As crianças selvagens são crianças que cresceram com mínimo
contacto humano, ou mesmo nenhum. Podem ter sido criadas por animais (frequentemente lobos) ou, de alguma maneira, terem sobrevivido sozinhas. Normalmente, são perdidas, roubadas ou abandonadas na infância e, depois, anos mais tarde, descobertas, capturadas e recolhidas entre os humanos.
Os casos que se conhecem de crianças selvagens revestem-se de
grande interesse científico. Elas constituem uma espécie de grau zero do desenvolvimento humano, ensinam-nos o que seríamos sem os outros, mostram de forma abrupta a fragilidade da nossa animalidade, revelam a raíz precária da nossa vida humana.
Em termos de linguagem, as crianças selvagens só conhecem a
mímica e os sons animais, especialmente os das suas famílias de acolhimento. A sua capacidade para aprender uma língua no seu regresso à sociedade humana é muito variada. Algumas nunca aprendem a falar, outras aprendem algumas palavras, outras ainda aprenderam a falar correctamente o que provavelmente indicia que tinham aprendido a falar antes do isolamento.
Em termos de comportamento, as crianças selvagens exibem o
comportamento social das suas famílias adoptivas. Não gostam em geral de usar roupa e alimentam-se, bebem e comem tal como um animal o faria. A maioria das crianças selvagens não gosta da companhia humana e percorrem longas distâncias para a evitar. Algumas crianças selvagens não mostram interesse algum noutras crianças da sua idade nem nos jogos que estas jogam. Na medida em que não gostam da companhia humana, procuram a companhia dos animais, particularmente dos animais semelhantes à espécie dos seus pais adoptivos. Ao mesmo tempo, também os animais reconhecem estas crianças, aproximando-se delas como não o fariam em relação a outros humanos.
As crianças selvagens não se riem ou choram, apesar de
eventualmente poderem desenvolver alguma ligação afectiva. Manifestam pouco ou nenhum controlo emocional e, muitas vezes, têm ataques de raiva podendo então exibir uma força particular e um comportamento claramente selvagem. Algumas crianças têm ataques de ferocidade ocasionais, mordendo ou arranhando outros ou até eles mesmo.
Até hoje foram encontradas diversas crianças selvagens entre elas,
por exemplo, Isabel, a menina que vivia no galinheiro.
O processo evolutivo de Isabel – de criança selvagem a
criança “normal”
Isabel Quaresma, a menina que viveu a sua infância dentro de um
galinheiro, pode ser considerada uma criança selvagem. Na verdade, ainda que, ao longo dos oito anos do seu cativeiro, tivesse mantido alguma relação humana com a mãe, é muito provável que esta pouco ou nada falasse com a filha limitando-se, muito provavelmente, a alimentá-la tal como alimentava as galinhas com que a obrigou a conviver. Uma vez feita a sua entrada na sociedade, a Isabel teve alguns progressos embora o seu desenvolvimento tenha sido lento. No início, o próprio contacto com as pessoas era complicado. Só bastante tempo depois é que foi possível sentir-se à vontade com duas ou três pessoas. A nível biológico e fisiológico, Isabel apresentava índices de velhice muito acentuados. Tinha problemas de coluna, não se conseguindo equilibrar muito bem numa cadeira mas aprendeu a andar sozinha. Relativamente a processos de instrução, verifica-se que ela conseguiu aprender a descascar laranjas e bananas, a abrir algumas portas e a manipular a televisão. Também aprendeu a pegar num lápis e a riscar. Analisando os processos de educação, a Isabel fez alguns progressos a vários níveis: • Sociabilidade: não dorme no chão, usa roupas limpas, usa uma casa de banho (embora tenha de ser uma adequada à sua posição), consegue ter alguma actividade durante dez minutos seguidos e sabe estar em grupo. • Sentimentos: não tem medo das pessoas, percebe a expressão facial dos outros e sabe quando estão tristes ou contentes e, por vezes, reage ao comportamento das pessoas. • Sensibilidade: não gosta de comer fruta com casca, gosta de ver algumas coisas na tv, tem fascínio pelo tiquetaque dos relógios, sabe separar as cores, etc. • Física: consegue andar, embora com alguma dificuldade em pisos irregulares.