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APOSTILA 1
1ª SÉRIE
1
UNIDADE 1
FILOSOFIA: O QUE É ISSO?
“Tudo é um”
TALES DE MILETO
1 - A FILOSOFIA E OS MITOS
FILO SOFIA
Filo decorre de philía e o significado A palavra Sophia significava, em um
deste termo é amizade, amor. Na língua primeiro momento, uma espécie de
grega, há o verbo philéo, que significa habilidade manual. Em seguida,
sentir amizade por alguém, tratar como também era aplicada à idéia de
amigo, procurar, buscar, perseguir para sabedoria moral, sensatez, prudência.
encontrar. Por fim, significou um conhecimento
teórico. O verbo sophízo significava
tornar hábil, prudente, sábio1.
1 CHAUÍ, Marilena. Introdução à História da Filosofia: dos pré-socráticos a Aristóteles. São Paulo:
Companhia das Letras, 2° edição, 2002, pp. 509-511.
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elas recorriam aos mitos. Vejamos alguns exemplos nos mitos de Aracne e de
Perseu.
O mito de Perseu
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tocarem o chão e, até hoje, esta região tem muitas cobras. Cansado, pediu abrigo
ao rei Atlas para descansar, mas foi mal recebido e desrespeitado, além disso, o
rei expulsou Perseu. Este, enfurecido, transformou seu reino em pedra ao apontar
a cabeça da Medusa em todas as direções.
Continuando a viagem, Perseu avistou uma mortal acorrentada em uma pedra à
beira da praia. Conversando com ela, Perseu ouviu que ela estava ali porque os
deuses puniram sua família e que o reino de Cefeu só não seria inundado se a
princesa fosse colocada em sacrifício a um monstro marinho. Perseu aguardou,
então, que a maré subisse e derrotou o monstro, salvando a princesa Andrômeda
e a pedindo em casamento.
A família de Andrômeda ficou maravilhada com o feito de Perseu, que se casou
com Andrômeda após derrotar um antigo pretendente dela. Morando agora nas
terras de um rei estrangeiro, Perseu participou de uma competição esportiva e, na
prova de arremesso de discos, fazendo um lançamento desastroso, acertou seu
avô sem saber que ele estava ali. Assim, cumpriu-se a previsão oracular.
O mito de Aracne
Aracne era a melhor tecelã da região da Lídia e sua arte era tal que as pessoas
diziam que sua mestra havia sido Palas Atena, a deusa da sabedoria. Mas Aracne
não gostava desta história e, certa vez, disse a todos:
- Não aprendi minha arte com a deusa e como prova disso convido-a a
competir comigo, caso ela vença, aceitarei qualquer punição.
A deusa não gostou e disfarçou-se de uma velhinha para aproximar-se de
Aracne, puxou conversa e disse que a mortal deveria demonstrar humildade com
os deuses e pedir perdão a Atena. Aracne chamou a velhinha de louca e disse-lhe
que se Atena quisesse dizer-lhe algo, o convite já havia sido feito. Furiosa, a
deusa da sabedoria teve sua paciência esgotada, retirou o disfarce e disse a
Aracne que a competição para ver quem tecia o tapete mais belo deveria começar
imediatamente. Ambas colocaram-se a tecer.
Atena teceu no seu tapete a imagem do penhasco da acrópole de Atenas, lugar
que ela conquistou após uma luta com Posídon, deus dos mares, teceu também a
luta entre ela, armada de escudo e lança, que quando tocou a terra, deu origem à
oliveira na terra infértil, com Posídon, retratado empunhando seu tridente. Além de
desenhar sua vitória, Atena colocou em cada um dos quatro cantos do tapete,
imagens que simbolizavam a arrogância humana: Hemo e Ródope que
chamavam-se de Zeus e Hera e foram transformados em montanhas; a mãe dos
pigmeus transformada em garça; Antígona com serpentes na cabeça que não
paravam de mordê-la, já que ela comparara-se a Hera, e depois transformada em
cegonha; Cíniras chorando por suas orgulhosas filhas.
Já Aracne, desonrara Zeus no seu tapete: desenhou-o transformado em touro,
águia, cisne, sátiro, fogo e chuva de ouro. Quando Atena viu o tapete de Aracne,
golpeou-a com um ódio terrível e a perfurou três vezes na testa com a agulha de
tecer; além disso, Atena fez os cabelos, o nariz e os ouvidos de Aracne
desaparecerem, fez seu corpo diminuir bastante de tamanho e condenou-a a
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praticar sua antiga arte eternamente, tecendo fios como uma aranha. Segundo do
mito, eis Aracne: origem dos aracnídeos.
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4 – Explique como surgiram as serpentes, segundo o mito de Perseu.
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COSMOGONIA
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que, hoje, chamamos de filosóficas: de onde veio o mundo, para aonde ele vai?
COSMOLOGIA
As questões que foram colocadas pelos mitos foram pensadas, também, pelos
filósofos. Eles tentaram, e tentam, respondê-las, mas de modo diferenciado: os
filósofos evitaram explicar o mundo pelos seres míticos como Urano, Gaia e
Oceano e partiram do que aparecia para eles como substancial, a saber, o céu, a
terra, o mar; não se trata de geração a partir de deuses, mas de elementos da
natureza. Isto é, com a Filosofia, o que os gregos fizeram foi uma cosmologia: a
ordem (cosmos) do mundo passou a ser explicada por um princípio racional que
funciona como causa das coisas subseqüentes e que substitui a genealogia a
partir dos deuses por um encadeamento racionalizado do princípio. Como
cosmologia, então, a Filosofia nasceu como uma explicação racionalizada da
ordem do mundo.
Assim, cosmogonias são narrações de forças divinas e concretas que oferecem
genealogias sobre o mundo. A Filosofia também quer estabelecer explicações
sobre o mundo e sua ordem, mas de forma cosmológica: pesquisa-se um princípio
do mundo e, a partir dele, procura-se um encadeamento sobre a origem e a morte
das outras coisas, e não uma genealogia. Por isso, temos de ter muito cuidado
para conseguir verificar a relação entre Filosofia e mito nesta época: “(...) O
surgimento dessa nova filosofia-saber não significou imediato e completo
abandono da atitude religiosa diante de coisas e fenômenos. Durante muito
tempo, esse foi o esquema adotado para reduzir num conflito único o nascimento
da filosofia: a filosofia teria nascido da dissolução do mito e do pensamento de tipo
religioso. De fato, tal divórcio não foi tão pontual nem tão definitivo: se já não se
reverenciava cegamente os astros e as forças de interferência divina na vida dos
homens, durante muito tempo cabeças já filosóficas adoraram ainda entidades
como o próprio triângulo ou a tetráctis (sendo esta o número 10 na escola
pitagórica), figuras da perfeição absoluta, do equilíbrio e da constância de suas
medidas”3. Ao mesmo tempo, temos de tomar cuidado, também, para não
identificarmos a Filosofia aos mitos: compreender algo em uma cosmogonia era
encontrar seu pai e sua mãe, fazer uma genealogia; compreender algo em uma
cosmologia é definir a sua própria constituição, o seu próprio ser, o seu princípio4.
Cosmogonia Cosmologia
Narrativa da origem do kósmos através Explicação racional sobre a origem e
3 WATANABE, Lygia Araújo. “Filosofia antiga” in Primeira Filosofia: aspectos da História da Filosofia.
São Paulo: Editora Brasiliense, p. 19.
4 VERNANT, Jean-Pierre. Mito e pensamento entre os gregos: estudos de Psicologia Histórica. Tradução de
Haiganuch Sarian, Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2° edição, 1990, p. 450.
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das relações sexuais entre os deuses ordem do mundo natural ou natureza,
ou os elementos naturais enquanto sobre as causas das transformações,
forças vitais que engendram ou geração e perecimento de todos os
procriam todos os seres. seres5.
VAMOS FILOSOFAR...
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ata do rei Croesus, cunhado em 561/546 a.C., em Sardes, na L?dia
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toda a cidade, um saber que não é secreto como um saber vinculado ao
exercício de um sacerdote, mas propriamente público, além de estabelecer
uma nova noção na atividade jurídica, a saber, uma verdade objetiva.
Alfabeto Grego
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4) Política. Esta é a principal causa para a origem da Filosofia, já que, até
agora, vimos somente a contribuição das técnicas para isso; porém, havia
mais recursos técnicos no Oriente que na Grécia, e a Filosofia é uma
invenção genuinamente grega, além do Oriente não ter se libertado dos
mitos. Note que a palavra política é formada pelo termo grego polis
(π ο λ ι ζ ), cujo significado é cidade, cidade-estado, conjunto de
cidadãos que vivem em um mesmo lugar e uma mesma lei. E o mais
importante: são os cidadãos que faziam suas próprias leis mediante uma
assembléia. Esta prática teve início com os guerreiros que, juntos,
discutiam o melhor modo de vencer ao inimigo, cada um dos guerreiros
tinha o direito de falar, bastando para isso ir ao centro do círculo formado
na assembléia; ao final da guerra, outras assembléias eram feitas para
dividir o que foi ganho. Isto é, ocorre a prática do diálogo para a decisão,
dando a todos o direito de falar e a condição de serem iguais uns aos
outros e à lei partilhada entre eles. Aquele que conseguir convencer a
maioria de que sua proposta é a que aproxima-se mais da verdade de
como vencer aos inimigos, receberá maior número de votos. Ora, é esta a
prática que o filósofo
adotou mais tarde: escrevendo ou discursando, tornava pública suas idéias por
considerá-las verdadeiras, por pretender encontrar a harmonia perdida do
debate entre opiniões divergentes. Debater, trocar opiniões, argumentar, eis a
prática democrática, eis a prática filosófica. A Filosofia nasce como uma filha
da polis, como uma filha da democracia.
VAMOS FILOSOFAR...
6 VERNANT, Jean-Pierre. As Origens do Pensamento Grego. Tradução de Ísis Borges B. da Fonseca, Rio de
Janeiro, 11° edição, 2000, p. 41.
7 ______. Mito e pensamento entre os gregos: estudos de Psicologia Histórica, p. 453.
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4 – CAUSA DO FILOSOFAR
Para filosofar, segundo Aristóteles, é preciso estar admirado com algo. Basta
isso, não há Filosofia sem curiosidade, sem admiração; do contrário, se estamos
acostumados com algo e não pensamos sobre ele, não há Filosofia. Olhe para sua
própria vida e perceba que quando você tinha menos idade, mais você se
admirava com as coisas e mais queria saber porque eram daquela forma, como
funcionavam. Porém, na medida que você cresceu e acostumou-se com as coisas,
deixando de se admirar com elas, deixou também de lado a atitude filosófica.
Filósofos são aqueles que jamais perdem a admiração sobre os grandes ou
pequenos segredos do mundo, que passam a vida toda sem deixar se acostumar
com as coisas. E mais: veja como termina a citação acima – quando procuramos
uma explicação sobre algo encontramo-nos “ignorantes”, descobrimos que não
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sabemos e que sempre há algo a descobrir. A Filosofia é, sem dúvida nenhuma,
uma aventura.
Aristóteles
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5 – OS PRIMEIROS FILÓSOFOS
Sabemos como a Filosofia nasceu, sabemos também o que motiva uma pessoa
a filosofar. Mas quais foram os primeiros filósofos? O que fizeram?
O primeiro deles foi Tales de Mileto (cerca de 625/4-558/6 a.C.) e, infelizmente,
o tempo não conservou nenhum de seus fragmentos, aliás, segundo John Burnet,
Tales jamais escreveu; porém, alguns pensadores antigos escreveram o que
pensavam outros: veja, por exemplo, o que Aristóteles escreveu sobre Tales:
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morrerem, secam; d) na sua viagem pelo Egito, Tales observou que, após a cheia,
as plantas apareciam; e) restos de animais marinhos encontrados em regiões
montanhosas da época, reforçaram a idéia em Tales de que, um dia, tudo era
água.
Certas ou erradas, as idéias de Tales expressavam um novo modo de explicar o
mundo: a água como princípio de tudo funciona como um deus (θ ε ο ζ - a
palavra deus, na época de Tales, podia ser usada com um sentido não-religioso,
significando uma espécie de princípio ativo presentes nas coisas8), um princípio
vital e que se movimenta, provocando mudança (kínesis) nas coisas. Assim, ao
surgirem da água, as coisas não podem surgir do nada e nem retornar a ele, mas
apenas da e para a água. A grande questão é resolver como que, a partir da água,
todo o resto foi formado?
Por isso, lembre-se, o pensamento de Tales é uma cosmologia, explicando o
mundo racionalmente a partir das observações sobre ele. Outros filósofos da
mesma época explicavam o mundo da mesma forma, mas com outros elementos
como princípio: Anaximandro de Mileto apostou no ilimitado, Anaxímenes de
Mileto no ar, Pitágoras de Samos o número... Enfim, seria interessante você fazer
uma pesquisa e verificar como os primeiros filósofos, também chamados de pré-
socráticos e de filósofos da natureza, explicavam o mundo. Além dos nomes já
citados, procure por Heráclito de Éfeso, Parmênides de Eléia, Zenão de Eléia,
Empédocles de Agrigento, Anaxágoras de Clazómena, Demócrito.
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2 – Qual é a razão para o princípio de todas as coisas ser a água, segundo Tales
de Mileto?
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8 BURNET, John. O despertar da Filosofia grega. Tradução de Mauro Gama, São Paulo: Editora Siciliano,
1994, p. 24.
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7 – Buscar o princípio das coisas é filosofar. Você considera que isso é feito nos
meios de comunicação de hoje? Explique.
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OS PRIMEIROS FILÓSOFOS
P Z Z T R A J I A S X A G L P
O A L E S M H G A J N O A L B
X E R V N M C R L A U P E H E
V O A M M A O T X K W G X Y N
Q U K X E G O A J H A Y O W F
F X R B A N G D U Z G E T N E
Q G P T O O I W H K H M I L P
N A I M R T E D B D J P R D L
C P E A P R I V E Y T E C D A
B R S Q Z B F L T S T D O M A
T A L E S M H B C C Y O M X H
I P E C K L X Q Y A P C E H S
W I R E E X A L P X R L D D T
A N A X I M A N D R O E Z C W
D S E N E M I X A N A S H N W
6 – SUGESTÃO DE ATIVIDADES
A) TEXTO COMPLEMENTAR
“(...) Ora, não é difícil ver como as considerações meteorológicas podem ter
levado Tales a adotar a sua concepção. De tudo o que conhecemos, a água
parece tomar as mais variadas formas. Ela nos é familiar em uma aparência
sólida, líquida ou vaporosa, bem podendo Tales, assim, ter pensado que via o
processo do mundo a partir da água e de novo de volta à água ocorrendo diante
de seus olhos. O fenômeno da evaporação naturalmente sugere que o fogo dos
corpos celestes é mantido pela umidade que eles extraem do mar. Mesmo nos
dias presentes as pessoas falam do ‘sol extraindo água’. A água cai de novo com
a chuva e, finalmente, assim pensavam os primeiros cosmólogos, ela volta para a
terra. Isso possivelmente parecia bastante natural aos homens familiarizados com
o rio do Egito, que havia formado o delta e, com as torrentes da Ásia Menor, que
traziam rio abaixo grandes sedimentos aluviais. Hoje, o golfo de Atmo, no qual
Mileto se esguia antigamente, encheu-se por completo. Finalmente, eles
pensavam, a terra volta uma vez mais à água – idéia proveniente da observação
do orvalho, dos nevoeiros noturnos, dos mananciais subterrâneos. Pois, na
Antigüidade, não se supunha que estes últimos tivessem alguma coisa a ver com
a chuva. As ‘águas debaixo da terra’ eram consideradas uma fonte de umidade
independente”.
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B) DINÂMICA DE GRUPO
Que tal filosofar no pátio da escola ? Com a sala dividida em dois grupos, deixe
uma bola no centro do pátio e cada um dos grupos nas linhas que demarcam o
fundo da mesma, quando o professor fizer uma das perguntas abaixo e gritar “já”,
corra até a bola e tente tocá-la com o pé antes de seu colega e responda “falso”
ou “verdadeiro” à pergunta feita. Acertando, sua equipe pontua; errando, a outra
equipe pontua.
C) FILMES
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razão: nem toda narrativa é ficção, nem toda racionalidade é correta.
D) ATIVIDADE EM GRUPO
Que tal cada um dos grupos da sala pesquisar o princípio de todas as coisas
nos filósofos citados no final do texto e preparar uma encenação para a sala?
Todos perceberiam como os princípios de todas as coisas mudam de acordo com
os filósofos da natureza.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
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CHAUI, Marilena. Introdução à História da Filosofia: dos pré-socráticos a
Aristóteles. São Paulo: Companhia das Letras, 2° edição, 20002.
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UNIDADE 2
I – A LIBERDADE ENTRE A RAZÃO E OS INSTINTOS
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Se fossem libertados, os prisioneiros continuariam a pensar que as sombras
eram, de fato, o que havia de real no mundo; porém, caminhariam para fora da
caverna e teriam a vista ofuscada, pouco a pouco acostumariam-se com a luz e
conseguiriam ver as imagens deles mesmos projetadas na água, veriam os
próprios objetos, veriam a lua e as estrelas. Já acostumados, conseguiriam voltar
os olhos ao sol e o veriam, compreendendo enfim que ele seria o autor das
projeções que haviam no fundo da caverna.
Ocorreu que um destes prisioneiros soltou-se e caminhou até a entrada da
caverna, ele notou, então, que aquelas imagens vistas lá embaixo não passavam
das sombras das coisas que estavam fora da caverna e que estas eram a
realidade. Encantado com o que viu, ele retornou à caverna, já que sentiu enorme
piedade dos seus companheiros de cárcere, contando tudo o que havia visto. Ele
sentiu as trevas em seus olhos, já que havia se acostumado a olhar para a
verdadeira luz, e tinha muita dificuldade em distinguir as sombras (seria preciso
mais tempo para ele se acostumar com as trevas novamente). Os outros
prisioneiros, então, consideraram que não valia à pena sair da caverna,
defenderam-se daquele que tentou tirar-lhes de lá e até o mataram.
Para Platão, Sócrates (470-399 a.C.), seu grande mestre, foi quem viu a luz,
quem retirou a alma da escuridão e a iluminou para, em seguida, retornar à
caverna e dizer que tudo que ali havia não era real, mas sombra, ilusão. Viu o que
cada sombra representava melhor que ninguém porque viu, também, a sua
verdadeira forma fora da caverna e voltou para dizer aos prisioneiros qual era a
essência daquilo que eles viam. O que fez Sócrates foi iluminar seu espírito com
uma sabedoria que o retirou das trevas, vejamos como é possível alcançar a luz!
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animais. Não seríamos dominados pelos mesmos impulsos irracionais que
dominam os animais, não seríamos dominados pelas paixões e pelos sentidos,
seríamos senhores de nós mesmos e não agiríamos de modo desregrado. Para
agirmos como homens, temos de saber o que somos: se somos racionais, nossa
conduta também precisa ser. “Conheça-te a ti mesmo”.
Em suma, como procuramos o bem, tentamos nos afastar do mal: viver
escravo dos prazeres é, para Sócrates, viver sem se saber o que se quer, é não-
saber, é não usar a razão, é não agir como homem. Viver feliz e livre é viver
senhor de nós mesmos, é saber o que se quer, é agir racionalmente, é procurar o
bem para si mesmo. Eis o caminho para a liberdade na Filosofia socrática:
Conheça-te a ti mesmo:
Um exemplo: supondo que esteja muito calor e você foi a uma sorveteria,
racionalmente se refresca com um sorvete e sabe que ele faz bem para você
justamente porque lhe refresca. O que você fez foi um bem a si mesmo ao tomar
um sorvete. E mais: libertou-se da sensação de calor. Porém, caso você aja
desregradamente, tomando muitos sorvetes, o prazer transforma-se em um
problema para o seu estômago. O que você fez foi um mal para si mesmo: ao
deixar de usar a razão, deixou de agir como homem e tornou-se um escravo dos
prazeres.
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2 – Reflita sobre a alegoria da caverna e escreva:
a) a caverna é o mundo em que vivemos? Explique.
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b) o prisioneiro que se liberta e sai da caverna é o filósofo? Explique.
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3 – Qual era a mensagem que estava inscrita no templo de Apolo e que era dita
por Sócrates aos cidadãos de Atenas? Por que ela é importante para sermos
livres?
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4 – Para Sócrates, o que é preciso para fazermos o bem para nós mesmos?
Explique.
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5 – Dê dois exemplos de ações livres, de acordo com a filosofia de Sócrates.
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2 – LIBERDADE E INSTINTOS: NIETZSCHE
“Esse mundo é a vontade de potência – e nada além disso! E também vós
próprios sois essa vontade de potência – e nada além disso!” (NIETZSCHE,
Fragmento póstumo, 1885, 38 [12])
2.1 – Saber e fazer: uma diferença
Sabemos que, para Sócrates, ao sabermos o que é o bem, o faremos. Porém,
Friedrich Nietzsche (1844-1900) acreditava que este foi um grande erro de
Sócrates e de Platão: quantas vezes agimos em sentido contrário a uma ação
considerada correta? As pessoas sabem que não devem mentir, mas mentem.
Sabem que não devem “furar fila”, mas furam. Sabem que devem ser polidas, mas
não o são. O que Nietzsche apontou é que há uma diferença entre saber e
fazer: podemos conhecer muito bem uma obrigação e, mesmo assim,
desrespeitá-la. Por que agimos assim? Parece que há algo a mais em nós do que
pretendia Sócrates, parece que a razão não é o suficiente para explicar a
liberdade.
Além da razão, há o corpo: nossos impulsos vitais, nossos instintos foram
deixados de lado pela moral socrática. O “conheça-te a ti mesmo” de Sócrates foi
um projeto falido, segundo Nietzsche, por não levar o corpo em conta, aquele que
quis conhecer, não conheceu a si mesmo. Para Nietzsche, nossos impulsos são
constituídos de forças que duelam em nós mesmos para prevalecerem uma às
outras. Somos um conflito de forças que lutam entre si para sobreporem-se às
outras.
Sócrates errou, segundo Nietzsche, ao pensar que nossas ações são o
resultado de uma empresa exclusivamente espiritual, cada ação movida por nós é
o resultado de forças instintivas que lutam entre si e impulsionam o corpo. E não
se trata apenas do corpo do homem, mas de algo que acontece em toda a
natureza: em cada célula de cada ser vivo há esta luta, nem os seres
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microscópicos escapam destas forças. São forças que não param de duelar em
um só momento e cada uma delas procura ser a mais potente – essa é a teoria
nietzschiana da vontade de potência. Por isso, o filósofo pensou que não era
possível explicar nossa conduta e nossa liberdade apenas por nossa razão, como
desejou Sócrates. É preciso respeitar nossa natureza instintiva: “Esse mundo é a
vontade de potência – e nada além disso! E também vós próprios sois essa
vontade de potência – e nada além disso!”10
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as aves de rapina com uma “fábrica de mentiras”12: a impotência passa a ser
considerada virtude e bondade, a fraqueza passa a ser considerada mérito. As
ovelhas fazem as aves de rapina acreditarem em um reino de Deus, onde seriam
punidas caso efetivassem sua força.
Como há dois tipos de pessoas, há dois tipos de moral: como os fortes dizem
sim a si mesmos, vêem-se como bons, como fortes, e desprezam as ovelhas, já
que são seres fracos, ruins. Já as ovelhas, dizem não a um outro, consideram-no
mau e desejam vingança. Isto é, as ovelhas inverteram os valores e dominaram
as aves de rapina com a moral socrática e com o cristianismo. Criaram o reino de
Deus para punirem e vingarem-se dos que insistirem em efetivar suas forças,
usaram a moral como forma de dominar as aves de rapina.
As ovelhas dizem: “Você é uma ave de rapina, mas é livre para não usar sua
força, é livre para não cometer o erro de agir de acordo com sua natureza, é livre
para não ser uma ave de rapina. Caso nos devore, será punida no reino de Deus”!
Isto é, pecamos, mas somos livres para expiar e pagar nossa culpa;
desrespeitamos as normas, mas somos livres para pagarmos a dívida. A liberdade
aparece como meio de submissão das aves de rapina às ovelhas, estas
sustentam a crença de que “o forte é livre para ser fraco, e ave de rapina livre para
ser ovelha”13.
AVES DE RAPINA OVELHAS
Fortes, senhores, nobres. Fracas, escravas, ressentidas.
Como são muito fortes, dizem sim a si Como são fracas, dizem não a um outro,
mesmas. a alguém que não são elas mesmas.
Consideram a si mesmos como boas e Consideram a si mesmas como boas e
as outras como ruins. Inventaram o as outras como maus. Inventaram a
desprezo. vingança.
Acreditaram na fábrica de mentiras Inverteram a moral inventaram o reino
(moral) das ovelhas e foram dominadas de Deus para dominarem as aves de
por elas. rapina.
Como os fortes acreditaram, a conseqüência para a sua liberdade foi trágica:
foram dominados por quem era mais fraco que eles e dominados por uma
liberdade servil, isto é, uma liberdade de se aceitar o que não se é – os fortes
escolhem não exercer sua força para não serem punidos no reino de Deus. Ao
invés de agirem de acordo com seus instintos, os reprimem com a razão. O
caminho que Nietzsche trilha para que as aves de rapina voltem a ser livres é
somente um:
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- Dizer não à moral, instrumento dos fracos para dominar os fortes;
- que a ave de rapina seja ave de rapina;
- a liberdade reside em não se deixar escravizar pela razão que os fracos
impuseram aos fortes. A liberdade está nos impulsos vitais não reprimidos
pela moral.
VAMOS FILOSOFAR...
1 – Sócrates pensava que para fazer o bem, bastaria sabê-lo. Nietzsche
concordou com ele? Explique.
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2 – Nietzsche considerava o “conheça-te a ti mesmo”, de Sócrates, um projeto que
atingiu seu objetivo? Explique.
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3 – Para Nietzsche, como funciona nossa natureza instintiva?
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4 – Quem são e como se caracterizam os dois tipos de pessoas que houve em
nossa história, segundo Nietzsche?
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5 – O que fizeram as ovelhas para que as aves de rapina não exercessem sua
força sobre elas?
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6 – Explique a origem do desprezo e da vingança a partir do pensamento de
Nietzsche.
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deixava-lhes ver as silhuetas grosseiras dos tecelões, debruçados sobre os seus
teares.
Crianças pálidas e de aspecto doentio estavam acocoradas ao pé das enormes
travessas.
Quando as lançadeiras passavam como um relâmpago através da urdidura,
levantavam pesados batentes e quando elas atingiam o final de seu movimento,
deixavam recair os braços, que apertavam o fios, enlaçando-os juntos.
As suas faces estavam minguadas pela fome.
As suas mãos delgadas estavam agitadas e trêmulas.
Mulheres de feições duras e olhos esgazeados estavam sentadas a uma mesa
e cosiam.
Um cheiro horrível enchia o local, O ambiente era impuro e pesado; as paredes
estavam sulcadas de filetes úmidos. O jovem rei abeirou-se de um dos tecelões,
parou um instante a olhar para ele.
O tecelão lançou-lhe um olhar irritado e disse:
- Por que me estás olhando? És um espião que nosso patrão enviou para
junto de nós?
- Quem é teu patrão? Perguntou o jovem monarca.
Nosso patrão! Exclamou o tecelão com amargura. É um homem como eu. Para
dizer a verdade, não existe a menor diferença entre nós, a não ser que ele usa
bonitas roupas, enquanto eu visto trapos.
- O país é livre, disse o jovem rei, e tu não és escravo de ninguém.
- Na guerra, disse o tecelão, os fortes reduzem os fracos à escravidão e, em
tempos de paz, é a mesma coisa. Temos de trabalhar para viver com
salários tão miseráveis que morremos quase de fome. Os nossos filhos
emagrecem prematuramente e as feições daqueles que amamos tornam-se
duras e más. Esmagamos as uvas, mas são os outros que bebem o vinho.
Semeamos o trigo, e a nossa arca está vazia, Arrastamos cadeias, embora
os olhos as não vejam e somos escravos, se bem que nos chamem
homens livres.
- E isso dá-se com todos? Perguntou o jovem rei.
- Assim é para todos, respondeu o tecelão, pra os novos como para os
velhos, para as mulheres como para os homens, para as crianças assim
como para aqueles que sucumbem todos os anos. Os comerciantes
apertam-nos e temos de obedecer às suas ordens. Através das vielas sem
sol, em que moramos, a Pobreza de olhos esfomeados e o Pecado de
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faces devastadas os seguem. A Miséria desperta-nos pela manhã até à
noite, a Vergonha nos espreita. Mas que te importam essas coisas? Não és
um de nós. No teu rosto, lê-se a felicidade.
E afastou-se com ar truculento; colocou a sua lançadeira entre os fios, e o
jovem rei observou que a lançadeira estava guarnecida com fios de ouro.
Um grande terror apoderou-se dele e disse ao tecelão:
- Que vem a ser essa roupa que estás tecendo?
- É a roupa destinada à coroação do jovem rei, replicou ele. Que te importa
isso?
E o rei moço soltou um grande grito, acordou e...
Estava no seu aposento, e, através da janela, contemplou a vasta lua cor de
mel, suspensa numa atmosfera cheia de brumas...”15
VAMOS FILOSOFAR...
1 – Supondo que você fosse o jovem rei, como usaria sua liberdade a partir da
concepção de Sócrates? Isto é, pela razão, o que faria para resolver os problemas
expostos no texto e conquistar o bem para o seu país?
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2 – Supondo que você fosse o jovem rei, como usaria sua liberdade a partir da
concepção de Nietzsche? Lembre-se de que os seus instintos vitais precisariam
ser valorizados.
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15 WILDE, Oscar. O jovem rei. Tradução de José Maria Machado, São Paulo: Clube do livro, 1963, páginas
14, 15 e 16.
16 _____. Op. cit., p. 15.
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4 – Faça uma redação de seus atos no primeiro dia de sua coroação como o
jovem rei. Escolha se agiria de acordo com sua razão ou de acordo com seus
instintos.
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SUGESTÃO DE ATIVIDADES
A) TEXTO COMPLEMENTAR
O problema de Sócrates
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“Dei a entender com o que Sócrates fascinava: ele parecia ser um médico, um
salvador. É necessário indicar ainda o erro que havia em sua crença na
‘racionalidade a todo preço’? – é um auto-engano dos filósofos e moralistas
pensar que já saem da décadence ao fazerem guerra contra ela. O sair está fora
de sua força: mesmo aquilo que escolhem como remédio, como salvação, é
apenas, outra vez, uma expressão de décadence – eles alteram sua expressão,
não a eliminam propriamente. Sócrates foi um mal-entendido; a inteira moral-da-
melhoria, também a cristã, foi um mal-entendido... A luz do dia mais crua, a
racionalidade a todo preço, a vida clara, fria, cautelosa, consciente, sem instinto,
oferecendo resistência aos instintos era, ela mesma, apenas uma doença, uma
outra doença – e de modo nenhum um caminho de retorno à ‘virtude’, à ‘saúde’, à
felicidade... Ter de combater os instintos – eis a fórmula para a décadence:
enquanto a vida se intensifica, felicidade é igual a instinto”.
NIETZSCHE, Friedrich. “Crepúsculo dos ídolos (§ 11)” in Os Pensadores.
Tradução de Rubens Rodrigues Torres Filho, São Paulo: Abril Cultural, 1° edição,
1974, p. 338.
B) TRABALHO EM GRUPO
Recolha imagens sobre pessoas usando sua razão e seus instintos vitais; em
seguida, monte um painel expondo, de um lado, o conceito de liberdade de
Sócrates com imagens que correspondam a este conceito. De outro, o conceito de
liberdade de Nietzsche com imagens que correspondam a este conceito.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
UNIDADE 3
I – LIBERDADE: ELA EXISTE?
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Liberdade - essa palavra
Que o sonho humano alimenta
Que não há ninguém que explique,
E ninguém que não entenda!
1 – Determinismo
Tântalo
Tântalo era um rei rico e famoso em Sípilo, além de ser um dos filhos de Zeus;
como tal, era amigo dos deuses e sempre era convidado a comer na mesa deles,
no Olimpo. Porém, vaidoso, Tântalo revelou segredos dos deuses aos mortais,
roubou o néctar e a ambrosia dos deuses e entregou-os a seus amigos mortais,
escondeu um cão de ouro em Creta e, para testar a onisciência dos deuses,
cometeu um crime terrível: matou seu próprio filho, Pélops, serviu sua carne na
refeição e esperava que os deuses comessem a carne humana.
Os deuses perceberam, ressuscitaram Pélops e castigaram Tântalo da
seguinte forma: em um lago, ele ficou preso com o nível da água até o seu queixo,
uma sede muito forte o incomodava, mas ao tentar beber a água, o nível dela
abaixava e ele nunca conseguia bebê-la. Atrás de Tântalo, belíssimas árvores
carregadas de frutas tinham galhos que chegavam sobre sua cabeça, quando ele
movimentava-a para cima, um vento forte afastava os galhos cheios de frutas para
longe, impossibilitando Tântalo de matar sua fome. Piorando seu sofrimento, ainda
havia um rochedo suspenso no ar e localizado acima de sua cabeça, deixando-o
com um terrível medo da morte.
Eis o destino de Tântalo por seu crime. Por mais que ele se esforçasse e
tentasse em tomar água, esta afastava-se; por mais que ele se esforçasse em
tentar comer as frutas, estas também se afastavam; por mais que ele tentasse
esquecer do rochedo, ele estava bem acima de si. A sede, a fome e o medo
sempre venciam – o destino mostrava-se imutável: era impossível alterar a
decisão dos deuses olímpicos.
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A vida de Tântalo estava determinada, controlada pelos deuses. Em Filosofia,
denominamos de determinismo a idéia de que somos controlados por algo ou
alguém, a idéia de que temos um destino, de que ele seja inalterável e que possa
estar escrito independentemente de nossa vontade. Tudo o que acontece conosco
pode estar previamente definido.
Pélops
Esta idéia de que nossa vida pode estar traçada anteriormente por algo ou
alguém, é vista com mais clareza na continuidade do mito: Pélops era o filho de
Tântalo, morto por seu pai e ressuscitado pelos deuses, ele apaixonou-se pela
princesa Hipodâmia, de Elice. O rei Enômao ouvira de um oráculo que se sua filha
se casasse, ele morreria. Para evitar o casamento de sua filha, o rei anunciava
uma corrida de carruagem a todos os pretendentes dela: a corrida acontecia de
Pisa até o altar de Poseidon, em Corinto, e enquanto os pretendentes largavam na
frente, o rei oferecia um carneiro a Zeus. Se o rei alcançasse seu oponente, podia
matá-lo com sua lança; caso contrário, o pretendente poderia casar-se com
Hipodâmia – assim, muitos já haviam morrido, já que os cavalos do rei, Fila e
Harpina, corriam mais velozmente que o vento Norte.
Pélops era mais um concorrente e, antes da corrida, invocou Poseidon, que o
atendeu e ofereceu a ele uma carruagem com cavalos alados e rápidos como
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flechas. Na corrida, mesmo com estes cavalos, Pélops foi alcançado por Enômao.
Poseidon soltou as rodas da carruagem do rei, que caiu e morreu enquanto
Pélops alcançava a linha de chegada em Corinto. De volta a Pisa, Pélops ainda
salvou a princesa de um incêndio do castelo real e, enfim, casou-se com sua
amada.
Níobe
Níobe era orgulhosa como seu pai, Tântalo. Como rainha de Tebas, certa vez
proibiu as pessoas de fazerem uma homenagem a Leto, Apolo e Ártemis alegando
que ela é que deveria ser homenageada por ser filha de Tântalo, neta de Zeus e
um de seus antepassados é Atlas. As oferendas foram interrompidas e todos
voltaram para casa.
Leto, a deusa do destino, e seus filhos, Apolo e Ártemis, reagiram aos insultos
de Níobe e prepararam uma terrível vingança: Apolo acertou, com flechas, cada
um dos sete filhos de Níobe, que faziam treinos eqüestres. A notícia se espalhou e
Anfíon, rei de Tebas e marido de Níobe, ao saber da notícia, suicidou-se com sua
espada. Níobe, acompanhada de suas sete filhas, correu para o campo
lamentando a morte de seu marido e de seus filhos; porém, continuou a gritar
contra os deuses e considerando-se mais rica. Assim, novas flechas voaram em
Tebas e mataram também as suas sete filhas. Sentada diante de seus sete filhos,
sete filhas e marido, todos mortos, Níobe ficou paralisada de tanta dor, o vento já
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não conseguia fazer seus cabelos oscilarem, o sangue petrificou em suas veias:
Níobe foi transformada em uma rocha, mas que ainda continuava a chorar. Por
fim, uma ventania jogou a pedra pelos ares e a levou até a Lídia, onde Níobe está
até hoje em uma montanha, chorando. A deusa do destino vingou-se furiosamente
do orgulho de Níobe e sua tentativa de interromper o louvor aos deuses.
VAMOS FILOSOFAR
a) destino
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b) determinismo
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2 – Qual foi o crime cometido por Tântalo? Qual foi o seu destino imposto pelos
deuses como castigo?
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3 – Qual era a previsão oracular que o rei Enômao conhecia? O que ele fazia para
tentar impedi-la? Como a previsão oracular realizou-se no mito de Pélops?
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4 – Como Níobe insultou os deuses? Como estes reagiram? Qual foi o destino
imposto a ela como castigo?
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a) Tântalo
b) Enômao
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c) Níobe
7 – Você acredita no determinismo? Isto é, você pensa que há algo ou alguém que
determina tudo que vai acontecer na sua vida? Explique.
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Marvin.
TITÃS – MARVIN
Meu pai não tinha educação
Ainda me lembro, era um grande coração
Ganhava a vida com muito suor
E mesmo assim não podia ser pior
Pouco dinheiro pra poder pagar
Todas as contas e despesas do lar
Mas Deus quis vê-lo no chão
Com as mãos levantadas pro céu
Implorando perdão
Chorei, meu pai disse: Boa sorte,
Com a mão no meu ombro
Em seu leito de morte
E disse
Marvin, agora é só você
E não vai adiantar
Chorar vai me fazer sofrer.
Três dias depois de morrer
Meu pai, eu queria saber
Mas não botava nem um pé na escola
Mamãe lembrava disso a toda hora
Todo dia antes do sol sair
Eu trabalhava sem me distrair
Às vezes acho que não vai dar pé
Eu queria fugir, mas onde eu estiver
Eu sei muito bem o que ele quis dizer
Meu pai, eu me lembro, não me deixa esquecer
Ele disse
Marvin, a vida é pra valer
Eu fiz o meu melhor
E o seu destino eu sei de cor
E então um dia uma forte chuva veio
E acabou com o trabalho de um ano inteiro
E aos treze anos de idade eu sentia todo o peso do mundo em minhas
costas
Eu queria jogar mas perdi a aposta.
Trabalhava feito um burro nos campos
Só via carne se roubasse um frango
Meu pai cuidava de toda a família
Sem perceber segui a mesma trilha
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Toda noite minha mãe orava
Deus, era em nome da fome que eu roubava
Dez anos passaram, cresceram meus irmãos
E os anjos levaram minha mãe pelas mãos
Chorei, meu pai disse: Boa sorte
Com a mão no meu ombro
Em seu leito de morte
Marvin, agora é só você
E não vai adiantar
Chorar vai me fazer sofrer.
Marvin, a vida é pra valer
Eu fiz o meu melhor o seu destino eu sei de cor
Titãs. Titãs, 1984.
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liberdade, segundo Sartre, é esta “autonomia de escolha”17 que independe da
realização do projeto: “Minha liberdade de escolher não deve ser confundida com
minha liberdade de obter”18. Isto é, como fazemos escolhas a todo momento,
somos livres e estamos condenados à liberdade.
VAMOS FILOSOFAR...
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http://www2.uol.com.br/niquel/bau/shtml
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O exemplo da festa de aniversário foi significativo: somos livres, mas nossa
liberdade é exercida em meio a uma situação. O desejo é de chegar à festa; por
isso que é doloroso ficar na rua com o carro quebrado, sem utensílios e sabedoria
para consertá-lo, pensando na promessa que fiz a meu amigo de que estaria em
seu aniversário, sem conseguir escapar do estado de coisas que me foi imposto
pelos outros (um carro que não funciona).
A situação, neste caso, é a condição de estar em um lugar que não é a festa, é
o fato de conviver com o problema de não cumprir o que foi prometido no
passado, de não dominar as técnicas (utensílios) que possibilitariam resolver o
problema, de ver o estado de coisas criados por outros não resolver meus
problemas. A liberdade não é abstrata, ela é concreta e a expressão de sua
concretude é a situação – as escolhas que faço para resolver meus problemas são
escolhas situadas, escolhas que têm como objetivo resolver problemas concretos.
O que me faz falta é estar na festa e o meu objetivo, o meu projeto, o meu fim, é
chegar a tempo nela. Minha liberdade consiste em fazer escolhas que me levem
até a festa, que me tirem do lugar onde estou, com o carro quebrado: o que eu
quero é trocar uma situação por outra, superar uma situação e chegar até outra, ir
além de uma situação que me incomoda e realizar a que desejo, transcender a
atual situação. Em outros termos, o que eu quero é acabar com a atual situação,
nadificá-la. Minha escolha pretende colocar um ponto final em meus problemas,
exterminá-los. Meu projeto é tornar existente minha presença na festa, torná-la
real, enteficá-la, dar ser a ela.
Sartre conseguiu mostrar que nossa liberdade se exerce em situação,
nadificando ou enteficando realidades em nome de um projeto que queremos
realizá-lo: no problema em questão, trata-se de nadificar a situação de ficar
parado com o carro quebrado e dar ser a minha participação na festa – dar fim a
uma situação e iniciar outra: “A liberdade, sendo escolha, é mudança”19.
SER
æ
SITUAÇÃO â ESCOLHA
è NADA
VAMOS FILOSOFAR...
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1 – Cite quais são os problemas que a personagem do texto enfrenta na situação
acima.
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Ou isto ou aquilo
Cecília Meireles
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4 – Liberdade segundo Sartre: o problema da responsabilidade
VAMOS FILOSOFAR...
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ATIVIDADES
A – TEXTO COMPLEMENTAR
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suspensão de juízo que irão distinguir uma simples ficção de uma escolha real.
Aparecendo desde o momento em que é simplesmente concebido, o objeto não
seria nem escolhido nem desejado. Abolida a distinção entre o simples desejo, a
representação que posso escolher e a escolha, a liberdade desapareceria com
ela. Somos livres quando o último termo pelo qual fazemos anunciar a nós
mesmos o que somos constitui um fim, ou seja, não um existente real, como
aquele que, na suposição precedente, viria a satisfazer nosso desejo, mas sim um
objeto que ainda não existe (...)”.
B – CINEMA
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
____. A idade da razão. Tradução de Sérgio Milliet, São Paulo: Abril cultural, 1981.
____. Sursis. Tradução de Sérgio Milliet, São Paulo: Círculo do Livro, s/d.
____. Com a morte na alma. Tradução de Sérgio Milliet, Rio de Janeiro: Editora
Nova Fronteira, 1983.
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