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A POSSIBILIDADE DE UMA ABORDAGEM TRANSDISCIPLINAR NA EDUCAÇÃO1

Valéria M. Venturella2

Resumo
O presente trabalho é resultado de uma pesquisa bibliográfica sobre transdisciplinaridade, seus
pressupostos básicos e suas implicações no desenvolvimento da teoria do conhecimento. Sobre o
apoio dessa revisão, o trabalho coloca, a partir dos princípios fundamentais da transdisciplinaridade,
as características de uma postura transdisciplinar que possa ser adotada na pesquisa, no ensino e
em outras áreas de atuação. Finalmente, o trabalho tenta apresentar a proposta de uma metodologia
transdisciplinar geral para a educação, a partir da qual vários métodos particulares poderiam ser
desenvolvidos.

Introdução

O ser humano parece estar, redescobrindo nas últimas décadas do século XX, sua
complexidade, a do outro e a do mundo. E parece estar desarmado diante dessa “novidade”.
Nas palavras de Basarab Nicolescu, autor de O Manifesto da Transidisciplinaridade,
“embora a civilização nunca deixe de produzir conhecimentos novos, parece que esses
conhecimentos nunca podem ser integrados no interior dos que pertencem a essa
civilização” (NICOLESCU, 1999, p. 19). Ao observarmos as desigualdades, os conflitos, as
tensões e a destruição ao nosso redor, podemos suspeitar que a consciência humana não
evoluiu ao mesmo tempo e na mesma intensidade com que o conhecimento se expandiu.
Apesar de tanto saber, não parecemos dar mostras de compreender o mundo, as
pessoas que nos cercam, ou nós mesmos. A impossibilidade de superarmos muitos dos
conflitos e guerras que vivenciamos são a prova viva disso. Nossos líderes políticos e
religiosos, por exemplo, parecem não saber como lidar com os desafios que temos de
enfrentar, mesmo quando são auxiliados pelos maiores especialistas formados pela
humanidade. Assim, podemos chegar a supor que o conhecimento acumulado pela
humanidade ao longo de sua história, além de muitas vezes ter se tornado ininteligível para
as pessoas, parece ter contribuído pouco na construção de um mundo mais harmônico e
mais feliz.
Nossa educação, apoiada na tradição científica analítica e disciplinar, parece
contribuir para essa falta de compreensão, ao destacar os objetos do meio em que estão
inseridos, isolá-los e, ao estudá-los, ignorar as relações que existem entre os componentes

1
Texto adaptado do referencial teórico da Dissertação de Mestrado Rumo a uma abordagem
transdisciplinar para o processo de ensino e aprendizagem de língua inglesa em sala de aula
(VENTURELLA, 2004).
2
Mestre em Educação pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul; professora dos
cursos de Pedagogia e Letras da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul –
Uruguaiana.
da realidade, entre os nossos componentes, e entre a realidade e nós mesmos. Segundo
Edgar Morin (2001), o problema não reside no fato de que existem diferentes áreas no
conhecimento humano, mas sim na maneira pouco solidária como lidamos com essas
áreas. “Separamos os objetos de seus contextos, separamos a realidade em disciplinas
compartimentadas umas das outras” (MORIN, 2002, p. 11). E é assim que aprendemos a
lidar com o mundo: entendendo as coisas em separado, uma após a outra numa ordem dita
“didática”, não considerando as relações que existem entre elas, ou entre elas e nós
mesmos.
O mundo, porém, é uma teia multidimensional de elementos conectados entre si,
interagindo dinamicamente, muito mais complexa do que a soma de suas partes. E o ser
humano, por sua vez – muito mais que um cérebro e um corpo – é um ser psíquico, dotado
também de sentimentos e espírito (SOMMERMAN, 1999), um todo formado por diferentes
dimensões que se relacionam estreitamente, de maneira evolutiva. Além disso, ser humano
e mundo interagem, influenciam-se e modificam-se um ao outro, simultaneamente,
modificando-se eles mesmos nesse processo. Dessa interação despontam emergências que
fazem o conjunto ser humano-realidade ser mais complexo que a simples justaposição de
um a outro. É essa a complexidade que não conseguimos compreender por inteiro.
A tradição reducionista – que, para fins de pesquisa e ensino, reduziu a realidade às
suas partes integrantes – propiciou enormes avanços científicos e tecnológicos nos últimos
dois séculos. Nesse sentido, seu valor não pode ser desprezado. Esse reducionismo e a
conseqüente fragmentação, por outro lado, levou a humanidade a saber cada vez mais
sobre pedacinhos cada vez menores da realidade, e, dessa maneira, tornou-nos incapazes
de compreender o todo. Estudiosos contemporâneos, como Edgar Morin e Basarab
Nicolescu, cujas idéias inspiram e embasam este trabalho, acreditam que essa
incompreensão da complexidade do mundo está na raiz das crises morais, políticas e
sociais que nos assolam em escala planetária neste início de século.

A transdisciplinaridade

O pensador francês Georges Gusdorf afirma que reivindicações pela unificação dos
conhecimentos, tais como a interdisciplinaridade e a transdisciplinaridade, não passam de
uma redescoberta, de uma busca da integridade científica perdida ao longo da história do
conhecimento, já que a unidade foi inerente à ciência desde seu surgimento (GUSDORF,
1995). Foi apenas no século XIX que a expansão sem precedentes do trabalho científico
levou à especialização e à conseqüente fragmentação da ciência e ao isolamento das
disciplinas. Foi também nessa época, devido às metodologias científicas analíticas e
preditivas, que o conhecimento deixou de ser uma relação com a realidade para se tornar
um conjunto de descrições e prescrições abstratas, o que evidentemente causou um
divórcio a realidade existente e a visão que a ciência tem dela.
Para Gusdorf, o futuro do conhecimento – e, conseqüentemente o futuro da
humanidade – está em uma relação de íntima dependência com a possibilidade de
abordagens reunificadoras da ciência, uma vez que é o conhecimento produzido pela
humanidade que define sua consciência de si e da realidade (GUSDORF, 1995). E é para
tentar dar conta do desafio de compreender a si mesmo e ao mundo presente que lançamos
mão da transdisciplinaridade, que tem como finalidade última reintegrar o que está tão
dividido e compartimentalizado.
Basarab Nicolescu (1997) definiu as principais diferenças entre pluridisciplinaridade,
interdisciplinaridade e transdisciplinaridade no Congresso Internacional Que Universidade
para o Amanhã? Em busca de uma evolução transdisciplinar para a universidade em
Locarno, na Suíça em 1997. Para compreendermos estes conceitos, porém, precisamos
primeiro entender o que é disciplinaridade, pois é a partir deste último que podemos definir
os outros.
A disciplinaridade é o estudo especializado de um determinado ramo do
conhecimento, geralmente feito de forma isolada, em que se desconsidera vínculos que
possam existir entre diferentes áreas da ciência. Cada uma dessas áreas se configura em
uma disciplina, cujas metodologias e linguagens são características e distintivas.
Já a pluridisciplinaridade é o estudo de um objeto de por várias disciplinas ao mesmo
tempo. Esse processo, pelo cruzamento das análises de vários especialistas de diferentes
áreas, enriquece o objeto e aprofunda o conhecimento sobre ele. Porém, apesar de
ultrapassar os limites das disciplinas, a abordagem multidisciplinar continua inscrita no
quadro disciplinar.
A interdisciplinaridade, por sua vez, se refere à transferência de métodos de uma
disciplina para a outra, em três diferentes instâncias: a aplicação, a epistemologia e a
criação de novas disciplinas. Assim como a pluridisciplinaridade, a interidisciplinaridade
chega a ultrapassar as disciplinas, mas sua finalidade ainda é manter a divisão disciplinar.
O termo “transdisciplinaridade” não pode ser considerado novo. Ele foi usado pela
primeira vez por Jean Piaget em um colóquio sobre a interdisciplinaridade em 1970, em que
afirmou que a etapa das relações interdisciplinares evoluiria para as relações
transdisciplinares, que, mais do que encontrar interações ou reciprocidades entre pesquisas
especializadas, situaria essas relações em um sistema global, onde não existiriam fronteiras
estáveis entre as disciplinas (SOMMERMAN, 1999).
Como indica o prefixo “trans”, a transdisciplinaridade aborda o que está
simultaneamente entre, através e além das disciplinas, reconhecendo nelas o que existe de
desconhecido e inesgotável (LITTO e MELLO, 1998). A transdisciplinaridade, assim,
ultrapassa as barreiras entre as disciplinas para tentar uma compreensão mais inclusiva da
realidade. O diálogo transdisciplinar, que passa pelo conhecimento disciplinar, não só
modifica as disciplinas como também faz emergir novas idéias e novos conhecimentos
(BRENNER, 2003), que necessariamente não necessitam se inscrever em qualquer área
específica do conhecimento.
A transdisciplinaridade é um espírito integralizador diante do saber, uma vocação
articuladora para a compreenção realidade sem, no entanto, abandonar o respeito e o rigor
pelas áreas do conhecimento. Seu objetivo é a compreensão global do mundo, e para isso,
é necessário que encaremos tanto o conhecimento quanto o ser humano como únicos em
sua complexidade e diversidade.
É importante ressaltar que a pluridisciplinaridade, a interdisciplinaridade e a
transdisciplinaridade não são excludentes. Apesar de concorrentes, essas abordagens do
conhecimento são complementares. Elas coexistem e se enriquecem uma à outra. O
cuidado a ser tomado é no sentido de fazermos um esforço consciente no sentido de
questionarmos a existência das fronteiras entre as disciplinas e no sentido de explorarmos
essas fronteiras, para que possamos almejar uma compreensão mais coesa do mundo.

Os pressupostos da transdisciplinaridade

Podemos questionar a existência de qualquer coisa que esteja presente entre,


através e além das disciplinas. Se considerarmos a divisão disciplinar, do ponto de vista do
pensamento ocidental clássico, não há a preocupação de desvendar o espaço que existe
entre as diferentes áreas do conhecimento. Assim, ele é dado como vazio. O mesmo não é
verdadeiro se tomarmos o ponto de vista do pensamento quântico, inaugurado no início do
século XX. De acordo com a visão quântica do mundo, o espaço existente entre os objetos
infinitesimalmente pequenos e também entre os objetos infinitamente grandes é levado em
consideração, e é considerado cheio de potencialidades (HERBERT, 1985). Do mesmo
modo, o espaço entre as áreas de conhecimento é considerado repleto de informações e
possibilidades. É nesse pressuposto que se baseia a transdisciplinaridade.
A abordagem transdisciplinar se apóia em três pressupostos: a existência de
diferentes níveis de realidade, o reconhecimento da lógica do terceiro incluído e a percepção
da complexidade da realidade (BASARAB, 1997). À primeira vista, esses postulados nos
causam impacto, porque eles parecem estar em desacordo com o mundo como nós o
vemos. Após um estudo mais aprofundado desses princípios, porém, começamos a
perceber que eles não só fazem sentido, como também têm enorme potencial para nos
auxiliar a compreender nossa complexa realidade.
Os diferentes níveis de realidade
No início do século XX, jovens físicos europeus deram início ao que passou a ser
considerada a maior revolução científica do século: a revolução quântica, que causou
grandes impactos não só no mundo científico quanto na epistemologia, uma vez que foi a
partir do desenvolvimento da teoria quântica que filósofos da ciência como Karl Popper
iniciaram sua própria revolução, que originou o que acabou conhecido como o fim das
certezas e a transitoriedade do conceito da verdade (POPPER, 1980).
Aqueles jovens físicos – entre eles Max Planck, Niels Bohr, Albert Einstein, Werner
Heisenberg, Wolfgang Pauli, Paul Dirac, Erwin Schrödinger e Max Born – descobriram,
através de exaustivos experimentos, cálculos e medições, e intermináveis discussões, que a
realidade microscopicamente pequena, a realidade dos átomos e seus componentes, era
regida por leis completamente diferentes das leis obedecidas pela física macroscópica.
Essas duas realidades, apesar de não obedecerem às mesmas leis de
funcionamento, convivem de modo tão coeso que nós nem sequer nos apercebermos das
enormes diferenças entre elas. Estava ali estabelecida a presença de diferentes níveis de
realidade, fazendo ruir o dogma filosófico e epistemológico dominante na cultura ocidental
moderna da existência de apenas um nível de realidade.
De acordo com Basarab Nicolescu (1985), a realidade pode ser definida como o que
oferece resistência às nossas experiências, representações, descrições, imagens ou
formulações. Ele toma o cuidado de diferenciar as noções de realidade e de real
(NICOLESCU, 2002). Enquanto o real é aquilo que é, a realidade se caracteriza como tudo
o que resiste à nossa experiência. Assim, a realidade é acessível ao nosso conhecimento; o
real, porém, devido às limitações insuperáveis de nossa capacidade cognitiva, não se
desvela por inteiro – pelo menos não para nós.
Um nível de realidade é um conjunto de sistemas definido por um certo número de
conceitos e regido por um determinado número de leis. Os níveis de realidade são
diferentes quando, na passagem de um para o outro, há uma ruptura das leis de
funcionamento e dos conceitos fundamentais, como a que ocorre da passagem da realidade
macrofísica para a realidade microfísica.
Enquanto que a abordagem disciplinar considera a existência de apenas um nível de
realidade – e muitas vezes, apenas fragmentos desse nível – a transdisciplinaridade
reconhece e se interessa pela dinâmica produzida pela existência interativa de diferentes
níveis de realidade e pelas emergências produzidas por essa interação.
Hoje já se estuda pelo menos dois outros níveis de realidade, além do macrofísico e
do microfísico: o nível do espaço-tempo cibernético e o nível das supercordas3. Não
3
O nível das supercordas, por enquanto, não tem comprovação empírica, ou seja, ele é existente
apenas no nível teórico. A teoria das supercordas, desenvolvida a partir dos anos 60, está sendo
considerada pelos físicos contemporâneos como a textura última do universo. De acordo com essa
sabemos ainda quantos níveis de realidade existem, ou se esse número é finito ou infinito,
mas é importante que reconheçamos que há múltiplos níveis de realidade coexistindo em
nosso mundo, e o fato de não os percebemos se deve a limitações em nosso aparato
sensitivo e cognitivo e na maneira como aprendemos a perceber o mundo.
Segundo os estudiosos da mecânica quântica, o conjunto dos diferentes níveis de
realidade – ou seja, os diferentes níveis de resistência – se prolonga por uma zona de não-
resistência às nossas experiências, representações, descrições imagens e representações
(NICOLESCU, 1997). A não-resistência se deve, ela também, às limitações de nossa
capacidade de compreensão. A unidade aberta e complexa formada pelos diferentes níveis
de realidade e sua zona complementar de não-resistência constitui o objeto transdisciplinar.
De maneira análoga, a consciência humana se constitui, de acordo com a
abordagem transdisciplinar, de diferentes níveis de percepção4. Esses níveis de percepção
incluem a racionalidade, a afetividade, os movimentos do corpo, a imaginação, a intuição e o
espírito, entre outros que ainda estão para ser descobertos.
Ao passo que a tradição clássica privilegia apenas um desses níveis de percepção –
o racional5 – a transdisciplinaridade está interessada em seu conjunto, e na dinâmica que
emerge da interação entre eles. Do ponto de vista transdisciplinar, a interação de nossos
diferentes níveis de percepção permitem que tenhamos uma visão mais unificadora e global
da realidade, sem, porém, jamais esgotá-la.
Assim como se dá nos diferentes níveis de realidade, o conjunto dos diferentes
níveis de percepção existentes – os diferentes níveis de resistência à percepção – se
prolonga por uma zona de não-resistência. A unidade aberta e complexa formada pelos
diferentes níveis de percepção do indivíduo e de sua zona complementar de não resistência
constitui o sujeito transdisciplinar.
Uma importante consideração é feita pelos estudiosos da transdisciplinaridade a
respeito das zonas de não-resistência da realidade e do indivíduo. É a presença dessa zona
de não-resistência tanto no objeto quanto no sujeito transdisciplinares que permite a unidade
dos dois em sua diversidade. Essa unidade é considerada aberta porque ela é interativa e
dinâmica, estando, assim, sempre em transformação. A realidade transdisciplinar é, assim, a

teoria, os objetos básicos formadores do universo não são partículas, mas entidades que possuem
apenas uma dimensão, o comprimento, como uma corda infinitesimalmente fina. Na teoria das
cordas, o que hoje é visto como partícula passaria a ser concebido como onda que se desloca ao
longo da corda (GREENE, 2000).
4
Os diferentes níveis de percepção foram definidos e estudados por Edmund Husserl e outros
pesquisadores. Husserl, em seu Méditations Cartésiennes (HUSSERL, 1966 apud NICOLESCU,
1997) afirma que o sujeito-observador, ou seja, a pessoa, conta com diferentes níveis de percepção
na sua tentativa de compreender a realidade.
5
Cabe aqui incluir a diferenciação feita por Edgar Morin (2001) entre racionalização e racionalidade.
Para o autor, a racionalização é (...), enquanto que a racionalidade é a busca de coerência nas
experiências que vivenciamos. O termo “racional” empregado acima corresponde ao conceito de
racionalização em Morin.
unidade aberta, interativa, dinâmica e transformadora entre o sujeito e o objeto
transdisciplinares.

A lógica do terceiro incluído


O pensamento clássico, originado entre os filósofos da Antiga Grécia, que imperou
na cultura ocidental até o início do século XX, consagrou três axiomas lógicos, que são:
1.O axioma da identidade: um objeto A é A;
2.O axioma da não contradição: um objeto A não pode ser não-A;
3.O axioma do terceiro excluído6: não pode haver um terceiro objeto T que seja, ao mesmo
tempo A e não-A.
De acordo com este conjunto de axiomas, principalmente o segundo e o terceiro,
entre opostos contraditórios não pode haver meio termo, uma vez que, como afirmou
Aristóteles (ABBAGNANO, 2000) a contradição é a oposição em que uma das partes está
presente na outra.
O segundo e o terceiro axiomas foram, por muito tempo, considerados como
coincidentes. Segundo Aristóteles, a exclusão do T não poderia estar separada da
contradição. Foi apenas após a idade média que Leibnitz, em seus trabalhos sobre filosofia
natural, pôs em questão pela primeira vez a correspondência entre os dois axiomas. Apesar
do posterior estabelecimento da diferença entre os dois axiomas, até hoje muitos
pensadores consideram que o segundo e o terceiro princípios dizem o mesmo, o que tem
influências consideráveis em nossa epistemologia.
A conjunção desses três axiomas origina o que é conhecido como a lógica
aristotélica, que, pelo método da indução sistemática, embasou a ciência experimental
ocidental até o início do século XX e continua até hoje tendo grande influência na pesquisa
e na educação.
O desenvolvimento da mecânica quântica ao longo do século XX, porém, acabou
por provar que um determinado objeto T pode, sim, ser A e não-A ao mesmo tempo, ao
descobrir que o elétron simultaneamente se configurava em corpúsculo e onda. Enquanto
do ponto de vista da física clássica, corpúsculo e onda são entidades diferentes, e não
poderia haver outra entidade que fosse as duas ao mesmo tempo, a microfísica mostrou a
existência dessa possibilidade.
É evidente que só pode existir o T (a entidade que possa se configurar em A e não-
A ao mesmo tempo) porque existem diferentes níveis de realidade. O terceiro incluído – ou
seja, a entidade que é partícula e onda ao mesmo tempo – só vai se tornar possível na
realidade microfísica. Dizemos, assim, que o terceiro incluído se torna verdadeiro na
6
De acordo com o Dicionário de Filosofia (ABBAGNANO, 2000), o filósofo alemão Alexander G.
Baumgarten em seu trabalho Metaphysica, de 1739, foi o primeiro pensador a nomear esse axioma,
considerando-o como independente do princípio da contradição.
passagem de um nível de realidade a outro. Desse modo, o princípio da não contradição é
respeitado.
Assim, se sob a ótica clássica, que considera a existência de apenas um nível de
realidade, o segundo e o terceiro axiomas são equivalentes, o mesmo não ocorre se
reconhecemos a existência de mais de um nível de realidade. Assim, no paradigma
transdisciplinar, esses axiomas são distintos, e o terceiro não é sempre verdadeiro.
É importante deixar claro que a lógica multivalente do terceiro incluído não torna
falsa a lógica binária clássica do terceiro excluído. Ela apenas restringe sua aplicabilidade e
seu domínio de validade, ao mostrar que ela pode ser superada7.

A complexidade
Max Planck, em seus experimentos no início do século XX, descobriu que a energia
emitida pelas partículas microscópicas não tinha uma estrutura contínua, mas era
transmitida descontinuamente, em forma de pequeníssimos pacotes, que ele denominou
“quanta”. Planck presenciava, em 1900, a introdução da idéia da descontinuidade no campo
da física (HERBERT, 1985). Até então, acreditava-se que as leis da física eram, em geral,
compatíveis com a idéia de fluxos contínuos, e a descoberta de atividades descontínuas
implicava ter de repensar também a causalidade local.
No mundo macroscópico, a causalidade é local, isto é, só podem interagir e se
influenciar mutuamente elementos que estejam localizados contiguamente, ou pelo menos
muito próximos uns dos outros. Já no mundo microfísico, a causalidade é global. Isso quer
dizer que as entidades quânticas continuam a reagir entre si qualquer que seja a distância
entre elas. A descoberta da causalidade global tem implicações muito importantes não só
para a física, mas também para a epistemologia, pois introduz a idéia da conexão que pode
existir entre coisas que estão longe umas das outras, mesmo que elas estejam
aparentemente isoladas.
As descobertas quânticas provaram que devemos considerar o mundo como um
conjunto complexo de entidades que podem influenciar o que quer que esteja em seu
entorno. Essa consciência da influência mútua está no cerne da concepção complexa da
realidade, configurando-se como um de seus princípios fundamentais.
O conjunto dos diferentes níveis de realidade, por ser uma estrutura descontínua, é
considerada como complexa. Mas ser complexa, neste contexto, não quer dizer ser
complicada. A etimologia da palavra “complexo” indica abarcamento, compreensão,
entrelaçamento, emaranhamento. Assim, complexo quer dizer interligado, interdependente,
numa concepção da realidade análoga a um tecido multidimensional estreitamente tramado
7
Coube a Stéphane Lupasco, em seu livro Le principe d’antagonisme et la logique de l’énergie, de
1987 (LUPASCO, apud NICOLESCU, 1997) a tarefa de demonstrar que a lógica do terceiro incluído é
uma lógica verdadeira, formalizável e formalizada, constituída como multivalente e não contraditória.
por infinitos fios. Esse tecido não deixa de ser complicado, mas sua definição não se reduz à
complicação.
Segundo Edgar Morin (2001), ao levar em conta as inumeráveis interações
existentes entre os componentes da realidade, não podemos conceber certeza absoluta
sobre o que se passa em um ponto qualquer dessa trama. A complexidade pressupõe a
presença constante de incerteza, de desordem e de eventualidade na realidade e também
no conhecimento dessa realidade.
A incerteza, a desordem, e a eventualidade, porém, não excluem admitir os
componentes de certeza, ordem e determinismo que existem no universo. Apesar de
antagônicos, esses componentes não são excludentes. Eles interagem, marcando outra
proposição inerente à concepção complexa da realidade: a complementaridade: mesmo
princípios aparentemente antagônicos complementam uns aos outros, numa relação
dialógica que liga intimamente instâncias contraditórias, na formação desse emaranhado de
relações antagônicas, concorrentes e complementares que é a realidade.
O próprio desenvolvimento da física quântica tem mostrado que a complexidade
que reina no universo está longe de ser pura desordem. Existe uma surpreendente
coerência que perpassa o universo, do infinitesimalmente pequeno ao infinitamente grande,
em uma coesão que os físicos, muito criativamente, têm denominado o bootstrap8 cósmico
(GREENE, 2000).
Um olhar transdiciplinar sobre essa coerência do universo permite-nos conceber a
realidade como um conjunto de elementos complementares – vivos, não vivos, pequenos,
grandes, visíveis ou não – que são interdependentes e interligados. Nessa trama, em que
tudo influencia tudo e tudo depende de tudo, não há partícula no universo que deixe de – ao
mesmo tempo – concorrer e colaborar com os outros componentes de seu ambiente.
Os três pilares da transdisciplinaridade – a legitimação da existência de múltiplos
níveis de realidade, a adoção da lógica do terceiro incluído e a visão complexa da realidade
– configuram a metodologia transdisciplinar. Segundo Basarab Nicolescu (2000), a maior ou
menor observância desses pressupostos gera diferentes posições em um continuum que vai
da disciplinaridade à transdisciplinaridade. Decorre daí que a transdisciplinaridade não é
uma abordagem estanque e totalizadora para o conhecimento, mas convive, interagindo em
maior ou menor intensidade, com a disciplinaridade, com a multidisciplinaridade e com a
interdisciplinaridade.

A postura transdisciplinar

8
Bootstrap, em inglês, é o cordão que amarra uma bota para fechá-la e mantê-la presa ao pé. Ao
puxarmos as duas extremidades do cordão, sua trama nos ilhoses da bota faz com que ela se feche
suavemente em um movimento harmônico.
A postura trandisciplinar, definida pela primeira vez por (...) é definida pela
observância e pela prática dos três princípios fundamentais da transdisciplinaridade
discutidos acima, e também pela consideração das concepções de sujeito, de objeto e de
realidade que emergem desses três princípios. Um trabalho transdisciplinar, seja na
pesquisa, seja no ensino ou em qualquer outra área de atuação, é o resultado dessa
postura.
Cada um dos três pilares da transdisciplinaridade trazem à tona importantes
conseqüências em nosso modo de ver o mundo, de pensar e também de agir.
A legitimação da existência de níveis de realidade diferentes é essencial para a
história do conhecimento, do pensamento e do próprio mundo, uma vez que ela pode nos
fazer repensar o mundo e nós mesmos. E, como diz Basarab Nicolescu, no momento em
que nosso olhar muda, o mundo muda também (NICOLESCU, 2003).
A unidade complexa e coerente que liga o conjunto dos diferentes níveis de
realidade, os diferentes níveis de percepção do indivíduo, e um ao outro, é uma unidade
aberta. A realidade transdisciplinar é, assim, considerada sob uma ótica gödeliana9, que
implica a impossibilidade de formularmos, algum dia, uma teoria completa e final sobre o
mundo.
Segundo os pressupostos transdisciplinares, se começássemos uma teoria a partir
de um certo número de pares antagônicos, poderíamos pressupor que encontraríamos o
terceiro incluído que uniria essas entidades antagônicas em um determinado nível de
realidade diferente. Porém, essa teoria seria temporária, porque a descoberta de novos
pares antagônicos em novos níveis de realidade seria inevitável. Esse processo continuaria
indefinidamente, à medida que novos níveis de realidade fossem descobertos. Assim,
podemos concluir que o conhecimento, sob o paradigma transdisciplinar, evolui
eternamente, com a descoberta de leis cada vez mais gerais, sem chegar a uma verdade
final. O conhecimento está, assim, livre de qualquer verdade dogmática, aberto para
sempre.
Segundo a visão transdisciplinar, o fluxo de informações que perpassa os diferentes
níveis de realidade encontra correspondência no fluxo de consciência que permeia os
diferentes níveis de percepção. Assim, chegamos à consideração de que o conhecimento
não é exterior ao sujeito que se dispõe a conhecer, e também não é interior a ele. Coerente
com a lógica do terceiro incluído, o conhecimento é exterior e interior ao mesmo tempo. O

9
O termo “gödeliana” deriva do nome do matemático austríaco radicado nos Estados Unidos Kurt
Gödel. Gödel, em seus estudos da lógica matemática, formulou uma sintaxe lógica da aritmética no
âmbito da própria aritmética, concluindo que um sistema sufIcientemente abrangente de axiomas leva
inevitavelmente a resultados ou irresolúveis, ou contraditórios, o que torna impossível a constituição
de um sistema completo. Sua conclusão ficou conhecida, a partir de 1931, como o Teorema de
Gödel.
estudo do mundo e o estudo do ser humano se sustentam e complementam, tornando
impossível a compreensão de um sem o entendimento do outro.
Essa visão abala a divisão artificial e arbitrária, reinante no mundo do conhecimento,
que apartou as ciências naturais das ciências humanas. A transdisciplinaridade, ao
transcender os campos disciplinares isolados, também transcende a separação entre as
chamadas ciências exatas e as ciências humanas e sociais, encorajando sua reconciliação
aberta, sem, contudo, abandonar o rigor científico com que elas são tratadas.
Por outro lado, a aceitação das propriedades abertas e complexas da realidade e do
indivíduo também fazem emergir o que Basarab Nicolescu chamou de “um novo princípio de
relatividade” (NICOLESCU, 1997). Segundo a nova relatividade, nenhum nível de realidade
constitui um lugar privilegiado a partir do qual se possa compreender os outros.
As implicações desse princípio são extremamente relevantes em nossas vidas.
Segundo ele, nenhum ponto de vista é uma posição privilegiada para opinarmos, avaliarmos
ou julgarmos qualquer outro. E isso inaugura um novo modo de olhar as nacionalidades, os
sistemas políticos, as culturas e as religiões, entre outros aspectos de nosso mundo.
Segundo os estudiosos da transdisciplinaridade, a realidade não é apenas
multidimensional; ela é também multirreferencial (NICOLESCU, 1997). Assim, podemos
expandir o conceito de transdisciplinaridade para pensarmos em transnacionalidade,
transpolítica, transcultura e transreligião, numa concepção aberta e complexa do que reside
entre, através, além e das nacionalidades, políticas, culturas e religiões. Essa percepção
indica que não há nacionalidade, política, cultura ou religião possa ser considerada superior
ou inferior, ou que possa avaliar as outras a partir de si. Cada uma tem seu local e tempo
específicos, e incorporam visões, valores, crenças e costumes de seres humanos que
também pertencem a seu próprio local e tempo . É a aceitação da pluralidade complexa e a
unidade aberta entre elas que constituem a atitude transdisciplinar.
Nenhuma dessas “transentidades” significa, desse modo, a homogeneização ou a
unificação do que existe de diverso no mundo. A riqueza de nossa realidade reside na
diversidade que há entre as inúmeras nacionalidades, políticas, culturas e religiões. O
princípio de relatividade transdisciplinar quer alcançar e desvelar a unidade aberta que
existe entre as nacionalidades, culturas, religiões e sistemas políticos, para que possamos
almejar um mundo mais pacífico e mais feliz.
Em última instância, o princípio de relatividade transdisciplinar poderia nos conduzir
ao transhumanismo (NICOLESCU, 2003), uma busca do que existe entre, através e além
dos seres humanos, em que se deslindaria a unidade aberta e complexa que conecta a
humanidade e ela com o que a rodeia. O transhumanismo ofereceria às pessoas melhores
condições para se realizar mais plenamente em sua presença no mundo, numa atitude de
respeito por si mesmas, pelas outras pessoas e pelo universo.
O reconhecimento da lógica do terceiro incluído como válida, por sua vez, traz
implicações importantes para o campo do conhecimento, uma vez que ela introduz uma
“terceira via possível” para além das contradições. O terceiro incluído é a possibilidade de
uma unidade mais ampla que ligaria antagonismos aparentemente insuperáveis, tanto no
domínio científico quanto nas esferas sociais e políticas, desde que, para isso, estivermos
dispostos a nos deslocar de nosso “nível de realidade”.
Os três pilares em que se apóia a transdisciplinaridade são, como podemos ver,
fontes de valores: abertura, transcendência, reconhecimento de uma terceira via possível
existente entre duas posições antagônicas ou contraditórias, e o questionamento dos
totalitarismos e das homogeneizações. Segundo Basarab Nicolescu, a transdisciplinaridade
é a transgressão da dualidade que opõe duplas binárias, que parecem imperar em nossa
visão de mundo atual: sujeito-objeto, subjetividade-objetividade, complexidade-simplicidade,
diversidade-unidade, matéria-consciência, cérebro-espírito, entre outras. A unidade aberta e
a multiplicidade complexa que embasam a visão transdisciplinar tornam tais binômios objeto
de profunda reflexão e expõe sua face nociva contida na maneira como compreendemos o
mundo.

Uma abordagem transdisciplinar para a educação

Segundo Basarab Nicolescu (2000a), os pressupostos básicos da


transdisciplinaridade definem uma abordagem metodológica a partir da qual é possível criar
vários métodos adequados a situações e necessidades específicas. Assim, os
procedimentos podem mudar de acordo com os conteúdos que se pretende desenvolver,
mas uma abordagem transdisciplinar para a educação pressupõe a consideração dos
valores que emergem de seus princípios fundamentais.
O principal objetivo de uma abordagem transdisciplinar na educação é a geração de
uma cultura transdisciplinar, que, através da compreensão do mundo – entendido aqui como
simultaneamente o universo interior do ser humano, o universo exterior e a interação que
existe entre esses dois universos (NICOLESCU, 1999) – pela reunificação do conhecimento,
possa ter a esperança na construção de um mundo melhor do que o que vivenciamos no
presente. (incluir aqui Terra Pátria, Morin)
De fato, a percepção geral das sociedades atuais é que a educação oferecida na
maioria das escolas está em grande defasagem com as necessidades e os desafios da
mundo pós-modernidade, uma vez que os valores sobre os quais ela está fundada estão em
descompasso com a consciência que se faz necessária no mundo contemporâneo. Esse
tem sido o tema de inúmeros estudos e encontros sobre educação, em que se tenta
encontrar alternativas viáveis para a escola do futuro. O resultado mais proeminente desses
esforços talvez seja o documento elaborado pela Comissão Internacional de Educação para
o Século XXI, apoiado pela UNESCO, relatado por Jacques Delors (DELORS, 2000).
Nesse documento, que passou a ser conhecido como o Relatório Delors, os
membros da comissão enfatizam “os quatro pilares” que sustentam a proposta de um novo
tipo de educação: aprender a conhecer, aprender a fazer, aprender a conviver e aprender a
ser. A transdisciplinaridade comunga profundamente com essa proposta (NICOLESCU,
2000a), e se propõe a ir além. Na Conferência Transdisciplinar Internacional, ocorrida em
Zurique no início de 2000, o grupo de estudiosos da transdisciplinaridade lá presente propôs
dois outros pilares que complementam a proposta contida no relatório Delors: aprender a
antecipar e aprender a participar (BRENNER, 2000).
O quinto pilar, aprender a antecipar, se baseia na compreensão de que a
humanidade não pode mais aprender pela destruição, pelo choque ou pela mera adaptação
a novas circunstâncias que emergem sem que nos tivéssemos apercebido de seus sinais.
Aprender a antecipar envolve a capacidade de visualizarmos e imaginarmos o futuro, com
base nas circunstâncias presentes, e de para ele nos prepararmos de maneira ativa.
Já o sexto pilar, aprender a participar, sugere o envolvimento de todos e de cada
um na preparação para o futuro proposta pelo quinto pilar. Em outras palavras, cada um de
nós tem um papel na procura de soluções viáveis para os desafios que se nos impõe. Uma
vez que ações e iniciativas individuais não são suficientes, e, principalmente porque a tarefa
de tornar o mundo um lugar melhor não pode estar sob responsabilidade apenas a grupos
restritos de ditos “especialistas” fechados em seus laboratórios, aprender a participar
pressupõe agirmos em um esforço ao mesmo tempo pessoal e mútuo, tendo em vista a
complexa relação existente entre nós e a realidade.
O relatório Delors foi posteriormente detalhado por Edgar Morin em seu trabalho Os
Sete Saberes Necessários para a Educação no Futuro (MORIN, 2000).
Para estar em consonância com a visão transdisciplinar de sujeito, de objeto e de
realidade, a proposta transdisciplinar para a educação prevê também uma transrelação que
unifica, sem homogeneizar, os seis pilares (ou quantos mais outros vierem a ser propostos,
uma vez que esta proposta deverá estar, coerentemente com a visão transdisciplinar
gödeliana, para sempre em aberto). Para que essa transrelação se concretize, podemos
afirmar que uma educação transdisciplinar se configura em uma prática integral, permanente
e abrangente.

Educação Integral
Uma educação viável, segundo a transdisciplinaridade, é uma educação integral.
Essa integralidade é característica do objeto da educação (a realidade por inteiro, sem
fragmentações artificiais), dos sujeitos da educação (os alunos e professores em sua
totalidade aberta) e especialmente, das relações que existem entre um e outro. Na visão
transdisciplinar, a educação é o constante estabelecimento de conexões entre os diferentes
saberes, e entre esses saberes e nós e nossa vida cotidiana. Por outro lado, uma educação
viável considera o ser humano como um ente pleno, uma educação cujo foco é a totalidade
aberta que é cada pessoa, e a pluralidade complexa que é a humanidade. Diferentemente
da educação disciplinar tradicional, que privilegia a racionalidade, deixando de lado a
afetividade, a motricidade, a intuição, a imaginação e a espiritualidade, a educação
transdisciplinar se volta para os diversos aspectos do ser humano.

Educação Permanente
Uma abordagem transdisciplinar está voltada para a constante realização das
potencialidades interiores das pessoas. Como a pessoa está em interação dinâmica com
seu ambiente, suas potencialidades se expandem à medida que se atualizam, o que faz
com que a educação se configure como um processo permanente, que ocorra ao longo da
vida vida do sujeito. Por outro lado, a pessoa necessita se educar continuamente de modo a
estar em compasso com a permanente evolução do conhecimento e das necessidades do
mundo.

Educação Abrangente
Devido a sua própria natureza – complexa e aberta – uma educação transdisciplinar
não pode pretender ficar restrita às instituições de ensino formal. Ela deve propiciar as
oportunidades para que os alunos tenham condições de se educar em diferentes lugares e
em suas relações com as pessoas e com o mundo. Cada instante de nossas vidas é
potencialmente um instante educativo. Para que esse espírito auto-eco-educativo se realize,
é preciso que a educação desperte e desenvolva o espírito questionador tanto nos alunos
como nos professores. Nesse sentido, se faz muito valorosa uma proposta de educação que
inclua a pesquisa e a investigação, em que o espírito curioso e científico dos envolvidos seja
constantemente estimulado.
Basarab Nicolescu (1997) denomina a proposta transdisciplinar para a educação de
educação in vivo, contrapondo-a com a educação disciplinar tradicional in vitro. O quadro
comparativo abaixo demonstra, sinteticamente, a caracterização de cada uma delas10.

Educação disciplinar Educação transdisciplinar


in vitro in vivo
Separação entre o mundo externo (objeto do Interação entre o mundo externo (objeto da
conhecimento) e o mundo interno (sujeito que compreensão) e o mundo interno (sujeito que
10
Quadro adaptado a partir da tabela apresentada por Basarab Nicolescu no Congresso
Internacional Que Universidade para o Amanhã? Em busca de uma evolução transdisciplinar para
a universidade, em Locarno, na Suíça, em 1997.
se dispõe a conhecer) se dispõe a compreender)
Focado no conhecimento Focado na compreensão e na explicação
Envolvimento da inteligência racional Envolvimento da inteligência plena, que
considera a racionalidade, os sentimentos, o
corpo e o espírito
Orientação para o poder contextual e para a Orientação para o permanente encantamento,
posse a auto-realização, para a partilha e para o uso
construtivo do poder
Baseado na consideração de apenas um nível Baseado na consideração múltiplos níveis de
de realidade – o que vemos – e na lógica do realidade e na lógica do terceiro incluído
terceiro excluído
Desconsideração de valores Consciência dos valores

É importante compreendermos que a proposta transdisciplinar para a educação não


pretende excluir a proposta disciplinar, uma vez que elas não são antagônicas, mas
complementares. Assim como a transdisciplinaridade se origina da disciplinaridade, o
mesmo ocorre com a educação transdisciplinar, que tem sua origem nas propostas
disciplinares. De fato, a transdisciplinaridade, assim como a disciplinaridade, não pode
prescindir do rigor científico. É essencial, porém, que nos disponhamos a transcender o
cientificismo para realizar uma proposta aberta, complexa e reunificadora de educação, que
considere e valorize outros pontos de vista.
A educação transdisciplinar se configura, assim, como uma proposta integral,
permanente e abrangente de educação, em uma postura que deve promover a criação e o
desenvolvimento de valores, competências e atitudes que favoreçam o questionamento
constante a respeito do ser humano e do universo, e a exploração das barreiras entre as
diferentes áreas do conhecimento, contribuindo para uma compreensão global da realidade
e para tornar a prática educativa cada vez mais universalista.
Essa proposta de educação, se realizada, poderá gerar um novo tipo de
inteligência, uma valorização das diferentes dimensões humanas, capaz de apreender o
mundo em sua totalidade e, ao mesmo tempo, manter-se eternamente aberto ao novo e ao
devir. Assim a sociedade do século que agora se inicia poderá ter melhores condições para
criar alternativas para a resolução de seus problemas e para a solução de seus conflitos e
tensões.
Basarab Nicolescu afirma que a educação transdisciplinar é uma educação da e para
a libertação (NICOLESCU, 1997), uma educação que permite e estimula a religação das
pessoas, dos eventos, e das pessoas aos eventos. Podemos ir além dessa esperança,
confiando que essa é uma proposta que poderá permitir que as pessoas redescubram o
prazer e a alegria que existem no constante ato de aprender. Também pode ser a proposta
que viabilize a reapropriação do mundo e de si mesmas pelas pessoas, de maneira
comprometida, responsável e ética.
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