeira e, neste momento, não tenho qualquer hipótese de assumir mais
encargos, e os filhos dão muitas despesas…
– Por acaso, não faço a menor ideia do que estás a falar! Não me recordo
de alguma vez me falares acerca da tua situação económica… Mas isso, graças a
Deus, não é um problema pois eu estou numa fase de vida de grande desafogo
financeiro, pelo que posso assumir sozinha as despesas inerentes à gravidez e
maternidade. Estou, aliás, a planear contratar alguém para me fazer as limpezas
da casa e me ajudar com os bebés. A Dolores irá continuar a dar-me apoio de
secretariado. E os meus pais já se prontificaram para me ajudar no que for
preciso.
– Mas não é só o dinheiro! É tudo… Eu não desejo que estes bebés
nasçam!
– Essa é uma decisão que não está nas tuas mãos! E já que não queres
cooperar peço-te o favor de, pelo menos, não atrapalhares… Esta é uma

91
gravidez que requer alguns cuidados extra devido à minha idade e eu não
quero perder os bebés, considero-os uma bênção pelo que são demasiado
preciosos para mim.
Peço-te, pelo que vivemos juntos, que não tomes nenhuma decisão
apressada de que te possas vir a arrepender! Deves ponderar muito bem…
– Mas vai ser extremamente duro para ti, teres que trabalhar e tratar,
sozinha, de gémeos…
É mesmo isso que queres?
– Sim. E como deves calcular não vou estar só! Apenas te peço que
assumas o teu papel de pai, no sentido de estares presente sempre que
necessário. E eu faço questão que os meus filhos conheçam e convivam com o
pai, até porque tu não morreste.
Não te estou a pedir que cases ou venhas viver comigo, pois isso não faz
qualquer sentido. E dou-te a minha palavra de honra que os gémeos nunca irão
ser um instrumento de pressão ou chantagem.
Pensa no assunto e dás-me uma resposta quando estiveres mais calmo,
mais consciente das implicações que este meu pedido trará para a tua vida.
– Ainda não acredito, como é que isto foi suceder Marta?
– Não me admira que estejas atordoado com tudo isto, se mesmo eu
ainda sinto que estou a viver um sonho.
É uma verdadeira bênção!
Estou muito feliz não o vou negar. Tu sabes que eu desejava muito ter
um filho e que até já estava a considerar a hipótese da adopção.
– OK! Olha Marta preciso de ficar a sós, para reflectir sobre tudo isto…
Eu depois ligo-te. Não me leves a mal a minha reacção. Desculpa lá se não me
mostro tão optimista e feliz quanto tu, mas tenho as minhas razões.

Marta acompanhou Vasco à porta. Quando ele se afastou ela sentiu uma
profunda calma e, naquele momento, soube que tudo iria correr pelo melhor.
Pensou:
– Vasco vai ser um bom pai, por muito que essa ideia o assuste agora. Ele
é, apesar de tudo, uma pessoa generosa. Tem as suas fragilidades, as suas
inseguranças, como qualquer ser humano.

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Os dias foram-se seguindo uns aos outros. Marta dava cada vez mais
atenção aos filhos que carregava dentro de si, e às questões práticas que se
impunham: a compra dos biberões, chuchas, roupa, fraldas, decoração do
quarto, etc. …

Dois meses depois, Marta, grávida de quatro meses, sentia-se a mais


afortunada das mulheres e estava profundamente expectante. Era frequente
pensar:
– Como é bom ter um ser a crescer dentro de mim! Um verdadeiro
milagre! Agora percebo o ar de beatitude que algumas mulheres grávidas têm.
É, de facto, um dom poder-se gerar um filho! E eu fui abençoada não com um,
mas com dois de uma só vez…
Seria engraçado se fosse um casalinho… Eu sempre desejei ter dois
filhos, um menino e uma menina.
Para a semana vou fazer a segunda ecografia e, nessa altura, espero que
se consiga ver o sexo dos gémeos.
Depois disso vou ter que falar com o Vasco para escolhermos os nomes
para os nossos filhos. Estou admirada como ele aceitou tão facilmente a ideia de
ser pai, e a transformação que se operou nele!

Vasco, após um período inicial de rejeição da ideia de ser pai, que durou
cerca de um mês, tem-se mostrado um pai interessado. Telefona todos os dias a
Marta para se inteirar se está tudo bem. Tem a visitado muitas vezes e apesar
de não ser capaz de o admitir, está feliz com a gravidez. Basta ver o ar
enternecido com que olha para a barriga de Marta.

Marta, por diversas vezes, ficou com a sensação que Vasco gostaria de
acariciar a sua barriga, de tentar sentir os seus filhos, no entanto, como ele
nunca tomou a iniciativa de lho pedir, ela nada diz. A última coisa que ela
pretende é que ele se sinta pressionado a algo… A sua relação está muito bem
assim, não pretende que uma precipitação sua possa estragar a base de
diplomacia e entendimento que se foi estabelecendo entre eles.

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XXX – SEGUNDA ECOGRAFIA

Marta está ansiosa e esperançada que, desta vez já se consiga ver o sexo
dos gémeos.

Ao longo dos últimos meses, Marta, não só confia no seu médico como
foi desenvolvendo uma relação de amizade com ele. Francisco tem sido o seu
“porto de abrigo” sempre que sente algum desconforto.

Quando já está deitada na marquesa, Francisco, diz-lhe:


– E esta? O que é que nós temos aqui?
Marta és mesmo uma caixinha de surpresas. Não páras de me
surpreender! Primeiro a gravidez não planeada e agora isto… Não sei se é uma
boa notícia aquela que tenho para te dar, mas nada posso contra a evidência dos
factos. Queres saber qual é o sexo não é?
– Sabes bem que sim, vá lá Francisco não me deixes na expectativa…
– É um pedido justo. Então faz o favor de olhares atentamente para o
ecrã, que eu vou fixar a imagem. Vamos lá mostrar o sexo à mamã, e nada de
timidez…
Estás a ver é uma menina.
– Não sei como é que consegues ver isso, eu nem o bebé consigo ver
claramente!
– Pois é minha querida! Muitos anos de prática, mas agora vem a
surpresa…
– Qual surpresa?
– É que o outro é um menino e cumpre-se o teu desejo de seres mãe de
um casal…

Marta despediu-se de Francisco, feliz, e satisfeita. Enquanto se dirigia


para casa para dar a boa nova ia pensando:
– A vida é engraçada. O Francisco foi-se revelando um bom amigo, para
além de ser um excelente profissional.
Nunca pensei vir a ter um amigo ginecologista. Foi preciso ficar grávida
para que isso sucedesse.

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Como é que o Vasco irá reagir?

Logo que chegou a casa fez uma festa, primeiro contou à Dolores e
depois pegou no telefone e informou os pais. De seguida ligou para o Vasco e,
mais uma vez, pediu-lhe que viesse a sua casa, a pretexto de lhe mostrar o
vídeo da ecografia.

Depois ligou para os amigos mais íntimos a contar-lhes a boa nova.

Está felicíssima!

Vasco veio logo que lhe foi possível e estava nitidamente excitado.
Quando Marta lhe disse que tinha uma surpresa para ele ficou feliz e voltando-
se para ela disse-lhe:
– São meninas? É isso, Marta?
– Não Vasco é um casalinho.
– Marta tu não páras de me surpreender primeiro a gravidez e agora um
casal. Estou feliz por ti, cumpriu-se o que mais desejavas.
Deixa-me abraçar-te!
Desde que me disseste que estavas grávida não parei de reflectir, e
cheguei à conclusão que não foi por acaso que ficaste grávida!
Eu estava a precisar de um pequeno empurrão para me reencontrar.
Tenho andado muito perdido de mim mesmo, mas agora acho que já começo a
ver qual o rumo que devo dar à minha vida.
No outro dia dei comigo a recusar uma menina de vinte e três anos que
tem tudo no sítio. Desculpa estar a ser franco contigo… mas, se há alguém neste
mundo que merece que eu seja sincero, és, seguramente, tu. Tens-me dado
tanto, nunca me recriminaste, nem nunca me julgaste.
Reconheço agora que fui injusto contigo e peço-te que me desculpes, se
fores capaz de mais esse gesto de generosidade!
Prometo que vou ser um bom pai para os nossos filhos, apenas preciso
que me dês um pouco mais de tempo para reorganizar a minha vida. Penso
que, se tudo correr bem, até ao nascimento dos gémeos vou ter as coisas
encaminhadas.

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– Sabes bem que acredito em ti. Consigo ler nos teus olhos que estás a ser
sincero. E nunca duvidei que és capaz de ser um bom pai para os meus filhos,
mesmo dadas as circunstâncias, isto é, o facto de não sermos casados e já não
mantermos uma relação de amor.
– Obrigado pelo voto de confiança. Isso é importante para mim. Mas não
preciso de te o dizer pois não? Tu sabes que é verdade. Vou-te só pedir mais
uma coisa, posso?
– Claro que sim, Vasco.
– Posso vir cá a casa visitar-te todos os dias, prometo que não vou tentar
nada… Apenas quero seguir mais de perto esta gravidez, e talvez possa
acompanhar-te às consultas. Não quero que me interpretes mal, eu estou
mesmo interessado e faço questão de te ajudar em tudo o que esteja ao meu
alcance.
– Por mim tudo bem… mas como é que a Rita vai aceitar isso? Eu não
quero que ela recomece com os telefonemas anónimos, porque se comecei por
achar piada à sua cobardia, neste momento já estou um pouco cansada. Agora
sou eu que te peço desculpa pela franqueza. Sei que gostas dela e não quero
interferir na vossa relação.
– Em relação à Rita fica descansada, é um assunto que eu tenho que
tratar de uma vez por todas. As coisas já se arrastam há muito tempo, ela
merece ser feliz ao lado de um homem que a ame de verdade.
Eu nem me reconheço Marta! Tu estás a ver o mesmo que eu? Estou a
crescer! Obrigado por tudo Marta. Agora vou até casa até porque deves estar a
precisar de descansar, é muita emoção para um dia só. Fica bem querida. Até
amanhã. Se necessitares de mim sabes como me contactar…
Não precisas de me acompanhar à porta, eu sei o caminho.

Marta nem quer acreditar que Vasco se tenha modificado tanto, em tão
pouco tempo. E pensa:
– O povo tem um ditado que descreve na perfeição estas transformações
tão bruscas: quando a esmola é grande até os Santos desconfiam! Assim estou eu…
Quero muito acreditar em Vasco, mas tenho receio que ele não consiga ir até ao

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fim nas suas decisões. Mas, não me vou preocupar com isso agora, o tempo o
dirá…

Sentia-se de facto esgotada pelo que optou por seguir o conselho de


Vasco e foi alongar-se um pouco. Pediu a Dolores que durante a sua sesta se
encarregasse do expediente geral.

XXXI – MORTE DO TIO

Estava Vasco sentado na seu gabinete de trabalho, profundamente


concentrado num projecto, quando toca o telefone e, do outro lado da linha,
Isaltina, a empregada do seu tio Luís Valente da Costa, informa-o que o tio
morreu. Um velhote simpático de oitenta e oito anos de quem Vasco gostava
muito.

Era o seu tio preferido, um excelente ouvinte e um óptimo conselheiro


pelo que Vasco lhe telefonava, muitas vezes, a contar os seus problemas e a
procurar os seus sábios ensinamentos.

Foi um imenso choque para Vasco, que não estava nada à espera que tal
sucedesse. Tinha-se encontrado com o tio na semana passada e este estava,
aparentemente, bem de saúde. Pensou:
– É bem verdade que para morrer basta estar vivo! Alguma vez pensei
que ele podia ter uma trombose e morrer disso, estive com ele há tão pouco
tempo e vendia saúde, velhote, é um facto, mas perfeitamente lúcido e com uma
vitalidade de meter inveja a muitos jovens, pobre tio… E agora com quem é que
vou desabafar? A quem é que vou pedir conselho quando tudo o que faço sai
errado?

Vasco fez questão de ir ao funeral do seu tio preferido, para um último


adeus, e para lhe agradecer por todo o bem que lhe fez ao longo da sua vida e
muito particularmente nos últimos meses.

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Está duplamente triste! Faleceu uma das pessoas que mais amava, e face
a esta perda irreparável apercebe-se que já lhe restam tão poucas vivas, aliás, o
que mais o aflige é o receio de que algumas delas estejam irremediavelmente
longe ou que já seja demasiado tarde para corrigir alguns dos seus erros! Como
gostava que o tempo pudesse voltar a trás para lhe agradecer pessoalmente.

Desde que terminara a sua relação com Marta telefonou-lhe inúmeras


vezes, até que o tio, mais uma vez, o surpreendeu com o seu, característico, bom
senso, aconselhando-o a procurar um bom padre ou, melhor ainda, um bom
psicólogo. O que Vasco fez sem hesitar, até porque já sentia essa necessidade
dentro de si desde há algum tempo.

De repente, com a ausência de Marta na sua vida, sentiu um vazio


enorme e começou a questionar-se sobre toda uma série de coisas que antes lhe
passavam ao lado.

Há cerca de três meses e meio que consulta regularmente, uma vez por
semana, o psicólogo Rogério Couceiro, e está profundamente satisfeito com os
resultados: sente-se, menos perdido, menos ansioso e percebeu que Marta, à sua
maneira, o ajudou e contribuiu para que despertasse nele a vontade de querer
encontrar-se e ser uma pessoa melhor.

XXXII – A HERANÇA

O tio Luís era um indivíduo bonacheirão, sempre bem disposto, com um


apurado sentido de humor. Solteiro por opção, e dono de uma fortuna razoável,
a qual Vasco desconhecia, pois sempre o conheceu a viver humildemente.

Após o enterro, um indivíduo que Vasco não conhecia acercou-se dele e


perguntou-lhe:
– Desculpe é o doutor Vasco Valente?
– Sou sim. E o senhor? Vai-me desculpar mas não o estou a reconhecer,
penso mesmo que nunca nos cruzámos.

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– De facto assim é. Eu sou o advogado do seu falecido tio. Emanuel
Serafim. Quero antes de mais apresentar-lhe os meus pêsamos. Estou aqui a
cumprir a última vontade do seu tio. Ele encarregou-me da leitura do
testamento no dia do seu enterro.
– Testamento?! Mas o tio Luís era uma pessoa tão humilde! Nunca lhe
conheci riquezas, nem grandes bens pessoais. Mas seja, se me disser onde é o
gabinete eu encontro-me lá consigo.
– Tenho que concordar consigo o seu tio era uma pessoa muito humilde
e generosa.
Agradeço-lhe a disponibilidade. Já convoquei os seus primos. Se quiser
pode seguir-me, o meu carro é aquele ali, o preto. Prometo que não lhe vou
roubar muito tempo.

Enquanto seguia o carro do advogado Emanuel ia pensando o que é que


o seu tio lhe poderia ter deixado como herança:
– Talvez me tenha deixado o cachimbo! Ele sabia que eu, desde sempre,
namorei aquele cachimbo… Que bela recordação!

No entanto, Vasco estava longe de adivinhar a surpresa que o seu tio


fizera questão de lhe preparar.

Por indicação expressa do falecido foi lida a primeira parte do


testamento em voz alta para todos os herdeiros contemplados, todos os
sobrinhos, após o que foram convidados a sair e a segunda parte do testamento
foi lida em privado para o seu sobrinho Vasco.

Para grande desgosto dos seus cinco primos e primas, que consideraram
injusto serem excluídos do “bolo”, apesar de nenhum deles fazer a menor ideia
de que “bolo” se tratava.

Vasco ficou profundamente indignado quando ouviu os seus primos


comentarem, entre si, que o velhote até depois de morto era “um unhas-de-
fome” que apenas lhes deixou a mísera quantia de vinte e seis mil euros, a cada
um.

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Luís Valente da Costa conhecia muito bem os sobrinhos que tinha e,
precisamente por isso, optou por dividir o testamento em duas partes para
evitar discussões e situações embaraçosas a Vasco.

O tio Luís tinha em Vasco o seu sobrinho preferido, o mais meigo, o mais
amigo e desprendido.

Sabia que Vasco vivia uma vida fútil, repleta de devaneios de


adolescente que o estavam a arruinar, cada vez mais, a todos os níveis: saúde
(física e psicológica); mas também, moral e espiritualmente.

Condoía-se tremendamente com o que o seu predilecto fazia a si mesmo


mas só nos últimos meses, em conversa com um médico amigo chegou à
solução para os problemas do seu querido sobrinho: ele precisava de consultar
um bom psicólogo.

E era o momento ideal para lho aconselhar, Vasco vira terminar a sua
relação com a única mulher que alguma vez amou. Apesar de não conhecer
pessoalmente Marta, parecia-lhe que era de facto a única capaz de modificar
Vasco, precisamente pela via do amor.

Viu como Vasco estava feliz quando lhe comunicou que ia ser pai e a
enorme alegria que sentiu por essa gravidez ser de gémeos.

Vasco prejudicava-se, principalmente, a si próprio. Luís sabia que o


sobrinho amava Marta e negava a si mesmo viver esse amor.

Sempre que falava com o sobrinho ficava-lhe a bailar a pergunta:


– Há alguma coisa mais triste do que alguém negar-se a amar e a ser
amado?
Vasco merece e precisa do amor de Marta para voltar a ser aquele
indivíduo que acredita na inocência do ser humano, na bondade da
humanidade, na vida.

E torcia para que Vasco caísse em si.

100
Os primos apesar de contrariados tiveram que sair da sala. Vasco ficou a
sós com o advogado que lhe deu conta da relação de bens que o seu tio lhe
testamentou, na qual contemplou o seu filho Bruno Miguel e os gémeos. E que
era a seguinte:
– Uma quinta, de sessenta hectares, com casa senhorial e acomodações
para rendeiros, em Leiria;
– Uma quinta, de oitenta hectares, com casa senhorial e de rendeiros,
mais cavalariças com doze cavalos Lusitanos, puro-sangue no Ribatejo;
– Uma quinta, de cem hectares, com palacete, do séc. XVIII, casa de
rendeiros, cavalariças com dez puro-sangue Lusitanos, e oitenta e três touros,
duzentas vacas e vitelos, e um enorme rebanho de ovelhas, em Almodôvar;
– Uma residencial de doze quartos em Coimbra;
– Doze apartamentos: seis em Vila Moura, três em Coimbra, dois no
Porto e um em Castelo Branco;
– A casa em que viveu até ao dia da sua morte, uma vivenda apalaçada
do início do século, em Bragança; e,
– Além de tudo isso, duzentos e setenta mil euros, que pode movimentar
a partir da data de leitura do testamento.

Vasco, à medida que o advogado ia lendo a relação de bens estava cada


vez mais estupefacto. Literalmente sem palavras. Nunca pensara que o seu tio
pudesse ter tamanha fortuna. A mãe comentara algumas vezes que o tio Luís
era um homem rico, mas Vasco nunca viu qualquer sinal exterior de riqueza e
ficou convencido que seria uma daquelas riquezas de província.

Apercebia-se agora da enorme humildade e generosidade daquele que


fora, e continuava a ser, apesar de ausente de entre os vivos, o seu tio preferido.
Tinha que reconhecer que sempre o conseguira surpreender, até mesmo depois
de morto, descobrira mais uma faceta oculta do seu amado tio, era um excelente
gestor que não deixara por mãos alheias os créditos da sua fortuna. As quintas
estavam a ser exploradas a vários níveis desde o agrícola, criação de gado e de
cavalos lusitanos, apicultura, turismo rural e, como se isso não bastasse, ainda
aplicava os rendimentos a nível imobiliário.

101
Quando Vasco regressou a casa, estava como que anestesiado,
profundamente abalado pela morte do tio, mas também pela enorme surpresa
que o tio lhe reservara.

Precisava de tirar uns dias para gerir tanta informação: tamanha fortuna;
mas isso iria ter que ficar para depois agora precisava de se concentrar no
projecto que tinha em mãos.

XXXIII – PRESSÕES

Rita vira-se forçada a ficar em casa dos pais durante os dois dias em que
Vasco estivera ausente.

Mal soube que Vasco já estava de volta, apressou-se a ir ter com ele. E fê-
lo em tão boa altura que Vasco lhe pediu que o deixasse a sós pois tinha um
trabalho cuja data limite de entrega já expirara e que precisava de terminar
impreterivelmente até ao fim da semana, e só lhe restavam três míseros dias!

Rita sentiu que estava a ser posta de lado, ou melhor, a ser posta na rua.
Ela que tanto o ajudara e que estava sempre a dar a outra face!

Ferida no seu orgulho, ficou profundamente indignada com a atitude de


Vasco, e, como é seu hábito sempre que isso sucede, opta por pedir satisfações,
e fá-lo de um modo muito peculiar que é partir para o ataque e de preferência
aos gritos:
– Tu não prestas. Estou farta destes teus joguinhos…

Mas Vasco, desta vez, está demasiado saturado de tantas discussões,


que, logo que ela começa no seu habitual estado histérico, a interrompe e lhe
diz:
– Tens bom remédio Rita. Se estás farta dos meus joguinhos o que tens a
fazer é pegar nas tuas coisas e sair de uma vez por todas desta casa. A situação

102
está insuportável desde há muito, e eu pura e simplesmente cansei-me das tuas
exigências.
Se não faço a vontade à menina tenho cenas e amuos. Tenho sido muito
paciente contigo apesar de me infernizares a vida. Se falo com uma amiga é
porque isto ou aquilo… não sou casado contigo e que me lembre nunca se
colocou tal hipótese, tu sempre aceitaste as minhas regras. Sempre te disse que
não queria compromissos com ninguém, que não queria prisões!
– Pois é, já tens outra. Ou melhor, é essa puta da Marta que está a dar-te
a volta à cabeça, os gémeos... eu sempre soube que ela te estava a chantagear,
fez isso tudo só para te apanhar… e tu estás pelo beicinho, és mesmo um idiota.
– Chega de delírios. A Marta não é perdida nem achada na nossa relação
que nunca esteve bem, nem antes nem depois de ter conhecido a Marta. E
proíbo-te de tentares seja o que for com Marta. Ela não merece que a perturbem
já lhe chega o mal que eu lhe fiz.
Desculpa se estou a ser bruto contigo mas não suporto mais as tuas
histerias. Peço-te que me desculpes se fores capaz por todas as situações em que
te coloquei, sei que fui um pulha contigo, que te magoei muito, e estou muito
arrependido disso e envergonhado. Agora preciso mesmo de um pouco de
sossego para poder terminar este projecto. Eu depois ligo-te. Estou
profundamente arrependido de te ter feito sofrer e vou fazer o que estiver ao
meu alcance para te compensar pelos anos que passaste ao meu lado a aturar as
minhas neuras.
– Eu nem acredito no que estou a ouvir! Tu já nem és o Vasco que eu
conheci. Desde que te meteste com essa gaja que não te reconheço…
– Vamos parar por aqui. A verdade é que eu não te amo e nunca te amei.
Mas só agora me apercebo disso. Eu tentei. Juro pela alma da minha mãe que
tentei, e só Deus sabe quanto, mas o sentimento nunca esteve presente.
– És um sacana da pior espécie.
– Não vamos entrar em discussões. Não te quero magoar mais. É melhor
assim. Vamos pôr um ponto final numa situação de faz de conta que não
engana ninguém, excepto nós mesmos. E agora preciso mesmo de trabalhar.
Não sei bem como, mas tenho que terminar ainda hoje o projecto. Amanhã
quero apresentá-lo para uma primeira discussão…

103
– És um reles, estou farta disto tudo. Tu não vales nada!
Os meus pais tinham razão e eu é que nunca quis acreditar, nem ouvir
falar mal de ti, sempre te defendi…
– O.K., tens razão. Eu fui mesmo muito sacana contigo, mas isso é
passado, já te expliquei que estou sinceramente arrependido e que não quero
perpetuar uma situação que só te faz sofrer e que me faz ter nojo de mim
mesmo. Agora, por favor, deixa-me trabalhar. Peço-te que vás arrumar as tuas
coisas e quando acabares de o fazer não te esqueças de me dares as chaves de
casa.

Vendo que não ia conseguir demover Vasco, Rita decidiu fazer o que ele
lhe pedia deixando, no entanto, uns quantos pertences pensando que em breve
já estaria de volta. Este truque resultara muito bem no passado, e era o tão
ambicionado pretexto para lá voltar e fazer as pazes.

Vasco fechara-se no seu gabinete e tentava concentrar-se no trabalho, o


que, para sua grande surpresa, estava a conseguir. O projecto estava a ficar
soberbo. Quando pressentiu que Rita já estava a terminar de arrumar as coisas,
fez uma pequena pausa e quando chegou perto dela apercebeu-se de imediato
que ela estava a esquecer-se intencionalmente de alguns objectos pessoais. Pelo
que lhe pediu, educadamente, que:
– Rita quando te pedi que arrumasses as tuas coisas e saísses referia-me a
que recolhesses todos os objectos pessoais sem excepção.
Esta foi a última vez que aqui entraste na condição de minha namorada.
De futuro apenas te posso dar a minha gratidão e amizade por tudo o que
vivemos juntos e todo o mal que te fiz, se é que queres continuar a ser minha
amiga.
Tenho que ser sincero, tu foste muito boa para mim e eu limitei-me a
receber o que tinhas para me dar sem te dar nada em troca, de facto tentei
amar-te, deste-me uma preciosa ajuda quando a minha mãe faleceu, mas as
coisas nem sempre correm como nós queremos. Eu não estava preparado para
uma relação séria e contigo limitei-me a ir ficando, mais porque me dava jeito
do que por amor.

104
Rita foi surpreendida com esta reacção de Vasco. E, nesse momento,
apercebeu-se que, pela primeira vez, Vasco estava a ser sincero e o que mais a
magoou foi ver em Vasco um homem convicto e seguro de si. Aquele homem
que ela tanto desejara e que nunca conseguira ter junto de si, no seu colo. As
lágrimas caíram pelo rosto sem que Rita fosse capaz de se controlar. Agora
sabia que estava tudo terminado entre eles e que nunca tivera verdadeiramente
Vasco. Como era triste aperceber-se disso, ao fim de tantos anos e de outras
tantas brigas.

Mais do que desiludida com Vasco, sentia-se desiludida consigo mesma.


Como é que nunca se apercebera que vivera numa ilusão, uma mentira em que
quisera acreditar do fundo do coração. Vasco tinha razão, era uma mentira que
não enganava ninguém, excepto ela própria, que em desespero de causa, nela
queria acreditar. E chorou porque perdeu o homem que amava mas que
também não soube amar, de facto sempre que Vasco fazia algo ela não tentava
percebê-lo, recriminava-o por tudo e algumas vezes ele nem tinha qualquer
culpa.

Habituara-se a descarregar toda a sua frustração nos ombros de Vasco e


já há muito que não olhava para ele, com olhos de ver. No início da sua relação
ficara frustrada porque ele não lhe dizia ao ouvido que a amava, mas optou por
fingir que estava tudo bem, e sempre que ele telefonava ficava feliz e imaginava
que ele o fazia por amor. Os dias, meses e anos foram passando e ele nunca lhe
demonstrou mais amor, era carinhoso quando estava bem, mas a maior das
vezes estava alcoolizado, e todo o comportamento era um profundo disparate,
exageros e bizarrias, mas ela pensava que Vasco acabaria por um dia lhe
confessar o seu amor, por isso foi ficando a seu lado, cada vez mais frustrada e
triste, pois esse dia teimava em não chegar nunca.

Logo que terminou de emalar as suas coisas deu a Vasco as chaves de


casa e partiu sem se despedir ou olhar para trás.

Vasco ajudou-a a colocar as malas no carro e antes de ela partir pediu-lhe


uma vez mais desculpa por não ter sido capaz de a amar.

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XXXIV – “LIMPEZA GERAL”

Depois de Rita ter ido embora, Vasco voltou ao trabalho. Em menos de


uma hora tinha o projecto terminado e deu consigo a pensar que este fora o seu
último projecto e o melhor.

Mais do que o fim de uma profissão de que Vasco não gostava era, acima
de tudo, o encerrar de um ciclo de vida e, desta vez, fizera-o com chave de ouro.
O seu tio Luís, se fosse vivo, haveria de se orgulhar dele, neste momento.

Depois disso ligou ao seu psicólogo a marcar uma consulta extra, pois
por razões óbvias, o enterro do tio, faltara à sua última marcação. E precisava,
hoje mais do que nunca falar com alguém e quem melhor do que um bom
profissional?

Enquanto esperava que Úrsula, a secretária de Rogério Couceiro, lhe


dissesse quando é que o doutor o podia receber, mentalmente, ia fazendo um
balanço da sua vida, principalmente dos últimos dez anos.

O passado está definitivamente encerrado. Terminou uma fase da sua


vida na qual pretende encerrar, de uma vez por todas, a sua vida de decadência
máxima. Um ser completamente perdido, que durante anos se recusou a olhar
de frente os problemas e que não se permitiu crescer enquanto ser humano.
Refugiara-se na bebida, no sexo, numa vida fútil sem qualquer sentido para
preencher um vazio que sentiu desde sempre dentro de si e quanto mais se
afundava mais sentia crescer esse vazio, até se tornar insuportavelmente
doloroso.

Pretende voltar esta página do livro da vida e nela encerrar todas as


coisas de que não se orgulha. Interroga-se, à luz do que sabe hoje, como fora
capaz de descer tão baixo!

O psicólogo pode recebê-lo na segunda-feira, às três da tarde e a consulta


de quinta-feira está confirmada. Vasco agradece a Úrsula a atenção e desliga o
telefone.

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Decide jantar em casa. Dirige-se para a cozinha, abre o frigorífico e ao
olhar para dentro vê uma enorme quantidade de caixas e caixinhas, os restos de
comida, que Rita tanto gostava de armazenar, durante semanas, muitas vezes
até se estragarem. E pensa:
– Se quero mesmo encerrar um capítulo da minha vida também vou ter
que contratar uma firma para me fazer a limpeza da casa. Quanto à limpeza do
frigorífico “não guardes para amanhã o que podes fazer hoje”, que belo ditado
este!

Encheu-se de coragem e tirou as caixas todas para fora despejou-as para


o lixo e lavou-as. Depois foi ver o que tinha no congelador para fazer uma
refeição saudável. Optou por fazer camarão frito em manteiga com um bom
vinho do Porto, como entrada e grelhou um bom bife e fez uma belíssima
salada. Para sobremesa optou por comer uma taça de gelado. Para acompanhar
a refeição decidiu que só podia ser champanhe, para poder brindar à sua nova
vida e prometeu a si mesmo corrigir alguns dos muitos erros da sua vida
passada, nomeadamente, Rita e Marta e parar de beber em excesso, já não
precisa dessa muleta.

XXXV – NOVA VIDA

O telefone não pára de tocar, as meninas do seu passado sucedem-se


umas às outras e, a todas, Vasco vai educadamente dizendo que agora é um
homem comprometido. Pede desculpa por se não poder encontrar com elas mas
a vida é mesmo assim: injusta.

Às onze da noite Vasco sente-se exausto e decide ir-se deitar, desliga os


telefones.

Uma vez na cama apercebe-se que, apesar de muito cansado, precisa de


planear, cuidadosamente, o seu dia de amanhã.

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Às nove e meia quer estar na empresa para entregar e discutir o
rascunho final do projecto com o cliente. Faz questão de acompanhar este
projecto até ao fim, o que corresponde sensivelmente a mais um mês de
trabalho. Depois disso vai apresentar a sua carta de demissão.

Pela primeira vez na vida, vai fazer bem a um estranho. Com a sua saída
da empresa abre uma vaga para um criativo, com certeza, mais motivado e
seguramente alguém com mais sentido de responsabilidade que ele.

Por volta do meio-dia quer estar no balcão do Banco para falar com o seu
gerente de conta a fim de saldar as suas dívidas, junto da instituição bancária.

Quer-se encontrar com o seu grande amigo Henrique Colaço por volta
da uma da tarde, para lhe agradecer, uma vez mais, a ajuda e o apoio
incondicional que lhe deu ao longo de todos estes anos, mais de quinze anos.
Este é um amigo com “a” maiúsculo, quando precisou ele esteve sempre lá para
o ouvir e apoiar, muitas vezes discordou dele no entanto nunca o recriminou de
nada. Está agora em condições de saldar a sua dívida financeira, no entanto,
mantém-se uma dívida maior, a dívida de gratidão e essa nunca a conseguirá
pagar, por mais anos que viva.

Desta vez, faz questão de ser ele a pagar o almoço no melhor restaurante
da cidade, Henrique bem o merece.

O seu futuro vai tomar um rumo bem diferente, vai ter que aprender a
gerir as suas propriedades e os rendimentos das mesmas. Não quer, por
incompetência ter que vir a vender alguma delas. São demasiado preciosas, não
pelo seu valor de mercado, mas pelo valor afectivo. Para isso, tenciona pedir
ajuda à mulher que ama.

À tarde, depois do almoço com Henrique, tenciona ir ao gabinete da


advogada para se informar do que deve fazer para legar a Residencial de
Coimbra à Rita. Sabe, antecipadamente, que ela vai adorar. Rita sempre desejou
ter um negócio só dela, e como ela gosta de se ocupar das limpezas da casa de

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certeza que se vai sentir uma mulher realizada. Talvez assim, ele possa
reconciliar-se com o seu passado, se conseguir que Rita reencontre a felicidade
já terá valido a pena realizar-lhe este seu grande desejo e um dia, quem sabe,
talvez ela possa realizar o maior sonho da sua vida casar e ter filhos! Ela bem o
merece depois de tudo o que já sofreu…

Quer conquistar o amor de Marta mas, desta vez, não quer, de forma
alguma, fazer nada errado. Vai ter que se aconselhar junto do Dr. Rogério.
Pretende pedir Marta em casamento no dia em que nascerem os gémeos. Esta é
uma ideia que tem vindo a tomar forma nos últimos tempos e que cada vez
mais lhe agrada. Desde a última conversa que teve com o tio Luís que ficou com
a certeza que é esse o seu maior desejo, casar com a mulher que ama com todas
as fibras do seu ser. Se o tio fosse vivo seria o padrinho e como ele se
orgulharia!

Até lá vai ter algum tempo para reconquistar Marta, para mimá-la,
namorar e fazê-la muito, muito feliz.

Amanhã vai fazer uma surpresa a Marta, vai convidá-la para saírem e se
ela aceitar vai levá-la à sua loja de móveis favorita para aí escolher o mobiliário
para o quarto dos gémeos. De certeza que ela vai adorar a surpresa.

E foi com este pensamento na mente que Vasco adormeceu


tranquilamente com um sorriso nos lábios. Dormiu um sono descansado, uma
noite sem pesadelos ou sobressaltos. O que há meses não lhe sucedia.

XXXVI – IDA ÀS COMPRAS

Acordou e sentiu que estava profundamente revigorado. O dia correu


muito bem a Vasco. Extenuante mas proveitoso. Depois de sair do gabinete da
sua advogada, Graciete Fonseca, e quando já se dirigia para o carro passou
frente a uma ourivesaria e surpreendeu-se a ficar com o olhar preso numa jóia
que ali estava exposta.

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Um belo colar de ouro branco com três pequenas pérolas cinzentas,
ladeadas, cada uma, por dois lindos diamantes. Entrou para perguntar o preço.
Uma vez no interior e tocando no colar, não resistiu e decidiu que esta era uma
prenda que Marta merecia por ter suportado de forma tão digna a sua péssima
e inqualificável reacção à notícia dos gémeos.

De seguida dirigiu-se a uma florista e comprou uma camélia branca, em


vaso. Recorda-se de Marta ter comentado que pretendia plantar uma no jardim.

Dali foi directo para o carro e, quando chegou à aldeia, parou frente à
casa de Marta para lhe fazer as surpresas.

De repente, e por mais incrível que pareça, sente-se ansioso ao tocar à


campainha. Nesse momento, assalta-o a dúvida, lembra-se da possibilidade de
Marta não estar em casa, ou de não poder, ou não o querer receber, quanto mais
de aceitar o seu convite para sair, depois de tudo o que ele fez até seria justo da
parte dela.

No entanto, esta dúvida logo se desvaneceu. Segundos depois de ter


tocado à campainha, já Marta lhe abria o portão com o comando à distância. E,
logo de seguida viu-a sair de casa e dirigir-se para o estacionamento
convidando-o a entrar.

Quando Vasco a viu ficou deslumbrado com a sua beleza. Marta


irradiava alegria. E, mais uma vez, pensou:
– Esta mulher é um rochedo. Apesar de todos os problemas, vejam só
como ela está serena! Feliz da vida e muito grávida, está mais linda que nunca!
Assumir uma gravidez contra tudo e todos não é, seguramente, uma pêra doce,
se eu tivesse só metade da sua coragem já seria um homem feliz!

Logo que chegou perto de Vasco, Marta disse-lhe:


– Mas que surpresa. A que se deve a tua presença não anunciada? Não é
teu hábito aparecer sem avisares.
– Mas será que já não mereço o teu habitual: Boa tarde Vasco!

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– Desculpa, distrai-me completamente.
– Estás desculpada. E para que me desculpes de aparecer sem avisar
aqui está esta flor que estava em falta no teu jardim. Agora se me dás licença,
gostava de te dar um beijo de boa tarde. Posso?
– Obrigada Vasco. Como é que tu sabias que eu gosto de camélias
brancas?
– Sabes esse é o segredo do artista, como deves calcular não o posso
revelar.
– Devo ter comentado contigo a respeito…
– É óbvio Marta. Agora quero convidar-te a vires dar um passeio
comigo, para poderes relaxar um pouco. Prometo que não vou tentar nada de
estúpido. Preciso de conversar contigo uma série de coisas.
– Por acaso até vou aceitar o convite. Estou a precisar de ir ao Fórum
fazer umas compras e se não te importas vou aproveitar a condução.
– Mas que coincidência! Eu estava a pensar em ir contigo ao Fórum para
comeres um daqueles gelados italianos que tanto gostas…
– Então vou só buscar a carteira e um casaco, não vá arrefecer… Eu não
me posso constipar.
Só te peço que não me faças nenhuma das tuas outras propostas.
– Palavra de honra que o não farei. Só te quero proporcionar uma tarde
agradável, sem segundas intenções, pela alma da minha mãe…
– Pára Vasco! Não precisas de chamar quem já morreu… deixa a tua mãe
descansar em paz.
– Peço desculpa Marta, este é um mau hábito que ainda não consegui
alterar.

Passados alguns minutos Vasco saía do estacionamento conduzindo com


uma enorme precaução e tendo o cuidado de se informar se Marta estava
confortável.

Marta sentia-se feliz. Pressentia que aquela iria ser uma tarde bem
agradável.

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Enquanto dirigia Vasco contou a Marta da morte do tio Luís Valente da
Costa, e da enorme surpresa que este lhe fizera.

Quando já estavam sentados a comer um crepe com gelado, Vasco


comentou:
– Tenho que te dizer que terminei, de uma vez por todas, a minha
relação com a Rita ontem.
E decidi pôr em nome dela, a título de compensação por tudo o que ela
me aturou, a residencial de Coimbra.
– Penso que é um gesto de grande generosidade da tua parte Vasco.
– Nunca a poderei compensar pelo mal que lhe fiz, mas ao menos vou
realizar-lhe o seu maior desejo. Ela sempre sonhou explorar uma residencial.
Talvez, deste modo, a possa fazer um pouco mais feliz, ela bem o merece.
Bom mas chega de falar de mim! Eu não vim aqui contigo para estar a
falar de mim e das outras. Preciso comprar uns móveis e gostava que tu me
ajudasses na escolha. Posso contar com a tua ajuda?
– Com todo o prazer. Se o meu conceito de beleza não chocar com o
teu…
– Então vamos àquela loja que tu tanto gostas, que fica ali em baixo.
– A sério! Mas tu dizias que não gostavas daquele género de design…
– Estava apenas a meter-me contigo. Anda daí. Vá lá que se faz tarde e
depois não consegues fazer o que queres, antes de anoitecer.

Quando Marta se apercebeu que Vasco se estava a dirigir para o sector


de móveis de quarto infantil ficou surpresa.

Vasco adorou ver a cara de espanto de Marta quando, depois de terem


escolhido os móveis, deu a morada dela como local de entrega.

– Esta é a pequena oferta que eu tencionava fazer, independentemente


da herança do tio Luís. Preferi que fosses tu a escolher os móveis, apesar de se
desvendar a surpresa.
Isto é o mínimo que posso fazer…

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Tens sido uma mulher muito corajosa ao assumires esta gravidez
sozinha. Mas, de hoje em diante, gostaria de estar mais presente na tua vida.
– Sabes que não precisas de me oferecer a mobília para os gémeos mas se
fazes questão. Tenho mais é que agradecer a tua generosidade – dito isto, as
lágrimas, tantas vezes reprimidas, irromperam. Marta limitou-se a acrescentar –
Desculpa, mas estou muito emocionada…
– Não chores Marta! Não tenho qualquer intenção em te magoar de
novo. Quero redimir-me junto de ti por todo o mal que te fiz. Desculpa-me.
– Estás desculpado Vasco, há muito que o fiz. Vamos lá às compras que
eu detesto estas minhas lamechices, agora choro por tudo e por nada. Tudo me
comove…
– Dizem que as mulheres quando estão grávidas ficam mais sensíveis, é
perfeitamente normal que também tu te sintas mais vulnerável.
Sabes o meu psicólogo tem-me dito cada coisa… Espera lá…
Ainda não tinha comentado contigo que ando no psicólogo à, mais ou
menos, três meses e meio!
– Ah sim? Então agora está explicada a tua grande transformação.
Estavas a fazer segredo, ou tinhas vergonha de dizer que consultavas um
psicólogo?
– Nem uma coisa nem outra. Estava à espera do momento ideal para te
dizer. A Rita também não sabe, e nunca o irá saber. Aliás, com ela não quero
mais conversas, nos tempos mais próximos. Vou ter que lhe telefonar a dizer-
lhe que a minha advogada vai entrar em contacto e talvez um dia possamos
voltar a ser amigos.
– Vasco sabes bem que por mim ficava a ouvir-te a tarde toda, mas a
realidade chama-me, está-se a fazer tarde e eu ainda não comprei o que preciso.

Quando terminaram as compras, já anoitecera. Não deram pelo tempo


passar, tal o entusiasmo de estarem de novo juntos.

Como era hora de jantar, Vasco convidou Marta para ir com ele a um
restaurante super simpático, que ela gostava muito. Marta não se fez rogada e
aceitou prontamente, até porque não se estava a ver a chegar a casa dali por,

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sensivelmente, meia hora e ainda ir cozinhar uma refeição só para si. Sentia-se
um pouco cansada, ou melhor, verdadeiramente exausta.

Vasco ficou satisfeito por Marta ter aceite o seu convite.

Sente-se feliz por estar de novo ao lado da mulher que ama, embora não
ouse sequer abordar o assunto, até porque tem noção que este não é o momento
ideal para iniciar uma relação de amor.

Primeiro tem que arrumar muito bem as ideias, conferir ordem no caos
que foi a sua vida, e só depois pode pensar em ter uma conversa com Marta. A
morte do tio deixou-o muito abalado. Se a sua herança já lhe está a facilitar a
vida: com ela pôde saldar todas as suas dívidas; a verdade é que preferia ter o
tio ao seu lado…

XXXVII– O COLAR

Findo o jantar Vasco conduziu Marta de volta a casa. Uma vez aí,
ajudou-a com os sacos, isto é, fez questão de ser ele a carregar todas as compras
para casa. Marta não se opôs, até porque se sentia exausta.

No final recebeu o convite de Marta, para lhe fazer um pouco mais de


companhia.

Vasco ficou feliz porque ia agora ter oportunidade de fazer a terceira


surpresa a Marta.

Aproveitando o facto de Marta ir à cozinha buscar um copo de leite,


Vasco coloca, em cima da mesa da sala de estar, o estojo que contem a jóia, que
esteve durante todo o tempo dentro do bolso do blusão.

Pouco depois entra Marta, com um café para Vasco e o seu copo de leite.
Entrega-lhe a chávena de café e quando vai pousar o copo de leite apercebe-se
que, em cima da mesa está um presente, mas não pensou que fosse para si. Só

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quando Vasco, passados alguns minutos lhe perguntou se não ia abrir o
embrulho é que percebeu que era para si.

Quando pegou no presente, reparou que tinha o autocolante de uma


ourivesaria. Abriu-o ainda mais curiosa e expectante, e quando viu o colar não
conseguiu conter as lágrimas.

– Marta por favor, apenas te quero fazer feliz, não te quero pôr a chorar,
minha querida!
– Estou a chorar de felicidade. Hoje as surpresas têm-se sucedido umas
às outras, a uma velocidade que mal tenho tempo de me recompor do choro já
estou a ser alvo de mais uma.
O colar é lindíssimo, mas ainda não me disseste porque é que mo estás a
dar!
– Esta é a minha forma de te pedir desculpa pela péssima, e
imperdoável, reacção que tive, de início, a esta gravidez.
A verdade é que se não fosses tu e também os gémeos, eu ia continuar a
ser aquele ser desprezível em que me fui transformando, que não respeitava
nada nem ninguém…
Peço desculpa por todo o mal que te fiz, por todo o sofrimento,
desnecessário, que te…
– Não precisas de me pedir desculpa por nada. Se tu me fizeste sofrer a
verdade é que eu também permiti que isso sucedesse.
Da minha parte estás desculpado, só te peço que de futuro, estejas
atento, para não fazeres sofrer os teus filhos.
– Prometo-te. Por tudo o que há de mais sagrado, que vou fazer os
possíveis, e os impossíveis também, para que nada falte aos meus filhos.
Penso que chegou o momento de me ir embora, tu estás exausta, precisas
de descansar. Tenho ainda muita coisa a conversar contigo mas isso pode
esperar. Talvez possamos conversar amanhã a horas mais decentes.
Não precisas de me acompanhar.
– Faço questão em te acompanhar à porta. Mas primeiro deixa-me
agradecer condignamente todas as surpresas que me fizeste hoje – e, ao mesmo

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tempo que dizia isto, Marta abraçou Vasco e sussurrou-lhe um “muito
obrigada” ao ouvido. Depois, olhando-o, bem fundo nos olhos, beijou-lhe
suavemente os lábios.
– Obrigado por tudo Marta. Até amanhã minha querida, isto é, se tu não
te importas que eu venha cá amanhã. Posso?
– Claro que sim Vasco.
– Antes de sair gostava só de te pedir uma coisa. Há já algum tempo que
ando com vontade de fazer isso, mas não tenho tido coragem, e penso mesmo
que, na altura, não fazia o menor sentido.
Dás-me licença que coloque a minha mão sobre a tua barriga para sentir
os meus filhos? – e ao dizer isto, foi a vez de Vasco se emocionar. Uma lágrima
rolou-lhe pelo rosto.

Marta pensou:
– Este é o Vasco por quem me apaixonei. – E voltando-se para ele disse-
lhe:
– Podes sim Vasco.

Depois que Vasco saiu Marta foi-se deitar e adormeceu quase de


imediato, profundamente satisfeita com a vida. Sentia uma enorme sensação de
paz. Finalmente, tudo estava a ficar no seu devido lugar…

XXXVIII – A TRANSFORMAÇÃO RADICAL

Os dias foram-se sucedendo e Vasco torna-se cada vez mais presente na


vida de Marta, interessa-se por acompanhar, a par e passo, a gravidez e está
profundamente empenhado em fazê-la feliz.

Constata, com alguma frequência, que não é preciso fazer nada de


especial para que Marta se sinta profundamente agradecida ou satisfeita.

E é frequente pensar:
– Como a vida é simples e como o ser humano é perito em complicá-la!

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A sua proximidade com Marta levou-o a descobrir o prazer em coisas tão
simples como contemplar a natureza, fazer jardinagem ou, apenas ficar alguns
momentos a observar os gatos a brincar, no final da tarde.

Apercebe-se agora do muito que perdeu por ter sido teimoso e


orgulhoso, por apesar de sentir que precisava de ajuda, se ter recusado a
procurá-la, durante tanto tempo. Foram anos da sua vida que esteve afastado
do que realmente importa, das coisas e das pessoas que de facto merecem
atenção e carinho.

Viveu culpabilizado por não ter estado mais próximo da mãe quando lhe
foi feito o diagnóstico da sua doença terminal e a respectiva previsão de vida.
Em vez de lhe dizer o quanto a amava e de a acarinhar no fim da sua vida,
andou a perder-se nos braços de qualquer uma. Interroga-se agora como pôde
ser tão insensível, porque é que para ele é tão difícil expressar os seus
sentimentos as suas emoções.

Apesar de todo o lixo da sua vida passada há uma coisa muito positiva, é
que ficou a memória da experiência vivida, e com ela a possibilidade de não
voltar a cometer os mesmos erros.

Está a aprender a amar-se e a respeitar-se enquanto ser humano, para


posteriormente melhor amar e respeitar os outros.

Pela primeira vez na vida está a estabelecer uma relação


verdadeiramente adulta com alguém. Um relacionamento que passa pela
reciprocidade, diálogo, e compreensão das necessidades e carências do par que
forma o casal. É uma relação em que predomina a fidelidade, e a confiança.

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XXXIX – PEDIDO DE NAMORO

Por volta do sétimo mês de gravidez, de Marta, surpreendeu-a com um


pedido de namoro muito tradicional. Com direito a declaração de amor e a
aliança e tudo.

Optou por desenhar ele mesmo a aliança e solicitar a sua feitura junto de
artífice de ourivesaria, daí resultou um finíssimo trabalho de filigrana em ouro
velho, no qual estavam incrustados dois pequenos diamantes, que simbolizam
os gémeos.

Marta estava à espera que Vasco abordasse o assunto, mas nunca pensou
que ele o fizesse de uma forma tão bela. Ele pediu-lhe que organizasse um
pequeno jantar com os pais dela e o seu pai.

Dissimulou tão bem a verdadeira intenção que ela ficou convencida que
era apenas um jantar convívio para que a família mais próxima de ambos se
pudesse conhecer melhor.

Apesar de conhecer muito bem Vasco, a verdade é que nos últimos


tempos, todos os dias se depara com mais um elemento da profunda e radical
transformação que lentamente se vai operando em Vasco.

Tem o dom de a surpreender com a sua capacidade de amar, a profunda


sinceridade e humildade, mas também, a enorme generosidade de uma alma
em paz consigo mesma.

Vasco está a levar o seu acompanhamento psicológico muito a sério e


isso reflecte-se na sua vida, a todos os níveis.

Este é o Vasco por quem Marta se apaixonou. Esteve sempre lá, no


entanto, só agora se permite deitar fora as máscaras atrás das quais se escondia
com receio que os outros o fizessem sofrer. É um homem muito mais seguro,
responsável e um bom trabalhador.

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Está a sair-se lindamente com a gestão dos bens que herdou do tio Luís e
até já começou a diversificar o ramo de actividade. Neste momento está a
investir no sector imobiliário. Compra montes com casas em ruínas, reconstrói e
vende-as.

Tem demonstrado ser um aluno aplicado, obediente e extremamente


humilde e perspicaz.

Ao lado de Vasco, Marta sente que o tempo voa e está ansiosa por ter nos
seus braços os filhos que tanto deseja e ama.

XL – O AMOR CURA

Marta a conselho de Francisco foi ter os gémeos numa clínica particular,


em que ele trabalhava. Marcou a data de parto com alguma antecedência, pois
tinha que se realizar por cesariana.

No dia marcado, Vasco conduziu Marta à clínica. Estava visivelmente


ansioso. Muito apreensivo, tinha receio que algo pudesse correr mal.

A cesariana foi um sucesso e os gémeos André e Joana nasceram bem,


de gravidez de termo. Logo que terminou a operação e que Marta foi conduzida
ao quarto Vasco aproximou-se dela felicíssimo, e mimou-a muito. Agradeceu-
lhe os filhos que ela lhe tinha dado e, tal como tinha planeado, pediu-a em
casamento. Marta não estava nada à espera deste pedido, mas não hesitou um
segundo e aceitou.

Estes últimos meses, vividos ao lado de Vasco, embora cada um em sua


casa, foram muito gratificantes. Vasco revelou-se o melhor companheiro, o
melhor pai. E se Marta já antes não tinha dúvidas de que era ao seu lado que
queria passar os restantes anos da sua vida, agora tem a certeza que ele é a sua
alma gémea, que amar Vasco é uma das suas missões nesta vida. Sente que este
sim será um “casamento religioso”: até que a morte os separe.

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Vasco, para selar o pedido oficial de casamento, ofereceu a Marta uma
aliança de noivado em ouro branco, cravejada de diamantes. E fez questão de
assinalar o momento mais importante da sua vida: o nascimento dos gémeos.

Ofereceu-lhe um enormíssimo ramo de rosas brancas (as preferidas de


Marta) e um conjunto de colar, pulseira e brincos.

Marcaram o casamento para dali a três meses. E até lá viveram felizes.

No momento em que nos encontramos, Vasco vive intensamente o seu


papel de pai, acompanha e ajuda Marta em tudo.

Tomou a decisão de segurar as rédeas da sua vida e de ser ele a


conduzir, em vez de se deixar ir ao sabor da corrente. Não quer perder o
crescimento dos três filhos.

Sente-se profundamente arrependido de não ter acompanhado mais a


sua ex-mulher quando o Bruno nasceu mas na época ele era apenas um puto a
brincar aos adultos. E como brincar cansa, tudo fez para terminar uma relação
que a única coisa de bom que teve foi o filho, mas este perdeu-o quando tinha
um mês de nascido. Está empenhado em conquistar o amor do seu filho mais
velho pela via do amor e não da autoridade, como erradamente fizera até aqui.

A vida é mesmo assim: uma eterna e permanente aprendizagem. E


Vasco aprendeu com os erros do passado.

Actualmente, sente-se um homem feliz, dono de uma vida preenchida.


Cresceu muito desde a primeira vez que se cruzou com Marta. Está
profundamente grato a Marta por o ter ensinado a amar, e por lhe proporcionar
uma relação tão serena e feliz, de enorme reciprocidade, afecto e compreensão.
Mas também tem uma profunda gratidão para com o seu psicólogo que o
ajudou a encontrar-se, num momento tão difícil e o levou a crescer enquanto ser
humano.

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Percebeu que tem estado deprimido, quase desde sempre, aprendeu a
gerir a sua agressividade, as suas emoções e está pronto para amar a vida.

XL – E RITA...

Em Coimbra, Rita está felicíssima na sua Residencial, vive


desafogadamente, sem ansiedades, e sente-se realizada como nunca. Está a sair-
se lindamente! Hoje sente-se profundamente agradecida a Vasco por este ter
terminado aquela relação que a estava a destruir, e por ele lhe ter oferecido a
Residencial. De facto agora é uma mulher mais madura, mais serena, sente-se
bem consigo e com o mundo. Fez imensos amigos e a sua relação com os pais
melhorou muito.

Há uns cinco meses atrás Jorge Fidalgo hospedou-se na sua Residencial


por dois dias e passadas duas semanas estava de volta. Desde aí que sempre
que pode vem visitar Rita. E, mais ou menos há dois meses, declarou-lhe o seu
amor.

Rita foi-se habituando à companhia de Jorge. Sempre que ele vinha a


Coimbra convidava-a para jantar, e gostava de a levar a passear, foram-se
tornando bons amigos. Ela sentia que tinha finalmente um verdadeiro amigo,
alguém com quem se pode partilhar tudo e aos poucos foi-se apercebendo que
o sentimento de amizade se estava a transformar, ela estava apaixonada e ficou
com receio que ele pudesse apaixonar-se por ela.

Mas há dois meses atrás ele fez-lhe uma enorme surpresa, telefonou-lhe,
convidou-a para ir a sua casa e quando ela lá chegou ele deu-lhe um lindo ramo
de flores, no meio do qual estava uma pequena caixa. Quando ela a abriu viu
que continha um pequeno solitário. Nesse momento ele perguntou-lhe se ela
queria namorar com ele e, quem sabe talvez casar...

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Rita foi colhida de surpresa e, naquele momento, sentiu-se a mulher
mais feliz do mundo. Sente-se amada, importante, não aquele objecto que se usa
e deita fora, que tantas vezes a fez sentir.

O sentimento que nutre por Jorge é muito profundo, ele transmite-lhe


uma tranquilidade que ela nunca sentira antes. Estão a planear casar até ao fim
do ano, ele vai mudar para Coimbra, já compraram um belo apartamento num
condomínio fechado, ele vai abrir o seu gabinete de advocacia na zona nobre, e
querem ter um filho logo, logo.

Finalmente encontrou o amor da sua vida, foi difícil, mas aprendeu


muito com a vida, e não tem a menor intenção de cometer os mesmos erros do
passado! Vai amar, mimar e confiar.

FIM

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