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Como Queiras, Amor...

O Amor Como queiras, Amor, como tu queiras.


Entregue a ti, a tudo me abandono,
seguro e certo, num terror tranquilo.
A tudo quanto espero e quanto temo,
O amor, quando se revela, entregue a ti, Amor, eu me dedico.

Não se sabe revelar. Nada há que eu não conheça, que eu não


Sabe bem olhar p'ra ela, saiba,
Mas não lhe sabe falar. e nada, não, ainda há por que eu não
espere
como de quem ser vida é ter destino.
Quem quer dizer o que sente
Não sabe o que há-de dizer. As pequeninas coisas da maldade, a fria
tão tenebrosa divisão do medo
Fala: parece que mente em que os homens se mordem
Cala: parece esquecer com rosnidos
de malcontente crueldade imunda,
eu sei quanto me aguarda, me deseja,
Ah, mas se ela adivinhasse, e sei até quanto ela a mim me atrai.
Se pudesse ouvir o olhar,
E se um olhar lhe bastasse Como queiras, Amor, como tu queiras.
De frágil que és, não poderás salvar-me.
Pr'a saber que a estão a amar! Tua nobreza, essa ternura tépida
quais olhos marejados, carne
Mas quem sente muito, cala; entreaberta,
será só escárneo, ou, pior, um
Quem quer dizer quanto sente vão sorriso
Fica sem alma nem fala, em lábios que se fecham como olhares
Fica só, inteiramente! de raiva.
Não poderás salvar-me, nem salvar-te.
Apenas como queiras ficaremos vivos.
Mas se isto puder contar-lhe
O que não lhe ouso contar, Será mais duro que morrer, talvez.
Entregue a ti, porém, eu me dedico
Já não terei que falar-lhe àquele amor por qual fui homem, posse
Porque lhe estou a falar. e uma tão extrema sujeição de tudo.

Como tu queiras, meu Amor, como


tu queiras.
Fernando Pessoa
Jorge de Sena

O Amor é uma companhia


A definição do amor

O amor é uma companhia.


Já não sei andar só
pelos caminhos,
Porque já não posso andar só.
Um pensamento visível faz-me dantes escrevia poemas de
andar mais
depressa amor. para viver com o amor
E ver menos, e ao mesmo tempo nos poemas, sempre. depois
gostar bem de ir disseram-me que já toda a
vendo tudo.
gente o fez, que nada mais
Mesmo a ausência dela é uma havia a escrever sobre o amor.
coisa que que o amor já estava em
está comigo. demasiados poemas. eu aceitei
E eu gosto tanto dela que não sei
como a desejar.
o conselho e passei a escrever
Se a não vejo, imagino-a poemas de morte. escrevi
e sou forte como as muitos poemas sobre o meu
árvores altas. pai, até ao dia em que percebi
Mas se a vejo tremo, não sei o que
é feito do que que a morte é sinónimo de
sinto na ausência dela. amor, como tudo é sinónimo
do amor. e voltei a escrever o
que nada havia a
Todo eu sou qualquer força que
me abandona. dizer. porque até o poema é
Toda a realidade olha para mim sinónimo de amor.
como um girassol
com a cara dela no meio.
Jorge Reis-Sá

Alberto Caeiro
(heterónimo de Fernando Pessoa)

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