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Umuarama, domingo,

31 de janeiro de 2010 15
UMA CIDADÃ
DIANTE DA Um Corpo Desacostumado:
SOCIEDADE Rua escura, estreita
DO ESPETÁCULO e às vezes sem saída Por Caroline Guimarães Gil
por Thiago Calixto
A coragem e a covardia são gumas crianças brincando no
Sobre a mesa espalhados alguns livros de Psi- palavras que me instigaram parque da praça. Seus olhos,
canálise, celular, note book, uma caneca de café, durante bom tempo, porém, lacrimejantes, puseram-se fir-
canetas bic e um lápis com mais da metade de sua vida de fato, “não há homem co- mes sobre o horizonte por
ceifada (por uma boa causa). Eis que no cansaço de varde ou homem corajo- detrás dos cedros-da-várzea.
meus estudos, vislumbro um livro Grande, capa dura, so; há homem, o resto ainda Afastou a cadeira da bancada,
não o é”. Pois o ser humano e pôs-se a abrir a janela com
páginas fechadas se abrem em sobressalto; enquanto
possui como potência, a co- força, um pouco empoeirada.
isto, outro, no canto oposto da mesa comprida de re-
ragem. Ele é um descobri-               - Senhor?! – a criada
feições costumeiras, fecha-se paulatinamente a fim de
dor nato, um conhecedor, bateu na porta.
se compenetrar. um curioso, um dissecador               - À vontade.
Observo com a atenção possível, haja vista o das coisas. Quem abdica da               Possuía a pele mula-
recipiente já vazio do que outrora me fazia desperto. sua coragem, está ao mes- ta e olhos amendoados, mes-
Do primeiro livro consigo ler algo do título – (...) mo tempo, abdicando da tiça, já com traços da idade
Narcisismo (...); do segundo, de tão pequenas e apa- sua seiva, da sua função de aparente. Seu olhar era sem-
gadas apenas imagino se tratar de depressão. Aquele ser um humano. Tendo este pre de uma senhora, compa-
se aproxima deste como se o evento estivesse sendo contexto como fundo ima- nheira, que estava sempre
televisionado. Eu calado, somente penso: nada mais ginário, delimitei persona- disposta e prestes a tomar to-
contemporâneo ou atual (pra quem assim prefere) que gens de uma novela que vo- dos por seus filhos. Edna “era
este encontro, ou, desencontro. O primeiro desfila suas cês poderão acompanhar mais do que uma ajudan-
capas douradas em perfeito estado de conservação durante os próximos do- te doméstica”, como dissera
(EXTERIOR, diga-se de passagem). Não vejo suas pá- mingos, “Um Corpo De- uma vez a ela. Pois conferia a
ginas, seu interior é impenetrável ao meu olhar (tanto sacostumado: rua escura, ela sua total confiança e res-
mais ao meu toque, penso novamente). Clama ele, estreita e às vezes sem peito. Esta consideração era
entretanto pelo olhar do segundo, o qual em seu refúgio saída”. devido à grande amiga que
busca evitá-lo. “Minha estimada. Não devo real estado. Portanto, por hora, ao alcance dos olhos. Não sei fora de sua mãe, numa das
E nada! Até que se enfurece e exige o reconheci- saber em quais circunstâncias não quero prolongar as pala- donde principiamos, entretan- épocas mais difíceis da famí-
mento que não vem de imediato, causando maior con- está sobrevivendo. E, talvez, vras. Quero apenas recordar-te to sei donde findamos ou don- lia. Em meio a uma grande
strangimento, inclusive em um terceiro que não muito isto me sobressalte em alguns de pensamentos que me avi- de queremos findar. E devido a dificuldade financeira, Edna,
distante de mim, carregava em sua brochura verde, momentos. Não ter notícias goram em meio a esta situa- estes rastros futuros que dei- desfez de seu próprio paga-
letras brancas de Pânico. Quando, então, o segundo, em suas, é como não localizar-me ção trágica. Quero que jamais xamos pelo caminho, que nos mento para prosseguir com
tom de repúdio proclama que sim, o reconhece. Neste no tempo e no espaço. Não sa- deixes teus ouvidos a mercê reconheço, nos faço manifes- seu trabalho. Além do mais,
momento, um gozo compulsivo faz tremer a capa dura. ber o início das histórias é tão de bocas que somente procla- tos, para que a travessia seja não era só esta ação que o fa-
- Você, Narciso, é o senhor do espetáculo, mestre comum quanto não saber don- mam idéias e conceitos bara- feita. Solidificando-nos naqui- zia possuir grande respeito
da aparência, culto da imagem, predador do outro. Não de surgimos. Mas, privarmo- tos, levianos e sem valor. Que- lo o que ainda esta por vir. De pela criada.
desejo compartilhar de teu desfile! E assim, a Tristeza nos dos fins que elas se dão, é a ro que sejas forte, ao ponto de seu, sempre, apreciador e apai- Qual o real motivo de
volta seu olhar a mim (permaneço em silêncio num pior das crueldades. Tantas pa- lembrar-te antes de qualquer xonado, Benjamim” uma simples empregada ser
gesto de respeito) bradando a plenos pulmões – e meu lavras escrevi e as despedacei, coisa, que estar pronto não é               Observou, por breve tão considerada por Benjamim?
direito de ser triste??? não as considerando pertinen- viver em plenitude no tempo instante, pela janela do segun- Descubra no próximo domingo
tes, por não saber qual o seu presente. É deixar a finalização do andar de seu dormitório, al- (14/02) na página do Culturanja.

ELA É A ÚLTIMA QUE MORRE Por Ângela Russi

Assistindo a um filme do sim? Quem sabe se em casa de


maravilhoso Woody Allen caí ferreiro o espeto nunca fosse
em mim e descobri que a esper- de pau acreditaríamos no que
ança não é a ultima que morre. ouvimos ao longo de nossa vida
Embora tendo ouvido por toda a daquelas pessoas aparente-
minha vida o conhecido ditado mente perfeitas? Ou até esperar
tive de dar a mão à palmatória e que aquele que feriu com ferro,
reconhecer que quem morre por com ferro seria ferido tam-
último é a ilusão. bém? Que em briga de marido
No filme havia uma mulher e mulher ninguém meteria a
que sonhara por toda sua vida colher a não ser para ajudar
com o homem ideal para ela o relacionamento evoluir? Não
e o encontrou, porém, após seria ótimo que cada macaco
um tempo com ele retornou a realmente ficasse em seu galho
sua vida anterior e ao marido nos momentos oportunos? E se o
por vontade própria. A razão? macaco fosse velho não meteria
Descobriu que viver sua fan- a mão em cumbuca alguma de
tasia esperada por anos a fio jeito nenhum, demonstrando
tinha acabado com a graça de sabedoria? Que as pessoas
esperá-la. É por isso que adoro ávidas por reconhecimento
os filmes do Woody Allen, ele tomassem consciência que
consegue retratar com uma o pouco aparece e o muito
simplicidade cruel o compor- aborrece e assim deixasse os
tamento humano e a situação cidadãos comuns em paz? Que
que causa sofrimento acaba se todos tivessem certeza de que o
tornando hilária. que se planta se colhe no futuro
É assim, simples. Esperar e só plantassem sementes sel-
traz esperança. Ter esperança ecionadas? E que todo ser fosse
é uma dádiva divina. Sem civilizado a ponto de dar uma
esperança o que sobra? Deses- boiada para não entrar numa
perança. Esta pode ser consid- briga e assim perdesse apenas
erada o antônimo de ilusão. Sem bois e nunca os amigos.
esperança não há ilusão e sem Gostaria que fosse assim.
ilusão não há esperança. Que ilusão a minha! Entretanto
Quando se espera sempre há tenho esperança de que um dia
um desejo do que é esperado. O será. Não sei quando, mas, será.
esperado é desejado e querido. Recuso-me a desistir. Tenho
Há quem espere ser feliz e não mau humor. Existem pessoas que por ultimo é a ilusão. Alguns esperança sim. Se ela morrer
é nunca. A felicidade para esse esperam a morte matando-se um segundos depois da esperança, a morte que virá em seguida
Leia e assine ser é algo tão maravilhoso que
só pode acontecer no futuro.
pouco a cada dia e não percebem
que esse suicídio homeopático
porém, depois.
Como seria mais simples
será insuportável. Roube-me
tudo menos minha ilusão que
o Jornal Então, é esperar por ela. Tem permitido socialmente também se algumas ilusões nunca mor- o mundo será um lugar melhor
Umuarama Ilustrado gente que espera as férias e a traz esperança de uma vida ressem. Se a justiça fosse igual um dia, com pessoas que real-
aposentadoria com a certeza de melhor. Toda esperança tem por para todos e o olho por olho e mente importam-se umas com
44 3621-2500 que serão dias de puro deleite.
Até lá apenas trabalho duro e
fim a ilusão de algo melhor. Por
isso acredito que quem morre
dente por dente fosse certeza
eterna. Seríamos justos as-
as outras. Isso seria o fim, de
verdade.

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