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Escrevinhação n. 809

O SUPLÍCIO DAS SANDÁLIAS RASGADAS


reflexões sinceras sobre a educação, ou quase isso1

Redigido entre os dias 17 de dezembro de 2009, dia de São


João da Marta e 13 de janeiro de 2010, dia de Santo Hilário
de Poitiers e da Bem-aventurada Verônica de Binasco.

Por Dartagnan da Silva Zanela2

"Amar a benevolência sem amar o


aprendizado pode levar a tolice3".
(Confúcio)

- - - - - - - + - - - - - - -

INTRODUÇÃO

Se a expectativa primeira do leitor com relação

a este mísero escrito é de um artigo tecido com todo aquele

fel acadêmico fingido e superficial, descarte-a. Não será

esse espírito suíno que norteará nossa pena solitária, pois

não movemos nossas mãos para redigir linhas com o intento

1
Olha, ninguém pediu, mas escrevinhei. Escrevi como um exercício de
reflexão sobre o meu ofício e para partilhar as indagações e
considerações que me afligem com aqueles que, real e sinceramente, se
importam e se preocupam com o acanalhamento que vem tomando conta do
sistema educacional.
2
Sou eu mesmo e não outro. Mas, para aqueles que não dispensam essas
frescuras curriculares, lá vai: professor QPM da Rede Pública do
Estado do Paraná e da Faculdade Campo Real. Graduado em História
(UNICENTRO), Especialista em Pedagogia Escolar (IBPEX) e Mestre em
Ciências Sociais Aplicadas (UEPG). Autor de um punhado e-books,
ensaios e artigos (ou seja: um amontoado de coisas inúteis e sem
valia).
3
CONFÚCIO. Os analectos. Tradução do inglês de Caroline Chang,
tradução do chinês, introdução e notas de D. C. Lau. Porto Alegre:
L&PM, 2007. (p. 149)

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de ampliar o nosso currículo e muito menos para cumprir uma

reles obrigação funcional. Não mesmo.

A única motivação que nos move a iniciar essa

missiva, com ares de uma carta aberta de feições dantescas,

é a preocupação, sincera e despretensiosa, para com os

rumos que a educação, como um todo, vem tomando.

Especialmente os tentáculos do sistema onde estou inserido

onde sou uma insignificante engrenagem desta maquinaria

capenga que, infelizmente, tornou-se o Sistema Público

Estatal de Educação.

Sim, essa é uma reflexão pessoal e objetiva do

drama existencial, no sentido orteguiano do termo (ORTEGA;

[s/d]), que a educação brasileira tomou mediante as

escolhas e decisões tomadas pelos seus agentes diretos e

indiretos. Ela é pessoal porque esse que vos escreve está

em sala de aula e construiu a sua carreira profissional

neste ambiente e não em uma coxia burocrática ou em um

pedestal universitário pedante onde se fala sobre uma

realidade que se desconhece por completo.

E, justamente essa vivência pessoal da

realidade escolar que, cremos, dá a essas linhas o seu

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caráter objetivo, por se referir a uma realidade

vivenciada, experimentada diuturnamente, por um agente real

que, por estar inserido nesta, conhece a concretude do

significado de atuar em uma sala de aula e ver escapulir

pelos seus dedos todas as possibilidades de realizar um

trabalho sério devido aos ditames pseudo-esclarecidos que

estão deformando o ato de educar na forma de políticas

implantada pelo Estadossauro influenciado pelos modismos

acadêmicos.

As instituições de ensino, literalmente,

tornaram-se um (i)legítimo simulacro do que há de mais

torpe na civilização vendido com aquela pífia máscara de

progressismo.

Tão pesados são os plúmbeos ares que adensam as

vistas dos professores, pais e alunos, que muitos temem

aceitar a verdade. Outros desistiram de encará-la e

muitíssimos estrebucham sobre ela. Sabem eles que, no tempo

dos filhos do Século das Luzes, a mediocridade tornou-se a

medida máxima de realização possível ao ser humano através

da educação institucionalizada e a isso se aplaude como

sendo um grande passo dado.

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E é justamente sobre isso que pretendemos

meditar através destas parvas linhas, abordando os

seguintes pontos: (i) o problema da função social da

escola; (ii) a falácia da democratização do ensino; (iii) o

populismo pedagógico e (iv) a miragem mefistofélica do

pensamento crítico.

1. DA (des)FUNÇÃO SOCIAL DA ESCOLA

O ponto de partida para o desenvolvimento de

qualquer atividade pedagógica é a clara definição dos

critérios que irão balizar a sua caminhada. Se você vai

ensinar uma pessoa a carpir, espera-se que ela saiba

realizar, ao menos, a limpeza de um lote baldio com o uso

de uma enxada. Se formos ensinar uma pessoa a pescar, o

resultado desejado pela lição ministrada é que o aprendiz,

ao final, saiba pelo menos pescar uma farta quantidade de

lambaris. Em fim, toda arte, enquanto um reto fazer (HUGO;

2001, p. 47-51), tem por objetivo realizar uma determinada

perfeição na vida do aprendiz em um nível minimamente

aceitável que é a autonomia na realização daquela arte

aprendida (ZANELA; 2009).

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Trocando por miúdos, do mesmo modo que no

ensino das artes apresentadas acima se espera um resultado

minimamente satisfatório, é de se esperar que todas as

artes que são ministradas em uma instituição supostamente

dedicada ensino, realizem na vida do indivíduo uma

determinada perfeição. Ou seja: que o jovem torne-se um

egresso que saiba minimamente calcular, interpretar um

texto, compreender um livro e apresentar uma boa

argumentação (por escrito e oralmente), isso tudo balizado

em um aguçado senso de responsabilidade e de realidade.

Todavia, como todos nós sabemos, isso não mais

é a pedra de toque que baliza o fazer pedagógico. Tal pedra

não mais se faz presente em nosso ambiente nominalmente

educacional, em especial nas instâncias extra-classe. É

claro que os documentos oficiais e as linhas verborrágicas

dos doutos ignóbeis em "educação" apresentam aquele

discurso meloso e cheio de boas intenções que, aos olhos

britânicos, parece um primor de intenções. Porém, se formos

avaliar a cepa desta árvore pelos seus frutos, como nos

ensina Nosso Senhor, veremos que, como dizem os populares,

que o buraco é mais em baixo e, neste caso, bem mais em

baixo.

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Se fosse realizar uma depuração dialética sobre

o problema “função social da escola” e se o fizéssemos com

o mesmo espírito que motivava os freqüentadores dos jardins

de Acádemo, chegaríamos ao seguinte: um espaço onde pessoas

aptas se reúnem para ofertar o magistério de seus saberes

para aqueles que aceitam a sua autoridade no ministério das

lições necessárias para realização do aprendizado das artes

mecânicas e liberais que são sabidas pelo mestre. Por isso,

o mancebo ao aceitar a autoridade de seu preceptor, está

pronto e francamente entregue a sua correção e sanção. A

isso se dá o nome de escola.

Onde duas pessoas se reúnem, uma com o intento

de aprender uma arte e a outra com o propósito de ensiná-la

plenamente, nós temos uma escola. Dito isso, sejamos

franco: é isso que realmente se faz presente nos prédios

que recebem na atualidade esse áureo nome? Essa é a meta em

vista das ações das nossas “otoridades públicas”?

Vivemos em uma sociedade onde a punição de um

erro (ou de um conjunto de erros repetidos de maneira

exaustiva) não mais é vista como um ato de correção e,

consequentemente, como um ato educador por excelência. Os

olhares politicamente-corretos e estupidificados vêem isso

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como um ato meramente arbitrário que viola a integridade

dos indivíduos que supostamente havia se submetido aos

cuidados do primeiro para aprender algo que ele não sabia

(ou que sabia em um nível parco).

Creio que, a título de ilustração, o exemplo

que nos vem dos tatames é deveras ilustrativo. Na prática

de uma arte marcial como o Karaté, Kung Fu, Judô, o que

vemos é essa relação4, juntamente com os seus frutos

manifestos nas mais variadas gradações5. Grandes mestres,

bons praticantes que nasceram nas mais variadas origens

sociais, nas vilas mais humildes até nos casarões mais

refinados. E o que decidiu o destino de todos esses

indivíduos não foi o seu quinhão, mas sim, a sua capacidade

de realmente realizar aquilo que é exigido. Exigido não

pelo seu Sensei, mas sim, pela própria arte6.


4
No universo das artes marciais além de existir as mais variadas
modalidades há também os vários estilos de uma mesma modalidade que
seriam as escolas desta. Ou seja: o que diferencia uma escola de
Karaté de outra é a técnica ensinada e a forma de se ensinar. Quando
um indivíduo prefere aderir ao estilo Shotokan em detrimento do estilo
Wado Ruy é porque ele prefere aprender daquele modo e assimilar
aquelas técnicas, porém, isso não significa que toda a escola (estilo)
será modificado em favor do novo karateca.
5
Nos exames de faixa atesta-se apenas a capacidade individual.
Entendamos por capacidade individual a perseverança multiplicada pelas
provações superadas pelo sujeito. Se ele foi capaz de realizar os pré-
requisitos mínimos exigidos pelo seu Sensei esse, por mérito, não por
outro motivo, recebe a nova graduação.
6
O que havíamos apontado com relação às artes marciais podemos afirmar
com relação à filosofia. Platão nunca tratou os seus alunos como
“coitadinhos”, como incapazes. Epíteto era um escravo e, mesmo assim,
fora um grande sábio.

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Por fim, as instituições que, atualmente,

recebem o nome de escola, servem para as mais variadas

(in)utilidades públicas, entretanto, elas realmente

procuram realizar a excelência de uma arte em um de seus

alunos? Será que nós, como professores, procuramos realizar

plenamente uma das artes que nós ministramos para os

incautos que estão aos nossos cuidados? Ah! Será que as

pessoas que adoram dar pitos, com ares de superioridade

olímpica, nos professores realmente são tudo aquilo que

eles exigem que os educadores sejam?

É por isso que nos dias atuais existem pais que

em um ato de desespero pedem que seu filho seja reprovado

para ver se ele aprende algo e outros que cinicamente pedem

que o diretor use de sua investidura para meramente aprovar

o seu garoto, porque chamar estes prédios de mau gosto

arquitetônico de escolas é um claro sinal de falta de

consciência do que é uma escola e do que deveria ser a sua

função.

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2. A FALÁCIA DA DEMOCRATIZAÇÃO DO ENSINO

Educação para todos! Eis um brado repetido

incansavelmente pelas mais variadas vozes, num ritmo de

autômato bestializado, em coro com o vazio de significado

destas gastas palavras. Poderíamos resumir todo esse ponto

apenas com a seguinte observação: todos têm direito a ter

acesso à possibilidade de doutorar-se, todavia, nem todos

são capazes e merecedores de receber tão elevados louros.

Todos têm direito à educação, mas poucos estão dispostos a

educar-se, a fazer os sacrifícios que o saber exige para

ser contemplado. Creio que até um idiota7 (honesto, é

claro) é capaz de entender isso.

No cenário atual é difícil fugir às frases

prontas visto a grande facilidade que os topus

(ARISTÓTELES; 1979) impregnam na alma de nossos

contemporâneos. Por essa razão que é tão complicado,

normalmente, tratar de realidades obvias. As imagens

ficcionais são muito mais atraentes e tem a vantagem de nos

manter presos em um trololó circular que não leva em lugar

7
No sentido lato da palavra.

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algum, a não ser para uma maneira, digamos, elegante de se

esquivar de nossa real responsabilidade.

Não? Então vejamos um fato testemunhado por

todos nós que estamos envolvidos direta ou indiretamente

com as edificações chamadas oficialmente de escolas. Alunos

analfabetos (dis)funcionais. Não na educação básica, ou no

ensino fundamental, mas sim, nos bancos destinados a alunos

do ensino nominalmente superior. Os alunos chegam à quarta

série8 praticamente sem saber ler e escrever razoavelmente

e sem dominar as quatro operações básicas. Passa-se a

diante9. Vai-se arrastando pelo ensino Fundamental que,

fundamentalmente, lava-se as mãos ao estilo de Pôncio

Pilatos. No ensino médio, os problemas não resolvidos são

empurrados com a pança para que tudo continue abaixo do

mediano. Abaixo da mediocridade.

8
Infelizmente, não são poucos os casos de alunos que chegam à quarta
série primária sem saber ler e escrever. Uma senhora, por várias
vezes, desabafou com minha esposa o fato de sua filha não saber ler e
escrever e, mesmo assim, ela continuava sendo aprovada. Ela não sabe o
que fazer. Não sabe a quem recorrer e, por isso, solicitava ajuda
dela. Em algumas ocasiões esse pedido fora regado com lágrimas
advindas do poço das frustrações e da impotência. Detalhe: a pessoa em
questão não é uma pessoa inculta.
9
Eis aqui um fato tão curioso como ilustrativo. Uma pedagoga de uma
cidade circunvizinha quando se defrontava com esses casos de
analfabetismo dizia, com todas as letras: “vamos aprovar esse aí.
Deixe que o pessoal da escola Estadual se incomodem”. Detalhe: a
referida pedagoga era e é tida como uma boa pedagoga.

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Com o perdão da palavra, quanto mais se fala em

educação democrática em nosso país, mais distante ela fica

dos supostos ideais fixados pela imagem acadêmico-

publicitária de seus mentores. O nosso sistema educacional

reflete muito mais um intento tirânico-totalitários do que

qualquer outra coisa.

Ora, um sistema educacional onde o que se

produz é apenas uma multidão de analfabetos funcionais, uma

massa ignara pré-modelada para ser utilizada como um

instrumento para conquista e perpetuação de caudilhos no

poder tem vocação para ser algo diverso? Incapacita-se os

indivíduos a agirem de maneira independe, onde o decorar de

uma e outra palavra de ordem transmuta-se em “visão crítica

da realidade10” e isso, meus caros, é aprendido em sala de

aula11 e reforçado pela tal da mídia e pela vida infra-

humana em sociedade.

10
E, via de regra, se pedirmos para que o Zé Mané explique o que ele
está querendo dizer com aquelas frases decoradinhas, ele não sabe o
que dizer, ou se enrola, ou tem uma crise de histeria (depre)cívica. E
isso é mui bem quisto entre nós.
11
Se discorda do dito, então perguntamos: quantos educadores realmente
analisam o que está escrito, o que está presente, no livro didático?
Quantos professores procuraram identificar os topus, os lugares
comuns, que estão presentes nos materiais didáticos e nas instruções
que nos são passadas? Quem dedicou à sua atenção para identificar os
valores que estão presentes no currículo não-escrito do nosso sistema
educacional? Você, sinceramente, já fez isso? Já pensou nas
implicações disso em médio e longo prazo?

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Poderíamos aqui desperdiçar um pouco mais de

nosso tempo com aquela velha e tola masturbação mental.

Poderíamos, mas não o faremos. Iremos apenas chamar a

atenção para um fato simples. Para interpretarmos de

maneira independente o que ocorre junto à realidade é de

basilar importância que o indivíduo seja capaz de

interpretar um texto com clareza, não é mesmo? É

importante, penso eu, que ele esteja habilitado não a tirar

as “suas” supostas conclusões, mas ser capaz de captar e

compreender a realidade. Ora, e se o indivíduo não é capaz

de interpretar um aforismo, como ele poderá agir de maneira

independente? Bem, mas para o establishment o importante é

que todos possam ter o seu diploma democraticamente

adquirido que ateste sua encanudada ignorância que o

habilitará ser um cidadão perfeito desta república de

bananas.

3. O POPULISMO PEDAGÓGICO

Devido o esquecimento, voluntário ou não, do

papel das escolas e bem como dos mestres em relação à vida

do sujeito ativo chamado aluno que se inaugurou e abusou-se

dos mais variados usos erísticos para justificar as mais

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variadas formas de populismos pedagógicos que tem nos

apresentado unicamente uma penca significativa de frutos

estragados.

Como a latrina é profunda e está cheia até os

borbotões, procuraremos apenas chamar a atenção do leitor

para aos dejetos pedagógicos que sejam mais significativos

para o problema que desejamos destacar. Vejamos um externo

ao território do Estado amado de Romário Martins, mas que

ilustra bem o que ocorre com grande freqüência nesta terra

de pinheirais. Certa feita, um jovem rapaz, técnico em

eletro-mecânica (formado pelo antigo CEFET) disse-me que

ele ficava apavorado com a forma que são desenvolvidos os

atuais cursos similares ao seu na atualidade por outras

instituições de ensino. Cursos tão “pra inglês ver” que se

os egressos fossem contratados por uma empresa essa teria

que literalmente ensinar tudo para o técnico (de)formado. E

chamam a isso, no novo pedagoguês de inclusão das massas.

Será que tal cenário ocorre junto de nossa persona? Será

que isso realmente ocorre com nossas escolas?

É claro que não. Os egressos não são

(de)formados em (in)competências técnicas, mas apenas em

(in)competências elementares. Isso mesmo. Basta-nos, se

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formos minimamente honestos conosco mesmo, sobre o modo

como são desenvolvidos os conselhos de classe, em especial,

no fim do ano letivo. Antes mesmos dos professores

iniciarem as ponderações lhes são transmitidas as

chantagens, digo, as orientações das instancias superiores

exigindo, digo, sugerindo uma necessária aprovação em

massa, mesmo que a realidade não condiga com as hipotéticas

necessidades estatísticas exigidas.

Aí inicia a ladainha. Toda a desídia passa a

ser justificada pelas justificativas mais torpes. Aliás, no

Brasil, como o normal é que os indivíduos sejam fracassados

e justifiquem as suas existências em uma auto-piedade de

dar dó, toda mediocridade passa a ser vista com os mais

elevados ares de nobreza. Em nossa sociedade e,

inevitavelmente, em nossas escolas, a mendicância

intelectual-moral torna-se a medida de avaliação do

desempenho humano, devido a total ignorância (voluntária)

do que seja realmente grande e digno de respeito. Como

ninguém quer ser nivelado por cima, de comum acordo,

movidos por um senso de auto-preservação da nossa

insignificância, ostentamos nossa pequenez, nossa

mendicância humana como um símbolo de orgulho e,

obviamente, exigimos também que todos ajam assim. Em um

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ambiente destes, como exigir que algo de sério nasça? Como

esperar que algo elevado surja sendo que a mediocridade

maquiada com um fingimento hipócrita é a dimensão mais

elevada que a mente estudada é capaz de vislumbrar?

E não pense você que sinto prazer em escrever

essas parvas linhas. Não mesmo. Sinto vergonha, tristeza,

porque faço parte disso tudo e devido a um certo sentimento

de impotência em um misto com a uma relativa falta da

coragem moral. Somos parte do sistema. Parte inconformada,

mas parte integrante.

Por isso cremos, piamente, que devemos rever a

escala de valores que norteia nossas ações, que avaliemos a

hierarquia noológica dos valores (SANTOS; 1960) do sistema

educacional e a nossa (pessoal) a partir de nossos frutos,

de nossos méritos, para que ao menos em médio prazo

possamos construir uma escola para formação de seres

humanos dignos, não mais coitadinhos dissimulados movidos

por um senso de auto-piedade infantil desmedido.

Se fôssemos resumir esse ponto, poderíamos

apenas lembrar que na jornada de formação de um homem o

mais importante na escala dos valores não é de onde o

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indivíduo veio, mas para onde pretendemos que ele vá; não é

onde ele está, mas onde ele pretende chegar. No que tange

essa questão, caberia então a indagação: em uma escala

noológica, o que é basilar para a concreção de um ato

educativo? É a elevação do indivíduo através da assimilação

de uma arte (liberal ou mecânica) ou do rebaixamento das

artes à insignificância do indivíduo massificado?

Pelo amor de Deus, não responda a essas

indagações “criticamente”. Medite-as apenas de maneira

séria.

4. A MIRAGEM MEFISTOFÉLICA DO PENSAMENTO CRÍTICO

“[...] seus olhos estão presos ao modelo do

objeto”. (Sir; XXXVIII, 28). Esse conselho presente nas

luminosas palavras da Sacra Escritura é o ponto de partida

para abordagem do problema que nos propomos pontuar nesse

capítulo da presente escrevinhação.

Nas últimas décadas em nosso país veio-se

impregnando no meio pedagógico inúmeros modismos pintadas

com a imagem de progressista e, por impregnação

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psicológica, passavam à imagem de superioridade devido a

sua manifesta preocupação com os supostos traumas que a

maneira tradicional de educar estaria causando aos alunos.

Bem, eu e você, fomos educados totalmente em um sistema

nominalmente tradicional ou, pelo menos, parcialmente. Se

tal maneira de conceber a educação era equivocada e era uma

profícua matriz de traumas e frustrações, caberia a cada um

de nós meditar sobre o seguinte: (i) se a educação dita

tradicional causou tantos traumas aos educandos, quais

seriam esses traumas e qual a percentagem de alunos

educados por esse sistema que sofreram tais problemas? (ii)

Nós fomos educados (integral ou parcialmente) nesse

sistema. Logo, quais traumas afetaram e, consequentemente,

prejudicaram nossa formação? (iii) Se pelos frutos

conhecereis a cepa da árvore, pergunto: quais são os frutos

das inovações educacionais implementadas nas últimas

décadas em nosso país? (iv) Já se parou para avaliar

seriamente as deformações que estão sendo implementadas na

estrutura do caráter destas gerações que passaram pelas

mãos que compõem o que chamamos de sistema educacional?

Essas são questões que não devem ser caladas,

de modo algum e devem ser investigadas e meditadas por cada

um para que possamos, de uma vez por todas, nos libertar

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dos desvios pedagógicos que estão encalacrados em nossa

alma e que desviam o nosso olhar do problema real em todas

as teorias educacionais hodiernamente aceitas como válidas.

Se realmente fôssemos estudar com a devida

seriedade todas as teorias pedagógicas e propostas

políticas para o desenvolvimento da educação, perceberíamos

que em todas elas o ponto basilar que distingue o ser

humano dos outros animais é descartado e colocado em uma

posição secundária (para não dizer irrelevante). Essa

faculdade que nos distingue dos outros animais é a

faculdade volitiva, a vontade (AGOSTINHO; 1995).

O sujeito ativo do processo educativo é sempre,

e sempre será, o aluno. Ativo não no sentido de que ele

deverá ser largado por conta a revelia na “realização” de

pseudo-trabalhos. Ele é ativo no sentido de que ele

aprenderá algo se ele realmente desejar. Se estamos falando

de uma educação onde ele, o mancebo, está devidamente

assistido com um preceptor e uma família que o estimule

devidamente haverá, ainda, a possibilidade de que ele

voluntariamente negue-se a aprender aquilo que está sendo

ensinado. Nestes casos é que entrava a autoridade paterna

que simplesmente o ameaçava com uma possível sanção e

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mediante essa ação da autoridade, o jovem que pretendia

tornar-se um aluno negligente, se via obrigado a

compreender que os seus quereres não eram absolutos e muito

menos os mais importantes (SALES; 1991, p. 102-105). Quem o

diga em um sistema de educação em massa como o é na

sociedade atual. Porém, atualmente, não há autoridade

realmente operante no sentido exposto.

Não sei quanto a você, mas quanto a mim, chega

a me causar urticária quando chegam aqueles burocratas

adestrados e pedagogos com aquela conversa de que tudo

depende da criatividade do professor. Ora, para qualquer um

que saiba o que é uma sala de aula de fato sabe muito bem

que não basta esse trololó de criatividade. Lembremos que,

em regra, uma criança e um jovem não freqüentam uma escola

por livre e espontânea vontade (fator interno), mas sim,

por fatores externos como obedecendo a uma ordem familiar,

uma pressão do meio social ou simplesmente devido a uma

imposição legal.

Um indivíduo que freqüenta um ambiente que tem

a finalidade de ensinar-lhe algo deve, necessariamente,

disciplina-lo. Isso mesmo, aprender uma arte é assimilar e

viver uma disciplina. Para que essa tenha sentido é

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necessário que o aluno tenha uma visão clara dos limites e

possibilidades de sua ação através de um sistema de regras,

sansões e punições extremamente claras. Assim nós

aprendemos a trabalhar (seja cultivo o campo, na lida do

gado, em uma oficina, em um estabelecimento comercial,

etc.), deste modo aprendemos a prática de uma modalidade

desportiva (como o ufanado futebol, ou o basquete, o

Karaté, natação, etc.), desta maneira nós aprendemos a

viver (aprendemos que não estamos acima da lei, da

sociedade, da família, de Deus), a enfrentar os dilemas que

a vida, necessariamente, nos apresenta, queiramos ou não.

Para isso serviam e servem as punições e as

regras claras. Servem para educar as pessoas. Elas devem

existir para guiá-las no caminho correto. Se assim o é para

com as pessoas adultas, por que não o é com aqueles que

estão começando a sua vida? Toda escolha tem uma

conseqüência equivalente a opção feita. No ambiente escolar

atual é-se feito um simulacro desta relação que, por sua

deixa, deseduca o jovem de uma maneira maliciosa.

Criminosa, para sermos francos, pois se está falseando a

realidade para educando que, ao invés de amadurecer e

tornar-se responsável pelos seus atos e pela conseqüência

deles os mancebos estão literalmente tornando-se mais e

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mais dependentes emocionais, intelectuais, inseguros e,

acima de tudo, por assim o serem, crerem que devido a essas

prerrogativas negativas eles devem ser atendidos na

realização de seus desejos pela sociedade, mesmo que eles

nunca tenham oferecido nada de significativo para a

sociedade.

De mais a mais, todos falam e afirmam por

momentos fugidios no começo do ano letivo que se deve

tratar os alunos como pessoas responsáveis pelos seus atos

e assim por diante. Porém todos querem ser bons-moços,

passar por bom-samaritano de meia-pataca, mas poucos querem

o ônus de fazer o que deve ser feito: ensiná-los a serem

responsáveis tratando-os como se eles fossem responsáveis

para que eles venham a ascender para essa condição, visto

que, ninguém aprende a nadar se não for colocado na água. E

as águas da responsabilidade a muito não são devidamente

visitadas pela educação.

Doravante, se você é um daqueles indivíduos que

está por demais impregnado por toda aquela pedagogice

moderna, proponho a seguinte situação hipotética para ser

resolvida: reúna um grupo de empreiteiros para fazer uma

colheita de feijão em suas terras. Porém, eles irão receber

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o pagamento (aprovação) independente da forma que seja

feita à colheita e se ela for feita integralmente. Se eles

não cumprirem com o acordado você não poderá eximir os

empreiteiros do seu soldo. Pergunta: como você resolveria

essa situação se o recurso à punição dos maus trabalhadores

e premiação aos que forem exímios trabalhadores? Qual seria

a sua solução criativa12? Bem, essa é a situação de uma

sala de aula na atualidade nesta terra de desterrados.

As palavras podem parecer um tanto duras, mas a

intenção de sua anunciação é boa. Não estamos aqui querendo

parecer bonzinho, populista, como muitos o são querendo

distribuir diplomas para pessoas totalmente desprovidas de

mérito por serem tão irresponsáveis quanto seus pretensos

defensores. Não se corrige um erro de percurso e, em alguns

casos, uma falha de caráter ciosa por aflorar, passando a

mão na cabeça do sujeito. Muito menos tratando o aluno como

coitadinho. Não há noticia de ninguém que tenha se tornado

digno de respeito na história da humanidade porque se fez

de coitadinho. Corrige-se um erro ou uma falha de caráter

apontando o caminho correto, ensinando o que é o certo e,

tal ensino se dá muito mais de maneira simbólica do que

12
Pois é a única coisa que os burocratas adestrados na pedagogice
reinante lhe sugerem: “que o professor deve ser criativo”. Porém, o
exemplo de criatividade que eles dão em suas preleções é de amargar.

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através de conversa fiada. Trocando em miúdos: aprendemos

muito mais caindo e se machucando do que ouvindo as

advertências de nossos pretensos protetores. Nosso corpo

torna-se mais forte quanto mais ele é provado. Nossa alma

torna-se mais pia quanto mais ela é examinada pela

consciência.

Enfim, isso é a vida humana. Uma vida sem

riscos, perfeita e paradisíaca nesta terra não passa de uma

proposta vulgar de Mefistófeles feita em todo momento para

nossa estulta face faustica que quer mudar o mundo falando

bem sobre o mundo perfeito possível sem desejarmos e

lutarmos pela perfeição em nossa vida e sem fazer o bem por

nos contentarmos em fingirmos estar fazendo-o.

[continua]

REFERÊNCIAS

AGOSTINHO, Santo. O livre-arbítrio. Tradução e notas de Nair de


Assis Oliveira; revisão de Honório Dalbosco. São Paulo: Paulus,
1995.

ARISTÓTELES. Tópicos – Coleção Os Pensadores. São Paulo: Abril


Cultural, 1979.

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CONFÚCIO. Os analectos. Tradução do inglês de Caroline Chang,


tradução do chinês, introdução e notas de D. C. Lau. Porto
Alegre: L&PM, 2007.

HUGO DE SÃO VITOR. DIDASCÁLICON – da arte de ler. Introdução e


tradução de Antonio Marchionni. Petrópolis: Vozes, 2001.

ORTEGA, José y Gasset. El hombre y la gente. Disponível na


internet: http://dartagnanzanela.k6.com.br.

SALES, Herberto. Andanças por umas lembranças: subsidiários 2.


São Paulo: Editora Nacional, 1991.

SANTOS, Mário Ferreira dos. Filosofia Concreta dos Valores. São


Paulo: Logos, 1960.

ZANELA, Dartagnan da Silva. Ser intelectual sem ser boçal.


FALSUM COMMITTIT, QUI VERUM TACET, [2009]. Disponível na
Internet: http://dartagnanzanela.k6.com.br.

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