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CONSELHO DA JUSTIÇA FEDERAL

UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE


FACULDADE DE DIREITO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU EM DIREITO PROCESSUAL
PÚBLICO

A JUDICIALIZAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS:


A ATIVIDADE JUDICIAL NA GARANTIA DOS DIREITOS INDIVIDUAIS
DECORRENTES DAS UNIÕES ESTÁVEIS HOMOAFETIVAS

Luiz Antonio Ribeiro da Cruz

ORIENTADOR: Prof. Dr. Napoleão Miranda

BRASÍLIA/NITERÓI
JANEIRO/2007
2
Luiz Antonio Ribeiro da Cruz

A JUDICIALIZAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS:


A ATIVIDADE JUDICIAL NA GARANTIA DOS DIREITOS INDIVIDUAIS
DECORRENTES DAS UNIÕES ESTÁVEIS HOMOAFETIVAS

Monografia apresentada ao Programa de Pós-graduação lato


sensu da Universidade Federal Fluminense, como requisito
parcial à obtenção do título de Especialista em Direito
Processual Pública.
Linha de pesquisa: Eficácia da Jurisdição Externa
Orientador: Prof. Dr. Napoleão Miranda

Brasília/Niterói
Conselho da Justiça Federal/Faculdade de Direito da UFF

Janeiro, 2007
4
DEDICATÓRIA

À minha esposa Emília e à minha filha Maria Luíza, cujo amor e carinho

levaram-me à compreensão de que uma família feliz deve ser direito fundamental de

todo ser humano, sem distinção.


“Todos os homens nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotados de
razão e consciência e devem agir em relação uns aos outros com espírito de
fraternidade.”
Artigo 1º da Declaração Universal dos Direitos
do Homem da Organização das Nações Unidas
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO

1 EVOLUÇÃO HISTÓRICA DOS DIREITOS HUMANOS

1.1 Os direitos humanos como a revolução do indivíduo


..................................................................................................................................

1.2 O caráter histórico dos direitos humanos


.................................................................................................................................

1.3 A afirmação histórica dos direitos humanos


.................................................................................................................................

1.4 As dimensões históricas dos direitos fundamentais


.................................................................................................................................

11

1.5 Os novos direitos


.................................................................................................................................

13

2 DIREITOS HUMANOS E A ORIENTAÇÃO SEXUAL HOMOSSEXUAL

16

2.1 Situação jurídica dos homossexuais no mundo e no Brasil

22
2.2 A situação no Brasil
..................................................................................................................................

24

3 JUDICIALIZAÇÃO – CONCEITO E CRÍTICAS

27

3.1 Conceito de judicialização

27

3.2 Origem histórica da judicialização

29

3.3 Condições para o desenvolvimento e fortalecimento da judicialização

32

3.4 Das críticas à judicialização


..................................................................................................................................

39

3.5 Réplica às críticas à judicialização


..................................................................................................................................

44

4 O PODER JUDICIÁRIO BRASILEIRO E AS UNIÕES HOMOAFETIVAS –

ESTUDO DE CASOS

49

4.1 Razões da escolha dos casos

49

4.2 Caso número 1

50

4.2.1 Descrição

51

9
4.2.2 O caso descrito e a situação jurídica do homossexual no Brasil

52

4.2.3 O caso descrito e os direitos fundamentais

56

4.2.4 O caso descrito e a judicialização

58

4.3 Caso nº 2

61

4.3.1 Descrição

61

4.3.2 O caso descrito e a situação jurídica do homossexual no Brasil

62

4.3.3 O caso descrito e os direitos fundamentais

65

4.3.4 O caso descrito e a judicialização

68

5 CONCLUSÃO

71

6 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

75

ANEXO 1:...........................................................................................................................

ANEXO 2:...........................................................................................................................
INTRODUÇÃO

Esta monografia tem por objetivo demonstrar o avanço dos direitos

humanos no Brasil a partir da judicialização da política e das relações sociais, com o

Poder Judiciário ocupando um papel de protagonismo central neste processo. Para tanto,

comprovaremos que os direitos humanos decorrentes da participação dos indivíduos

inseridos em uniões estáveis homoafetivas não têm qualquer regulação positiva

específica no Brasil, seja na legislação ordinária, seja na Constituição. Pretendemos

ainda demonstrar que, por conseqüência, os indivíduos homossexuais buscam garantir

seus direitos por intermédio do Poder Judiciário, em decisões suportadas por princípios

constitucionais genéricos, como o direito à igualdade e à dignidade da pessoa humana,

em um processo denominado judicialização da política. E, por fim, apresentar os

avanços obtidos por meio deste caso específico em que o Poder Judiciário está no

proscênio da fixação de uma parte da política de direitos humanos em nosso país.

O tema se mostra relevante, na medida em que, no momento atual, o Poder

Judiciário brasileiro avulta não mais apenas como simples garantidor dos direitos

humanos previstos em leis ordinárias. A partir da provocação de indivíduos, grupos

sociais de interesse e de oposições parlamentares insatisfeitas com a pouca eficácia das

políticas desenvolvidas ou mesmo sua inexistência, e interpretando princípios

constitucionais genéricos (em especial aqueles que tratam da igualdade e da dignidade

da pessoa humana), este Poder vem também construir, formular novas regras, acomodar

a legislação, em um processo de judicialização, pelo qual, cada vez mais, juízes

singulares e tribunais passam a determinar políticas públicas que anteriormente eram

elaboradas pelos Poderes Executivo e Legislativo.

11
Neste contexto, em que o Poder Judiciário expande seu peso, alcançando

uma relevância que o leva ao centro das decisões políticas, passa ele a ser uma

importante arena de exposição, afirmação e condensação dos conflitos através de

operações estratégicas, terreno fértil para os indivíduos e grupos de interesse que

buscam a expansão do conceito de direitos humanos, mas esbarram em maiorias

legislativas irredutíveis ou em um sistema institucional decisório ineficiente nos poderes

Legislativo e Executivo, que não consegue estabelecer prioridades condizentes com a

realidade social.

Nossa monografia será composta por três capítulos iniciais nos quais

abordaremos os temas: direitos humanos, efeitos jurídicos das uniões homoafetivas e o

fenômeno da judicialização.

No primeiro capítulo, dedicado aos direitos humanos, trataremos da sua

evolução histórica e do processo de formação de novos direitos além daqueles já

consagrados nas constituições.

No capítulo sobre os efeitos jurídicos das uniões homoafetivas

procuraremos demonstrar porque consideramos que a homossexualidade pode ser

considerada como traço característico relevante de parcela da humanidade, a ponto de

demandar uma proteção específica à pessoa com esta orientação sexual, em especial

àquelas inseridas em uniões homoafetivas, que lhes garanta, em igualdade de condições

com os indivíduos heterossexuais, a vivência plena desta sua característica com

independência e liberdade contra possíveis arbitrariedades do Estado e dos demais

membros da sociedade.

12
No terceiro capítulo, onde tratamos da judicialização, além do seu conceito,

procuraremos apresentar a origem histórica deste fenômeno, as condições para sua

expansão e as críticas a que é submetido.

Estes capítulos iniciais formarão a base teórica a partir da qual analisaremos

as decisões proferidas pelo Tribunal Superior Eleitoral no Recurso Especial Eleitoral nº

24.564 – Classe 22ª/PA (originário da 14ª Zona Eleitoral do Estado – Viseu) e pelo

Superior Tribunal de Justiça, no Recurso Especial 395.904/RS, estudo que constituirá o

quarto capítulo.

13
CAPÍTULO 1

EVOLUÇÃO HISTÓRICA DOS DIREITOS HUMANOS

1.1. Os direitos humanos como a revolução do indivíduo

Por toda a história, até o limiar da era contemporânea, sempre foram

impostos aos homens códigos de deveres, normas imperativas (positivas ou negativas)

de comandos e proibições, focadas não no indivíduo, mas sim na salvaguarda do grupo

social em seu conjunto (BOBBIO, 2000. p. 477).

Durante esse período, a doutrina política privilegiou o ponto de vista de

quem detém o poder de comandar, em detrimento do ponto de vista daquele ao qual o

comando é dirigido e a quem se atribui, acima de todas as coisas, o dever de obedecer

(BOBBIO, 2000. p. 478).

Podemos encontrar atenuantes à rigidez das conclusões acima nas obras que

vêm a doutrina cristã antiga e medieval (COMPARATO, 2005. p. 1) ou as limitações

impostas ao poder do rei inglês em 1215 pela Magna Carta (SARLET, 2006. p. 49)

como fatos precursores das grandes mudanças que viriam a ocorrer no século XVIII.

No entanto, acreditamos que - dadas suas restritas conseqüências para a

imensa maioria da população no que se refere à ordem política estabelecida e

sucintamente descrita acima - o reconhecimento da igualdade dos seres humanos apenas

no plano espiritual (LAFER, 2006. p. 123), ou a concessão de prerrogativas estritamente

restritas a um determinado estamento aristocrático (SARLET, 2006. p. 49) somente de

modo muito remoto podem ser consideradas verdadeiramente antecipação da inversão

14
radical da perspectiva histórica, filosófica, jurídica e política que seria ocasionada pela

afirmação dos direitos do homem causada pela doutrina jusnaturalista e sua

concretização político-prática na Declaração da Virgínia (1776) e na Declaração dos

Direitos do Homem e do Cidadão (1789).

Esta revolução teve por pressuposto a idéia de que o indivíduo tem valor por

si mesmo, e que só depois vem o Estado, não havendo um “superior’ acima dos

membros da sociedade (BARZOTTO, 2005. p. 244). Daí a necessidade de se buscar na

soberania da vontade popular a consagração dos direitos (MIRANDA, 2004. p. 3)

(MORAES, 2000. p. 1) e a conclusão de que somente a dignidade humana é fonte dos

deveres correlatos (BARZOTTO, 2005. p. 244).

Também partem deste pressuposto destacado as conclusões de que as

instituições de governo devem ser utilizadas para o serviço dos governados e não para o

bem dos governantes (COMPARATO, 2005. p. 40), sendo indispensável a limitação e

controle do abuso do poder do próprio Estado e suas autoridades constituídas.

E, por fim, mas não menos importante, esta visão individualista da

sociedade proporcionou a própria alteração do conceito de justiça: passou-se de uma

concepção orgânica até então vigente, em que o justo era cada parte desempenhar a

função que lhe seria própria no corpo social, para outra em que justo é que cada um seja

tratado de modo a poder satisfazer suas próprias necessidades e alcançar seus próprios

fins, o primeiro entre todos aquele da felicidade, que é um fim individual por excelência

(BOBBIO, 2000. p. 480).

“O individualismo é a base filosófica da democracia: uma


cabeça, um voto. Como tal, sempre se contrapôs e sempre se
contraporá às concepções holistas da sociedade e da história,
qualquer que seja a sua proveniência, que têm em comum o
desprezo à democracia entendida como forma de governo na
qual todos são livres para tomar decisões em questões que lhes

15
dizem respeito e têm o poder de fazê-lo. Liberdade e poder que
derivam do reconhecimento de alguns direitos fundamentais,
inalienáveis e invioláveis, que são os direitos do homem.”
(BOBBIO, 2000. p.481)

1.2. O caráter histórico dos direitos humanos

Para justificar a idéia de direitos humanos, a teoria jusnaturalista parte de

uma concepção idealista, que se alimenta de uma visão unívoca do ser humano,

reduzido a uma natureza despida de atributos históricos (BARZOTTO, 2005. p. 246),

titular de direitos que deveriam ser garantidos por cima de reduções contingentes

(MIRANDA, 2004. p. 1).

No entanto, acreditamos que a menção a direitos naturais, inalienáveis e

anistóricos, mais do que qualquer outra coisa, representa o uso de fórmulas de

linguagem persuasiva (BOBBIO, 1992. p. 6) na busca de um fundamento absoluto para

estes mesmos direitos, de uma razão irresistível para sua existência, à qual ninguém

poderá recusar sua adesão.

“O fundamento último não pode ser questionado, assim como o


poder último deve ser obedecido sem questionamentos. Quem
resiste ao primeiro se põe fora da comunidade das pessoas
racionais, assim como quem se rebela contra o segundo se põe
fora da comunidade das pessoas justas e boas.
Essa ilusão foi comum durante séculos aos jusnaturalistas, que
supunham ter colocado certos direitos (mas nem sempre os
mesmos) acima de qualquer refutação, derivando-os
diretamente da natureza do homem. Mas a natureza do homem
revelou-se muito frágil como fundamento absoluto de direitos
irresistíveis.” (BOBBIO, 1992. p. 16)

Ainda neste sentido, gostaríamos de reforçar nosso ponto de vista

lembrando que, quando redigiu a Declaração de Independência dos Estados Unidos da

América, Thomas Jefferson insistiu na existência de verdades evidentes, pois desejava

16
colocar o consenso básico da Revolução Americana acima da discussão e do argumento.

Daí, a expressão constante da introdução do documento: “We hold these truths to be

self-evident” (LAFER, 2006. p. 124).

No entanto, ao utilizar a expressão “We hold”1, o próprio Jefferson permite

que se conclua que nem os direitos a que ele se referia (life, liberty and the pursuit of

happinnes), nem o seu pressuposto (all men are created equal) consistiam em um

absoluto transcendente.

“Representavam uma conquista histórica e política – uma


invenção – que exigia o acordo e o consenso entre os homens
que estavam organizando uma comunidade política. A
modalidade de asserção desta conquista não resultava,
portanto, da coerção imposta ou pela natureza ou pela
evidência racional, mas sim dos fatos históricos que tornaram
politicamente viável e intelectualmente razoável a “powerful
eloquence” que anima a tutela dos direitos humanos.” (LAFER,
2006. p. 124).
Daí aderirmos à conclusão de que os assim chamados direitos naturais

inscritos nesta declaração americana e na Declaração Universal dos Direitos do Homem

e do Cidadão são, em verdade, direitos amalgamados à história, nascidos juntamente

com a concepção individualista da sociedade (BOBBIO, 1992. p. 2), construídos e

elaborados convencionalmente pela ação conjunta dos homens, por meio da organização

da comunidade política (LAFER, 2006. p. 150).

“Os direitos do homem, por mais fundamentais que sejam, são


direitos históricos, ou seja, nascidos em certas circunstâncias,
caracterizadas por lutas em defesa de novas liberdades contra
velhos poderes, e nascidos de modo gradual, não todos de uma
vez e nem de uma vez por todas. (...) Os direitos não nascem
todos de uma vez. Nascem quando devem ou pode nascer.
1
O Dicionário Michaelis, encontrado no endereço eletrônico
http://michaelis.uol.com.br/moderno/ingles/index.php?lingua=ingles-portugues&palavra=hold indica as
seguintes traduções do verbo “to hold” nesta situação em que empregado no texto da Declaração de
Independência Americana: julgar, ter por, considerar, crer, afirmar, citando como exemplo a frase: I
hold him to be my friend –Eu considero-o meu amigo. Esta é a tradução feita também pela Embaixada dos
Estados Unidos da América no Brasil, como pode ser consultado no endereço eletrônico
http://www.embaixada-americana.org.br/index.php?
action=materia&id=645&submenu=106&itemmenu=110.

17
Nascem quando o aumento do poder do homem sobre o homem
– que acompanha inevitavelmente o progresso técnico, isto é, o
progresso da capacidade do homem de dominar a natureza e os
outros homens – ou cria novas ameaças à liberdade do
indivíduo, ou permite novos remédios para suas indigências:
ameaças que são enfrentadas através de demandas de
limitações do poder; remédios que são providenciados através
da exigência de que o mesmo poder intervenha de modo
protetor.” (BOBBIO, 1992. p. 5-6)
Não podemos desconsiderar, no entanto, que reconhecer o caráter histórico

e concreto dos direitos humanos significa reconhecer também que pode haver um

retrocesso em sua evolução (MIRANDA, 2004. p. 5), cujo resultado pode ser a

desfiguração de direitos, ou mesmo supressão, (COMPARATO, 2005. p. 58) por um

determinado Estado Nacional em uma época específica, como prova fartamente a

história do século XX e do início deste século XXI.

Como antídoto a este risco, mas sem recuarmos da crítica feita acima sob a

pretensão de haver fundamentos absolutos e anistóricos para os direitos, ínsita ao

jusnaturalismo, reconhecemos que a fé nesta idéia, em especial no que lhe é nuclear – os

direitos à liberdade, igualdade, solidariedade e à dignidade da pessoa humana

(SARLET, 2005. p. 60) “...foi a estrela polar em meio a todas as tempestades da

história, e constituiu para o homem pensante um ponto fixo na vida” (BOBBIO, 2000.

p. 481).

1.3. A afirmação histórica dos direitos humanos

No processo histórico de afirmação dos direitos humanos, etapa

fundamental foi sua positivação, incorporando-se primeiro à Declaração de

Independência dos Estados Unidos da América e à Declaração Universal dos Direitos

18
do Homem e do Cidadão e, pouco a pouco, às constituições liberais e democráticas que

vieram à luz nos dois séculos seguintes (BOBBIO, 2000. p. 481).

Tratou-se de um movimento de mão dupla: a constitucionalização dos

direitos humanos desempenhou um papel fundamental para o prestígio do movimento

constitucionalista, com a asseguração (ou pelo menos, a busca) de parâmetros mínimos

de vida social democrática e digna (MORAIS, 2002. p. 523), tornando-se estes direitos

a própria base das constituições modernas (BOBBIO, 1992. p. 1).

E assim, ao integrarem as constituições, passaram a contar com uma

característica inerente a este documento legal, que é obstar os atos abstratos e concretos

com eles incompatíveis, além de permitirem que o interessado demande a satisfação de

seu conteúdo proposto ou prometido (MORAIS, 2002. p. 526).

Em suma, neste processo os direitos humanos tornaram-se a um só tempo

direitos subjetivos e elementos fundamentais da ordem constitucional.

Como direitos subjetivos, outorgam aos titulares a possibilidade de impor os

seus interesses em face dos órgãos obrigados ao cumprimento. Na dimensão de

elemento fundamental da ordem objetiva, formaram a base do ordenamento jurídico de

um Estado Democrático de Direito (MENDES, 2004. p. 2) e orientam as metas ou fins

pré-determinados que fazem ilegítima qualquer disposição normativa que persiga fins

distintos ou que obstaculize a consecução daqueles fins enunciados pelo sistema

axiológico constitucional (PIOVESAN, 2006. p. 27).

Neste ponto, cabe dizermos que os diversos autores nacionais consultados

para a elaboração desta monografia denominam de direitos fundamentais os direitos

humanos incorporados ao texto da Constituição brasileira (COMPARATO, 2005. p. 57;

MENDES, 2004. p. 1; MORAES, 2000. p. 2; MORAES, 2006. p. 17; MORAIS, 2002.

19
p. 527; PEREIRA, 2006. p. 77; PIOVESAN, 2006. p.25; SARLET, 2006. p. 35). Assim,

a expressão “direitos humanos” teria um caráter doutrinário (MORAES, 2006. p. 17),

definidora que seria de uma categoria prévia informadora e legitimadora dos direitos

fundamentais (SARLET, 2006. p. 36), ou ainda serviria apenas como acepção que

designa direitos reconhecidos na esfera internacional, exigências éticas a demandar

positivação (PEREIRA, 2006. p. 76).

Não obstante, em princípio, não precisaria ser expressa e específica a

incorporação de um determinado direito humano à Constituição para que o mesmo fosse

reconhecido como direito fundamental. Tanto poderia decorrer da atuação do Poder

Judiciário, mediante a construção de uma nova norma que não se originasse de modo

tão evidente do texto constitucional, ou ainda, a partir da interpretação conjugada de

vários dispositivos diferentes da Constituição, como também da extração de uma regra

do sistema constitucional como um todo, sem pertinência a um dispositivo determinado

(PEREIRA, 2006. p. 81).

Considerando estas orientações doutrinárias e porque nossa monografia

pretende demonstrar e analisar exatamente este fenômeno no que se refere aos possíveis

direitos decorrentes da participação do indivíduo em uma relação homoafetiva, optamos

por manter a expressão “direitos humanos” em seu título e no capítulo seguinte,

reservando a expressão “direitos fundamentais” para os tópicos descritivos, como o que

se segue, em que não há dúvida sobre a integração plena do direito a um texto

constitucional.

20
1.4. As dimensões históricas dos direitos fundamentais

A partir do reconhecimento do caráter histórico dos direitos humanos e sua

consagração como direitos fundamentais pelas primeiras constituições é que assume

relevância a problemática das assim inicialmente denominadas “gerações” de direitos

(SARLET, 2005. p. 44), consideradas a partir da progressiva afirmação de sua

juridicidade (SCHÄFER, 2005. p. 14).

Porém, antes de avançarmos à descrição da classificação, é preciso dizermos

que o reconhecimento de novos direitos fundamentais tem o caráter de um processo

cumulativo, de complementaridade, de tal sorte que o uso da expressão “gerações” pode

ensejar a falsa impressão da substituição gradativa de uma geração por outra (SARLET,

2005. p. 54), razão pela qual preferimos o termo dimensões.

A classificação mais tradicional fala em três dimensões:

A) Primeira dimensão de Direitos Fundamentais:

Nascidos com uma marcada noção individualista, sendo a liberdade

individual o elemento essencial do próprio sistema constitucional.

Destinam-se à preservação de situações nas quais não se mostra lícita a

intromissão do Estado, submetendo o soberano ao império da lei: o Estado somente

poderá intervir nos direitos do cidadão mediante a prévia autorização da lei, a qual,

fruto do parlamento, representa a autorização de todos os cidadãos, a partir dos

primados da democracia representativa.

Estes direitos têm por titular o indivíduo, e são oponíveis ao Estado. Trata-

se de uma relação de exclusão, em que o Estado não pode interferir na situação jurídica

deste indivíduo. Ou seja, têm forte eficácia negativa, no sentido de limitação dos

21
poderes do soberano: destacadamente, são os direitos à vida, à liberdade e à propriedade

(SCHÄFER, 2005. p. 19-20).

B) Segunda dimensão de direitos fundamentais:

A expressão “direitos sociais” não era de utilização comum no âmbito do

discurso político e jurídico antes do advento do Estado contemporâneo, sendo que o

reconhecimento destes direitos resultou no processo histórico de formação do Estado

Social.

Por sua vez, este fenômeno só foi possível em razão da industrialização (que

estimulou as diferenças entre as classes sociais, separando mais claramente capital e

trabalho) e da democratização do poder político (que permitiu o exercício de pressões

políticas dialéticas), o que retirou o Estado de uma postura inerte perante o cidadão para

outra, promocional, sofrendo a matriz ideológica individualista um ampla erosão e

impugnação pelas lutas sociais do século XIX, movimentos estes que evidenciaram a

necessidade de complementação do catálogo de direitos e liberdades da primeira

dimensão dos direitos fundamentais.

Assim a igualdade, especialmente em sua acepção substancial, passou a ser

o elemento qualificador e essencial da democracia, princípio de superação de obstáculos

da ordem econômica e social.

Trata-se, pois, de direitos econômicos, sociais e culturais a segunda

dimensão dos direitos fundamentais, como os direitos à educação, à saúde e os direitos

trabalhistas, nos quais o Estado assume uma indiscutível função promocional,

satisfazendo ativamente as pretensões dos cidadãos, com o objetivo de concretizar os

primados da igualdade material (SCHÄFER, 2005. p. 26-30).

C) Terceira dimensão de direitos fundamentais:

22
Dada a evolução da sociedade e a crescente complexidade das relações

intersubjetivas, revelou-se inadequada a teoria tradicional dos direitos fundamentais que

tinha por paradigma exclusivo a ética individualista.

Esta se revelou em colisão com uma sociedade que exige uma macroética,

na qual as responsabilidades e relações se mostram essencialmente coletivas. Ou seja,

direitos e garantias não podem mais ser apreciados exclusivamente a partir de uma

esfera absoluta de titularidade individual, pois as ações da humanidade, bem como suas

conseqüências, estão centradas na esfera do difuso, em que se mostra impossível a

determinação específica das titularidades das pretensões.

A efetivação desta terceira dimensão de direitos fundamentais pressupõe

uma visão marcadamente solidária, pois não há possibilidade de fruição egoística desses

direitos difusos, trans-individuais, sem titularidade individual. Para isso, o Estado e os

próprios indivíduos se vinculam de uma forma complexa, omissiva e promocional ao

mesmo tempo, de modo a fazer valer, e.g., o direito à paz, ao meio-ambiente saudável,

ao patrimônio comum da humanidade.(SCHÄFER, 2005. p. 31-34).

1.5. Os novos direitos

Para além das três dimensões descritas acima, encontra-se esforços para se

delimitar a existência de uma quarta e até uma quinta dimensão de direitos

fundamentais.

A quarta dimensão referir-se-ia aos direitos decorrentes das inovações da

biotecnologia, bioética e engenharia genética (WOLKMER, 2003. p.12), ou à

democracia direta, ao pluralismo e à informação (Paulo Bonavides, citado por

23
SARLET, 2005. p. 60). Por sua vez, a quinta dimensão dos direitos fundamentais

abrangeria aqueles decorrentes das tecnologias de informação, da utilização do

ciberespaço e da realidade virtual (WOLKMER, 2003. p. 15).

A possibilidade da admissão destas novas dimensões de direitos

fundamentais esbarra em dois obstáculos.

Em primeiro lugar, os direitos nelas incluídos ainda aguardam sua

consagração na esfera do direito internacional e das ordens constitucionais internas

(SARLET, 2005. p. 60).

Ou seja, sendo a essência da classificação descrita acima a constatação do

processo histórico de incorporação das pretensões ao rol de direitos fundamentais, não é

coerente que nela se incluam situações e fatos que ainda não são regulados

positivamente, por maior que seja a demanda neste sentido.

Em segundo lugar, pela descrição do rol de possíveis direitos a serem

incorporados a estas novas dimensões, não se verifica, à primeira vista, um elemento

específico da ação do Estado ou dos indivíduos que os distinga daqueles incluídos nas

três primeiras dimensões. De modo que, quando positivados, poderiam ser

perfeitamente incluídos em alguma delas, em especial ante a tendência observada de se

substituir a idéia de “gerações” sucessivas de direitos fundamentais por dimensões

complementares dos mesmos.

No entanto, não deve ser extraído desta análise a conclusão de que o

processo histórico chegou ao fim, e que não há a possibilidade de se reconhecer o status

de direito humano (e, em seguida, de direito fundamental) a novas demandas que se

apresentam em nosso tempo.

24
Ainda que não olvidemos a necessidade de se observar critérios rígidos e a

máxima cautela na observação da efetiva relevância e prestígio destas reivindicações, de

modo a que elas efetivamente correspondam a valores fundamentais (SARLET, 2005. p.

63), “congelar” os direitos humanos no rol hoje reconhecido seria contradizer todo o

exposto até agora. Seria desconsiderar a evolução histórica que faz surgir novas

necessidades, cuja negação dá a consciência do estado de marginalidade concreta do

indivíduo, mas que também constitui em seu favor uma identidade autônoma capaz de

se auto dirigir por uma escolha emancipada que se efetiva em nível de mobilização,

organização e socialização (WOLKMER, 2004. p. 87).

“O surgimento e a existência dos “novos” direitos são


exigências contínuas e particulares da própria coletividade
diante das novas condições de vida e das crescentes prioridades
impostas socialmente. (...) O processo histórico de criação
ininterrupta dos “novos” direitos fundamenta-se na afirmação
permanente das necessidades humanas específicas e na
legitimidade de ação dos novos atores sociais, capazes de
implementar práticas diversificadas de relação entre
indivíduos, grupos e natureza ” (WOLKMER, 2003. p. 19-20).
Neste processo, uma das formas de criação do novo é a especificação dos

direitos humanos tradicionalmente reconhecidos (BOBBIO, 2000. p. 482), para atender

à demanda por proteção de características que, embora humanas, não são pertinentes à

totalidade dos homens em abstrato, e na maioria das vezes, nem mesmo majoritárias:

sexo, idade, condições de saúde, orientação sexual.

Exatamente neste contexto se insere o assunto que pretendemos discutir no

restante desta monografia, o reconhecimento na ordem jurídica brasileira de possíveis

direitos humanos às pessoas de orientação homossexual, em particular àquelas que se

integram em relações homoafetivas.

25
CAPÍTULO 2

DIREITOS HUMANOS E A ORIENTAÇÃO SEXUAL HOMOSSEXUAL

Deve a homossexualidade ser considerada como traço característico

relevante de parcela da humanidade, a ponto de demandar uma proteção específica à

pessoa com esta orientação sexual, que lhe garanta a vivência plena desta sua

característica com independência e liberdade contra possíveis arbitrariedades do Estado

e dos demais membros da sociedade (MIRANDA, 2004. p. 05)?

Para responder a esta questão, devemos dizer, inicialmente, que, para os fins

deste trabalho, consideramos que homossexual

“... é o indivíduo cuja inclinação sexual é voltada para uma


pessoa do mesmo gênero, o homem que se sente atraído por
outro homem e a mulher que se sente atraída por outra mulher.
É alguém que não nega sua formação morfológica, entretanto,
seu interesse e atividade sexual são voltados exclusivamente
para quem tem o mesmo sexo seu.” (FERNANDES, 2004. p. 21-
22)
E, partindo deste conceito, gostaríamos de expor, sucintamente, as diversas

concepções sociais sobre a homossexualidade que se sucederam historicamente a partir

da era cristã. Não é demais ressaltar que esta sucessão deu-se, em verdade, de forma

pouco linear, muitas vezes sobrepondo-se ou convivendo simultaneamente concepções

distintas, e até mesmo contraditórias quando analisadas em detalhe.

A homossexualidade como pecado foi a interpretação prevalecente na

doutrina cristã (RIOS, 2001. p.32). As atividades sexuais deveriam ser voltadas à

reprodução, cujo âmbito adequado é a vida marital. Toda prática sexual não reprodutiva

é qualificada negativamente, pois o deleite em prazeres carnais é o abandono de Deus,

em favor do mundo temporal, o que é obstáculo à elevação espiritual do homem. Nesta

concepção (RIOS, 2001. p. 36) sequer se reconhecem as categorias hetero/homossexual

26
para a constituição de identidades sexuais distintas. Existiria apenas a prática de ato

homossexual, tomado como uma transgressão à lei divina.

Como parte do discurso cientificista do século XIX, passou-se a buscar uma

explicação médica e psicológica para a homossexualidade, então denominada

homossexualismo2, que deslocasse a questão da alma para o corpo, passando-se à

classificação do indivíduo com base em atributos biológicos. Os atos homossexuais

passaram a ser vistos como doença que acomete o indivíduo, em contraposição à

condição “normal” de heterossexualidade. A validade destas idéias não se sustenta mais,

havendo o homossexualismo sido retirado pela Organização Mundial de Saúde (OMS)

em 1995 do catálogo de doenças mentais (onde constava no artigo 302), sendo o sufixo

“-ismo” sido substituído pelo sufixo “-idade”, que significa modo de ser3 (DIAS, 2006.

p. 37).

Circunstâncias como a evolução dos costumes num sentido de maior

tolerância (FERNANDES, 2004. p. 39), a desvinculação pelo conjunto da sociedade do

sexo de seu caráter meramente reprodutivo (GIRARDI, 2005. p. 71), a formação de uma

consciência coletiva por parte dos homossexuais enquanto grupo social (RIOS, 2001. p.

49), e até mesmo a popularização da autodenominação “gay” (DIAS, 2006. p. 30)

deram início a um processo, longe ainda de ser completado, de redução do estigma em

desfavor daqueles que expressam orientação sexual homossexual.

Em síntese, neste caminho histórico, a prática sexual entre adultos capazes

do mesmo sexo deixou, ou, pelo menos, está em processo de deixar de ser vista como

pecado ou doença, para ser compreendida como forma admitida de manifestação do

afeto e da sexualidade humana (FERNANDES, 2004. p.39).

2
O sufixo “–ismo” é característico de doenças
3
O Conselho Federal de Medicina Brasileiro foi pioneiro neste aspecto, antecipando-se em 10 anos à
OMS (MOTT, 2006) http://br.geocities.com/luizmottbr/artigos08.html

27
Em outras palavras, dada a diversidade e variedade dos interesses humanos,

há, de forma correspondente, múltiplos caminhos pelos quais os indivíduos podem

encontrar e exercitar suas necessidades e capacidades, de modo a alcançar vidas plenas

de humanidade (BALL, 2003. p.15), sendo um deles a homossexualidade.

Partindo-se desta premissa, reconhecemos que a sexualidade integra a

própria condição humana. E que ninguém pode se realizar plenamente como ser

humano se não tiver assegurado o exercício de sua sexualidade, conceito que

compreende a liberdade à livre orientação sexual (DIAS, 2006. p. 71).

Isto significa, em princípio, a extensão do mesmo tratamento jurídico a

todas as pessoas, independentemente de sua orientação sexual (RIOS, 2001. p. 70), não

se podendo admitir a diminuição de um ser humano ou o seu menosprezo por não

manter relações “normais” de afeto, assim compreendidas as heterossexuais.

Exemplos práticos de ataques ao indivíduo em razão de sua orientação

homossexual ainda se multiplicam em nossa sociedade (MOTT, 1998. p.1), tendo por

pressuposto uma visão dos homossexuais em termos inadequados de estereótipos, que

reduzem sua humanidade em razão desta sua “característica negativa” (RICHARDS,

1999. p. 53, 63).

Em termos estritamente jurídicos, isto é traduzido em dois modos de

desrespeito à humanidade do homossexual: a) quando ele é discriminado diretamente,

recebendo um tratamento claramente desfavorável motivado pela sua orientação sexual;

b) quando a discriminação é indireta, conseqüência da aplicação de uma regulação

aparentemente neutra e geral que, todavia, se traduz em um tratamento diferenciado,

desproporcional ou injustificado em seu desfavor (RIOS, 2001. p. 96).

28
Por tudo isso, concluímos que a livre expressão da sexualidade, inclusive de

orientação homossexual, integra a expressão do ser humano. E que a discriminação e o

preconceito de que são alvo os homossexuais dá origem a uma categoria digna de

proteção, ante sua hipossuficiência social e jurídica (DIAS, 2006. p.71). Em síntese,

nossa resposta à pergunta formulada no início do capítulo é sim.

Não descuidamos que esta posição que assumimos está longe de ser

pacífica, variando os argumentos em sentido contrário. Estes vão desde a repetição

mecânica da tese de que a homossexualidade, longe de ser direito humano, é doença, até

aquele que reconhece o direito dos gays e lésbicas ser deixados em paz no que se refere

à sua intimidade sexual (BALL, 2003. p. 02), mas evita reconhecer-lhes qualquer outro

direito além desse, sobre o pretexto de conflito com outros direitos humanos como o

direito à proteção da família e à liberdade de religião (SEVERO, 2004. p.01). Entre eles,

há ainda uma terceira corrente, que considera que a concessão de direitos a

homossexuais enquanto tal traria um desafio à sobrevivência da comunidade, ao atuar

contra a homogeneidade cultural desta, o que poderia levar à sua desintegração

(DWORKIN, 2005. p. 303).

Em primeiro lugar, deve ser afastado o que está implícito em todos estes

argumentos, ainda que não pronunciado em voz alta: o receio de que o reconhecimento

de direitos aos homossexuais “estimule” a prática.

Admitindo-se, para argumentar, que este receio, por si próprio, não seja a

expressão de um preconceito, o fato é que não há nenhum dado empírico deste temido

fenômeno expansivo em países que já incorporaram à sua legislação a proteção à livre

expressão da orientação sexual homossexual. Em verdade, o resultado efetivo

29
restringiu-se a retirar da marginalidade e da clandestinidade um grande número de

pessoas (FERNANDES, 2004. p. 49).

Voltando ao que há de específico em cada crítica, como visto acima, a

classificação da homossexualidade como doença é questão cientificamente superada,

não podendo servir como fundamento à discriminação, preconceitos e juízos mal

fundamentados (RIOS, 2001. p.80).

Restam, pois, as teses mais modernas que refutam a possibilidade de

reconhecimento de direitos humanos decorrentes especificamente da expressão de

orientação homossexual, que enxergam nesta possibilidade a restrição ao direito de

liberdade religiosa e também um desafio à homogeneidade cultural das comunidades.

Podem ser examinadas em conjunto, porque unidas pelo mesmo grave defeito de olvidar

o que há de mais essencial quando se trata de direitos humanos, a saber, a sua

concepção individualista (BOBBIO, 1992. p.101).

Em outros termos, embora certamente haja pessoas que não possam

distanciar seu bem estar de certos tipos de associação ou ligação com a comunidade,

chegando a ter uma sensação de perda quando há perturbação dos padrões tradicionais

desta (DWORKIN, 2005. p. 305), em toda sua evolução histórica os direitos são

concedidos aos indivíduos em si, e não a entidades coletivas como “a comunidade” ou

“o povo” (BOBBIO, 1992. p. 102).

Exatamente ao contrário, muitas vezes os direitos humanos são o único

bastião do indivíduo contra a arbitrariedade destes entes orgânicos, sendo mesmo o

pressuposto de uma democracia moderna a conferência de direitos aos indivíduos

enquanto tais (BOBBIO, 1992. p. 119).

30
Restabelecido este ponto fundamental, não há como se sustentar a existência

de risco à liberdade religiosa caso haja o reconhecimento do direito à livre expressão da

orientação sexual homossexual, dado que este princípio não tem a extensão imaginada

por seus defensores, a saber, a ponto de se negar tutela jurídica a qualquer

comportamento individual unicamente porque este contrariasse determinada crença,

ainda que majoritária na sociedade.

Com algumas adaptações, o mesmo se pode dizer em relação à tese de que

este reconhecimento implicaria em desafio à homogeneidade moral da comunidade.

A principal falha deste argumento é o seu antropomorfismo (DWORKIN,

2005. p. 310), que leva à presunção de que a vida comunitária é como a vida de uma

pessoa, só que em tamanho descomunal. Tendo a mesma forma, enfrentaria os mesmos

dilemas morais e éticos, e estaria sujeita aos mesmos modelos de êxito e fracasso. Na

prática (DWORKIN, 2005. p. 315), a vida comunitária é mais estrita, e só contém os

atos pertinentes a um agente coletivo.“A identidade de um grupo refere-se às situações

nas quais os membros podem dizer enfaticamente “nós”; ela não constitui uma

entidade-eu em tamanho grande e sim o seu complemento” (HABERMAS, 2003. p.

201).

Assim, sua proteção não pode ter por pressuposto o paternalismo, mas

apenas o risco objetivo de dano que uma conduta individual possa trazer a esta

comunidade (DWORKIN, 2005. p. 313), e de modo a compatibilizar o direito de cada

um com o direito de todos (HABERMAS, 2003. p. 160).

Em suma, ambas as correntes mais modernas que criticam a atribuição do

status de direito humano a qualquer direito, pretensão derivada da expressão da

orientação homossexual, têm o mesmo erro conceitual elementar de invocar posições e

31
entes coletivos para sustentar esta restrição, o que é incompatível com a própria idéia

central de direitos humanos.

Por estas razões, não obstante as acirradas críticas descritas, mantemos

nossa posição no sentido de que, sim, deve haver uma proteção específica à pessoa com

orientação sexual homossexual, que lhe garanta a vivência plena desta sua característica

com independência e liberdade contra possíveis arbitrariedades do Estado e dos demais

membros da sociedade.

2.1. Situação jurídica dos homossexuais no mundo e no Brasil

Em todo o mundo, a situação jurídica das pessoas de orientação sexual

homossexual é bastante variada, indo desde a criminalização da conduta ao

reconhecimento de direitos idênticos àqueles conferidos aos indivíduos heterossexuais.

A seguir, um breve apanhado das quatro situações mais comuns, extraída do

site Wikipedia:

a) Países em que a conduta homossexual é criminosa4: Afeganistão, Argélia,

Angola, Antigua e Barbuda, Arábia Saudita (pena de morte), Bangladesh, Barbados

(prisão perpétua), Barein, Belize, Benin, Botsuana, Butão, Brunei, Camarões, Cingapura

(prisão perpétua), Djbuti, Emirados Árabes Unidos (pena de morte), Eritréia, Etiópia,

Fiji, Gâmbia, Gana, Granada, Guiana (prisão perpétua), Guiné, Ilhas Cook, Ilhas

Maldivas, Ilhas Marshall, Ilhas Salomão, Índia, Irã (pena de morte), Kiribati, Kwait,

Jamaica, Lesoto, Líbano, Libéria, Líbia, Malásia, Malawi, Mauritânia (pena de morte),

Maurício, Marrocos, Moçambique, Myanmar (antiga Birmânia – prisão perpétua),

4
As penas variam de multa até prisão perpétua e pena de morte, estando em destaque os países que
adotam estas duas últimas penas.

32
Namíbia, Nepal, Nicarágua, Nigéria, Nive, Oman, Palau, Papua Nova Guiné, Paquistão

(prisão perpétua), Qatar, Quênia, Samoa, Santa Lúcia, São Cristóvão e Nevis, São Tomé

e Príncipe, São Vicente e Granadinas, Senegal, Seicheles, Serra Leoa (prisão perpétua),

Somália, Sri Lanka, Síria, Suazilândia, Sudão (pena de morte), Tanzânia, Togo,

Tokelau, Tonga, Tunísia, Turcomenistão, Tuvalu, Ubequistão, Uganda (prisão

perpétua), Yemen (pena de morte), Zâmbia e Zimbabwe.

b) Países que não criminalizam a conduta, mas que também não têm

qualquer legislação que reconheça direitos aos seus cidadãos em razão da condição de

homossexuais destes ou que proíba expressamente a sua discriminação: Albânia,

Armênia, Azerbaijão, Bahamas, Belarus, Bermuda, Burkina Faso, Burundi, Cabo

Verde, Camboja, Cazaquistão, Chade, China, Colômbia, Congo, Coréia do Norte, Costa

do Marfim, Cuba, Egito, El Salvador, Filipinas, Gabão, Guam, Guiné Bissau, Guiné

Equatorial, Haiti, Honduras, Ilhas Comores, Indonésia, Iraque, Jordânia, Laos,

Liechtenstein, Macedônia, Madagascar, Mali, Micronésia, Mongólia, Níger, Paraguai,

Palestina, Panamá, Quirquízia, República Centro Africana, República Dominicana,

Ruanda, Rússia, San Marino, Suriname, Tadjquistão, Tailândia, Taiwan, Turquia,

Ucrânia e Vietnam.

c) Países que têm legislação que proíbe expressamente a discriminação de

homossexuais, mas não que reconheça direitos a seus cidadãos em razão desta condição:

Áustria, Bósnia, Bulgária, Chile, Chipre, Coréia do Sul, Costa Rica, Croácia, Equador,

Eslováquia, Estados Unidos, Estônia, Geórgia, Grécia, Hungria, Ilhas Cayman, Japão,

Letônia, Lituânia, Malta, México, Moldávia, Mônaco, Montenegro, Peru, Polônia,

Portugal, Romênia, Sérvia, Uruguai e Venezuela.

33
d) Países cuja legislação reconhece direitos aos seus cidadãos em

decorrência da condição de homossexual destes5: África do Sul, Alemanha, Andorra,

Argentina (algumas províncias), Austrália (alguns territórios apenas), Bélgica, Canadá

(por decisão judicial de tribunal superior), Dinamarca, Eslovênia, Espanha. Finlândia,

França, Holanda, Irlanda, Islândia, Israel (por decisão do Poder Executivo de não

recorrer de decisão judicial de corte intermediária), Itália, Luxemburgo, Noruega, Nova

Zelândia, Reino Unido, República Checa, Suécia, Suíça.

2.2. A situação no Brasil

No Brasil, conquanto não criminalizada, a conduta homossexual só foi

mencionada pela primeira vez um texto legal em agosto de 2.006, quando a Lei 11.340

(BRASIL, 2006), destinada a coibir a violência contra a mulher, admitiu expressamente

por seu artigo segundo que ela não pode ser discriminada em razão de sua orientação

sexual.

Até este momento não havia, e em relação à homossexualidade masculina

continua não havendo, qualquer regramento específico que lhe desse uma proteção

jurídica efetiva, tendo sucumbido várias tentativas no sentido de regular a matéria, fosse

na órbita constitucional, fosse na ordinária (SAPKO, 2005. p. 59).

Num universo legislativo bastante significativo – que um dos males

brasileiros é o excessivo número de leis – uma cortina de silêncio se abate sobre a

condição homossexual (FERNANDES, 2004. p. 17).

5
Como parâmetro mínimo, estabelecemos a possibilidade de pessoas que coabitam.registrarem-se como
entidade familiar.

34
Esta solitária e muito recente norma mencionada acima é a primeira em

nível nacional que veda especificamente a discriminação de um cidadão brasileiro em

razão de sua orientação sexual, e assim mesmo restrita às pessoas do sexo feminino.

Nem se cogita da edição de qualquer norma que estabeleça proteção de qualquer ordem

às parcerias afetivas estabelecidas entre pessoas do mesmo gênero. Em suma, é uma

questão praticamente inexistente, sem espaço, sobre a qual não se fala.

E esta falta de normas específicas a tratar do assunto, recentemente atenuada

ainda que apenas em relação às mulheres, faz com que tanto os entes da esfera pública

(previdência, órgãos de registro) quanto os da esfera privada (indivíduos, famílias e

empresas) sintam-se à vontade em negar direitos aos homossexuais, sem que tal

proceder seja reconhecido claramente como contrário ao nosso ordenamento jurídico.

Nenhum Estado contemporâneo (DIAS, 2006. p. 20), o que certamente

inclui o Brasil, pode ignorar a realidade cada vez mais transparente de que entre seus

cidadãos há homossexuais. E que estas pessoas têm direitos que, garantidos a todo o

restante da população, não lhes podem ser restringidos em razão de sua orientação

sexual.

A “técnica” brasileira, de ignorar o assunto e subtrair-lhe juridicidade

(DIAS, 2006. p. 85) tem, pelo menos, dois pressupostos, complementares entre si. O

primeiro é uma visão, ainda majoritária no imaginário de nossa sociedade, que reduz a

homossexualidade à simples prática de atos sexuais entre pessoas do mesmo gênero

(RICHARDS, 1999. p. 94), prática esta que encontra fortes resistência à sua aceitação,

por severamente condenada pela igreja católica e pelas diversas igrejas protestantes . O

segundo é o nítido repúdio do legislador brasileiro, no que não é muito diferente de seus

congêneres estrangeiros, em manejar questões encharcadas de preconceitos (DIAS,

35
2006. p. 88), sem que tenha havido prévia organização e engajamento de pelo menos

uma parte destacada da sociedade em torno da questão.

Mas, qualquer que seja o fundamento desta omissão, o fato é que ela implica

em deixar os cidadãos brasileiros homossexuais à margem da cidadania, o que não se

pode admitir em um Estado Democrático de Direito. Não se pode simplesmente ignorar

uma condição pessoal do indivíduo como se tal aspecto não tivesse relação com a

dignidade humana.

Nesta altura, não se pode deixar de abrir um parêntese para destacar a

curiosa posição do Poder Executivo brasileiro, que, na atual administração (como em

todas as outras anteriores, frise-se) nunca se animou a sequer iniciar o debate interno

sobre a situação jurídica dos homossexuais no Brasil, mas propôs em 2003, junto à

Comissão de Direitos Humanos da ONU, proposição destinada a combater

internacionalmente a discriminação contra homossexuais. A proposição foi retirada pelo

Brasil em 2004, sem que fosse votada, ante a intensa pressão de países contrários, em

especial os países árabes6.

Retornando ao âmbito estritamente nacional, este indisfarçável descompasso

entre a atividade legislativa e o fato social tem levado parte dos prejudicados a buscar

seus possíveis direitos diretamente junto ao Poder Judiciário, com suporte em princípios

constitucionaisgerais (FERNANDES, 2004. p. 93), como o direito à igualdade, a não ser

discriminado por qualquer motivo ilegítimo, o respeito à dignidade humana.

É certo que a Constituição brasileira não rejeita, proíbe ou discrimina as

relações afetivas e sexuais estabelecidas entre pessoas do mesmo gênero

(FERNANDES, 2004. p. 74). Mas, tampouco, faz qualquer referência positiva explícita.

6
http://www.gaybrasil.com.br/notas.asp?Categoria=Radar&Codigo=1529

36
Não se discute que normas constitucionais não específicas, em especial os

artigos 3º, IV e 5, caput (BRASIL, 1988), podem ser poderosos obstáculos contra a

discriminação baseada na orientação sexual, quando proclamam, respectivamente, ser

objetivo da República Federativa do Brasil promover o bem de todos sem qualquer

forma de discriminação, e ser o direito à igualdade não apenas um mas o primeiro entre

todos os direitos fundamentais.

Mas até em razão de seu muito amplo escopo, e por não mencionarem

expressamente a vedação à discriminação em razão da orientação sexual7, para que

realmente sejam efetivas na promoção dos direitos das pessoas de orientação sexual

homoafetiva, elas demandam um mínimo de detalhamento e concretização, de modo a

permitir a atuação da Administração Pública diretamente a partir destes elementos mais

definidos. Este detalhamento, que normalmente deveria ser feito pelo Poder Legislativo,

ante sua omissão, passa a ser feito pelo Poder Judiciário.

A impossibilidade de o Poder Judiciário deixar de decidir as questões que

lhe são postas (non liquet) (CAMPILONGO, 2002. p. 34) impede que ele se escude na

ausência de normas específicas, e seja obrigado a oferecer, pelo menos nos limites da

ação proposta (individual/coletiva/de controle de constitucionalidade em suas variadas

modalidades) a solução compatível com as proposições constitucionais invocadas e,

também, com os objetivos professados pela sociedade brasileira no documento

constitucional (KOOPMANS, 2003. p. 227). E ele pode fazê-lo sem que isso lhe traga

custos e transtornos similares àqueles que podem padecer os membros do Poder

Legislativo quando abordam o tema, dadas as características essenciais de seu cargo,


7
Quando da promulgação da Constituição de 1988, apenas França, Dinamarca, Bulgária,
Tchecoslováquia, Hungria, Alemanha Oriental, Canadá, Alemanha Ocidental, Noruega, Portugal e Israel
tinham algum tipo de legislação que vedava expressamente a discriminação em razão da orientação
sexual. O primeiro pais a adotar normas que garantiam direitos às pessoas no âmbito de relações
homoafetivas (a Dinamarca), só o fez no ano seguinte, em 1989. Fonte
http://pt.wikipedia.org/wiki/Cronologia_dos_direitos_homossexuais

37
previstas no artigo 95 da Constituição (BRASIL, 1988), como a vitaliciedade e a

inamovibilidade.

Consideramos que, a partir destes pressupostos desenvolvidos ao longo

deste item, a questão dos direitos inerentes à participação dos cidadãos brasileiras foi

submetida a um processo político-jurídico conhecido como judicialização.

No capítulo seguinte, procuraremos explicitar o conceito, as origens e os

possíveis efeitos da submissão de qualquer assunto a este processo, para, em seguida,

passarmos à análise, mediante estudos de caso, sobre como tanto está se operando

especificamente em relação ao nosso objeto de estudo.

38
CAPÍTULO 3

JUDICIALIZAÇÃO – CONCEITO E CRÍTICA

3.1. Conceito de judicialização

A expressão “judicialização” é um neologismo, traduzido do inglês

“judicialization”, utilizado para designar dois fenômenos distintos (TATE;

VALLINDER, 1995. p. 14), resultantes do crescente protagonismo do Poder Judiciário

nas sociedades democráticas (GARAPON, 2001. p. 26).

O primeiro deles é a expansão do papel do Poder Judiciário como

formulador de políticas públicas, ou como obstáculo à sua implantação (MORO, 2004.

p. 14), em detrimento dos demais poderes estatais. E também como controlador de

aspectos inteiros da vida privada, antes fora de qualquer controle público (GARAPON,

2001. p. 28).

O segundo, também chamado de “tribunalização” (EISENBERG, 2002. p.

47), indica a disseminação pela Administração e pelo Legislativo de métodos de decisão

típicos do Poder Judiciário, como aqueles adotados em comissões parlamentares de

inquérito, PROCONS, conselhos de ética e no contencioso administrativo em geral.

No presente trabalho, interessa-nos o primeiro conceito, que marca

“...não apenas um novo padrão de relacionamento entre os


Poderes, como também a conformação de um cenário para a
ação social substitutiva à dos partidos e à das instituições
políticas propriamente ditas, no qual o Poder Judiciário surge
como uma alternativa para a resolução de conflitos coletivos,
para a agregação do tecido social e mesmo para a adjudicação
da cidadania.” (VIANNA et al, 1999. p. 22)
Não se trata, propriamente, de uma transferência de soberania para o juiz,

mas de uma transformação da democracia (GARAPON, 2001. p. 39), com o abandono

39
das idéias tradicionais sobre os princípios de separação dos poderes e a neutralidade

política do Poder Judiciário, pelas quais os poderes Legislativo e Executivo exercem um

papel central e, na prática, hierarquicamente superior àquele no sistema político

(CAMPILONGO, 2002. p. 28).

Ou, vendo-se a questão por outro prisma, é a criação de um tipo inédito de

espaço público, desvinculado das clássicas instituições político-representativas

(CITTADINO, 2002. p. 17) em que a justiça

“não apenas deve multiplicar suas intervenções – o que já é em


si um desafio – mas é também, ela própria, objeto de novas
solicitações. Quer lhe sejam submetidas questões morais
difíceis, como as relativas à bioética ou à eutanásia, quer lhe
sejam solicitado remediar prejuízos causados pelo
enfraquecimento dos vínculos sociais na população
marginalizada, a justiça se vê intimada a tomar decisões em
uma democracia preocupada e desencantada.” (GARAPON,
2001. p. 139)
O Poder Judiciário expande seu peso no interior do sistema político, estando

em curso uma nova repartição entre os poderes do Estado. Há um alargamento das

esferas de atuação pública que impõe o crescimento das instituições de controle do

poder. E, neste contexto, o Poder Judiciário deixa de ser visto como simples lugar de

neutralização de conflitos por meio de operações programadas em uma categoria

cerrada, para passar a ser encarado como uma importante arena de exposição, afirmação

e condensação dos conflitos por meio de operações estratégicas (CAMPILONGO, 2002.

p. 62).

As origens históricas da judicialização, as condições para o seu

desenvolvimento, suas conseqüências já detectadas e as críticas já formuladas a este

fenômeno serão examinadas a seguir.

40
3.2. Origem histórica da judicialização

A origem do fenômeno da judicialização pode ser localizada nos primórdios

da história independente dos Estados Unidos da América (TATE; VALLINDER, 1995.

p. 17). Os constituintes americanos, os founding fathers, tinham uma visão bastante

cética em relação ao governo estritamente baseado na regra majoritária (stricty majority

rule), o que os levou a se interessarem sobremaneira pelo papel constitucional dos

tribunais, em contraposição aos interesses das maiorias ocasionais.

Estabelecidas por Alexander Hamilton (HAMILTON; MADISON; JAY,

1973. p. 162-172) as bases doutrinárias a sustentar o controle pelo Poder Judiciário dos

atos administrativos e legislativos, em 1803 a Suprema Corte americana declarou pela

primeira vez uma lei inconstitucional, no famoso caso Marbury vs. Madson.

Assim, desde o início do século XIX, e por todo o século XX, este Tribunal

logrou ampliar ainda mais seus poderes (e também do restante do Poder Judiciário

daquele país), estabelecendo a revisão judicial da constitucionalidade das leis como uma

característica elementar do sistema político americano, inicialmente para decisão e

controle das questões inerentes ao sistema federativo, para, numa segunda etapa, passar

à proteção das liberdades civis (KOOPMANS, 2003. p. 41).

Ainda no século XIX esta relevância do Poder Judiciário no sistema político

dos Estados Unidos foi positivamente destacada por Alexis de Tocqueville como um

dos elementos essenciais da democracia americana:

“...o juiz americano assemelha-se perfeitamente aos


magistrados das outras nações. Entretanto, reveste-se de
imenso poder político. De onde isso provém? Move-se nos
mesmos círculos e serve-se dos mesmos meios que os outros
juízes. Por que possui poderes que os outros não têm?

41
A causa reside num só fato: os americanos reconheceram nos
juízes o direito de fundamentar seus veredictos na Constituição
mais do que nas leis. Em outras palavras, permitiram-lhes não
aplicar as leis que lhe pareçam inconstitucionais. Sei que
direito similar foi, algumas vezes, reivindicado pelos tribunais
de outros países; mas nunca lhes foi concedido. Na América é
reconhecido por todos os poderes; não se encontra partido nem
indivíduo que o conteste.” (TOCQUEVILLE, 1973. p.205-206)

Não obstante, até o desfecho da II Guerra Mundial (TATE; VALLINDER,

1995. p. 19) este nível de relevância do Poder Judiciário no sistema político permaneceu

como uma peculiaridade tipicamente americana, prevalecendo nos demais países

ocidentais a concepção da sua limitação à condição de executor das leis, impedido de

atuar politicamente, em especial em contraposição às instituições representativas,

consideradas a verdadeira e única sede da soberania popular (CAMPILONGO, 2002. p.

50; KOOPMANS, 2003. p. 16).

A situação se altera substancialmente pós a II Guerra Mundial, havendo, a

partir daí clara expansão do papel dos juízes e tribunais (TATE; VALLINDER, 1995. p.

19), ocorrendo um certo grau de judicialização em todos os países democráticos. Entre

as causas desta transformação, destacamos as seguintes:

a) a ascensão do totalitarismo na Europa, na década de 30 do século XX, e seu ultraje

aos direitos dos cidadãos, especialmente durante a II Guerra Mundial. Não é demais

lembramos que, na Alemanha, o regime nazista subiu ao poder inicialmente no

contexto de um regime democrático, ainda que o forçasse em seus limites até sua

destruição. Depois da guerra, tornou-se questão essencial a prevenção de que tanto

voltasse a ocorrer, bem como a garantia dos direitos dos cidadãos;

b) o renascimento, no pós-guerra, de conceitos como lei natural e direitos fundamentais

(TATE;VALLINDER, 1995. P. 21). Sob a forma de teorias deontológicas do

42
direito, baseadas nos ensinamentos de Locke, Rousseau e Kant, surgem teorias mais

modernas centradas no conceito de direitos fundamentais, retomando o espaço que

havia sido ocupado pela doutrina utilitarista (no Brasil, pelo positivismo);

c) ainda no pós-guerra, a emersão dos Estados Unidos da América como uma

superpotência, tornando-se o seu sistema político um paradigma para muitos países

(TATE; VALLINDER, 1995. p. 22), inclusive no que se refere ao papel do Poder

Judiciário neste sistema, com sua atribuição de controlar a constitucionalidade das

leis. O período da chamada “Corte Warren” (1953-1969), com suas muitas decisões

em favor de grupos minoritários só fez aumentar, dentro e fora dos Estados Unidos

da América, o interesse sobre a atividade dos tribunais no exercício do controle da

constitucionalidade das leis e dos atos do Poder Executivo;

d) a doutrina européia de controle concentrado da constitucionalidade, formulada por

Kelsen, incluída na constituição austríaca de 1920 e modelo para diversos países do

continente no pós-guerra;

e) a inclusão dos direitos humanos nas constituições dos países. Passou a haver a

necessidade de compatibilizar as leis com o catálogo de direitos humanos abrigado

na constituição, compatibilidade a ser examinada não pelo próprio parlamento que

promulgou a norma, mas sim por um corpo judicial autônomo (KOOPMANS, 2003.

p. 35);

f) a existência, ou pelo menos a busca de um Estado de Bem Estar Social, que

colaborou de duas formas, implicando em aumento da intervenção estatal e da

complexidade do aparelho administrativo (CAPPELLETTI, 1993. p. 41), com a

conseqüente alteração do tipo de norma emanada pelos Poderes Executivo e

Legislativo: de normas fechadas, destinadas a regular o passado, estes poderes

43
passaram a criar normas indefinidas e indeterminadas, para regular o provisório, o

temporário e a incerteza, com a introdução de cláusulas gerais, referências em

branco e conceitos jurídicos indeterminados.

O resultado disso é que, quanto mais vaga a lei e imprecisos os elementos de

direito, mais amplo também se torna o espaço deixado à discricionariedade nas decisões

judiciais proferidas para completar o significado das normas e controlar a vontade do

soberano (VIANNA et al, 1999. p. 20-21). A ampliação da legislação (em número de

normas e em objetos de sua regulamentação) ao invés de limitar a margem do Poder

Judiciário teve o efeito exatamente oposto, expandindo a construção jurisprudencial.

Nestas condições, os tribunais se viram diante da seguinte alternativa

“a) permanecer fiéis, com pertinácia, à concepção tradicional,


tipicamente do século XIX, dos limites da função jurisdicional,
ou b) elevar-se ao nível dos outros poderes, tornar-se enfim o
terceiro gigante, capaz de controlar o legislador mastodonte e o
leviatanesco administrador” (CAPPELLETTI, 1993. p. 47)

3.3. Condições para o desenvolvimento e fortalecimento da judicialização

Demonstradas as origens históricas do fenômeno, passamos a relacionar e

discutir as condições atuais para o seu desenvolvimento e fortalecimento.

DEMOCRACIA E ESTADO DE DIREITO: é improvável que a

judicialização se verifique fora de países democráticos, em que a organização do poder

público que obriga o poder político não seja constituída conforme o direito

legitimamente instituído (HABERMAS, 2003. p.212), por ser muito difícil imaginar um

governo não democrático, de qualquer matiz ideológico, que permita, ainda que

nominalmente, a juízes independentes aumentar sua participação nas principais políticas

44
públicas, ou que tolere processos de decisão em consonância com procedimentos legais

(TATE; VALLINDER, 1995. p. 28).

Especificamente no caso brasileiro, se hoje se discute a judicialização é

porque o país foi capaz de superar o autoritarismo e reconstruir o Estado de Direito

(CITTADINO, 2002. p. 37), onde a justiça se tornou um espaço de exigibilidade da

democracia (GARAPON, 2001. p.49)

POLÍTICA DE DIREITOS FUNDAMENTAIS: a judicialização ganha

corpo quando os integrantes de uma sociedade chegam a um consenso de que

indivíduos e minorias têm direitos que podem ser opostos a maiorias (TATE;

VALLINDER, 1995. p. 29), e recrudesce ainda mais quando o próprio texto

constitucional passa a abrigar um catálogo destes direitos, além dos mecanismos

processuais (CITTADINO, 2002. p. 25) e institucionais (MORO, 2004. p. 104)

destinados a dar eficácia a eles.

Prescrições constitucionais, em particular aquelas sobre direitos humanos,

tendem a utilizar expressões lapidares. Sua expressão literal não é, muitas vezes, útil

para aqueles que querem entender o seu significado (KOOPMANS, 2003. p. 223). Há

várias questões não decididas inteiramente pela Constituição, questões cuja solução só

encontra em seu texto um ponto de apoio (MORO, 2004. p. 164)

A soma de uma e outra coisa valoriza a atuação dos juízes, cuja posição

institucional é fazer valer as regras de direitos humanos, o que só podem fazer mediante

o preenchimento de lacunas (KOOPMANS, 2003. p. 227) ou mesmo, num estágio ainda

mais avançado, mediante a formulação de novas regras não explícitas no texto

constitucional (SHAPIRO; SWEET, 2002. p. 163; DWORKIN, 2002. p. 215) para

45
decidir sobre a constitucionalidade dos atos dos poderes Executivo e Legislativo de

modo coerente com os princípios deste mesmo texto.

USO DOS TRIBUNAIS POR GRUPOS DE INTERESSE: a judicialização

não se desenvolve afastada dos interesses sociais e econômicos que estruturam o

sistema político (TATE; VALLINDER, 1995. p.30).

Retomando o quanto exposto acima sobre a importância dos direitos

humanos para o fenômeno da judicialização, não podemos ignorar que parte do relevo

destacado decorre exatamente de uma política deliberada de grupos de interesse que

vêm que o processo de decisão majoritária não lhes traz maior vantagem do que uma

visão devotada e elevada destes direitos.

Em outras palavras, à medida que grupos de interesse variados descobrem a

utilidade potencial dos tribunais na consecução dos seus objetivos, tentam expandir o

conceito de direito humanos para que seus próprios interesses possam parecer conexos a

algum direito constitucional fundamental.

Isto porque, atribuir a um direito o caráter de fundamental é imunizá-lo

contra a política do dia-a-dia, retirando-o da esfera do legislador ordinário (MORO,

2004. p. 281-282). E sendo atribuída uma posição preferencial a este direito, o juiz

constitucional estará autorizado, e mesmo obrigado, a adotar uma postura ativa para sua

proteção ou promoção.

Grupos ambientais, grupos de defesa dos direitos dos homossexuais, das

mulheres, dos negros, excluídos ou não adequadamente representados no sistema

político (MORO, 2004. p. 138) propuseram novos itens para a agenda política nos

últimos quarenta anos. E, muito mais do que os políticos tradicionais, sempre estiveram

eles inclinados a tentar remédios judiciais quando a persuasão não funciona

46
(KOOPMANS, 2003. p. 260), de modo a conseguir que os tribunais mudem o

tratamento dado a uma questão de seu interesse (SHAPIRO; SWEET, 2002. p. 48).

Trata-se de um processo que culmina com a formação de uma arena pública

externa ao circuito clássico “sociedade civil – partidos – representação/formação da

vontade majoritária” (VIANNA et al, 1999. p. 22), resultado que lhes é amplamente

favorável, na medida em que proporciona o aumento da sua participação proporcional

no sistema político, com a difusão do poder e a adição de mecanismos de veto que

restringem a margem de manobra das maiorias legislativas e daqueles que executam as

políticas públicas (HIRSCHL, 2004. p. 34).

Neste contexto, não se exclui nem mesmo a possibilidade de, por razões

estratégicas, grupos específicos ou movimentos sociais evitarem, o quanto possível, a

condução de um conflito em arenas de decisão majoritária, remetendo-o, desde logo,

para o Poder Judiciário (CAMPILONGO, 2002. p. 103).

USO DOS TRIBUNAIS PELA OPOSIÇÃO PARLAMENTAR: o presente

item pode ser considerado uma especificação deste imediatamente anterior. Trata-se do

procedimento da oposição parlamentar de levar à revisão judicial, em especial nos

países em que esta se dá na modalidade abstrata, as decisões dos poderes Executivo e

Legislativo que a contrariam, na tentativa de obstruir e embaraçar os governos (TATE;

VALLINDER, 1995. p. 36).

Originariamente, a utilização dos tribunais pela oposição parlamentar não

era mais do que um ato retórico de denúncia (VIANNA et al, 1999. p. 127). No entanto,

dada a receptividade dos tribunais aos pedidos, o processo se intensificou, sendo hoje

sistemática em vários países, inclusive no Brasil, a atuação dos partidos em tentar

promover suas preferências políticas (ou barrar as de seus adversários) por este canal

47
institucional à margem das arenas de decisão majoritária (HIRSCHL, 2004. p. 178). Em

suma, tornou-se uma constante a judicialização de processos políticos pelas oposições

parlamentares na tentativa de vencer o que perderiam mantida a forma tradicional de

discussão (SHAPIRO; SWEET, 2002. p. 188).

A se registrar ainda que, em sua forma patológica e extremada, a

judicialização da política acaba por descambar para a “criminalização da política”, por

meio da abertura de diversas investigações de índole penal para elucidação dos casos de

corrupção a envolver a classe política (CITTADINO, 2002. p. 18).

PERCEPÇÃO NEGATIVA OU PESSIMISTA DA SOCIEDADE SOBRE

AS INSTITUIÇÕES POLÍTICAS: quando a população em geral e os líderes de grupos

de interesse sociais e econômicos percebem que as instituições de decisão majoritária

estão imobilizadas, auto-centradas ou corrompidas, é incrementada a busca da

efetivação de políticas pelo Poder Judiciário, ante a sua fama de conhecimento e retidão

(CAPPELLETTI, 1993. p. 44-45) e a sua legitimidade como poder constituído.

O pressuposto desta percepção negativa, ou, no mínimo, pessimista das

instituições políticas é a crise de representação política, caracterizada essencialmente

pelo ceticismo quanto à identificação da vontade do representante com a vontade do

representado (MORO, 2004. p. 113).

“Quando comparada à democracia de inspiração rosseuauísta,


com efeito, a participação popular nos Estados democráticos
reais está em crise por pelo menos três razões: a) a
participação culmina, na melhor das hipóteses, na formação da
vontade da maioria parlamentar; mas o parlamento, na
sociedade industrial avançada não é mais o centro do poder
real, mas apenas, frequentemente, uma câmara de ressonância
de decisões tomadas em outro lugar; b) mesmo que o
parlamento ainda fosse o órgão de poder real, a participação
popular limita-se a legitimar, a intervalos mais ou menos
longos, uma classe política restrita que tende à
autoconservação, e que é cada vez menos representantiva; c)

48
também no restrito âmbito de uma eleição una tantum sem
responsabilidades políticas diretas, a participação é distorcida,
ou manipulada, pela propaganda das poderosas organizações
religiosas, partidárias, sindicais, etc. A participação
democrática deveria ser eficiente, direta e livre: a participação
popular, mesmo nas democracias mais evoluídas, não é nem
eficiente, nem direta, nem livre. Da soma desses três déficits de
participação popular, nasce a razão mais grave da crise, ou
seja, a apatia política, o fenômeno, tantas vezes observado e
lamentado, da despolitização das massas nos Estados
dominados pelos grandes aparelhos partidários. A democracia
rousseauísta ou é participativa ou não é nada.” (BOBBIO,
1992. p. 151)
Esta crise descrita se manifesta principalmente no Poder Legislativo. Este

Poder é duramente criticado e tem sua anterior imagem positiva (que existia

principalmente em países de longa tradição parlamentar) paradoxalmente conspurcada

tanto quando age, como quando deixa de agir.

Quando age, a produção legislativa é vista como perturbada pelo jogo de

alianças e coalizões, deixando a lei de ser a expressão da vontade da maioria, para se

transformar na subtração de múltiplas negações, produto semi-acabado a ser terminado

pelo juiz (GARAPON, 2001. p. 41). Quando deixa de atuar, especialmente no trato de

assuntos controversos, irrita-se e perturba-se a sociedade com os mecanismos

antimajoritários contidos no processo legislativo, que tornam a obstrução de um projeto

mais fácil que sua aprovação, e impedem a transformação da vontade popular em lei,

favorecendo a inércia e o status quo (MORO, 2004. p. 138).

Daí decorre a conclusão, cujo acerto ou erro escapa ao objetivo deste

trabalho, de que os mecanismos de política tradicional (parlamentos, partidos e eleições)

perderam sua capacidade de gerar consenso, ou até mesmo de promover grandes

agregações de interesse, problema que traz consigo um inevitável e inquietante

decréscimo da participação da população no processo político coletivo tradicional

(KOOPMANS, 2003. p. 253).

49
Assim, o Poder Judiciário passa a ser percebido como a instância

aparentemente habilitada para superar a paralisia (CAMPILONGO, 2002. p. 59),

criando-se uma proporção que indica a maior possibilidade de expansão do poder

judicial quanto menos funcional for o sistema político (HIRSCHL, 2004. p. 35).

“O juiz é chamado a socorrer uma democracia na qual um


legislativo e um executivo enfraquecidos, obcecados por
fracassos eleitorais contínuos, ocupados apenas com as
questões de curto prazo, reféns do receio e seduzidos pela
mídia, esforçam-se em governar, no dia a dia, cidadãos
indiferentes e exigentes, preocupados com suas vidas
particulares, mas esperando do político aquilo que ele não sabe
dar: uma moral, um grande projeto.” (GARAPON, 2001. p. 48)

DELEGAÇÃO DELIBERADA OU CONSENTIDA DAS INSTITUIÇÕES

MAJORITÁRIAS: Trata-se aqui do mesmo processo descrito acima, agora sob a

perspectiva das instituições políticas tradicionais.

Há ocasiões em que estas instituições majoritárias decidem deliberada ou

tacitamente não se ocupar de determinados assuntos, dados os custos e riscos políticos

de se lidar seriamente com algum tema (TATE; VALLINDER, 1995. p. 32). São

assuntos no-win, como o aborto, a união das pessoas do mesmo sexo, o tratamento dos

presidiários, temas dos quais os políticos se esquivam, cuja decisão não acrescenta nada

em termos de votos, não se encaixam na divisão tradicional dos partidos e correntes

políticos e a decisão nunca produz vencedores políticos claros. Nestes casos, a

autoridade é delegada pelos políticos tradicionais como um meio de reduzir a

responsabilidade para si e para o aparato institucional que operam (HIRSCHL, 2004. p.

169), ou ainda como tentativa de obter suporte público para decisões polêmicas, a partir

da imagem das altas cortes como corpos de decisão profissionais e apolíticos.

Como o Poder Judiciário não pode, ao contrário dos poderes Legislativo e

Executivo, deixar de decidir (GARAPON, 2001. p. 162), estando verdadeiramente

50
constrangido pelo sistema jurídico a fazê-lo (CAMPILONGO, 2002. p. 34), é chamado

como última instância moral para decidir estas questões no-win, algumas delas ainda

não decididas nem mesmo pela ciência.

O risco para as instituições majoritárias, detalhadamente descrito no item

anterior, é que este processo mais cedo ou mais tarde escapa do seu controle, o que faz

com que poucas questões morais ou políticas não se tornem judiciais a final (HIRSCHL,

2004. p. 169).

ATIVISMO DO PODER JUDICIÁRIO: o desenvolvimento do processo de

judicialização requer que os juízes tenham preferências políticas e valores próprios

distintos de outros policy makers (TATE; VALLINDER, 1995. p. 35).

A judicialização só se desenvolve quando os juízes decidem que deveriam

participar das decisões que poderiam ser deixadas à boa ou má discrição de outras

instituições, e, ocasionalmente, substituí-las pelas suas.

Neste momento, os tribunais e juízes dão um passo além da histórica e

tradicional independência em relação aos demais poderes, para assumirem-se como uma

verdadeira “liderança judicial” da sociedade, com a disposição de fixar uma agenda e

fazer valer efetivamente os direitos fundamentais (MORO, 2004. p. 103).

O exemplo histórico mais claro desta atitude e disposição foi a Corte

Warren nos Estados Unidos da América, especialmente no julgamento do caso Brown

vs Board of Education, que produziu uma imensa mudança numa política pública que o

Poder Legislativo daquele país se recusava a fazer (TATE; VALLINDER, 1995. p. 46).

3.4. Das críticas à judicialização

51
O fenômeno da judicialização enfrenta muitas críticas, cujos argumentos

têm evoluído historicamente.

De início, estas críticas partiam daqueles comprometidos com a defesa de

uma hermenêutica constitucional restritiva, vinculados a uma cultura jurídica privatista.

(CITTADINO, 2002. p. 19).

O modelo ideal de magistratura, segundo esta linha de crítica, é a do juiz-

executor (CAMPILONGO, 2002. p. 49), segundo o qual o juiz não atua politicamente e,

muito menos, contrapõe-se a instituições representativas, vistas como verdadeiras sedes

da soberania popular. O privilégio da definição do sentido do direito cabe ao legislador,

e o juiz apenas executa a vontade da lei.

Neste modelo parlamentar clássico, a legislação adotada pelo Parlamento é

suprema e não pode ser desafiada pelos tribunais (KOOPMANS, 2003. p. 16), nem em

nome da preservação da Constituição.

No entanto, este raciocínio peca por seu caráter ideal, dado que mesmo a

melhor técnica de redação de leis ainda deixa, de qualquer modo, lacunas que devem ser

preenchidas, com ambigüidades e incertezas que devem ser resolvidas na via judiciária

(CAPPELLETTI, 1993. p. 20).

Some-se a isso a adoção pela quase totalidade dos países democráticos do

mundo de um modelo que privilegia a Constituição no sistema jurídico (GARAPON,

2001. p. 42), com a conseqüente perda da soberania do parlamento, cujas decisões

expressas em normas passam a precisar ser compatíveis com aquela Carta,

compatibilidade que não é mais julgada pelo próprio Poder Legislativo, mas sim por um

corpo jurídico independente (KOOPMANS, 2003. p. 35). O processo se acelera,

52
conforme descrito acima, quando é incorporado à Constituição um catálogo de direitos

humanos fundamentais (SHAPIRO; SWEET, 2002. p. 01).

Em vista destes fatos históricos inelutáveis, as críticas tiveram que mudar de

foco, passando a destacar outros aspectos possivelmente negativos do fenômeno.

Uma primeira crítica, descendente direta desta crítica histórica à

judicialização fundada na hermenêutica restritiva descrita acima, é aquela que reclama

que entre as enfermidades do direito jurisdicional está a maior dificuldade

(comparando-se com o direito legislado) do cidadão comum ter informações sobre ele:

o direito judiciário é visto como casuístico, descontínuo e, em grande medida,

dependente da sorte em determinados casos concretos (CAPPELLETTI, 1993. p. 83).

Outra crítica, mais ampla e freqüente, tem por pressuposto o raciocínio de

que as instituições políticas representativas majoritárias tradicionais têm maior

capacidade de agregação de consenso do que o direito (CAMPILONGO, 2002. p. 90), e

que somente elas fornecem base social suficiente para mudanças e transformações

relevantes para a coletividade (KOOPMANS, 2003. p. 92).

Neste sentido, a judicialização é vista como um mal, por implicar em

desmobilização das pessoas para a discussão política dos seus problemas. O Poder

Judiciário se torna o substituto de partidos, família e religião, acionado para responder a

problemas específicos de indivíduos isolados (VIANNA et al, 1999. p. 25).

Esta crítica vai ainda mais longe, para alcançar mesmo a cultura de direitos

fundamentais que é subjacente à judicialização, como visto acima. Esta é vista como

fonte de atomismo social e anti-coletivismo (HIRSCHL, 2004. p. 154), a fazer aumentar

(e não diminuir) as ocasiões para choques de direitos, na medida em que as pessoas

deixam de buscar o entendimento mútuo e a descoberta de pontos em comum com as

53
outras, para passar a ver nelas apenas elementos de limitação de sua própria liberdade.

Acentua-se a impossibilidade de se obter um consenso substancial entre os cidadãos

acerca dos valores da sociedade, restringindo-se o acordo entre eles tão somente ao

procedimento relativo a ações jurígenas legítimas (HABERMAS, 2004. p. 262). E assim

faz-se um círculo, na medida em que as decisões judiciais têm por característica ser

casuísticas e fragmentárias, resolvendo os problemas que lhes são postos sempre muito

mais em termos de direitos individuais do que em termos de organização da sociedade

(KOOPMANS, 2003. p. 94).

Para além de sua incapacidade de efetivar reais transformações sociais, a

judicialização ainda teria um outro efeito perverso, ainda que paradoxal: ela seria a

responsável pelo fim da face libertária e reivindicatória da cidadania, reduzindo a

sociedade, a partir da marginalização dos instrumentos de mediação institucional, a uma

clientela passiva e tutelada pelo Poder Judiciário (VIANNA et al, 1999. p. 23; MORO,

2004. p. 119), em que pessoas e coletividades só passam a ter direitos se aplicados e

garantidos pelo Estado-Juiz (VIEIRA, 2001. p. 35).

Em seu ponto mais extremado, esta crítica chega a fazer uso de conceitos

psicanalíticos para descrever uma sociedade infantilizada pela crença na Justiça

(MAUS, 2000. p. 190), transformada em seu superego, considerada, exatamente como

um pai, fonte da definição do que é certo e errado, e também das possíveis benesses e

castigos, papel em que substitui, especialmente no Brasil, o “messias” Executivo.

(CARVALHO, 2004. p. 221).

Desta crítica mais ampla podem ser deduzidas outras mais específicas, como

aquelas feitas ao procedimento decisório utilizado pelo Poder Judiciário (KOOPMANS,

2003. p. 91), apontado absolutamente inadequado para resolver problemas mais

54
complexos para os quais o código direito/não direito não oferece respostas

(CAMPILONGO, 2002. p. 99). O legislador político tem o poder ilimitado de lançar

mão de argumentos normatizados e pragmáticos. A justiça, por sua vez, não pode dispor

arbitrariamente dos argumentos enfeixados nas normais legais (HABERMAS, 2003. p.

239).

“Whereas some of these recently judicialized questions of


restorative justice have certain important constitutional aspects,
they are neither purely, nor even primarily legal dilemmas. As
such, they ought to be resolved, at least on the level of principle,
through public deliberation in the political sphere.”8
(HIRSCHL, 2004. p. 158)

Ressaltam os críticos que os poderes Executivo e Legislativo trabalham com

informações e ferramentas muito mais numerosas, profundas e adequadas para dar

início, ajustar, modificar ou simplesmente interromper as políticas públicas.

De sua parte, o Poder Judiciário tem uma visão necessariamente casuística,

descontínua e fragmentária, própria de quem examina os problemas nos estreitos limites

da lide proposta pelas partes, olvidando a totalidade das relações interdependentes entre

o público, o político e a administrativo (CAMPILONGO, 2002. p. 105-106).Seria um

“legislador aleijado”, por não ter os muitos instrumentos que estão à disposição do

legislador, e que ultrapassam o simples conhecimento do direito existente e como este

se realiza (CAPPELLETTI, 1993. p. 86).

A crítica se aprofunda para concluir que, até mesmo no que se refere à

proteção dos direitos fundamentais, campo por excelência da judicialização, os tribunais

8
O Autor chega a esta conclusão após descrever uma série de casos na África do Sul, Canadá e Nova
Zelândia, em que o tratamento judicial das questões das minorias (étnicas ou políticas) se sobrepôs ao
político, com efeitos que ele considera insatisfatórios. Traduzimos livremente: “Conquanto alguma dessas
questões reparatórias recentemente judicializadas tenha, certamente, importantes aspectos constitucionais,
elas não são, nem exclusivamente, nem primordialmente dilemas legais. Consequentemente, deveriam ser
resolvidas, pelo menos por princípio, por deliberação pública, na esfera política.”

55
têm uma atuação superestimada: raramente introduzem novos debates, versando as

decisões sempre sobre temas já discutidos na sociedade e no âmbito do Poder

Legislativo. E quando o fazem, não conseguem impor estas suas decisões para além do

caso individual, de modo a alterar as opções de política pública expressas pelas

instituições políticas majoritárias (SHAPIRO; SWEET, 2002. p. 206).

Por fim, faltariam ao Poder Judiciário os meios de controle democrático

(GARAPON, 2001. p. 62), a accountability (KOOPMANS, 2003. p. 92), inerentes aos

demais poderes. Em outros termos, uma decisão dos poderes Executivo e Legislativo

incorreta, ruim ou perigosa vai enfrentar a raiva e o aborrecimento do eleitorado,

enquanto em relação a uma decisão judicial, o julgamento do último recurso fecha a

possibilidade de argumentação.

“O juiz torna-se o novo anjo da democracia e reclama um


status privilegiado, o mesmo do qual ele expulsou os políticos.
Investe-se de uma missão salvadora, em relação à democracia,
coloca-se em posição de domínio, inacessível à crítica
popular.” (GARAPON, 2001. p. 74)

3.5. Réplica às críticas à judicialização

O principal supedâneo das críticas acima descritas parece-nos ser uma visão

idealizada, ou, no mínimo, otimista, em relação à atuação dos poderes Executivo e

Legislativo como plenamente capazes de promover a razão e a justiça (VIANNA et al,

1999. p. 32).

Estas críticas ignoram que a judicialização tem exatamente como um de

seus pressupostos (ainda que não seja o único) sérios e paradoxais problemas na atuação

destes poderes, que os impedem de fornecer respostas efetivas à explosão de demanda

pelo cumprimento das promessas de bem-estar e justiça implícitas a um regime

56
democrático (VIANNA et al, 1999. p. 146): de um lado, a sua omissão deliberada em

decidir determinadas questões, e, de outro, a excessiva produção legislativa com normas

que se atravessam reciprocamente. Isto, sem contar a utilização de expressões

demasiadamente sucintas para definir direitos fundamentais, e a freqüente opção por

políticas públicas reforçadoras dos direitos da maioria em detrimento das minorias

(MORO, 2004. p. 138).

Em outros termos, não é inteiramente justa, o que é diferente de dizer que

não possa ser acertada em parte, a crítica à judicialização que se firma numa versão

idealizada da atuação dos poderes Executivo e Legislativo, desconsiderando seu efetivo

proceder.

Aos políticos que reclamam da crescente intervenção do Poder Judiciário,

deve ser lembrado que está nas mãos do Poder Legislativo reduzir o escopo e a

importância desta intervenção, respondendo aos problemas sociais negligenciados até

agora (KOOPMANS, 2003. p. 275). Sem que isso ocorra, os tribunais continuarão

sendo chamados a decidir precisamente aquelas questões para as quais o atual corpo de

leis ou as diversas agências do governo não encontram solução (SHAPIRO; SWEET,

2002. p. 25), pois, quanto menos funcional é o sistema político, maior a possibilidade de

expansão do poder judicial (HIRSCHL, 2003. p. 33).

Neste sentido, identificamos idealismo similar na concepção republicana de

democracia descrita por Habermas (2004, p.278), cujo pressuposto é a ação virtuosa

para o bem comum de indivíduos integrados em comunidades solidárias, conscientes de

sua interdependência mútua em contraposição a uma concepção individualista do

direito, supervisionada e controlada pelo Poder Judiciário.

57
Tal sociedade demandaria a existência de acordos sobre os objetivos e

normas que correspondam ao interesse comum (HABERMAS, 2004. p. 277), à

definição do que seria uma vida boa e justa aceita por todos ou, no mínimo, pela

maioria da sociedade.

Este acordo não existe em sociedades complexas, a não ser, como vimos

acima, sobre procedimentos de legitimação das ações jurígenas e exercício do poder

(HABERMAS, 2004. p. 262), o que faz com que a judicialização da política e das

relações sociais se apresente como caminho válido, em certas ocasiões, inevitável, para

solução dos diversos conflitos sociais, mormente quando não existe normatização legal

capaz de fixar-lhes os limites e caminhos de superação.

Precisamos dizer também que, do ponto de vista do cidadão ou grupo de

interesse que litiga, não se vê, empiricamente, uma decisão drástica e irreversível de

substituir a política legislativa por uma política judiciária, e, muito menos, a idéia de se

conferir aos juízes a última palavra em processos políticos.

A questão é mais simples, tratando-se, da parte do cidadão e dos grupos de

interesse, do exercício de uma opção na arena política, na busca de um tratamento das

questões que o envolvem que seja favorável ao seu ponto de vista.

Assim, é natural que, quando uma coincidência entre pontos de vista

individuais/de grupos de interesse e do Poder Judiciário seja “descoberta” haja um

recrudescimento do acionamento judicial. Mas isso não significa, necessariamente,

como temem os críticos da judicialização, que o Poder Judiciário esteja trabalhando a lei

em favor de um determinado grupo, nem que, quando esgotada esta coincidência, estes

grupos não voltem a buscar junto aos poderes Executivo e Legislativo novos

regulamentos e leis que os favoreçam.

58
Todas as opções são tentadas simultaneamente, tanto por um determinado

grupo de interesse, como por outro que seja seu adversário, pois o litígio é encarado

como uma alternativa suplementar à política e não como sua substituta (TATE;

VALLINDER, 1995. p. 56-62; SHAPIRO, SWEET, 2002. p. 48).

Temos como exagerada, pois, a conclusão de que a judicialização leva à

substituição da democracia representativa por uma de outro tipo, mais jurídica e

reguladora. Confundir política com direito é certamente um risco para qualquer

sociedade democrática. Mas também o é estabelecer, como fazem os críticos mais

acerbos, uma correlação entre o grau de liberdade dos indivíduos e a autocontenção

judicial (CITTADINO, 2002. p. 18).

Não trata a judicialização, portanto, de transferir a função legislativa para

uma elite de experts. Mas algo diferente é atribuir a tribunais a função de controlar os

atos da legislatura para verificar se foram respeitadas as condições democráticas.

Ademais, não se pode olvidar que a democracia é mais do que uma questão

de processo ou procedimento (MORO, 2004. p. 116). Não basta a adoção de instituições

representativas e majoritárias. Acima de tudo a democracia é um standard para a

avaliação de políticas públicas.

“A democracia é um governo sujeito às condições – podemos


chamá-las de condições “democráticas” – de igualdade de
status para todos os cidadãos. Quando as instituições
majoritárias garantem e respeitam as condições democráticas,
os veredictos dessas instituições, por esse motivo mesmo, devem
ser aceitos por todos. Mas quando não o fazem, ou quando essa
garantia e esse respeito mostram-se deficientes, não se pode
fazer objeção alguma, em nome da democracia, a outros
procedimentos que garantam e respeitem as condições
democráticas.” (DWORKIN, 2006. p. 26-27)
Visto isso, a judicialização não é incompatível com a concepção de

democracia.

59
Muito pelo contrário, quando o Poder Judiciário intervém na proteção do

direito das minorias contra a atuação da maioria, ou na preservação de valores

constitucionais muito difusos para serem discutidos numa eleição (como a liberdade de

opinião, e.g.), ele não atua como o guardião autoritário de uma suposta ordem

suprapositiva e esotérica, mas sim como protetor do processo democrático de direito

(TATE; VALLINDER, 1995. p. 59; MORO, 2004. p 143).

Nestes termos, a suma da réplica posta pelos defensores da judicialização

aos seus críticos é que, longe de ser um atentado à democracia, promovido por uma

oligarquia de candidatos a “reis filósofos” (DWORKIN, 2006. p. 49), ela é a

conseqüência inevitável das novas relações entre direito e política, promotora da agenda

igualitária, sem prejuízo da liberdade dos cidadãos.

Examinaremos a seguir os dois primeiros casos em que tribunais superiores

brasileiros reconheceram expressamente a ocorrência de efeitos jurídicos decorrentes da

participação de pessoas em relação homoafetivas, procurando analisar os argumentos

utilizados pelos Ministros Julgadores a partir da base teórica desenvolvida até aqui.

60
CAPÍTULO 4
O PODER JUDICIÁRIO BRASILEIRO E AS UNIÕES HOMOAFETIVAS –
ESTUDO DE CASOS

4.1. Razões da escolha dos casos

Escolhemos para o estudo de caso dois acórdãos: a decisão do Tribunal

Superior Eleitoral (TSE) no Recurso Especial Eleitoral nº 24.564 – Classe 22ª/PA

(originário da 14ª Zona Eleitoral do Estado – Viseu) e o Recurso Especial 395.904/RS,

da lavra do Superior Tribunal de Justiça (STJ). Ambos foram escolhidos por serem, até

o momento, as duas únicas decisões de órgãos colegiados de tribunais superiores,

constitucionalmente responsáveis pela unificação da interpretação da legislação

ordinária brasileira, que reconhecem a união homoafetiva como um fato singular, capaz

de trazer conseqüências jurídicas específicas às pessoas que dela participam ou

participaram.

Primeiramente, examinaremos a decisão do TSE no Recurso Especial

Eleitoral nº 24.564 – Classe 22ª/PA (originário da 14ª Zona Eleitoral do Estado –

Viseu), que, embora analise a questão nos estritos limites de sua competência

(exclusivamente direito eleitoral), destaca-se pelo seu pioneirismo.

Já a segunda decisão escolhida, proferida pelo STJ no Recurso Especial

395.904/RS, é relevante por indicar a inflexão da jurisprudência desta Corte nacional de

competência geral, que até então vinha tratando as relações homoafetivas como simples

“sociedades de fato”, conceito retirado do direito comercial, e que extraía das questões o

componente de direito civil (relações familiares) e direito constitucional (direitos

fundamentais) que lhes era evidente. Neste sentido, ainda no ano de 2005, foram as

61
decisões proferidas pelo STJ nos Recursos Especiais 502995/RN (Relator Ministro

Fernando Gonçalves, publicada no Diário da Justiça de 16/05/05, p. 353) e 323370/RS

(Relator Ministro Barros Monteiro, publicada no Diário da Justiça de 14/03/05, p. 340).

Até o momento de conclusão desta monografia não há decisão de qualquer

dos colegiados do Supremo Tribunal Federal (seja de uma das duas turmas em que se

divide, ou de seu pleno) sobre o tema. Há apenas uma manifestação monocrática do

Ministro Marco Aurélio na Petição 1.984-9, em que indeferiu o pedido do INSS de

suspensão dos efeitos da medida liminar concedida na Ação Civil Pública nº

2000.71.00.009347-0, que impôs à autarquia previdenciária o reconhecimento de

pessoas do mesmo sexo como possíveis dependentes dos segurados.

No entanto, embora proferida por um membro da mais alta Corte de nosso

país, e num caso com um nível maior de abstração do que estes aqui estudados, trata-se

como dito acima, de decisão monocrática que será reexaminada pelo pleno do STF

quando do julgamento do Recurso Extraordinário já interposto pelo INSS9.

Cada um dos casos será examinado sob as três perspectivas desenvolvidas de

modo teórico nos capítulos anteriores, quais sejam: 1) aplicação ou não do conceito de

direitos fundamentais na decisão; 2) tratamento jurídico pela mesma das relações

homoafetivas no Brasil; e 3) evidências de judicialização das relações sociais e políticas

que nelas possam ser apuradas.

4.2. Caso número 1

9
No momento, aguarda-se o julgamento do Recurso Especial também interposto de forma simultânea (nº
814595), distribuído para relatoria da Ministra Laurita Vaz, sem previsão de entrar em pauta, até o
momento.

62
Recurso Especial Eleitoral nº 24.564 – Classe 22ª/PA (originário da 14ª

Zona Eleitoral do Estado – Viseu), julgado em 01 de outubro de 2004 pelo pleno do

Tribunal Superior Eleitoral, sendo relator o Ministro Gilmar Mendes.

4.2.1. Descrição

Em 15 de julho de 2004 Maria Eulina Rabelo de Souza Fernandes teve sua

candidatura a prefeita de Viseu (PA) impugnada por seus adversários. Estabelecendo

uma relação de analogia com a regra contida no artigo 14, §7º da Constituição, que

impede cônjuges e companheiros de se sucederem em cargos políticos no Poder

Executivo, argumentaram os impugnantes Izaías José Silva Oliveira Neto, Luiz Alfredo

Amin Fernandes e Dilermando Júnior Fernando Lhamas que a candidata manteria união

estável com a então prefeita reeleita daquele município, razão pela qual estaria impedida

de se candidatar à sucessão desta naquele cargo.

A impugnação foi acatada pelo Juiz Eleitoral da 14ª Zona Eleitoral do

Estado do Pará, decisão que foi objeto de Recurso Eleitoral Ordinário ao Tribunal

Regional Eleitoral (TRE) daquele Estado.

Lá, em 15 de agosto de 2004, o recurso recebeu o número 993/04, sendo

distribuído à relatora Juíza Federal Hind Ghassan Kayath.

Por maioria, vencida a Relatora, o TRE do Pará acolheu o recurso,

mantendo a candidatura impugnada. Contra a decisão da Corte regional foi aviado o

Recurso Especial Eleitoral acima mencionado, encaminhado ao TSE em 24 de setembro

de 2004.

63
Por unanimidade, embora ausente um dos ministros, o TSE acatou o

recurso, em decisão relatada pelo Ministro Gilmar Mendes, reconhecendo a

inelegibilidade da recorrida em razão de sua relação estável homossexual com a prefeita

reeleita do município de Viseu/PA.

Em 02 de outubro de 2004 foram opostos embargos de declaração, sob a

alegação de que, nos termos do artigo 19, parágrafo único do Código Eleitoral e do

artigo 6º do Regimento Interno do TSE, por tratar de matéria constitucional, o

julgamento só poderia ter se dado com quorum completo.

Julgados no mesmo dia, repetiram-se à unanimidade os fundamentos do

julgamento anterior, colhendo-se o voto do Ministro Sepúlveda Pertence, ausente na

sessão anterior.

O acórdão transitou em julgado em 16 de outubro de 2004.

4.2.2. O caso descrito e a situação jurídica do homossexual no Brasil

Desde o relatório do processo é assente que a Impugnada Maria Eulina

Rabelo de Souza Fernandes mantinha relação homoafetiva com a então prefeita reeleita

do Município de Viseu/PA. Trata-se de fato consensual, cuja prova já foi colhida na

jurisdição ordinária, conforme consta da abertura do voto do Ministro Relator do

processo (p. 06 do anexo 1).

Nesta jurisdição especial eleitoral, o papel do Poder Judiciário era

exatamente valorar estes fatos, atribuindo-lhes um significado legal e constitucional

uniforme em território nacional, conforme disposto no artigo 121, §4º, I e II da

Constituição Federal (Brasil, 1988).

64
A pergunta a ser respondida para solução do caso foi feita de forma expressa

pela Procuradoria-Geral Eleitoral, citando a Procuradoria da República no Pará (p.4 do

anexo 1):

“A questão a ser resolvida é saber se os pruridos de uma


sociedade ainda não acostumada a determinada orientação
sexual são suficientes para permitir a tais pessoas o
afastamento da vedação constitucional no §7º do artigo 14 da
CF/88.”
Nesta pergunta está sintetizada a provocação que é feita ao Poder Judiciário:

a recusa em reconhecer-se qualquer conseqüência jurídica para uma relação

homoafetiva, em procedimento que ele polidamente atribui a uma “falta de costume da

sociedade com uma determinada orientação sexual”, vai tão longe a ponto de permitir

que o indivíduo dela participante obtenha uma vantagem resultante desta omissão em

detrimento do dispositivo constitucional que pretende igualar os concorrentes a um

cargo político?

Como podemos ver da cópia do acórdão em anexo, a resposta do TSE foi

negativa.

Para tanto, o Ministro Relator primeiramente reconheceu o elemento

comum entre uma relação homoafetiva e as demais relações que ensejam a

inelegibilidade prevista no artigo 14, §7º da Constituição (p.7 do anexo 1):

“Em todas essas situações – concubinato, união estável,


casamento e parentesco – está presente, pelo menos em tese,
forte vínculo afetivo, capaz de unir pessoas em torno de
interesses políticos comuns. Por essa razão, sujeitam-se à regra
constitucional do art. 14, §7º da Constituição Federal.
Em que pese o ordenamento jurídico brasileiro ainda não ter
admitido a comunhão de vidas entre pessoas do mesmo sexo
como entidade familiar, acredito que esse relacionamento tenha
reflexo na esfera eleitoral.”
Em seguida, de modo contraditório, transcreve uma decisão do Superior

Tribunal de Justiça (Recurso Especial 148897/MG, Relator Ministro Ruy Rosado), em

65
que a relação homoafetiva é assimilada a uma simples sociedade comercial de fato, no

esteio da jurisprudência mencionada na motivação da escolha dos casos a serem

analisados.

Ao final, conclui (p.8 do anexo 1)

“É um dado da vida real a existência de relações homossexuais


em que, assim como na união estável, no casamento ou no
concubinato, presume-se que haja fortes laços afetivos.
Assim, entendo que os sujeitos de uma relação estável
homossexual (denominação adotada pelo Código Civil alemão),
à semelhança do que ocorre com os sujeitos de união estável, de
concubinato e de casamento, submetem-se à regra de
inelegibilidade prevista no artigo 14, §7º da Constituição
Federal.”
E assim, de forma bastante tímida, raspando a barra da contradição entre os

fundamentos que utilizou, um Tribunal Superior brasileiro reconheceu pela primeira vez

nos fundamentos de sua decisão que uma relação homoafetiva, embora ignorada pela

legislação, é um dado da vida real que pode ter (e tem) efeitos jurídicos decorrentes de

seu elemento essencial, o vínculo afetivo entre as pessoas envolvidas, não podendo ser

simplesmente desconsiderada ou comparada a uma relação comercial.

Note-se, contudo, que a decisão é bem específica em apontar que o efeito do

reconhecimento é restrito à situação de inelegibilidade eleitoral, até porque este é o

limite de competência daquela Corte Especial.

Não obstante, no voto-vogal é nítida a preocupação do Ministro Carlos

Velloso em atenuar as conclusões do voto do relator.

O Ministro foi o último a votar, após a manifestação unânime dos demais de

assentimento com o voto do Relator. Como os demais (Ministros Francisco Peçanha

Martins, Humberto Gomes de Barros, Luiz Carlos Madeira e Caputo Bastos), estando

de acordo também poderia se manifestar sucintamente pela adesão às conclusões

daquele.

66
No entanto, opta por fundamentar sua concordância com argumentos que se

encontram pouco aquém do limite da divergência, ultrapassando os limites da lide para

indicar aos juízes de casos futuros que a solução encontrada é meramente para fins

eleitorais, e que não se deve buscar quaisquer outros efeitos jurídicos para as relações

homoafetivas (p. 10 e 11 do anexo 1):

“Quando me foi submetida a consulta10, entendi que a questão


não poderia ser respondida em abstrato, mesmo porque se
indagava a respeito de uma união estável entre dois
homossexuais. Realmente, não há falar em união estável senão
entre um homem e uma mulher – é o que está posto no art. 226,
§3º, da Constituição.
O não conhecimento da consulta não implica que, num caso
concreto, deva o juiz, diante da realidade posta nos autos,
(sic11) no sentido de que duas mulheres vivem como se
estivessem em concubinato. O que a ratio do §7º do art. 14 da
Constituição pretende – isto foi muito bem acentuado pelos
eminentes advogados dos recorrentes e, principalmente, pelo
eminente Procurador-Geral Eleitoral e no Recurso Ordinário
nº 592, deixei expresso -, é mesmo evitar a utilização da
máquina administrativa ou evitar que seja utilizada em favor do
parente, evitar a formação de oligarquias, evitar o continuísmo,
que não presta obséquio à República.
No caso, teríamos ofensa ao ratio legis se, numa atitude
conservadora, não reconhecermos, no âmbito do Direito
Público Eleitoral, a existência dessa união homoafetiva nos
moldes de uma união estável.”
Ressaltamos que os argumentos apresentados entram em franca contradição.

Por um lado, afirma o Ministro não ser possível a união estável entre pessoas do mesmo

sexo por vedação constitucional. Nem mesmo haveria concubinato, adverte aos juízes

dos casos futuros. Em suma, a relação homoafetiva não tem qualquer valoração jurídica

em si.

10
O Tribunal Superior Eleitoral, em destacada exceção aos demais tribunais especiais e ordinários,
nacionais, tem competência para decidir consultas feitas em abstrato (artigo 23, XII da Lei 4.737/65 –
Código Eleitoral)
11
Como pode ser conferido no texto original da transcrição, que se encontra em anexo, falta um verbo na
fala do Ministro Carlos Velloso, que presumimos ser “decidir” pelo restante do contexto.

67
Não obstante, de modo a evitar a dissidência em um caso de tamanha

clareza do ponto de vista factual, conclui que para fins do Direito Eleitoral, seria

conservador deixar de reconhecer algum efeito jurídico a este tipo de relação, pois de

outra forma não se poderia evitar que a máquina administrativa de uma prefeitura fosse

utilizada para a formação de oligarquias e como estímulo ao continuísmo, razão pela

qual, nesta situação a união homoafetiva deveria ser entendida “nos moldes de uma

união estável”.

Entendemos que, embora a conclusão final da questão posta a juízo seja a

mesma, são bens distintos os tratamentos dados pelo Ministro Relator e pelo Ministro

Vogal à subjacente questão da participação das pessoas em relações homoafetivas como

fato jurídico: o primeiro a trata como um fato genérico, donde se extrai a existência de

um elemento, o vínculo afetivo entre pessoas do mesmo sexo, cujos efeitos jurídicos

podem se estender para além da questão eleitoral tratada. Já o segundo indica que a

valoração jurídica da relação homoafetiva é excepcional, devendo se ater a esta questão

específica posta nos autos, ou seja, atender ao objetivo da lei eleitoral de evitar a

perpetuação de pessoas vinculadas afetivamente em cargos do Poder Executivo.

4.2.3. O caso descrito e os direitos fundamentais

Quando passamos a examinar os mesmos fatos sob o prisma dos direitos

fundamentais, vemos que a decisão acima descrita assenta-se claramente na aplicação

do direito à igualdade, cuja conseqüência concreta é o restabelecimento de condições

isonômicas para a disputa pela prefeitura municipal de Viseu/PA, reconhecendo-se um

68
direito subjetivo dos demais concorrentes, em detrimento da esfera jurídica individual

da candidata homossexual.

Não obstante, a referência ao direito à igualdade é bastante sucinta,

completamente empírica e focada na construção de uma analogia com a regra de

inelegibilidade contida no artigo 14, §7º da Constituição. O que fica claro no seguinte

trecho do Parecer da Procuradoria Eleitoral do Pará, incluído no relatório (p.6 do anexo

1):

“No presente caso – não é fastidioso repetir – a candidata à


Prefeitura de Viseu trava relação homoafetiva com a atual
prefeita que, aliás, já está no segundo mandato. Fosse a mesma
relação constituída entre um homem e uma mulher, seja por
matrimônio ou concubinato, e ninguém ousaria hastear
argumento contrário à proibição estampada no preceptivo
constitucional; a ninguém assaltaria a dúvida quanto à
flagrante vulneração a ratio do dispositivo multicitado.”
A fixação desta premissa pela Procuradoria-Geral Eleitoral é a única

passagem do julgado examinado que esboça o tratamento da questão posta sob o prisma

dos direitos fundamentais (especificamente, do direito à igualdade). Não há nenhuma

outra menção expressa a eles em qualquer dos votos colhidos, nem mesmo no voto do

Ministro Relator Gilmar Mendes, muito embora seu reconhecido status de

constitucionalista, com destacada obra publicada sobre o tema12.

Neste contexto, estamos diante de uma situação inusitada, em que um

processo é solucionado a partir do direito à igualdade sem que tal princípio seja

mencionado expressamente uma única vez na fundamentação, sendo escondido atrás de

uma regra eleitoral constitucional que é mero desenvolvimento seu (artigo 14, §7º da

Constituição), destinada a estabelecer condições de igualdade formal mínima entre os

concorrentes a um cargo executivo.

12
Direitos Fundamentais e Controle de Constitucionalidade, incluída na bibliografia desta monografia.

69
Acreditamos que tanto possa ter constrangido os Ministros julgadores a

deixar de explicitar a sua utilização, na medida em que a literatura sobre o tema é

concentrada nos direitos subjetivos que pessoas nesta condição minoritária devem

auferir como seu corolário, não se cogitando das raras situações em que sua aplicação

possa lhes trazer prejuízo.

Ainda outra vez, é preciso destacar o voto do Ministro Carlos Velloso, que

em trechos já transcritos acima, indica sua posição de que a igualdade entre uniões

heterossexuais e homossexuais posta como fundamento da decisão analisada é

reconhecida de forma meramente pontual (para fins de inelegibilidade eleitoral, no

caso), não se podendo daí deduzir um fundamento axiológico que possa ser invocado

para outras questões do ordenamento jurídico, uma das características de um direito

fundamental doutrinariamente reconhecida.

Em suma, na decisão examinada, cinco dos seis ministros que dela

participaram evitam qualquer menção expressa sobre o possível direito à igualdade de

tratamento jurídico às pessoas envolvidas em uniões estáveis, heterossexuais ou

homossexuais, embora esta seja uma questão logicamente antecedente à conclusão a que

chegaram, no sentido de que as vedações constitucionais impostas aos participantes do

primeiro tipo de relacionamento devem ser estendidas também ao que vivem o segundo

tipo. E o único Ministro que abordou mais proximamente a questão descartou a

possibilidade de que, da vedação reconhecida, possa ser deduzido por simples inferição

lógica qualquer direito aos conviventes homossexuais, pugnando pelo exame da

situação concreta.

Não há, pois, nenhuma tentativa de generalização das premissas que levaram

à decisão, como o reconhecimento como direito fundamental do direito à igualdade de

70
tratamento entre os cidadãos brasileiros, para o bem ou para o mal, independentemente

de sua orientação sexual.

4.2.4. O caso descrito e a judicialização

Exatamente a ausência de definição legislativa acerca dos direitos dos

participantes de uma união homoafetiva é a principal razão que nos traz ao exame do

caso descrito sob o prisma da judicialização.

Como visto nos capítulos anteriores, e confirmado neste exame de caso,

uma “cortina de silêncio” recobre a questão da homossexualidade no Brasil, não

havendo à época da decisão uma única norma de nível federal (ordinária ou

constitucional) que tratasse especificamente deste assunto, nem mesmo para obstar a

discriminação sob este fundamento, o que se dirá para regulamentar os efeitos da

convivência estável entre homossexuais.

Como a questão não deixa de existir em razão desta omissão legislativa,

concluímos que ela é deliberada ou consentidamente delegada ao Poder Judiciário, não

importando, neste momento, as razões dessa delegação.

De modo a demonstrarmos esta conclusão no caso concreto, transcrevemos

os seguintes excertos do julgamento, sendo o primeiro deles extraído do relatório, onde

o Ministro Gilmar Mendes sintetiza o argumento dos recorrentes (p.3 do anexo 1):

“Alegam os Recorrentes, em síntese, que a falta de


regulamentação acerca da União entre pessoas do mesmo sexo
não poderia afastar a vedação constitucional da perpetuidade
de pessoas da mesma família no poder.”

71
Mais à frente, em seu voto, o Ministro Relator acolhe esta premissa da

expansão da atuação do Poder Judiciário na esfera normalmente reservada ao Poder

Legislativo, tendo em conta a omissão deste último (p.7 do anexo 1):

“Em que pese o ordenamento jurídico brasileiro ainda não ter


admitido a comunhão de vidas entre pessoas do mesmo sexo
como entidade familiar, acredito que esse relacionamento tenha
reflexo na esfera eleitoral.”
Em sentido similar, a manifestação de assentimento do Ministro Vogal

Caputo Bastos, com o Ministro Relator do processo (p.10 do anexo 1):

“Senhor Presidente, impressionaram-me as sustentações dos


nobres advogados. Mas creio que este seja um daqueles casos
em que a realidade dos fatos é maior que a realidade jurídica.
E por reconhecer esta realidade dos fatos é que temos que dar
conseqüências jurídicas a essa realidade constatada. Não
estamos aqui em regime de contemplação, mas diante de um
mundo real, concreto, onde as coisas acontecem.”
Também reforça a adequação do caso aos parâmetros teóricos da

judicialização a circunstância de haver sido essencialmente decidido a partir de outros

precedentes jurisprudenciais de tribunais de segunda instância, indicando a existência de

um ativismo judiciário sobre a questão, assim compreendida a decisão do Poder

Judiciário de assumir a solução da questão, distinguindo-se da posição inerte do Poder

Legislativo.

Tanto, que começa com iniciativas individuais de seus membros, a cada

nova decisão dos tribunais no mesmo sentido, vai formando a jurisprudência sobre o

assunto, ou seja, vai assumindo um caráter cada vez mais institucional e vinculativo.

Neste sentido, transcrevemos o trecho final do voto do Ministro Carlos Velloso, que,

embora tenha tido com o Ministro Relator as divergências acima já explicitadas sobre a

questão de fundo, conclui (p.11 do anexo 1):

“O eminente relator demonstrou que o mundo evolui e é preciso


reconhecer novas entidades que se formam. Desconhecer a

72
realidade seria desconhecer o papel do Direito e,
principalmente, do Direito Público.
E Sua Exa. demonstrou que no Superior Tribunal de Justiça
essa questão já foi reconhecida; no Supremo Tribunal Federal
já se reconheceu a união homossexual para o fim de um dos
partícipes dessa união ficar protegido pela Previdência Social.
Assim, com essas considerações que fiz em homenagem ao
eminente vice-procurador-geral eleitoral, aos advogados dos
recorrentes e ao advogado da recorrida, meu voto acompanha o
do eminente ministro relator.”

4.3. Caso nº 2

Recurso Especial 395.904/RS, Relatado pelo Ministro Hélio Quaglia

Barbosa, julgado em 13 de dezembro de 2.005 pela 6ª Turma do Superior Tribunal de

Justiça (STJ).

4.3.1. Descrição

Em 26 de agosto de 1998, Vítor Hugo Nalério Dulor ajuizou ação contra o

Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) perante a 1ª Vara Previdenciária de Porto

Alegre (Processo nº 98.00.21309-0), pleiteando o percebimento do benefício da pensão

por morte, bem como o respectivo complemento da PREVI13, em decorrência do

falecimento de seu companheiro Cláudio Roberto da Silva, ocorrido em 29 de dezembro

de 1997.

Em 13 de dezembro de 1999, o pedido foi julgado improcedente em

primeiro grau de jurisdição, decisão da qual apelaram o Ministério Público Federal e o

próprio Autor.

A decisão foi revertida pela 6ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª

Região (TRF4) em 21 de novembro de 2000, sendo relator da apelação

2000.04.01.073643-8 o Juiz Federal Nylson Paim de Abreu. Foram opostos embargos


13
Fundo de previdência privada dos funcionários do Banco do Brasil S/A

73
de declaração pelo INSS, rejeitados pelo mesmo órgão jurisdicional em 06 de março de

2001.

O INSS interpôs simultaneamente Recursos Especial e Extraordinário em

desfavor do acórdão do TRF4.

Nos termos do artigo 27, §3º da Lei 8.038/90 foram os autos enviados

primeiramente para o STJ examinar o Recurso Especial, que tomou o número acima

referido ao ingressar naquela Corte em 18 de dezembro de 2001.

Em 13 de dezembro de 2005, o Recurso Especial foi julgado improcedente

por unanimidade pela 6ª Turma do STJ, ainda que ausentes naquele julgamento dois dos

cinco ministros que a compõem.

Em 10 de abril de 2006 os autos foram remetidos para o Supremo Tribunal

Federal (STF), para julgamento do Recurso Extraordinário.

Deram entrada naquela Corte em 29 de maio de 2006, sob o número de

protocolo 69432, não havendo sido distribuídos até o momento, o que significa dizer

que ainda não têm relator designado, nem previsão de julgamento.

4.3.2. O caso descrito e a situação jurídica do homossexual no Brasil

Logo no início de seu voto, o Ministro Relator Hélio Quaglia Barbosa

descreve os fatos apurados nas instâncias ordinárias de jurisdição, e que atestam a

ocorrência de relação homoafetiva estável entre o Recorrrido Vitor Hugo Nalério Dulor

e o falecido Cláudio Roberto da Silva (fls. 09/10 do anexo 2):

“Segundo corroborado nos autos, por meio de documentos


acostados, o autor logrou êxito em comprovar, efetivamente,
sua vida em comum com o falecido segurado, more uxório, por
mais de dezoito anos, mantendo residência conjunta,
partilhando despesas, além da aquisição de bens, tais como um

74
imóvel que, por força de disposição testamentária, foi deixado
ao autor.
Acresce-se, ainda, que este, na condição incontroversa de
beneficiário, recebeu seguro de vida do falecido.
Saliente-se, por último, que todas as despesas com o funeral
foram suportadas pelo autor, tendo ele percebido o auxílio
correspondente da Caixa de Assistência dos Funcionários do
Banco do Brasil, entidade à qual o de cujus era filiado.”

Nesta jurisdição especial, à vista do disposto no artigo 105, III da

Constituição, não é mais possível a reabertura do debate sobre estes fatos, o que nos

leva a concluir que foram trazidos a colação pelo Ministro Relator como reforço ao

raciocínio que passaria em seguida a desenvolver.

Ciente desta vedação constitucional à rediscussão dos fatos, escora o INSS

sua pretensão de que seja indeferida a pensão requerida por falta de previsão legal que

admita o homossexual como pensionista de seu companheiro falecido (fl. 09). Em

outros termos, invoca o Recorrente em defesa de seus interesses o “silêncio legislativo”

que transforma as relações homoafetivas no Brasil em um não-fato jurídico,

procedimento já descrito no segundo capítulo.

O argumento é rebatido expressamente pelo Ministro Relator, em trecho do

voto no qual demonstra a incompatibilidade do “não-direito” em que vivem as relações

homoafetivas com o sistema jurídico encimado pela Constituição de 1988 (fl. 10-11 do

anexo 2):

“Há que se perceber que não há igualdade jurídica no não


direito.
Ao se negarem, mesmo através de mecanismos legais, direitos
fundamentais, entre eles o de sobrevivência, mediante
percebimento de benefícios previdenciários, a pessoas que, se
fossem de sexos diferentes, lograriam em auferi-los, emerge um
não direito, ferindo o sentido que o Poder Constituinte
procurou proteger, com a igualdade, ao editar a Constituição
Federal de 1.988.”

75
E conclui, explicitando que o “silêncio legislativo” acerca das uniões

homoafetivas não é uma posição neutra acerca do assunto (fl. 14 do anexo 2):

“Pretender, com esteio em regras estratificadas, alijar parte da


sociedade – inserida nas chamadas relações homoafetivas -, da
tutela do Poder Judiciário, por falta de previsão legal,
constituiria ato discriminatório, inaceitável à luz do princípio
insculpido no artigo 5º, caput, da Constituição Federal.”
E, por fim (fl. 27 do anexo 2):

“A União homoafetiva é, sem embargo, tema com intensos


reflexos no mundo jurídico, não podendo, pois, o direito em
momento algum fechar-se de modo a ignorar ou simplesmente
repudiar a realidade existente.”
Dos textos transcritos, vemos que o Ministro Relator, ao reconhecer que a

falta de legislação ordinária acerca das relações homoafetivas não faz com que os fatos

deixem de existir e tenham conseqüências jurídicas, logra romper a armadilha lógica da

ausência de regulamentação jurídica do tema descrita por SAPKO (2005) e

FERNANDES (2004), já citadas nesta monografia: não há fato da vida que seja “não-

jurídico”, objeto do “não-direito”. Se não há legislação ordinária a seu respeito, a

solução do caso deve ser buscada na Constituição, em seus princípios mais genéricos, se

for o caso.

Trata-se da primeira manifestação de um tribunal superior brasileiro que

acolhe com clareza esta posição doutrinária descrita no capítulo teórico, encontrando

valor jurídico específico em nosso ordenamento jurídico para a união homoafetiva por

si própria.

Por esta avaliação jurídica mais abstrata e genérica do vínculo homoafetivo,

ficou um passo à frente da decisão examinada em primeiro lugar, que, embora pioneira,

esquivou-se de afirmações categóricas e doutrinárias para manter suas conclusões

restritas ao regime de elegibilidade.

76
E muitos passos à frente das decisões anteriores do próprio STJ proferidas

no próprio ano de 2005 e mencionadas no tópico acima sobre as razões de escolha dos

casos, que retiravam da questão seu elemento essencial, o vínculo afetivo entre os

participantes da união, para equipará-las a sociedades comerciais de fato, atribuindo aos

integrantes da relação a posição jurídica de sócio, cujo escopo é evidentemente mais

restrito que a de convivente.

4.3.3. O caso descrito e os direitos fundamentais

A Constituição de 1988 divide os nossos Juízos em ordinários (singulares e

tribunais, destinados ao conhecimento amplo dos fatos e teses jurídicas suscitados),

especiais (cortes destinadas a se manifestar em última instância sobre a interpretação da

legislação ordinária – STJ, TSE, Tribunal Superior do Trabalho - TST e Superior

Tribunal Militar -STM) e extraordinário (o STF, destinado a se manifestar em última

instância sobre a interpretação das normas constitucionais).

Em nosso ordenamento jurídico, os direitos fundamentais são matéria de

status constitucional, circunstância que restringiria o seu exame aos Juízos Ordinários e

ao STF, tanto que, das decisões dos tribunais estaduais e regionais federais cabem

recursos simultâneos e distintos para este último e para o STJ.

Não obstante esta restrição constitucional formal a que aquela Corte se

manifestasse expressamente sobre a incidência ou não de regras de direito fundamental

no caso posto a exame, toda a decisão do Ministro Relator tem por fundamento a

extensão do direito fundamental à igualdade, e sua aplicabilidade aos homossexuais

integrantes de uniões homoafetivas.

77
Esta argumentação já é utilizada desde a solução da questão preliminar, em

que, indeferindo pedido formulado pelo INSS, foi reconhecida a legitimidade do

Ministério Público Federal para integrar a lide, ao lado de Vitor Hugo Nalério Dulor.

Para tanto, foi preciso que o Ministro Relator reconhecesse que a lide

buscava a (fl. 08 do anexo 2) “...observância do tratamento igualitário a indivíduos que

buscam a plena efetivação de seus direitos, uma vez sujeitos a discriminação.”

Ou seja, já em exame preliminar, reconheceu que o cerne desta lide pioneira

era o direito à igualdade e que seu resultado poderia ter relevância para muito além da

esfera subjetiva de Vitor Hugo Nalério Dulor, circunstâncias que levaram-lhe a

integração do Ministério Público Federal à lide, a teor do disposto no artigo 127 da

Constituição14.

Passando a decidir o mérito do caso, após a narração dos fatos comprovados

na lide, transcritos às fls. 15/16 deste acórdão cuja íntegra se encontra no anexo 2,

conclui pela similitude desta situação com a de um casal heterossexual. Em seguida,

destaca que a regra do artigo 226, §3º da Constituição (que trata da união estável

heterossexual) é insuficiente para decidir a lide, concluindo ser necessária uma análise

mais ampla sua sob este prisma constitucional, onde terá lugar de destaque o princípio

da igualdade, que define como elemento fundamental do ordenamento jurídico a suprir

o vácuo legislativo acerca do tema.

Não obstante, logo em seguida, o Ministro Relator nos dá a impressão que

vai recuar desta linha de argumentação, e buscar solucionar o caso única e

exclusivamente a partir da legislação ordinária previdenciária, examinando o dispositivo

14
Art. 127. O Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado,
incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático, e dos interesses sociais e individuais
indisponíveis.

78
que relaciona o possível rol de dependentes dos segurados (artigo 16, §3º da Lei

8.213/91), e nele não encontrando o que impeça incluir os conviventes homossexuais:

“Diante do §3º do art. 16 da Lei nº 8.213/91, verifica-se que o


que legislador pretendeu foi, em verdade, ali gizar o conceito de
entidade familiar, a partir do modelo da união estável, com
vista ao direito previdenciário, sem exclusão, porém, da relação
homoafetiva.”
Contrariando suas considerações anteriores, busca um dispositivo

constitucional (artigo 201, V) que possa suportar a conclusão transcrita acima e

contrapô-la ao conceito mais restrito de união estável previsto no antes menosprezado

artigo 226, §3º da mesma, concluindo pela existência de um regramento específico para

o direito previdenciário.

Em outros termos, o Ministro Relator, que havia dado ao caso a

interpretação mais ampla possível, constatando a ausência de lei ordinária a regular a

situação dos integrantes das relações homoafetivas, e construindo este direito a partir do

princípio constitucional da igualdade, recuou até concluir que a não menção destas

pessoas pelas regras ordinárias e constitucionais de Direito Previdenciário teria efeitos

diferentes das omissões sobre o mesmo tema contidas no Direito de Família.

Considerando-se que ambos os ramos do direito são públicos, no sentido de

que suas regras não estão à disposição dos litigantes em nenhum dos casos, trata-se de

raciocínio bastante tortuoso, que entendemos justificado apenas pelo constrangimento

constitucional formal mencionado acima, no sentido de que as decisões do STJ definam

em última instância a interpretação de normas ordinárias, reservando a interpretação

constitucional para o STF.

Em outras palavras, sentindo invadir a competência do STF ao iniciar sua

decisão discutindo o direito fundamental (e constitucional) à igualdade, acreditamos que

79
o Ministro Relator tenha tentado explicitar também um fundamento infraconstitucional

para ela, o que fez com as contradições destacadas acima.15

Fechando este claro parêntese da sua decisão, retorna à sua argumentação


inicial, indicando como malferido pela situação, tanto a individual do Recorrente quanto
a coletiva dos homossexuais, o princípio constitucional fundamental do direito à
igualdade (vide transcrição de fl. 14 do anexo 2), cerne de toda a jurisprudência que
passa a transcrever.

4.3.4. O caso descrito e a judicialização

Assim como no primeiro caso examinado, e nos termos descritos no item

3.3.2 acima, o Ministro Relator reconhece que não há legislação a regular as

conseqüências jurídicas da convivência estável entre homossexuais. Esta premissa é o

mote para sua decisão, que contém diversos elementos relevantes que a inserem no

processo de judicialização das políticas públicas, nos termos em que descrito no

capítulo teórico.

O primeiro e mais destacado deles é a invocação como fundamento dela da

política de direitos fundamentais, reconhecendo ser este o verdadeiro núcleo da questão,

sendo acidentais os efeitos patrimoniais e previdenciários. Neste sentido, concluiu que a

minoria homossexual tem direito a igualdade de tratamento, e que este direito tem

status constitucional, prevalecente sobre o silêncio da legislação ordinária.

15
A extensão de nossa Constituição faz com que praticamente não haja assunto que, em última análise,
não deva ser examinado sob a perspectiva constitucional. No entanto, se tal premissa for levada a rigor,
em especial considerando-se que o artigo 26 da Lei 8.038 (BRASIL, 1990) permite o manejo simultâneo
de recursos para o Supremo Tribunal Federal e para o Superior Tribunal de Justiça, este último tornar-se-
ia uma instância supérflua, pois se destina estritamente a interpretar e unificar o direito infraconstitucional
É certo que o Supremo Tribunal Federal poderia, se quisesse, sustar o recurso especial e julgar de uma
vez o recurso extraordinário. Ou ainda o Superior Tribunal de Justiça reconhecer que a questão é
eminentemente constitucional, devendo ser examinada pelo Corte Constitucional (artigo 27, parágrafos 5º
e 6º da Lei 8.038). Na prática, no entanto, estas faculdades legais nunca são usadas por qualquer dos dois
tribunais.

80
Ainda neste contexto, destacamos a opção expressa pela interpretação do

caso à luz da integridade do texto constitucional, de modo a evitar o aparente empecilho

ao direito do Autor contido no artigo 226, §3º da Constituição (fl. 10 do anexo 2):

“Face a particularidade da espécie, deverá ser acionada a


interpretação de diversos preceitos constitucionais em conjunto,
não apenas a do artigo 226, §3º da Constituição Federal, para
que, em seguida, se possa aplicar o direito infraconstitucional à
espécie.”
Não podemos deixar de mencionar, no entanto, a dificuldade, ou mesmo o

receio do Ministro Relator em reconhecer que, quando assim procede, está se

distanciando de processos tradicionais de hermenêutica e, muito mais do que “suprindo

lacunas”, como assevera à fl. 13 de seu voto, está formulando uma regra não explícita

no direito constitucional, exatamente nos termos em que descrito por DWORKIN

(2002) e SHAPIRO, SWEET (2002), já estudados nesta monografia.

No entanto, logo em seguida, toda possível reverência à hermenêutica

tradicional desaparece quando ele vai ao extremo de apontar a possível

inconstitucionalidade parcial por omissão de um texto da redação originária da

Constituição, poder que pouquíssimos doutrinadores nacionais ou estrangeiros

reconhecem ao juiz, citando em seu abono o seguinte texto de Maria Berenice Dias que

está à fl. 14 do seu voto, no anexo 2:

“Ademais, ‘a Constituição não é um conjunto de regras, mas


um conjunto de princípios, aos quais se devem afeiçoar as
próprias normas constitucionais, por uma questão de
coerência. Mostrando-se uma norma constitucional
contrária a um princípio constitucional, tal fato configura
um conflito e, assim, a norma deve ser considerada
inconstitucional, como sustentava OTTO BACHOF já em
1951. Assim não se pode deixar de ter por discriminatória a
distinção que o art. 226, §3º, da Constituição Federal faz ao
outorgar proteção a pessoas de sexos diferentes,
contrariando princípio constitucional constante de regra
pétrea.’ (Maria Berenice Dias, União homossexual – aspectos
sociais e jurídicos, Revista Brasileira do Direito de Família,

81
janeiro, fevereiro e março de 2000, p. 11)” (grifos e maiúsculas
do original)
E assim, desconsiderando-se o pequeno recuo narrado acima, quando diz

meramente preencher “lacunas jurídicas”, sobressai do voto do Ministro Relator a

consciência de uma posição privilegiada do Poder Judiciário como formulador de

políticas públicas para substituir, e se necessário, contrariar, a vontade do legislador

ordinário ou constituinte.

Trata-se de uma posição em que é claro o ativismo judiciário, a pugnar por

uma posição de liderança da sociedade, com a disposição de fixar uma nova agenda, e

fazer valer efetivamente os direitos fundamentais, como descrito por TATE,

VALLINDER (1995) e MORO (2004), já estudados nesta monografia.

A reforçar esta distinção entre a política do Poder Judiciário e a do Poder

Legislativo para a questão, transcreve ainda o Ministro Relator diversas citações de

decisões judiciais de tribunais estaduais e regionais no mesmo sentido, dando especial

ênfase à decisão de primeiro grau jurisdicional em antecipação de tutela (Ação Civil

Pública nº 2000.71.00.009347-0, ajuizada perante a 3ª Vara Previdenciária de Porto

Alegre – fls. 15/20), que determinou modificações no atendimento interno do INSS,

com vista à concessão de benefícios aos companheiros ou companheiras homossexuais.

82
5. CONCLUSÃO

A insistente ausência de regulamentação legislativa dos efeitos jurídicos

conseqüentes à participação do indivíduo em uma relação homoafetiva é a origem da

judicialização da questão em nosso país.

Esta ausência ganha ainda maior significado quando se verifica que outros

grupos discriminados, como mulheres, índios, negros e idosos já contam com

tratamento legislativo específico em diversas áreas como direito do trabalho, direito da

educação, e direito eleitoral.

Como demonstrado no exame dos casos estudados, procuram os indivíduos

prejudicados reverter esta situação de anomia, trazendo suas questões pertinentes ao

tema para que o Poder Judiciário decida sobre elas a partir de princípios fundamentais

de características mais genéricas abrigados na Constituição, em especial o direito

fundamental à igualdade, inserindo sua luta no contexto da busca de uma sociedade sem

preconceitos e mais igualitária, nortes do nosso principal documento político.

As decisões analisadas nesta monografia indicam que este fenômeno atingiu

um novo patamar entre os anos de 2.004 e 2.005, com as primeiras manifestações de

tribunais superiores, responsáveis constitucionalmente pela unificação da interpretação

da legislação ordinária, que reconheceram ser a união homoafetiva um fato jurídico em

si, de onde podem decorrer conseqüências relevantes para os seus participantes.

No entanto, precisamos destacar que a argumentação utilizada pelos

Ministros que se manifestaram ainda é bastante vacilante, tendo dificuldades em

reconhecer como direito humano (o que dirá como direito fundamental) o que apuraram

como pressuposto jurídico das conclusões a que chegaram em cada caso. Daí as

83
insistentes restrições colocadas pelo Ministro Carlos Velloso em seu voto no Recurso

Especial Eleitoral nº 24.564 – Classe 22ª/PA (originário da 14ª Zona Eleitoral do Estado

– Viseu) e o recuo do Ministro Hélio Quaglia Barbosa em seu voto no Recurso Especial

395.904/RS, no qual, após dar a entender que apresentará uma solução ampla para o

caso, construindo uma norma a partir de princípios constitucionais, passa a procurar

sustentação para suas conclusões em dispositivos específicos da Constituição e da

legislação ordinária, interpretados na máxima elasticidade da hermenêutica tradicional.

Isso nos faz lembrar, como já estudado nesta monografia em

CAPPELLETTI (1993), que uma das principais críticas à judicialização é exatamente o

caráter casuístico, descontínuo e fragmentário das decisões judiciais, que não induziriam

à formação de uma regra estável, sendo notável e sempre presente o risco de retrocesso

nas formulações já feitas pelo Poder Judiciário.

No Brasil, este risco aumenta de modo sensível ante o caráter estritamente

individual da imensa maioria (arriscaríamos dizer, quase a unanimidade) dos processos

em que se discutem os efeitos jurídicos da participação do indivíduo em relações

homoafetivas, o que faz, até o momento, que as decisões dependam das valorações dos

fatos feitas por cada juízo particular, circunstância que também não passa desapercebida

a SHAPIRO; SWEET (2002), como estudado nesta monografia. Some-se a isto o largo

tempo de duração de cada processo, até que passe por todas as instâncias.

Vemos como possível atenuante destes riscos uma manifestação definitiva

do Supremo Tribunal Federal sobre a questão, em especial se proferida numa ação de

controle abstrato de constitucionalidade, cujas decisões têm efeito vinculativo, a teor do

parágrafo único do artigo 28 da Lei 9.868/99.

84
Não obstante, a única ação nestes moldes que conseguimos localizar em

nossa pesquisa foi a Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 3.300-DF, proposta em

13/09/2004 perante o Supremo Tribunal Federal pela Associação de Incentivo à

Educação e Saúde de São Paulo e pela Associação da Parada do Orgulho dos Gays,

Lésbicas, Bissexuais e Transgêneros de São Paulo, que questionava a

constitucionalidade do artigo 1º da Lei 9.278/96 por deixar de estender às uniões

homoafetivas a proteção especial destinada às comunidades familiares. A ação foi

extinta sem o exame do mérito pelo Ministro Celso de Mello em 03/02/2006, por

questionar a constitucionalidade de dispositivo revogado tacitamente pelo Novo Código

Civil em vigor desde 01/01/2002, a saber, o artigo 1º da Lei 9.278/96. Não há notícia de

renovação da ação para questionar a constitucionalidade de dispositivo similar no novo

diploma civil.

Mas ainda que esta decisão venha a ocorrer, é preciso que seja avaliado qual

será sua conseqüência: se terá forças para agregar o consenso necessário para uma

solução satisfatória do problema junto à sociedade, ou se servirá apenas para despertar e

agregar aqueles segmentos contrários ao reconhecimento de qualquer direito, e que

passarão a questionar um possível déficit democrático do Poder Judiciário para tomar

tão importante decisão, em processo similar ao que aconteceu nos Estados Unidos da

América, no que se refere à regulamentação do aborto.

Por tudo isso, entendemos que a judicialização da questão dos efeitos

jurídicos das uniões homoafetivas é indispensável do ponto de vista dos indivíduos que

se sentem prejudicados pela tantas vezes mencionada “cortina de silêncio” estabelecida

em torno delas, por ser a única solução que eles têm à mão a curto prazo.

85
Compreendemos também que a dianteira que o Poder Judiciário toma na

questão é muito importante para manter vivo o debate sobre o tema na sociedade,

permitindo o seu amadurecimento e seu destaque e especialização em relação ao tema

geral do direito à igualdade.

Mas temos as restrições e dúvidas acima colocadas sobre a possibilidade de

alcançar-se pela via judicial uma solução definitiva e estável, de pacificação social,

acreditando ainda que a melhor solução para a solução de evidente desrespeito aos

direitos humanos dos homossexuais é a via legislativa, decisão já tomada pelos paises

de maior tradição democrática, como mostrado nesta monografia..

Ou seja, acreditamos que o caminho mais curto para o benefício de todos

aqueles que participam de uniões homoafetivas é a edição de normas legislativas que

tratem o tema de forma simétrica e neutra, atribuindo a este fato efeitos jurídicos

suficientes a partir da presunção de dependência econômica recíproca entre os

conviventes, em especial no que se refere aos aspectos patrimoniais sucessórios e de

seguridade social.

Isto poria termo ao que consideramos uma anomalia, que é um tema com

esta relevância e potencial de demanda ser sistematicamente tratado apenas pelo Poder

Judiciário.

Transferir-se-ia então a implementação desta política pública para o ramo de

governo que tem a tecnologia própria e os recursos para tanto, que é a Administração

Pública, e teríamos estes fatos da vida ligados diretamente às respectivas conseqüências

jurídicas, regulados de forma que possam ser aplicados da mesma maneira a todas as

pessoas em todos os casos semelhantes.

Alcançar-se-ia desta forma o que consideramos serem as funções precípuas


do direito nos casos em questão: estabilizar expectativas e trazer alívio para os

86
indivíduos participantes de relações homoafetivas e também para a jurisdição, poupados
da árdua tarefa de construir e reconstruir argumentos em cada caso específico
semelhante que se apresenta ao Poder Judiciário em busca do reconhecimento dos
direitos deste segmento social.

87
6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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24.564, classe 22ª, Pará – 14ª zona – Viseu. Procuradoria Regional Eleitoral no

Pará, Izaias José Silva Oliveira Neto, Dilermando Júnior Fernandes Lhamas, Luiz

Alfredo Amin Fernandes versus Maria Eulina Rabelo de Sousa Fernandes. Relator:

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Previdenciária de Porto Alegre – Seção Judiciária do Rio Grande do Sul. Relator:

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violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos do § 8 o do art. 226 da

Constituição Federal, da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de

Discriminação contra as Mulheres e da Convenção Interamericana para Prevenir,

Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher; dispõe sobre a criação dos Juizados

90
de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher; altera o Código de Processo

Penal, o Código Penal e a Lei de Execução Penal; e dá outras providências:

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Alta relevância social e jurídico-constitucional da questão pertinente às uniões

homoafetivas. Pretendida qualificação de tais uniões como entidades familiares.

Doutrina. Alegada inconstitucionalidade do art. 1º da Lei nº 9.278/96. Norma legal

derrogada pela superveniência do art. 1.723 do Novo Código Civil (2002), que não

foi objeto de impugnação nesta sede de controle abstrato. Inviabilidade, por tal

razão, da ação direta. Impossibilidade jurídica, por outro lado, de ser proceder à

fiscalização normativa abstrata de normas constitucionais originárias (CF, art. 226,

§3º, no caso. Doutrina. Jurisprudência (STF). Necessidade, contudo, de se discutir o

tema das uniões estáveis homoafetivas, inclusive para efeito de subsunção ao

conceito de entidade familiar. Matéria a ser veiculada em sede de ADPF?. Ação

Direta de Inconstitucionalidade 3300/DF. Associação de Incentivo à Educação e

Saúde de São Paulo, Associação da Parada do Orgulho dos Gays, Lésbicas,

Bissexuais e Transgêneros de São Paulo versus Presidente da República, Congresso

Nacional. Relator: Ministro Celso de Mello, Brasília, Decisão de 03 de fev. 2006.

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