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BRASÍLIA/NITERÓI
JANEIRO/2007
2
Luiz Antonio Ribeiro da Cruz
Brasília/Niterói
Conselho da Justiça Federal/Faculdade de Direito da UFF
Janeiro, 2007
4
DEDICATÓRIA
À minha esposa Emília e à minha filha Maria Luíza, cujo amor e carinho
levaram-me à compreensão de que uma família feliz deve ser direito fundamental de
INTRODUÇÃO
11
13
16
22
2.2 A situação no Brasil
..................................................................................................................................
24
27
27
29
32
39
44
ESTUDO DE CASOS
49
49
50
4.2.1 Descrição
51
9
4.2.2 O caso descrito e a situação jurídica do homossexual no Brasil
52
56
58
4.3 Caso nº 2
61
4.3.1 Descrição
61
62
65
68
5 CONCLUSÃO
71
6 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
75
ANEXO 1:...........................................................................................................................
ANEXO 2:...........................................................................................................................
INTRODUÇÃO
Poder Judiciário ocupando um papel de protagonismo central neste processo. Para tanto,
seus direitos por intermédio do Poder Judiciário, em decisões suportadas por princípios
avanços obtidos por meio deste caso específico em que o Poder Judiciário está no
Judiciário brasileiro avulta não mais apenas como simples garantidor dos direitos
da pessoa humana), este Poder vem também construir, formular novas regras, acomodar
11
Neste contexto, em que o Poder Judiciário expande seu peso, alcançando
uma relevância que o leva ao centro das decisões políticas, passa ele a ser uma
realidade social.
Nossa monografia será composta por três capítulos iniciais nos quais
fenômeno da judicialização.
demandar uma proteção específica à pessoa com esta orientação sexual, em especial
membros da sociedade.
12
No terceiro capítulo, onde tratamos da judicialização, além do seu conceito,
24.564 – Classe 22ª/PA (originário da 14ª Zona Eleitoral do Estado – Viseu) e pelo
quarto capítulo.
13
CAPÍTULO 1
Podemos encontrar atenuantes à rigidez das conclusões acima nas obras que
impostas ao poder do rei inglês em 1215 pela Magna Carta (SARLET, 2006. p. 49)
como fatos precursores das grandes mudanças que viriam a ocorrer no século XVIII.
14
radical da perspectiva histórica, filosófica, jurídica e política que seria ocasionada pela
Esta revolução teve por pressuposto a idéia de que o indivíduo tem valor por
si mesmo, e que só depois vem o Estado, não havendo um “superior’ acima dos
instituições de governo devem ser utilizadas para o serviço dos governados e não para o
concepção orgânica até então vigente, em que o justo era cada parte desempenhar a
função que lhe seria própria no corpo social, para outra em que justo é que cada um seja
tratado de modo a poder satisfazer suas próprias necessidades e alcançar seus próprios
fins, o primeiro entre todos aquele da felicidade, que é um fim individual por excelência
15
dizem respeito e têm o poder de fazê-lo. Liberdade e poder que
derivam do reconhecimento de alguns direitos fundamentais,
inalienáveis e invioláveis, que são os direitos do homem.”
(BOBBIO, 2000. p.481)
uma concepção idealista, que se alimenta de uma visão unívoca do ser humano,
titular de direitos que deveriam ser garantidos por cima de reduções contingentes
estes mesmos direitos, de uma razão irresistível para sua existência, à qual ninguém
16
colocar o consenso básico da Revolução Americana acima da discussão e do argumento.
que se conclua que nem os direitos a que ele se referia (life, liberty and the pursuit of
happinnes), nem o seu pressuposto (all men are created equal) consistiam em um
absoluto transcendente.
elaborados convencionalmente pela ação conjunta dos homens, por meio da organização
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Nascem quando o aumento do poder do homem sobre o homem
– que acompanha inevitavelmente o progresso técnico, isto é, o
progresso da capacidade do homem de dominar a natureza e os
outros homens – ou cria novas ameaças à liberdade do
indivíduo, ou permite novos remédios para suas indigências:
ameaças que são enfrentadas através de demandas de
limitações do poder; remédios que são providenciados através
da exigência de que o mesmo poder intervenha de modo
protetor.” (BOBBIO, 1992. p. 5-6)
Não podemos desconsiderar, no entanto, que reconhecer o caráter histórico
e concreto dos direitos humanos significa reconhecer também que pode haver um
retrocesso em sua evolução (MIRANDA, 2004. p. 5), cujo resultado pode ser a
Como antídoto a este risco, mas sem recuarmos da crítica feita acima sob a
história, e constituiu para o homem pensante um ponto fixo na vida” (BOBBIO, 2000.
p. 481).
18
do Homem e do Cidadão e, pouco a pouco, às constituições liberais e democráticas que
de vida social democrática e digna (MORAIS, 2002. p. 523), tornando-se estes direitos
característica inerente a este documento legal, que é obstar os atos abstratos e concretos
pré-determinados que fazem ilegítima qualquer disposição normativa que persiga fins
19
p. 527; PEREIRA, 2006. p. 77; PIOVESAN, 2006. p.25; SARLET, 2006. p. 35). Assim,
definidora que seria de uma categoria prévia informadora e legitimadora dos direitos
fundamentais (SARLET, 2006. p. 36), ou ainda serviria apenas como acepção que
Judiciário, mediante a construção de uma nova norma que não se originasse de modo
pretende demonstrar e analisar exatamente este fenômeno no que se refere aos possíveis
constitucional.
20
1.4. As dimensões históricas dos direitos fundamentais
ensejar a falsa impressão da substituição gradativa de uma geração por outra (SARLET,
poderá intervir nos direitos do cidadão mediante a prévia autorização da lei, a qual,
Estes direitos têm por titular o indivíduo, e são oponíveis ao Estado. Trata-
se de uma relação de exclusão, em que o Estado não pode interferir na situação jurídica
deste indivíduo. Ou seja, têm forte eficácia negativa, no sentido de limitação dos
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poderes do soberano: destacadamente, são os direitos à vida, à liberdade e à propriedade
Social.
Por sua vez, este fenômeno só foi possível em razão da industrialização (que
políticas dialéticas), o que retirou o Estado de uma postura inerte perante o cidadão para
impugnação pelas lutas sociais do século XIX, movimentos estes que evidenciaram a
22
Dada a evolução da sociedade e a crescente complexidade das relações
Esta se revelou em colisão com uma sociedade que exige uma macroética,
direitos e garantias não podem mais ser apreciados exclusivamente a partir de uma
esfera absoluta de titularidade individual, pois as ações da humanidade, bem como suas
uma visão marcadamente solidária, pois não há possibilidade de fruição egoística desses
mesmo tempo, de modo a fazer valer, e.g., o direito à paz, ao meio-ambiente saudável,
Para além das três dimensões descritas acima, encontra-se esforços para se
fundamentais.
23
SARLET, 2005. p. 60). Por sua vez, a quinta dimensão dos direitos fundamentais
coerente que nela se incluam situações e fatos que ainda não são regulados
específico da ação do Estado ou dos indivíduos que os distinga daqueles incluídos nas
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Ainda que não olvidemos a necessidade de se observar critérios rígidos e a
63), “congelar” os direitos humanos no rol hoje reconhecido seria contradizer todo o
exposto até agora. Seria desconsiderar a evolução histórica que faz surgir novas
indivíduo, mas que também constitui em seu favor uma identidade autônoma capaz de
se auto dirigir por uma escolha emancipada que se efetiva em nível de mobilização,
à demanda por proteção de características que, embora humanas, não são pertinentes à
totalidade dos homens em abstrato, e na maioria das vezes, nem mesmo majoritárias:
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CAPÍTULO 2
pessoa com esta orientação sexual, que lhe garanta a vivência plena desta sua
Para responder a esta questão, devemos dizer, inicialmente, que, para os fins
da era cristã. Não é demais ressaltar que esta sucessão deu-se, em verdade, de forma
doutrina cristã (RIOS, 2001. p.32). As atividades sexuais deveriam ser voltadas à
reprodução, cujo âmbito adequado é a vida marital. Toda prática sexual não reprodutiva
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para a constituição de identidades sexuais distintas. Existiria apenas a prática de ato
em 1995 do catálogo de doenças mentais (onde constava no artigo 302), sendo o sufixo
“-ismo” sido substituído pelo sufixo “-idade”, que significa modo de ser3 (DIAS, 2006.
p. 37).
sexo de seu caráter meramente reprodutivo (GIRARDI, 2005. p. 71), a formação de uma
consciência coletiva por parte dos homossexuais enquanto grupo social (RIOS, 2001. p.
do mesmo sexo deixou, ou, pelo menos, está em processo de deixar de ser vista como
2
O sufixo “–ismo” é característico de doenças
3
O Conselho Federal de Medicina Brasileiro foi pioneiro neste aspecto, antecipando-se em 10 anos à
OMS (MOTT, 2006) http://br.geocities.com/luizmottbr/artigos08.html
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Em outras palavras, dada a diversidade e variedade dos interesses humanos,
própria condição humana. E que ninguém pode se realizar plenamente como ser
todas as pessoas, independentemente de sua orientação sexual (RIOS, 2001. p. 70), não
homossexual ainda se multiplicam em nossa sociedade (MOTT, 1998. p.1), tendo por
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Por tudo isso, concluímos que a livre expressão da sexualidade, inclusive de
proteção, ante sua hipossuficiência social e jurídica (DIAS, 2006. p.71). Em síntese,
Não descuidamos que esta posição que assumimos está longe de ser
mecânica da tese de que a homossexualidade, longe de ser direito humano, é doença, até
aquele que reconhece o direito dos gays e lésbicas ser deixados em paz no que se refere
à sua intimidade sexual (BALL, 2003. p. 02), mas evita reconhecer-lhes qualquer outro
direito além desse, sobre o pretexto de conflito com outros direitos humanos como o
direito à proteção da família e à liberdade de religião (SEVERO, 2004. p.01). Entre eles,
Em primeiro lugar, deve ser afastado o que está implícito em todos estes
argumentos, ainda que não pronunciado em voz alta: o receio de que o reconhecimento
Admitindo-se, para argumentar, que este receio, por si próprio, não seja a
expressão de um preconceito, o fato é que não há nenhum dado empírico deste temido
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restringiu-se a retirar da marginalidade e da clandestinidade um grande número de
Podem ser examinadas em conjunto, porque unidas pelo mesmo grave defeito de olvidar
distanciar seu bem estar de certos tipos de associação ou ligação com a comunidade,
chegando a ter uma sensação de perda quando há perturbação dos padrões tradicionais
desta (DWORKIN, 2005. p. 305), em toda sua evolução histórica os direitos são
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Restabelecido este ponto fundamental, não há como se sustentar a existência
orientação sexual homossexual, dado que este princípio não tem a extensão imaginada
2005. p. 310), que leva à presunção de que a vida comunitária é como a vida de uma
dilemas morais e éticos, e estaria sujeita aos mesmos modelos de êxito e fracasso. Na
nas quais os membros podem dizer enfaticamente “nós”; ela não constitui uma
201).
Assim, sua proteção não pode ter por pressuposto o paternalismo, mas
apenas o risco objetivo de dano que uma conduta individual possa trazer a esta
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entes coletivos para sustentar esta restrição, o que é incompatível com a própria idéia
nossa posição no sentido de que, sim, deve haver uma proteção específica à pessoa com
orientação sexual homossexual, que lhe garanta a vivência plena desta sua característica
membros da sociedade.
site Wikipedia:
(prisão perpétua), Barein, Belize, Benin, Botsuana, Butão, Brunei, Camarões, Cingapura
(prisão perpétua), Djbuti, Emirados Árabes Unidos (pena de morte), Eritréia, Etiópia,
Fiji, Gâmbia, Gana, Granada, Guiana (prisão perpétua), Guiné, Ilhas Cook, Ilhas
Maldivas, Ilhas Marshall, Ilhas Salomão, Índia, Irã (pena de morte), Kiribati, Kwait,
Jamaica, Lesoto, Líbano, Libéria, Líbia, Malásia, Malawi, Mauritânia (pena de morte),
4
As penas variam de multa até prisão perpétua e pena de morte, estando em destaque os países que
adotam estas duas últimas penas.
32
Namíbia, Nepal, Nicarágua, Nigéria, Nive, Oman, Palau, Papua Nova Guiné, Paquistão
(prisão perpétua), Qatar, Quênia, Samoa, Santa Lúcia, São Cristóvão e Nevis, São Tomé
e Príncipe, São Vicente e Granadinas, Senegal, Seicheles, Serra Leoa (prisão perpétua),
Somália, Sri Lanka, Síria, Suazilândia, Sudão (pena de morte), Tanzânia, Togo,
b) Países que não criminalizam a conduta, mas que também não têm
qualquer legislação que reconheça direitos aos seus cidadãos em razão da condição de
Verde, Camboja, Cazaquistão, Chade, China, Colômbia, Congo, Coréia do Norte, Costa
do Marfim, Cuba, Egito, El Salvador, Filipinas, Gabão, Guam, Guiné Bissau, Guiné
Ucrânia e Vietnam.
homossexuais, mas não que reconheça direitos a seus cidadãos em razão desta condição:
Áustria, Bósnia, Bulgária, Chile, Chipre, Coréia do Sul, Costa Rica, Croácia, Equador,
Eslováquia, Estados Unidos, Estônia, Geórgia, Grécia, Hungria, Ilhas Cayman, Japão,
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d) Países cuja legislação reconhece direitos aos seus cidadãos em
França, Holanda, Irlanda, Islândia, Israel (por decisão do Poder Executivo de não
mencionada pela primeira vez um texto legal em agosto de 2.006, quando a Lei 11.340
por seu artigo segundo que ela não pode ser discriminada em razão de sua orientação
sexual.
continua não havendo, qualquer regramento específico que lhe desse uma proteção
jurídica efetiva, tendo sucumbido várias tentativas no sentido de regular a matéria, fosse
5
Como parâmetro mínimo, estabelecemos a possibilidade de pessoas que coabitam.registrarem-se como
entidade familiar.
34
Esta solitária e muito recente norma mencionada acima é a primeira em
razão de sua orientação sexual, e assim mesmo restrita às pessoas do sexo feminino.
Nem se cogita da edição de qualquer norma que estabeleça proteção de qualquer ordem
ainda que apenas em relação às mulheres, faz com que tanto os entes da esfera pública
empresas) sintam-se à vontade em negar direitos aos homossexuais, sem que tal
inclui o Brasil, pode ignorar a realidade cada vez mais transparente de que entre seus
cidadãos há homossexuais. E que estas pessoas têm direitos que, garantidos a todo o
restante da população, não lhes podem ser restringidos em razão de sua orientação
sexual.
(DIAS, 2006. p. 85) tem, pelo menos, dois pressupostos, complementares entre si. O
primeiro é uma visão, ainda majoritária no imaginário de nossa sociedade, que reduz a
(RICHARDS, 1999. p. 94), prática esta que encontra fortes resistência à sua aceitação,
por severamente condenada pela igreja católica e pelas diversas igrejas protestantes . O
segundo é o nítido repúdio do legislador brasileiro, no que não é muito diferente de seus
35
2006. p. 88), sem que tenha havido prévia organização e engajamento de pelo menos
Mas, qualquer que seja o fundamento desta omissão, o fato é que ela implica
uma condição pessoal do indivíduo como se tal aspecto não tivesse relação com a
dignidade humana.
todas as outras anteriores, frise-se) nunca se animou a sequer iniciar o debate interno
sobre a situação jurídica dos homossexuais no Brasil, mas propôs em 2003, junto à
Brasil em 2004, sem que fosse votada, ante a intensa pressão de países contrários, em
entre a atividade legislativa e o fato social tem levado parte dos prejudicados a buscar
seus possíveis direitos diretamente junto ao Poder Judiciário, com suporte em princípios
(FERNANDES, 2004. p. 74). Mas, tampouco, faz qualquer referência positiva explícita.
6
http://www.gaybrasil.com.br/notas.asp?Categoria=Radar&Codigo=1529
36
Não se discute que normas constitucionais não específicas, em especial os
artigos 3º, IV e 5, caput (BRASIL, 1988), podem ser poderosos obstáculos contra a
forma de discriminação, e ser o direito à igualdade não apenas um mas o primeiro entre
Mas até em razão de seu muito amplo escopo, e por não mencionarem
realmente sejam efetivas na promoção dos direitos das pessoas de orientação sexual
definidos. Este detalhamento, que normalmente deveria ser feito pelo Poder Legislativo,
lhe são postas (non liquet) (CAMPILONGO, 2002. p. 34) impede que ele se escude na
ausência de normas específicas, e seja obrigado a oferecer, pelo menos nos limites da
constitucional (KOOPMANS, 2003. p. 227). E ele pode fazê-lo sem que isso lhe traga
37
previstas no artigo 95 da Constituição (BRASIL, 1988), como a vitaliciedade e a
inamovibilidade.
deste item, a questão dos direitos inerentes à participação dos cidadãos brasileiras foi
passarmos à análise, mediante estudos de caso, sobre como tanto está se operando
38
CAPÍTULO 3
aspectos inteiros da vida privada, antes fora de qualquer controle público (GARAPON,
2001. p. 28).
39
das idéias tradicionais sobre os princípios de separação dos poderes e a neutralidade
poder. E, neste contexto, o Poder Judiciário deixa de ser visto como simples lugar de
cerrada, para passar a ser encarado como uma importante arena de exposição, afirmação
p. 62).
40
3.2. Origem histórica da judicialização
1973. p. 162-172) as bases doutrinárias a sustentar o controle pelo Poder Judiciário dos
primeira vez uma lei inconstitucional, no famoso caso Marbury vs. Madson.
Assim, desde o início do século XIX, e por todo o século XX, este Tribunal
logrou ampliar ainda mais seus poderes (e também do restante do Poder Judiciário
daquele país), estabelecendo a revisão judicial da constitucionalidade das leis como uma
controle das questões inerentes ao sistema federativo, para, numa segunda etapa, passar
dos Estados Unidos foi positivamente destacada por Alexis de Tocqueville como um
41
A causa reside num só fato: os americanos reconheceram nos
juízes o direito de fundamentar seus veredictos na Constituição
mais do que nas leis. Em outras palavras, permitiram-lhes não
aplicar as leis que lhe pareçam inconstitucionais. Sei que
direito similar foi, algumas vezes, reivindicado pelos tribunais
de outros países; mas nunca lhes foi concedido. Na América é
reconhecido por todos os poderes; não se encontra partido nem
indivíduo que o conteste.” (TOCQUEVILLE, 1973. p.205-206)
1995. p. 19) este nível de relevância do Poder Judiciário no sistema político permaneceu
partir daí clara expansão do papel dos juízes e tribunais (TATE; VALLINDER, 1995. p.
aos direitos dos cidadãos, especialmente durante a II Guerra Mundial. Não é demais
contexto de um regime democrático, ainda que o forçasse em seus limites até sua
42
direito, baseadas nos ensinamentos de Locke, Rousseau e Kant, surgem teorias mais
havia sido ocupado pela doutrina utilitarista (no Brasil, pelo positivismo);
leis. O período da chamada “Corte Warren” (1953-1969), com suas muitas decisões
em favor de grupos minoritários só fez aumentar, dentro e fora dos Estados Unidos
continente no pós-guerra;
e) a inclusão dos direitos humanos nas constituições dos países. Passou a haver a
promulgou a norma, mas sim por um corpo judicial autônomo (KOOPMANS, 2003.
p. 35);
43
passaram a criar normas indefinidas e indeterminadas, para regular o provisório, o
direito, mais amplo também se torna o espaço deixado à discricionariedade nas decisões
público que obriga o poder político não seja constituída conforme o direito
legitimamente instituído (HABERMAS, 2003. p.212), por ser muito difícil imaginar um
governo não democrático, de qualquer matiz ideológico, que permita, ainda que
44
públicas, ou que tolere processos de decisão em consonância com procedimentos legais
indivíduos e minorias têm direitos que podem ser opostos a maiorias (TATE;
tendem a utilizar expressões lapidares. Sua expressão literal não é, muitas vezes, útil
para aqueles que querem entender o seu significado (KOOPMANS, 2003. p. 223). Há
várias questões não decididas inteiramente pela Constituição, questões cuja solução só
A soma de uma e outra coisa valoriza a atuação dos juízes, cuja posição
institucional é fazer valer as regras de direitos humanos, o que só podem fazer mediante
45
decidir sobre a constitucionalidade dos atos dos poderes Executivo e Legislativo de
humanos para o fenômeno da judicialização, não podemos ignorar que parte do relevo
vêm que o processo de decisão majoritária não lhes traz maior vantagem do que uma
utilidade potencial dos tribunais na consecução dos seus objetivos, tentam expandir o
conceito de direito humanos para que seus próprios interesses possam parecer conexos a
2004. p. 281-282). E sendo atribuída uma posição preferencial a este direito, o juiz
constitucional estará autorizado, e mesmo obrigado, a adotar uma postura ativa para sua
proteção ou promoção.
político (MORO, 2004. p. 138) propuseram novos itens para a agenda política nos
últimos quarenta anos. E, muito mais do que os políticos tradicionais, sempre estiveram
46
(KOOPMANS, 2003. p. 260), de modo a conseguir que os tribunais mudem o
tratamento dado a uma questão de seu interesse (SHAPIRO; SWEET, 2002. p. 48).
vontade majoritária” (VIANNA et al, 1999. p. 22), resultado que lhes é amplamente
Neste contexto, não se exclui nem mesmo a possibilidade de, por razões
item pode ser considerado uma especificação deste imediatamente anterior. Trata-se do
era mais do que um ato retórico de denúncia (VIANNA et al, 1999. p. 127). No entanto,
dada a receptividade dos tribunais aos pedidos, o processo se intensificou, sendo hoje
promover suas preferências políticas (ou barrar as de seus adversários) por este canal
47
institucional à margem das arenas de decisão majoritária (HIRSCHL, 2004. p. 178). Em
meio da abertura de diversas investigações de índole penal para elucidação dos casos de
efetivação de políticas pelo Poder Judiciário, ante a sua fama de conhecimento e retidão
48
também no restrito âmbito de uma eleição una tantum sem
responsabilidades políticas diretas, a participação é distorcida,
ou manipulada, pela propaganda das poderosas organizações
religiosas, partidárias, sindicais, etc. A participação
democrática deveria ser eficiente, direta e livre: a participação
popular, mesmo nas democracias mais evoluídas, não é nem
eficiente, nem direta, nem livre. Da soma desses três déficits de
participação popular, nasce a razão mais grave da crise, ou
seja, a apatia política, o fenômeno, tantas vezes observado e
lamentado, da despolitização das massas nos Estados
dominados pelos grandes aparelhos partidários. A democracia
rousseauísta ou é participativa ou não é nada.” (BOBBIO,
1992. p. 151)
Esta crise descrita se manifesta principalmente no Poder Legislativo. Este
Poder é duramente criticado e tem sua anterior imagem positiva (que existia
pelo juiz (GARAPON, 2001. p. 41). Quando deixa de atuar, especialmente no trato de
mais fácil que sua aprovação, e impedem a transformação da vontade popular em lei,
49
Assim, o Poder Judiciário passa a ser percebido como a instância
judicial quanto menos funcional for o sistema político (HIRSCHL, 2004. p. 35).
de se lidar seriamente com algum tema (TATE; VALLINDER, 1995. p. 32). São
assuntos no-win, como o aborto, a união das pessoas do mesmo sexo, o tratamento dos
presidiários, temas dos quais os políticos se esquivam, cuja decisão não acrescenta nada
169), ou ainda como tentativa de obter suporte público para decisões polêmicas, a partir
50
constrangido pelo sistema jurídico a fazê-lo (CAMPILONGO, 2002. p. 34), é chamado
como última instância moral para decidir estas questões no-win, algumas delas ainda
anterior, é que este processo mais cedo ou mais tarde escapa do seu controle, o que faz
com que poucas questões morais ou políticas não se tornem judiciais a final (HIRSCHL,
2004. p. 169).
participar das decisões que poderiam ser deixadas à boa ou má discrição de outras
tradicional independência em relação aos demais poderes, para assumirem-se como uma
vs Board of Education, que produziu uma imensa mudança numa política pública que o
Poder Legislativo daquele país se recusava a fazer (TATE; VALLINDER, 1995. p. 46).
51
O fenômeno da judicialização enfrenta muitas críticas, cujos argumentos
executor (CAMPILONGO, 2002. p. 49), segundo o qual o juiz não atua politicamente e,
suprema e não pode ser desafiada pelos tribunais (KOOPMANS, 2003. p. 16), nem em
No entanto, este raciocínio peca por seu caráter ideal, dado que mesmo a
melhor técnica de redação de leis ainda deixa, de qualquer modo, lacunas que devem ser
preenchidas, com ambigüidades e incertezas que devem ser resolvidas na via judiciária
compatibilidade que não é mais julgada pelo próprio Poder Legislativo, mas sim por um
52
conforme descrito acima, quando é incorporado à Constituição um catálogo de direitos
(comparando-se com o direito legislado) do cidadão comum ter informações sobre ele:
que somente elas fornecem base social suficiente para mudanças e transformações
desmobilização das pessoas para a discussão política dos seus problemas. O Poder
Esta crítica vai ainda mais longe, para alcançar mesmo a cultura de direitos
fundamentais que é subjacente à judicialização, como visto acima. Esta é vista como
53
outras, para passar a ver nelas apenas elementos de limitação de sua própria liberdade.
acerca dos valores da sociedade, restringindo-se o acordo entre eles tão somente ao
faz-se um círculo, na medida em que as decisões judiciais têm por característica ser
casuísticas e fragmentárias, resolvendo os problemas que lhes são postos sempre muito
judicialização ainda teria um outro efeito perverso, ainda que paradoxal: ela seria a
clientela passiva e tutelada pelo Poder Judiciário (VIANNA et al, 1999. p. 23; MORO,
Em seu ponto mais extremado, esta crítica chega a fazer uso de conceitos
um pai, fonte da definição do que é certo e errado, e também das possíveis benesses e
Desta crítica mais ampla podem ser deduzidas outras mais específicas, como
54
complexos para os quais o código direito/não direito não oferece respostas
mão de argumentos normatizados e pragmáticos. A justiça, por sua vez, não pode dispor
239).
da lide proposta pelas partes, olvidando a totalidade das relações interdependentes entre
“legislador aleijado”, por não ter os muitos instrumentos que estão à disposição do
8
O Autor chega a esta conclusão após descrever uma série de casos na África do Sul, Canadá e Nova
Zelândia, em que o tratamento judicial das questões das minorias (étnicas ou políticas) se sobrepôs ao
político, com efeitos que ele considera insatisfatórios. Traduzimos livremente: “Conquanto alguma dessas
questões reparatórias recentemente judicializadas tenha, certamente, importantes aspectos constitucionais,
elas não são, nem exclusivamente, nem primordialmente dilemas legais. Consequentemente, deveriam ser
resolvidas, pelo menos por princípio, por deliberação pública, na esfera política.”
55
têm uma atuação superestimada: raramente introduzem novos debates, versando as
Legislativo. E quando o fazem, não conseguem impor estas suas decisões para além do
demais poderes. Em outros termos, uma decisão dos poderes Executivo e Legislativo
possibilidade de argumentação.
O principal supedâneo das críticas acima descritas parece-nos ser uma visão
1999. p. 32).
seus pressupostos (ainda que não seja o único) sérios e paradoxais problemas na atuação
56
democrático (VIANNA et al, 1999. p. 146): de um lado, a sua omissão deliberada em
não possa ser acertada em parte, a crítica à judicialização que se firma numa versão
proceder.
deve ser lembrado que está nas mãos do Poder Legislativo reduzir o escopo e a
agora (KOOPMANS, 2003. p. 275). Sem que isso ocorra, os tribunais continuarão
sendo chamados a decidir precisamente aquelas questões para as quais o atual corpo de
2002. p. 25), pois, quanto menos funcional é o sistema político, maior a possibilidade de
democracia descrita por Habermas (2004, p.278), cujo pressuposto é a ação virtuosa
57
Tal sociedade demandaria a existência de acordos sobre os objetivos e
definição do que seria uma vida boa e justa aceita por todos ou, no mínimo, pela
maioria da sociedade.
Este acordo não existe em sociedades complexas, a não ser, como vimos
(HABERMAS, 2004. p. 262), o que faz com que a judicialização da política e das
relações sociais se apresente como caminho válido, em certas ocasiões, inevitável, para
solução dos diversos conflitos sociais, mormente quando não existe normatização legal
interesse que litiga, não se vê, empiricamente, uma decisão drástica e irreversível de
substituir a política legislativa por uma política judiciária, e, muito menos, a idéia de se
como temem os críticos da judicialização, que o Poder Judiciário esteja trabalhando a lei
em favor de um determinado grupo, nem que, quando esgotada esta coincidência, estes
grupos não voltem a buscar junto aos poderes Executivo e Legislativo novos
58
Todas as opções são tentadas simultaneamente, tanto por um determinado
grupo de interesse, como por outro que seja seu adversário, pois o litígio é encarado
como uma alternativa suplementar à política e não como sua substituta (TATE;
uma elite de experts. Mas algo diferente é atribuir a tribunais a função de controlar os
Ademais, não se pode olvidar que a democracia é mais do que uma questão
democracia.
59
Muito pelo contrário, quando o Poder Judiciário intervém na proteção do
constitucionais muito difusos para serem discutidos numa eleição (como a liberdade de
opinião, e.g.), ele não atua como o guardião autoritário de uma suposta ordem
aos seus críticos é que, longe de ser um atentado à democracia, promovido por uma
conseqüência inevitável das novas relações entre direito e política, promotora da agenda
utilizados pelos Ministros Julgadores a partir da base teórica desenvolvida até aqui.
60
CAPÍTULO 4
O PODER JUDICIÁRIO BRASILEIRO E AS UNIÕES HOMOAFETIVAS –
ESTUDO DE CASOS
da lavra do Superior Tribunal de Justiça (STJ). Ambos foram escolhidos por serem, até
ordinária brasileira, que reconhecem a união homoafetiva como um fato singular, capaz
participaram.
Viseu), que, embora analise a questão nos estritos limites de sua competência
competência geral, que até então vinha tratando as relações homoafetivas como simples
“sociedades de fato”, conceito retirado do direito comercial, e que extraía das questões o
fundamentais) que lhes era evidente. Neste sentido, ainda no ano de 2005, foram as
61
decisões proferidas pelo STJ nos Recursos Especiais 502995/RN (Relator Ministro
dos colegiados do Supremo Tribunal Federal (seja de uma das duas turmas em que se
país, e num caso com um nível maior de abstração do que estes aqui estudados, trata-se
como dito acima, de decisão monocrática que será reexaminada pelo pleno do STF
modo teórico nos capítulos anteriores, quais sejam: 1) aplicação ou não do conceito de
9
No momento, aguarda-se o julgamento do Recurso Especial também interposto de forma simultânea (nº
814595), distribuído para relatoria da Ministra Laurita Vaz, sem previsão de entrar em pauta, até o
momento.
62
Recurso Especial Eleitoral nº 24.564 – Classe 22ª/PA (originário da 14ª
4.2.1. Descrição
uma relação de analogia com a regra contida no artigo 14, §7º da Constituição, que
Executivo, argumentaram os impugnantes Izaías José Silva Oliveira Neto, Luiz Alfredo
Amin Fernandes e Dilermando Júnior Fernando Lhamas que a candidata manteria união
estável com a então prefeita reeleita daquele município, razão pela qual estaria impedida
Estado do Pará, decisão que foi objeto de Recurso Eleitoral Ordinário ao Tribunal
de 2004.
63
Por unanimidade, embora ausente um dos ministros, o TSE acatou o
alegação de que, nos termos do artigo 19, parágrafo único do Código Eleitoral e do
sessão anterior.
Rabelo de Souza Fernandes mantinha relação homoafetiva com a então prefeita reeleita
64
A pergunta a ser respondida para solução do caso foi feita de forma expressa
anexo 1):
sociedade com uma determinada orientação sexual”, vai tão longe a ponto de permitir
que o indivíduo dela participante obtenha uma vantagem resultante desta omissão em
cargo político?
negativa.
65
que a relação homoafetiva é assimilada a uma simples sociedade comercial de fato, no
analisados.
fundamentos que utilizou, um Tribunal Superior brasileiro reconheceu pela primeira vez
nos fundamentos de sua decisão que uma relação homoafetiva, embora ignorada pela
legislação, é um dado da vida real que pode ter (e tem) efeitos jurídicos decorrentes de
seu elemento essencial, o vínculo afetivo entre as pessoas envolvidas, não podendo ser
Martins, Humberto Gomes de Barros, Luiz Carlos Madeira e Caputo Bastos), estando
daquele.
66
No entanto, opta por fundamentar sua concordância com argumentos que se
indicar aos juízes de casos futuros que a solução encontrada é meramente para fins
eleitorais, e que não se deve buscar quaisquer outros efeitos jurídicos para as relações
Por um lado, afirma o Ministro não ser possível a união estável entre pessoas do mesmo
sexo por vedação constitucional. Nem mesmo haveria concubinato, adverte aos juízes
dos casos futuros. Em suma, a relação homoafetiva não tem qualquer valoração jurídica
em si.
10
O Tribunal Superior Eleitoral, em destacada exceção aos demais tribunais especiais e ordinários,
nacionais, tem competência para decidir consultas feitas em abstrato (artigo 23, XII da Lei 4.737/65 –
Código Eleitoral)
11
Como pode ser conferido no texto original da transcrição, que se encontra em anexo, falta um verbo na
fala do Ministro Carlos Velloso, que presumimos ser “decidir” pelo restante do contexto.
67
Não obstante, de modo a evitar a dissidência em um caso de tamanha
clareza do ponto de vista factual, conclui que para fins do Direito Eleitoral, seria
conservador deixar de reconhecer algum efeito jurídico a este tipo de relação, pois de
outra forma não se poderia evitar que a máquina administrativa de uma prefeitura fosse
qual, nesta situação a união homoafetiva deveria ser entendida “nos moldes de uma
união estável”.
mesma, são bens distintos os tratamentos dados pelo Ministro Relator e pelo Ministro
fato jurídico: o primeiro a trata como um fato genérico, donde se extrai a existência de
um elemento, o vínculo afetivo entre pessoas do mesmo sexo, cujos efeitos jurídicos
podem se estender para além da questão eleitoral tratada. Já o segundo indica que a
específica posta nos autos, ou seja, atender ao objetivo da lei eleitoral de evitar a
68
direito subjetivo dos demais concorrentes, em detrimento da esfera jurídica individual
da candidata homossexual.
inelegibilidade contida no artigo 14, §7º da Constituição. O que fica claro no seguinte
1):
passagem do julgado examinado que esboça o tratamento da questão posta sob o prisma
outra menção expressa a eles em qualquer dos votos colhidos, nem mesmo no voto do
processo é solucionado a partir do direito à igualdade sem que tal princípio seja
uma regra eleitoral constitucional que é mero desenvolvimento seu (artigo 14, §7º da
12
Direitos Fundamentais e Controle de Constitucionalidade, incluída na bibliografia desta monografia.
69
Acreditamos que tanto possa ter constrangido os Ministros julgadores a
concentrada nos direitos subjetivos que pessoas nesta condição minoritária devem
auferir como seu corolário, não se cogitando das raras situações em que sua aplicação
Ainda outra vez, é preciso destacar o voto do Ministro Carlos Velloso, que
em trechos já transcritos acima, indica sua posição de que a igualdade entre uniões
caso), não se podendo daí deduzir um fundamento axiológico que possa ser invocado
homossexuais, embora esta seja uma questão logicamente antecedente à conclusão a que
primeiro tipo de relacionamento devem ser estendidas também ao que vivem o segundo
possibilidade de que, da vedação reconhecida, possa ser deduzido por simples inferição
situação concreta.
Não há, pois, nenhuma tentativa de generalização das premissas que levaram
70
tratamento entre os cidadãos brasileiros, para o bem ou para o mal, independentemente
participantes de uma união homoafetiva é a principal razão que nos traz ao exame do
constitucional) que tratasse especificamente deste assunto, nem mesmo para obstar a
o Ministro Gilmar Mendes sintetiza o argumento dos recorrentes (p.3 do anexo 1):
71
Mais à frente, em seu voto, o Ministro Relator acolhe esta premissa da
Legislativo.
nova decisão dos tribunais no mesmo sentido, vai formando a jurisprudência sobre o
assunto, ou seja, vai assumindo um caráter cada vez mais institucional e vinculativo.
Neste sentido, transcrevemos o trecho final do voto do Ministro Carlos Velloso, que,
embora tenha tido com o Ministro Relator as divergências acima já explicitadas sobre a
72
realidade seria desconhecer o papel do Direito e,
principalmente, do Direito Público.
E Sua Exa. demonstrou que no Superior Tribunal de Justiça
essa questão já foi reconhecida; no Supremo Tribunal Federal
já se reconheceu a união homossexual para o fim de um dos
partícipes dessa união ficar protegido pela Previdência Social.
Assim, com essas considerações que fiz em homenagem ao
eminente vice-procurador-geral eleitoral, aos advogados dos
recorrentes e ao advogado da recorrida, meu voto acompanha o
do eminente ministro relator.”
4.3. Caso nº 2
Justiça (STJ).
4.3.1. Descrição
de 1997.
próprio Autor.
73
de declaração pelo INSS, rejeitados pelo mesmo órgão jurisdicional em 06 de março de
2001.
Nos termos do artigo 27, §3º da Lei 8.038/90 foram os autos enviados
primeiramente para o STJ examinar o Recurso Especial, que tomou o número acima
por unanimidade pela 6ª Turma do STJ, ainda que ausentes naquele julgamento dois dos
protocolo 69432, não havendo sido distribuídos até o momento, o que significa dizer
ocorrência de relação homoafetiva estável entre o Recorrrido Vitor Hugo Nalério Dulor
74
imóvel que, por força de disposição testamentária, foi deixado
ao autor.
Acresce-se, ainda, que este, na condição incontroversa de
beneficiário, recebeu seguro de vida do falecido.
Saliente-se, por último, que todas as despesas com o funeral
foram suportadas pelo autor, tendo ele percebido o auxílio
correspondente da Caixa de Assistência dos Funcionários do
Banco do Brasil, entidade à qual o de cujus era filiado.”
Constituição, não é mais possível a reabertura do debate sobre estes fatos, o que nos
leva a concluir que foram trazidos a colação pelo Ministro Relator como reforço ao
sua pretensão de que seja indeferida a pensão requerida por falta de previsão legal que
homoafetivas com o sistema jurídico encimado pela Constituição de 1988 (fl. 10-11 do
anexo 2):
75
E conclui, explicitando que o “silêncio legislativo” acerca das uniões
homoafetivas não é uma posição neutra acerca do assunto (fl. 14 do anexo 2):
falta de legislação ordinária acerca das relações homoafetivas não faz com que os fatos
FERNANDES (2004), já citadas nesta monografia: não há fato da vida que seja “não-
solução do caso deve ser buscada na Constituição, em seus princípios mais genéricos, se
for o caso.
acolhe com clareza esta posição doutrinária descrita no capítulo teórico, encontrando
valor jurídico específico em nosso ordenamento jurídico para a união homoafetiva por
si própria.
ficou um passo à frente da decisão examinada em primeiro lugar, que, embora pioneira,
76
E muitos passos à frente das decisões anteriores do próprio STJ proferidas
no próprio ano de 2005 e mencionadas no tópico acima sobre as razões de escolha dos
casos, que retiravam da questão seu elemento essencial, o vínculo afetivo entre os
status constitucional, circunstância que restringiria o seu exame aos Juízos Ordinários e
ao STF, tanto que, das decisões dos tribunais estaduais e regionais federais cabem
no caso posto a exame, toda a decisão do Ministro Relator tem por fundamento a
77
Esta argumentação já é utilizada desde a solução da questão preliminar, em
Ministério Público Federal para integrar a lide, ao lado de Vitor Hugo Nalério Dulor.
Para tanto, foi preciso que o Ministro Relator reconhecesse que a lide
era o direito à igualdade e que seu resultado poderia ter relevância para muito além da
Constituição14.
na lide, transcritos às fls. 15/16 deste acórdão cuja íntegra se encontra no anexo 2,
destaca que a regra do artigo 226, §3º da Constituição (que trata da união estável
heterossexual) é insuficiente para decidir a lide, concluindo ser necessária uma análise
mais ampla sua sob este prisma constitucional, onde terá lugar de destaque o princípio
14
Art. 127. O Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado,
incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático, e dos interesses sociais e individuais
indisponíveis.
78
que relaciona o possível rol de dependentes dos segurados (artigo 16, §3º da Lei
artigo 226, §3º da mesma, concluindo pela existência de um regramento específico para
o direito previdenciário.
situação dos integrantes das relações homoafetivas, e construindo este direito a partir do
princípio constitucional da igualdade, recuou até concluir que a não menção destas
que suas regras não estão à disposição dos litigantes em nenhum dos casos, trata-se de
79
o Ministro Relator tenha tentado explicitar também um fundamento infraconstitucional
mote para sua decisão, que contém diversos elementos relevantes que a inserem no
capítulo teórico.
minoria homossexual tem direito a igualdade de tratamento, e que este direito tem
15
A extensão de nossa Constituição faz com que praticamente não haja assunto que, em última análise,
não deva ser examinado sob a perspectiva constitucional. No entanto, se tal premissa for levada a rigor,
em especial considerando-se que o artigo 26 da Lei 8.038 (BRASIL, 1990) permite o manejo simultâneo
de recursos para o Supremo Tribunal Federal e para o Superior Tribunal de Justiça, este último tornar-se-
ia uma instância supérflua, pois se destina estritamente a interpretar e unificar o direito infraconstitucional
É certo que o Supremo Tribunal Federal poderia, se quisesse, sustar o recurso especial e julgar de uma
vez o recurso extraordinário. Ou ainda o Superior Tribunal de Justiça reconhecer que a questão é
eminentemente constitucional, devendo ser examinada pelo Corte Constitucional (artigo 27, parágrafos 5º
e 6º da Lei 8.038). Na prática, no entanto, estas faculdades legais nunca são usadas por qualquer dos dois
tribunais.
80
Ainda neste contexto, destacamos a opção expressa pela interpretação do
ao direito do Autor contido no artigo 226, §3º da Constituição (fl. 10 do anexo 2):
lacunas”, como assevera à fl. 13 de seu voto, está formulando uma regra não explícita
reconhecem ao juiz, citando em seu abono o seguinte texto de Maria Berenice Dias que
81
janeiro, fevereiro e março de 2000, p. 11)” (grifos e maiúsculas
do original)
E assim, desconsiderando-se o pequeno recuo narrado acima, quando diz
ordinário ou constituinte.
uma posição de liderança da sociedade, com a disposição de fixar uma nova agenda, e
82
5. CONCLUSÃO
Esta ausência ganha ainda maior significado quando se verifica que outros
tema para que o Poder Judiciário decida sobre elas a partir de princípios fundamentais
fundamental à igualdade, inserindo sua luta no contexto da busca de uma sociedade sem
reconhecer como direito humano (o que dirá como direito fundamental) o que apuraram
como pressuposto jurídico das conclusões a que chegaram em cada caso. Daí as
83
insistentes restrições colocadas pelo Ministro Carlos Velloso em seu voto no Recurso
Especial Eleitoral nº 24.564 – Classe 22ª/PA (originário da 14ª Zona Eleitoral do Estado
– Viseu) e o recuo do Ministro Hélio Quaglia Barbosa em seu voto no Recurso Especial
395.904/RS, no qual, após dar a entender que apresentará uma solução ampla para o
caráter casuístico, descontínuo e fragmentário das decisões judiciais, que não induziriam
à formação de uma regra estável, sendo notável e sempre presente o risco de retrocesso
homoafetivas, o que faz, até o momento, que as decisões dependam das valorações dos
fatos feitas por cada juízo particular, circunstância que também não passa desapercebida
a SHAPIRO; SWEET (2002), como estudado nesta monografia. Some-se a isto o largo
tempo de duração de cada processo, até que passe por todas as instâncias.
84
Não obstante, a única ação nestes moldes que conseguimos localizar em
Educação e Saúde de São Paulo e pela Associação da Parada do Orgulho dos Gays,
extinta sem o exame do mérito pelo Ministro Celso de Mello em 03/02/2006, por
Civil em vigor desde 01/01/2002, a saber, o artigo 1º da Lei 9.278/96. Não há notícia de
diploma civil.
Mas ainda que esta decisão venha a ocorrer, é preciso que seja avaliado qual
será sua conseqüência: se terá forças para agregar o consenso necessário para uma
tão importante decisão, em processo similar ao que aconteceu nos Estados Unidos da
jurídicos das uniões homoafetivas é indispensável do ponto de vista dos indivíduos que
em torno delas, por ser a única solução que eles têm à mão a curto prazo.
85
Compreendemos também que a dianteira que o Poder Judiciário toma na
questão é muito importante para manter vivo o debate sobre o tema na sociedade,
alcançar-se pela via judicial uma solução definitiva e estável, de pacificação social,
acreditando ainda que a melhor solução para a solução de evidente desrespeito aos
direitos humanos dos homossexuais é a via legislativa, decisão já tomada pelos paises
tratem o tema de forma simétrica e neutra, atribuindo a este fato efeitos jurídicos
seguridade social.
Isto poria termo ao que consideramos uma anomalia, que é um tema com
esta relevância e potencial de demanda ser sistematicamente tratado apenas pelo Poder
Judiciário.
governo que tem a tecnologia própria e os recursos para tanto, que é a Administração
jurídicas, regulados de forma que possam ser aplicados da mesma maneira a todas as
86
indivíduos participantes de relações homoafetivas e também para a jurisdição, poupados
da árdua tarefa de construir e reconstruir argumentos em cada caso específico
semelhante que se apresenta ao Poder Judiciário em busca do reconhecimento dos
direitos deste segmento social.
87
6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
dogmática jurídica à ética. In: SARLET, Ingo Wolfgang (org.). Jurisdição e direitos
Brasília, 1997.
<https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constitui%C3%A7ao.htm>.
24.564, classe 22ª, Pará – 14ª zona – Viseu. Procuradoria Regional Eleitoral no
Pará, Izaias José Silva Oliveira Neto, Dilermando Júnior Fernandes Lhamas, Luiz
Alfredo Amin Fernandes versus Maria Eulina Rabelo de Sousa Fernandes. Relator:
88
Ministro Gilmar Ferreira Mendes, Brasília, Acórdão de 1º de out. 2004. Disponível
quorum completo. Art. 19, parágrafo único, do Código Eleitoral. Art. 6º, parágrafo
24.564, classe 22ª, Pará – 14ª zona – Viseu. Procuradoria Regional Eleitoral no
Pará, Izaias José Silva Oliveira Neto, Dilermando Júnior Fernandes Lhamas, Luiz
Alfredo Amin Fernandes versus Maria Eulina Rabelo de Sousa Fernandes. Relator:
Instituto Nacional do Seguro Social versus Vitor Hugo Nalério Dulor, Ministério
https://ww2.stj.gov.br/revistaeletronica/ita.asp?
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89
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2006.
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Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher; dispõe sobre a criação dos Juizados
90
de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher; altera o Código de Processo
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2006/Lei/L11340.htm.
16. BRASIL. Supremo Tribunal Federal. União civil entre pessoas do mesmo sexo.
derrogada pela superveniência do art. 1.723 do Novo Código Civil (2002), que não
foi objeto de impugnação nesta sede de controle abstrato. Inviabilidade, por tal
razão, da ação direta. Impossibilidade jurídica, por outro lado, de ser proceder à
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