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EDUCAR PELA PESQUISA:

A VISÃO DOS FUTUROS PROFESSORES DA EDUCAÇÃO BÁSICA


UM ESTUDO DE CASO NA PUCRS1

Andrea Dorothee Stephan


Suzana Paiva
Valéria Moura Venturella2

INTRODUÇÃO
A educação encontra-se atualmente em um momento crítico e, ao mesmo tempo,
desafiador. O mundo em que vivemos se torna cada vez mais complexo e agitado. As
relações políticas, sociais e econômicas há muito tempo deixaram de ser locais, para se
tornarem mundiais. Os sistemas de comunicação em escala planetária disponibilizam toda
informação produzida instantaneamente ao mundo inteiro, rapidamente tornado todo o
conhecimento existente obsoleto.
Os avanços tecnológicos, embora tenham facilitado a vida das pessoas, não
constituíram uma garantia do mundo como um lugar melhor para se viver. A humanidade
enfrenta hoje muitos de seus mais antigos problemas – tais como violentas rivalidades
étnicas e enormes desigualdades sociais e econômicas – acrescidos de novos problemas
causados pela evolução humana – como exaustão dos recursos naturais e desequilíbrios
ambientais graves, que chegam a comprometer a preservação da vida no planeta. Diante
desse quadro, a educação tem hoje o desafio de preparar as gerações futuras para viver e
atuar nessa realidade revolucionária, enfrentando seus problemas e encontrando maneiras
de se viver com qualidade.
Já nas duas últimas décadas do século XX, a educação tradicional começou a se
provar ineficiente no preparo dos estudantes para as necessidades da vida. Baseado na
reprodução do conhecimento, o ensino tradicional acaba por cercear a imaginação e a
inventividade dos alunos. Ao estabelecer um ambiente transmissivo e imitativo, em que os
alunos escutam o que o professor diz, para depois reproduzir tudo com o máximo de
fidelidade na próxima prova (DEMO, 2001), a escola tradicional é a antítese do espaço
estimulante e questionador que forma pessoas críticas, criativas e transformadoras, de que
o mundo necessita hoje.
Dessa maneira, a educação tradicional tem pequenas chances de corresponder ao
desafio imposto pelo mundo moderno: um mundo em que as exigências do mercado de
trabalho são cada vez maiores, problemas são criados na mesma medida em que outros
são resolvidos, os recursos naturais se tornam cada vez mais escassos e as necessidades
humanas, mais elevadas. Na época em que vivemos, em que a criatividade se faz cada vez

1
Artigo publicado na Revista Hífen, da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul –
Uruguaiana, v.28, n.53, p. 61-68, 2004.
2
M e s t r a n d o s e m Ed u c a ç ã o pel a Po n ti f í c i a U n i v e r s i d a d e C a t ó li c a do Rio Gr a n d e do Sul.
mais necessária – e, por isso mesmo, altamente valorizada – é papel da educação formar os
cidadãos que tomarão a realidade nas mãos em um futuro muito próximo.
Segundo o chamado Relatório Delors para a Educação do Século XXI, o século que
agora se inicia submete a educação a uma dura tarefa: a de equipar os cidadãos com as
ferramentas necessárias para que vivam e atuem no mundo atual e futuro de maneira
competente. Segundo esse relatório, não basta que os estudantes acumulem no início de
suas vidas uma carga de conhecimentos que irão acessar ao longo da vida. Essa fórmula
não funciona mais, se é que algum dia funcionou. Almeja-se que a educação se dê ao longo
de toda a vida do ser humano (DELORS, 2000).
O que se busca hoje é mais do que maneiras novas de ensinar. Buscam-se maneiras
de tornar os estudantes capazes de aprender constantemente, mesmo após o final de seus
estudos formais. O que se procura, portanto, são formas de instrumentalizar os alunos para
que eles se tornem aptos a detectar problemas, observar os recursos disponíveis, investigar
possibilidades e encontrar, ou mesmo criar, soluções viáveis. Quer-se que os estudantes
sejam alerta, autônomos e criativos. Procura-se torná-los aptos a “aprender a aprender”.
A educação moderna, assim, deve preparar os alunos para que desenvolvam uma
mentalidade de educação contínua, além de despertar neles um constante interesse pelo
aprendizado e pela descoberta. Deve também prepará-los para que se tornem cidadãos
participativos, flexíveis, criativos, para que saibam trabalhar em comunidade. Enfim, a
educação deve formar pessoas que encontrem novas soluções para novos e antigos
problemas. Como se pode ver, o desafio é grande, e os educadores não sabem ao certo
como enfrentá-lo.
Alguns estudiosos e pensadores da educação, como Pedro Demo, têm defendido a
educação através da pesquisa em todos os níveis educacionais – da pré-escola à
universidade – como a maneira ideal de estimular o senso crítico e o espírito investigador do
aluno, para assim prepará-lo para os desafios que a realidade cada vez mais complexa lhes
impõe.
De fato, muitos autores acreditam que seja possível tornar a educação mais eficiente
através do uso da pesquisa como metodologia e como objeto. Segundo esses autores, ao
combater a atitude imitativa e reprodutiva, é possível criar condições para desenvolver no
aluno atitudes de aprender pela elaboração própria (SOUSA, 2000).
A pesquisa seria, nesse contexto, um meio de fazer com que os estudantes
questionassem a realidade e suas próprias concepções sobre ela. Todo estudante que
chega à escola já traz consigo conhecimentos prévios que o capacitam a se orientar no
mundo. A prática investigativa o faria capaz de, na interação com a realidade, re-processar
esses conhecimentos, ampliando-os, aprofundando-os ou modificando-os. A investigação
capacitaria, assim, o aprendiz a se aproximar da cultura científica e do conhecimento que
esta acumulou de maneira significativa e transformadora (LEAL, 2001).
Ao se tornar prática educativa sistemática, a atitude investigativa necessária para a
realização da pesquisa deixa de ser privilégio de pequenos grupos de pesquisadores
localizados em centros altamente especializados. A pesquisa passa, desse modo, a se
constituir num meio legítimo para a construção do conhecimento, acessível a qualquer
estudante de qualquer nível de escolaridade, uma postura cotidiana crítica e questionadora,
uma atitude de diálogo crítico com a realidade, para que nela se possa interferir de maneira
mais competente.
Segundo Pedro Demo, a pesquisa deve ser utilizada nas escolas como princípio
didático, porque constrói conhecimento, e como princípio educativo, porque promove o
questionamento crítico da realidade e sua inovação. Nesse sentido, o conhecimento e a
inovação se tornam as principais manifestações da pesquisa (DEMO, 1997).
Já se pode observar que iniciativas e modelos de educação através da pesquisa
difundem-se, aos poucos, entre os professores e as instituições de ensino. Um bom
exemplo é a denominada “Pedagogia de Projetos”, em que, mergulhando-se em um
ambiente lúdico, fomenta-se na criança a atitude de pesquisa. A pedagogia de projetos está
apoiada na estimulação de uma postura de curiosidade e de questionamento e na
proposição de desafios para inventar soluções próprias através da observação, da
experimentação e da descoberta (HERNANDEZ, 1998).
Qualquer que seja a metodologia de ensino, segundo Pedro Demo, é fundamental
que a prática do questionamento em sala de aula esteja sempre presente, para que se
desperte a dúvida investigadora e se motive exercícios de re-elaboração individual,
discussões em grupo, busca de informações em outras fontes e, sobretudo, a pesquisa fora
da sala de aula. Educar através da pesquisa, segundo o autor, significa motivar o aluno a
fazer a elaboração própria e colocar essa idéia como meta de formação (DEMO, 2001).
Para que a atitude investigativa e a prática da pesquisa se realizem, efetivamente, na
educação, é essencial impregnar a convivência com os alunos com estratégias de pesquisa.
Pesquisar e produzir juntos é algo enriquecedor, mas isso somente ocorrerá se for criado
um clima de interação em que as pessoas possam aprender umas com as outras, no
convívio e no intercâmbio com seus pares (ARROYO, 2000). E isso só pode ser feito se os
professores estiverem preparados para educarem pela pesquisa. E, para isso, é necessário
que os professores sejam, eles mesmos, educados pela pesquisa.
Os professores da educação básica aprenderam, em seus cursos de formação, a
atuar como meros instrutores, uma vez que a pesquisa é, via de regra, inexistente na
educação preparatória de professores (DEMO, 2001). É inútil esperar que professores que
foram educados com base na cópia, na passividade e no sistema de avaliação em que a
habilidade mais testada é a memória, possam repentinamente mudar de paradigma e
passar a educar seus alunos de maneira construtiva e investigativa. Para que o professor
passe de “ensinador” a mestre, é essencial que ele adote a postura de pesquisa, em
primeiro lugar reconhecendo que “o professor que não constrói conhecimento, como atitude
cotidiana, nunca foi” (DEMO, 1997, p. 34).
A pesquisa deve constituir, para os professores, um instrumento de reflexão sobre a
própria prática, e também um meio de realizar a transformação dessa prática. Os
educadores devem utilizar a atitude questionadora e investigativa como uma ferramenta em
sua emancipação do hábito e da tradição (GALIAZZI, 2000).
Essa emancipação dos educadores se faz necessária tanto no eixo metodológico de
seu trabalho quanto no eixo teórico. Ao invés de atuar como um reprodutor de teorias
desenvolvidas por outros, que é o que ele faz ao seguir à risca o manual didático, o
professor deve passar a elaborar suas próprias aulas (DEMO, 2001), com base em suas
investigações e re-elaborações, estabelecendo uma relação dialógica com o livro didático,
que deve ficar clara, à guisa de exemplo, para seus alunos.

CONTEXTUALIZAÇÃO
Considerando que a pesquisa deve ser uma prática constante desejável na vida das
pessoas em geral, então ela deve assumir relevância especial na vida dos professores de
todos os níveis, especialmente os da educação básica. Os professores dos educandos mais
jovens têm nas mãos a responsabilidade de moldar os hábitos de aprendizagem e de estudo
das futuras gerações, além de influenciarem sobremaneira o modo como esses futuros
cidadãos se colocarão frente ao mundo em que vivem.
Ao adotar a pesquisa como expediente cotidiano em suas vidas profissionais, os
professores estarão se apropriando de maneira pessoal e significativa do conhecimento
teórico e metodológico que lhes é essencial, e também oferecendo exemplos vivos para
seus alunos de como se posicionar frente ao mundo. Mais do que isso, ao adotar a atitude
questionadora e investigativa, os professores estarão eles mesmos, e também seus alunos,
contribuindo com a produção de novos conhecimentos e de novas maneiras de se ver a
realidade e nela atuar.
Acreditamos que o curso de formação é o espaço ideal para que o professor
construa a consciência e o ideal do educar pela pesquisa. Assim, consideramos relevante
investigar como os futuros professores da educação básica, hoje em formação pela
Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, se posicionam com relação à
pesquisa: seu conceito de pesquisa, suas idéias sobre quem deve pesquisar e com que
objetivos, e a importância que atribuem à pesquisa para seu desenvolvimento.
Esperamos que os resultados de nosso trabalho possam trazer importantes insights sobre o
entendimento que os futuros professores têm sobre a pesquisa, e sua relevância na
educação.
O PROBLEMA DA PESQUISA
Qual é o entendimento dos alunos de último ano do curso de Pedagogia - Séries
Iniciais da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, sobre:
• pesquisa,
• a importância da pesquisa para seu desenvolvimento; e
• quem deve pesquisar e com que finalidade.

OBJETIVOS DA PESQUISA
• Conhecer a percepção dos alunos do último ano do curso de Pedagogia - Séries Iniciais
sobre o que seja pesquisa, quem deva realizá-la e para quê.
• Verificar a importância que esses alunos atribuem à pesquisa para seu desenvolvimento
profissional.
• Aferir se esses futuros professores consideram a pesquisa como meio para a
apropriação do conhecimento construído pela humanidade.
• Aferir se esses futuros professores consideram a pesquisa como meio para a produção
de novos conhecimentos, tanto por parte dos alunos como dos professores.
• Realizar recomendações no sentido da formulação de uma política de conscientização
dos alunos formandos no curso sobre a importância da realização da pesquisa tanto para o
desenvolvimento profissional do professor quanto para a construção do conhecimento em
todos os níveis educacionais.

QUESTÕES NORTEADORAS
1. Qual o conceito de pesquisa dos alunos de último ano do curso de Pedagogia - Séries
Iniciais da PUCRS?
2. Que importância esses alunos atribuem à pesquisa para seu desenvolvimento
profissional?
3. Qual a percepção que esses alunos têm sobre quem deva realizar a pesquisa, e com
que objetivo ela deve ser realizada?

ABORDAGEM E PROCEDIMENTOS DE PESQUISA


Esta investigação, um estudo de caso, tem cunho construtivista (LINCOLN e GUBA,
1985), também chamado de qualitativo. Segundo Engers, o paradigma construtivista de
pesquisa aceita o conhecimento “tácito” dos participantes, suas visões de mundo e seu
conhecimento construído ao longo da vida. Esse paradigma de pesquisa “não visa à
generalização, contempla a pesquisa em seu ambiente natural, utiliza a análise indutiva dos
dados na busca da compreensão e assume a subjetividade do pesquisador” (ENGERS,
2000, p. 138).
Optou-se pelo paradigma qualitativo, porque ele proporciona uma visão holística do
problema estudado. Essa visão holística é o que Alves-Mazzotti e Gewandsznajder (2001)
definem como a compreensão do significado de um comportamento ou evento, que somente
é possível através da compreensão das inter-relações que emergem no contexto estudado.
O que motivou os pesquisadores foi o objetivo de se ter uma visão êmica com
relação ao curso de Pedagogia da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul,
uma visão de dentro do grupo pesquisado, resultando na emergência de uma teoria que
seguisse os dados, chamada de grounded theory (aquela que emerge a partir dos dados) e
que pudesse confluir para a elaboração de um relatório com a proposta de recomendações
para a formulação de futuras políticas da Universidade com relação ao tema pesquisado.
Sendo assim, a abordagem escolhida foi o estudo de caso, que representa, segundo Lincoln
e Guba, 1985, “uma fotografia instantânea da realidade”.

Seleção dos participantes


Participaram da pesquisa seis alunos do último ano (sétimo e oitavos semestres) do
curso de Pedagogia - Séries iniciais da PUCRS, com idades entre 22 a 44 anos,
selecionados aleatoriamente. A percepção que os alunos formandos em Pedagogia – Séries
Iniciais têm sobre pesquisa é de enorme importância. Sua visão sobre quem deve pesquisar
e com que objetivo determina, em grande parte, sua visão sobre construção de
conhecimento e sobre aprendizado. Uma vez que essas são as pessoas que estarão, num
futuro próximo, atuando como educadores nas séries iniciais do ensino fundamental, sua
percepção determinará a maneira como atuarão em sala de aula, e como promoverão o
aprendizado de seus alunos.

Procedimentos e técnicas de coleta de dados


A coleta de dados foi realizada por meio da aplicação de um questionário pré-estruturado
que os participantes deveriam responder por escrito, consistindo de três perguntas (modelo
em anexo). Decidimos que as perguntas não deveriam mencionar a expressão “educar pela
pesquisa” para não direcionar as respostas dos participantes.

Procedimentos e técnicas de análise de dados


Os dados coletados foram analisados e interpretados com base na análise de
conteúdo de Bardin com adaptações de Engers (ENGERS, 1987). A sistemática utilizada
para a análise passou numa primeira etapa pela leitura e releitura dos questionários
respondidos, para a impregnação dos conteúdos, caracterizando-se essa atividade por um ir
e vir entre a leitura das entrevistas e a dos aspectos teóricos analisados, para poder
compreender os conteúdos latentes das entrevistas, dos significados e dos significantes dos
discursos e, assim, poder compreender as percepções dos entrevistados. É o que Bardin
chama de “análise flutuante”. Como um segundo passo, seguiu-se uma análise vertical,
consistindo em analisar as respostas de cada participante da pesquisa, marcando-se as
expressões mais relevantes. O terceiro passo da análise de conteúdo foi a análise de cada
item para todos os participantes (análise horizontal). Após essas etapas realizou-se uma
síntese, destacando-se os pontos de vistas diferenciados dos participantes, culminando na
emergência de categorias (ENGERS, 2003).
Procurou-se, na análise de conteúdo realizada, observar o conteúdo manifesto,
assim como o conteúdo latente (MORAES apud ENGERS, 1994), objetivando realizar uma
interpretação dos dados encontrados, no sentido de compreendermos as subjetividades e
os significados implícitos.

RESULTADOS
A questão sobre o que vem a ser a pesquisa resultou nas seguintes categorias que
emergiram a partir da análise dos dados:
PESQUISA COMO UMA UMA BUSCA ATIVA: Os alunos percebem a pesquisa como um meio para a
busca ativa de conhecimentos já produzidos e acumulados pela humanidade, de respostas
para seus questionamentos. Consideram-na também um meio de novas descobertas.
PESQUISA COMO INSTRUMENTO PARA A COMPREENSÃO DA REALIDADE: A pesquisa foi definida como um
instrumento para a atribuição de sentido à realidade, assim como uma forma de
aprofundamento do conhecimento.
Com relação à importância da pesquisa para seu desenvolvimento, podemos relacionar a
seguinte categoria encontradas:
PESQUISA PARA FINS DE ATUALIZAÇÃO: No que tange o desenvolvimento profissional, os alunos, de
maneira geral, acreditam que a pesquisa é uma maneira de se manterem atualizados, de se
aprofundarem nos assuntos que lhe são importantes. Também consideram-na importante
para seu desenvolvimento como um todo: intelectual, pessoal e profissional.
A categoria percebida na questão sobre quem deve pesquisar foi:
PESQUISA COMO TAREFA PARA PESSOAS DE TODAS AS IDADES, DESDE CRIANÇA: Os estudantes foram
unânimes em afirmar que a pesquisa deve ser realizada por todas as pessoas, de todas as
idades e de todas as áreas profissionais. Um participante afirma que a pesquisa deve ser
desenvolvida desde as séries iniciais, para desenvolver nas crianças o espírito crítico e
investigativo.
A finalidade do ato de pesquisar, a partir das respostas dos participantes, fez surgir a
seguinte categoria:
PESQUISA PARA FINS DE PREPARO FRENTE À REALIDADE: Os alunos mostraram estar conscientes da
importância do papel da pesquisa na educação como instrumento de apropriação da
realidade, uma vez que consideram que a pesquisa lhes oferece subsídios para que melhor
se posicionem frente à realidade, para que sobre ela reflitam e tirem suas conclusões.
Apesar do questionário ter sido previamente estruturado, ressaltamos que surgiu a
colocação de que o processo de pesquisar deva ser prazeroso e de que pode abrir a
possibilidade de uma formação diferente daquela originalmente pretendida. Os participantes
afirmaram ainda que a pesquisa pode surgir a partir do interesse ou da necessidade da
pessoa que se dispõe a pesquisar.
É importante ainda ressaltar que algumas idéias que consideramos essenciais sobre
a importância da pesquisa estiveram ausentes nas respostas dos questionários preenchidos
pelos alunos. São elas:
PESQUISA COMO PRODUÇÃO DE NOVOS CONHECIMENTOS: Os alunos deixaram de mencionar o papel da
pesquisa na produção de novos conhecimentos, tanto por parte dos alunos como dos
professores. Não mencionaram a sala de aula como um espaço de investigação coletiva, em
que grupos de alunos, auxiliados por seu professor, se engajam em descobrir soluções
novas para problemas. Os alunos também não mencionaram o papel do professor como
produtor de teorias e metodologias de ensino, em vez de mero reprodutor do que já é
produzido por outros.
PESQUISA COMO INSTRUMENTO PARA A TRANSFORMAÇÃO DA REALIDADE: É possível também notar a
ausência, no discurso dos alunos, o papel da pesquisa como um instrumento de
transformação da realidade.
PESQUISA COMO BASE PARA UMA METODOLOGIA DE ENSINO E DE APRENDIZAGEM: Os alunos pesquisados
não demonstram intimidade com o conceito de aprender e ensinar através da pesquisa, ou
seja, de utilizar a pesquisa como metodologia de ensino e de aprendizagem. Um dos
participantes chega a mencionar que deveria haver “disciplinas de pesquisa” em todos os
semestres do curso, ou seja, a pesquisa, para esse participante, é uma disciplina em si, e
não uma maneira de aprender e de ensinar.

PROPOSIÇÕES
Com base nos resultados emergentes da interpretação dos dados coletados nos
questionários aplicados, sugerimos que algumas ações sejam colocadas em prática. Essas
ações são mencionadas a seguir.
• Realização de estudos mais aprofundados com o objetivo de se conhecer melhor a
percepção não só os alunos, mas também os professores, dos cursos de Pedagogia da
PUCRS sobre a relevância da pesquisa.
• Realizar um trabalho no sentido de familiarizar professores e alunos dos cursos de
Pedagogia com a concepção de pesquisa como instrumento de produção de novos
conhecimentos, tanto teóricos quanto práticos, na carreira docente.
• Propor projetos que utilizem a pesquisa como metodologia de trabalho na universidade,
com o objetivo de familiarizar os futuros professores com a abordagem didática e educativa
realizada através da pesquisa.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
O presente estudo, realizado com alunos formandos em Pedagogia - Séries Iniciais
da PUCRS, lança um questionamento com o objetivo de levantar dados preliminares sobre o
conhecimento desses alunos sobre a proposta da pesquisa como princípio didático e
educativo, como é proposto por Demo (DEMO, 1997). Esse trabalho também pode servir
como um estudo inicial para a formulação futura de políticas educacionais e curriculares que
consolidem e incentivem a idéia da pesquisa como um jeito de ser profissional para os
futuros professores da educação básica.
Esta pequena pesquisa pode ser aprofundada com a realização de outras práticas
investigativas, como, por exemplo, entrevistas com professores e alunos que atuam no
referido curso de graduação, para se ter uma visão bilateral e ainda mais acurada desse
assunto. Propomos, portanto, que se continue essa investigação no sentido de se
aperfeiçoar continuamente a formação dos futuros professores, para prepará-los e
instrumentalizá-los cada vez melhor para a grande missão que é educar os cidadãos das
próximas gerações.
Segundo o Relatório Delors para a Educação do Século XXI, um dos papéis
primordiais reservados à educação neste século consiste em dotar a humanidade da
capacidade de gerenciar seu próprio desenvolvimento, fazendo com que cada pessoa
assuma a responsabilidade por seu próprio destino e, dessa maneira, contribua para o
progresso da sociedade em que vive (DELORS, 2000).
Para que cada ser humano atinja este ambicioso objetivo, é necessário que lhes
sejam dadas as condições para que se torne progressivamente mais autônomo, ou seja,
que ele possua liberdade e responsabilidade em todos os aspectos de sua vida, do pessoal
ao intelectual. Não se constrói autonomia reproduzindo o que já foi feito. As pessoas
tornam-se autônomas refletindo, reelaborando, adaptando, criando, inventando.
A melhor proposta para o enfrentamento e a superação dos desafios que se impõe
neste século é compreendê-los, e, a partir dessa compreensão, buscar soluções para
nossos problemas. Acreditamos também que é papel da educação levar cada pessoa à
consciência de sua responsabilidade nesse processo, e equipar cada estudante com as
ferramentas de que ele necessita para desenvolver suas habilidades e capacidades para
atuar nessa realidade.
Acreditamos que a pesquisa pode se constituir numa via eficiente para a educação
necessária ao novo século. Pesquisa, neste contexto, define-se como, em primeiro lugar,
uma atitude alerta, a capacidade de não aceitar tudo pronto, sem questionamento. Em
segundo lugar, pesquisar significa buscar informações ativamente, para sobre elas refletir e
se posicionar, numa constante apropriação e reformulação do conhecimento que já existe.
Em terceiro lugar, pesquisar significa re-elaborar, reformular, adaptar, recriar. Significa criar
novas maneiras de estar no mundo e compreendê-lo. Significa reinventar-se e transformar a
realidade.
Essa proposta de pesquisa deve ser tornada real na escola, em todos os seus níveis.
Os alunos devem se envolver – individual e coletivamente – em investigar, descobrir e criar,
em vez de simplesmente sentar e ouvir. A escola deve se tornar uma comunidade de
aprendizagem, “espaço coletivo de trabalho, em que todos, professor e alunos, são
considerados parceiros de pesquisa” (GALIAZZI, 2000, p. 90).
Para viabilizar essa proposta, o professor deve ser, antes de tudo, um
problematizador, um lançador de desafios, um causador de inquietude nos jovens corações
e mentes. Fazer pesquisa em sala de aula exige que o professor saiba estimular nos alunos
a atitude crítica e investigativa necessária para que eles queiram buscar ativamente as
informações de que necessitam para compreender a realidade.
É papel dos cursos de formação preparar esse professor, não através de aulas
expositivas e leituras, mas através da própria pesquisa. É papel da universidade levar os
futuros professores a vivenciar a experiência gratificante de ser co-autor de suas teorias e
de sua prática, de se apropriar ativamente do conhecimento, e de re-elaborar o que já se
sabe sobre a vida e o mundo, numa jornada de descoberta e criação que ele poderá, mais
tarde, revelar para seus alunos.
Acreditamos que é desse modo que poderíamos tornar real o ideal proposto pelos
membros da comissão da Unesco para a educação dos novos tempos: “uma nova
concepção alargada de educação deveria fazer com que todos pudessem descobrir,
reanimar e fortalecer o seu potencial criativo – revelar o tesouro escondido em cada um de
nós” (DELORS, 2000, p. 78).

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