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abril de 2008
Lentidão 3
Ana Cristina Rodrigues
Recomendações de Leitura
Fábio Fernandes
História Natural 17
Max Mallmann
Primeiro Encontro 19
Volmar Camargo Junior
O Fascínio da Ficção 35
Denis da Cruz
Cemitério Russo 37
Henry Alfred Bugalho
Ilusões 41
Denis da Cruz
O Botão 46
José Espírito Santo
TRADUÇÃO
A Última Pergunta 49
Isaac Asimov
Termo de Recriação 62
Marcia Szajnbok
Guerrilha Urbana 65
Giselle Natsu Sato
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Samizdat Especial 1 - abril 2008
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Lentidão
Ana Cristina Rodrigues
Eu odeio negociar com certas raças. Algumas por serem gananciosas, como os
malditos dorbelianos, que inventaram maneiras de enganar qualquer comprador e
chamam de ‘Leis Comerciais Internas’. Outras por terem um senso absurdo de honra,
como os hasamanitas que só adquirem qualquer coisa que tenha passado por um
complicado teste de autenticidade de posse. Mas, às vezes, é pura e simplesmente
porque eu tenho nojo dela. E na minha frente, um representante da raça mais nojenta
do Universo. Parece um verme super-crescido, com olhos pequenos em comparação
a cabeçorra disforme, apoiada direto nos ombros de onde saem braços finos como
gravetos. No entanto, em relação a mim, um olho dele era do tamanho do meu punho
fechado. Ele não conseguia andar sem a ajuda de um aparelho de suporte anti-
gravitacional. Não possuía pernas, e pesava cerca de duas toneladas e meia. Isso,
claro, numa estimativa para baixo. Grunhiu alguma coisa no seu dialeto. O meu velho
tradutor universal, roubado do Posto da Federação Interplanetária de Comércio,
demorou alguns segundos para traduzir.
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Samizdat Especial 1 - abril 2008
O feioso saiu convencido de que eu resolveria tudo. O seu olhar para os dois
imensos seguranças que o acompanhavam não deixou dúvidas do meu destino, caso
falhasse.
- Não.
- Não.
- Não!
- Puxa, eu posso...
- Nem que o Conselho Diretor me eleja presidente! Eu não vou sair desse planeta
levando você, MacAran. Desiste.
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guerrilheiro, um dos seres mais frios que já vi. E isso porque eu convivi com toneladas
de seres, das espécies mais diferentes possíveis.
- Ah, que é isso, minha linda? Pense em tudo o que eu já fiz por você...
- Fez por mim? Você dorme de favor na minha casa, é um foragido da Federação
e do Conselho Diretor, traz mercadoria contrabandeada para o meu armazém...
- Eu não posso. Temos negócios importantes essa semana. Vamos atacar o prédio
do Paradise News.
Esse era o mais poderoso centro de notícias dessa pocilga dentro de um domo.
Tudo o que acontecia dentro do campo de plástico transparente reforçado, que separa
Cidade Paraíso do ambiente inóspito circundante, é noticiado ali. E todos os fatos
exteriores são filtrados ali antes de entrarem no nosso pequeno pedaço de inferno.
Realmente, um negócio importante. O videofone de Nicole tocou.
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Samizdat Especial 1 - abril 2008
“- Não me chame assim, MacAran. Nic, preciso que você vá buscar um carregamento
de armas na borda do sistema hoje à noite.”
- Como assim?
O nome do chefe do bando chamou a minha atenção. Era o mesmo que estava
com a minha bebida. Resolvi não deixar escapar a chance caída do céu.
- Hum... Acho que posso ajudar aqui. Afinal, negocio há anos com os dorbelianos...
e sempre com sucesso. Vocês têm pouca experiência no contato com essa raça
esquisita e podem precisar de minha ajuda. Eu estava mesmo precisando dar uma
voltinha.
Um instante de silêncio tornou claro que ela estava refletindo sobre a minha
proposta, o que deixou Nicole consideravelmente preocupada.
“- Ok, MacAran. Você irá com Nicole. Hoje a noite, no espaçoporto, entrada
principal. Nosso contato já está esperando com todos os documentos de autorização
de saída necessários. Beijos, querida. Cuide-se.”
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Senti que fui fuzilado pelos olhos azuis de Nicole, mas isso pouco me incomodava.
Coloquei as mãos nos bolsos e comecei a assoviar, satisfeito. Amanhã à noite eu já
teria resolvido meu problema com aquele monstrengo asqueroso. Tudo o que tinha
que fazer era ajudar Nicole a negociar com os dorbelianos, pegar as armas e a bebida,
pagar e... Droga! Eu havia esquecido completamente que ainda tinha que acertar as
contas com os malditos cabeçudos.
Mal deu tempo para me servir de mais uma taça de conhaque antes dos dorbelianos
entrarem em contato. A cabeça imensa em relação ao resto do corpo, com todos os
seus detalhes raciais – dentes irregulares e sempre aparecendo, olhos pequenos e
focinho de porco – do chefe do bando de contrabandistas mais famoso daquela área
preencheu a tela.
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Samizdat Especial 1 - abril 2008
- Meu bom amigo Bork, é um prazer revê-lo... Deixou a minha bebida na geladeira,
como eu pedi?
- Que eu era amigo dos guerrilheiros? Tenho mais surpresas do que você imagina,
seu dorbeliano sujo!
“- Não precisa discutir comigo, humano. Sua mercadoria também será entregue.
Iremos teletransportar tudo para o convés de carga.”
- Muito bem, eu vou descer até lá e conferir a carga. Assim que eu disser “parta”,
você entra em dobra espacial.
- Mac...
- Dá para não discutir? – Eu tinha que pensar rápido. O melhor era descer logo e
conferir tudo. Nicole e suas besteiras podiam ficar para depois
Não quis saber. Dei as costas e fui para o convés de carga, preocupado com
a minha mercadoria. Chegando no convés, dei um suspiro aliviado. Tudo na mais
perfeita ordem. A carga estava toda ali, bebidas de um lado, explosivos de outro.
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Conferi as minhas garrafas uma a uma, e dei uma olhada por alto nos pacotes dos
guerrilheiros. Sorri para mim mesmo, enquanto usava o comunicador da nave.
“- Mac...”
- Como assim?
Para salvar a minha pele, eu teria realmente que pensar rápido agora.
Bom, como é mesmo aquele velho ditado terrestre? ‘Os inimigos de meus inimigos
são meus amigos, embora sejam meus inimigos também’. Não faz sentido, mas foi
isso que iluminou a minha mente.
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Samizdat Especial 1 - abril 2008
“- Questão de segundos.”
“- Tenente Gamgi.”
A nave federada se aproximou. Suas formas prateadas reluziam com as luzes das
estrelas. Não era muito grande para os padrões federativos, mas muito maior do que
a nossa nave de cruzeiro. Bem mais armada, como os dorbelianos pareciam saber.
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Torcendo para que Nicole conseguisse distrair o oficial pelo tempo necessário,
afinal minha companheira de viagem não tinha muita paciência com o sexo oposto,
entrei no sistema de lazer da nave. Como eu imaginara, estava equipado com os
mais modernos programas de holografias solidificadas em três dimensões. Alguns
comandos e um holograma surgiu. A área de carga virou um grande salão, cópia
daquele localizado na sala de controle...e eu, Richard MacAran Davis, havia me
transformado em uma irmã gêmea da bela Nicole, com muito menos roupa e mais
atitude. Deitei em um sofá, lendo um livro eletrônico, tentando reproduzir as poses
das antigas fotos eróticas que eu vira.
Não demorou muito para que o tenente Gamgi entrasse na área de carga,
acompanhado de Nicole. Foi difícil saber quem ficou mais surpreso. Porém, a
paradisíaca recuperou-se mais rápido enquanto Sam ficou boquiaberto.
Levantei-me e disse, com voz feminina feita pelo computador, sorrindo na direção
do oficial.
- Hum, ele é nosso herói, então? – aproximei-me ainda mais dele, que começou
a tremer visivelmente. Completamente constrangido, ele mal olhou para nós “duas”
enquanto fazia uma inspeção ligeira. Despediu-se com uma mesura, ainda sem nos
encarar, e foi teletransportado para sua nave. Nicole olhou para mim, ainda disfarçado.
Pisquei para ela e sorri.
- Resolvi tudo, não foi? Agora vamos de volta para aquele pardieiro que você
chama de casa.
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Recomendações de Leitura
O livro tem pontos altos e baixos, por vezes se perde em sua necessidade de
contemplação estética, como se o autor também se fixasse na adoração do Supremo
Esteta, e na necessidade de extravasar uma veia poética mal contida que nem sempre
aparece no momento certo.
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O artista da carne
(uma parábola)
Fábio Fernandes
- Quero um clone - disse o vampiro.
- Quanto?
- Vinte e dois.
- Mínimo de cinco anos, máximo de vinte e dois. Sugiro tempo real, o trabalho fica
mais perfeito.
Podia. O vampiro tinha duzentos anos e mais duas décadas não fariam
diferença.
Não que isso importasse: no século vinte e dois, todos tinham uma vida muito
longa. A existência dos vampiros já era conhecida. Mas pouco tolerada. As colônias
na Lua e em Marte existiam para provar isso.
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Agora o mundo era outro. Nem melhor nem pior, apenas diferente. Agora os humanos
também podiam viver muito mais tempo. Ela nem precisaria ser transformada.
Viajou, correu mundo. Poucos eram os lugares que o vampiro não conhecia. Só
faltavam as colônias na Lua e em Marte, mas isso ele não queria: nenhum vampiro
voltava das colônias.
Até que um dia ele olhou o calendário e o dia finalmente havia chegado. Voltou ao
ateliê do artista.
- Bem - respondeu o artista. Ele estava diferente: os cabelos agora tinham um tom
grisalho, havia rugas nos cantos dos olhos, a barriga estava ligeiramente dilatada. Há
muito tempo o vampiro não via alguém assim: o artista estava velho.
O vampiro não perguntou mais nada, tinha pressa. O artista trouxe o clone.
Era linda, mais linda do que ele se lembrava. Pela primeira vez em muito tempo,
o vampiro chorou. Como se obedecendo a uma deixa, ela se aproximou e tomou-lhe
as mãos, dizendo: calma, estou aqui.
No começo tudo era perfeito. O vampiro viveu com a garota como nunca antes.
Pela primeira vez em muito tempo, o vampiro foi feliz.
Então o vampiro descobriu que a garota não era só sua. Ela também pertencia ao
artista.
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De novo não, pensou o vampiro enquanto se dirigia ao local onde os dois amantes
se encontravam. Ele devia ter percebido a força do DNA.
Pois a garota - a verdadeira garota, a matriz que agora era apenas um punhado
de ossos - não ficara com ele para sempre.
Antes de ser vampiro, antes mesmo de ser humano, ele era possessivo. Muito.
Nem o vampiro.
Ao chegar, viu a cena: os dois na cama, ele em cima, ela em baixo. Não teve
pressa. Lentamente, com gosto, os dentes aguçados rasgaram carne, perfuraram
artérias, nadaram em sangue. O vampiro só parou quando a polícia chegou. Nada
mais importava.
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História Natural
Max Mallmann
Vendo a coisa em retrospecto, não posso dizer que tenha sido mau negócio. Há um
certo prazer lúbrico na vida multicelular. Meu principal passatempo, naquela época,
era o cultivo de apêndices externos. Flagelos natatórios, tentáculos, barbatanas, uma
infinitude de protuberâncias capazes de balançar para lá e para cá. Porém o apêndice
externo mais divertido de todos, sem dúvida, era o pênis. Não ajudava nem um pouco
na locomoção, mas era ótimo para penetrar nos orifícios dos outros organismos
multicelulares. Sim, foi quando descobrimos o sexo. Ficamos durante milhões de
anos trepando como loucos no fundo do mar, sem que ninguém nos incomodasse, até
que um daqueles chatos cheios de opiniões sugeriu: “E se a gente fosse para a terra
firme?”. Mais uma vez, avisei que não ia dar certo. Foi inútil. Ninguém me ouviu, apesar
de quase todos nós já possuirmos ouvidos ou algo semelhante. Decidi acompanhar
um bando de imprudentes nessa aventura maluca, só para ver a confusão que eles
armariam. Acabei rastejando na areia quente, debaixo de um sol que me torrava as
escamas.
Que tolo fui, quando me condenei à eterna indecisão da vida de anfíbio. Nostalgia
é uma palavra salgada, como o mar que me viu nascer. E foi num ímpeto de
autodefinição, numa busca sôfrega por alguma identidade mais sólida, que acompanhei
os outros rumo ao interior daquela imensidão de terra. Quando me dei conta, já era
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um dinossauro.
A forração de jornal da minha modesta prisão muda todo dia. As notícias e editoriais
me deixam aterrorizado com o que acontece no mundo.
Minha única alegria, nesta vida gradeada, é bradar sem descanso, em linguagem
de canário, a todas as formas viventes que possam me escutar, a todos aqueles
ambiciosos, lunáticos, porra-loucas e descompensados que decidiram abrir mão da
pacata existência molecular para poluir o mundo com o milagre da vida: eu avisei, não
avisei?
Sobre o Autor
Fonte: Bestiário
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Primeiro Encontro
Volmar Camargo Junior
(Um conto steampunk)
— Não é um prazer revê-lo, Oficial “Sete” – retrucou com alguma dificuldade por
causa da posição em que estava.
— Você sabe que estava ansioso por nosso reencontro, não sabe? – içando-a
a uma altura ainda maior com os braços, os únicos membros de seu corpo ainda
vagamente humanóides.
— Oficial... veja... eu sinto muito pelo acidente com sua perna. Mas olhe pelo lado
positivo. O senhor ainda tem... outra sete! – disse com um sorriso escandalosamente
sarcástico.
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Samizdat Especial 1 - abril 2008
A garota olhou rapidamente à sua volta, um tanto apavorada: não havia ninguém
que pudesse socorrê-la. Teria de contar com a sorte que, até então, nunca falhara. E
ser muito, muito rápida. Em um instante, arquitetou o plano. “É agora ou nunca!”
— Senhor Oficial Lothar – gritou, suplicante e agitada – por favor! Eu tenho uma
proposta, sim?! Uma proposta!
— Vejamos. Talvez hoje seja seu dia de sorte, mocinha. – diminuindo a velocidade
da serra.
***
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Uma garota, vinda não se sabe de onde, atirou-se no colo de Krinn no instante em
que as molas estouraram, jogando o veículo e seus dois tripulantes a uma velocidade
alucinante em direção ao céu.
Só então, passada a emoção de seu enésimo teste – desta vez com êxito – o
rapaz dá-se conta da situação mais que inusitada.
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casa. Times
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Os Casulos deles!
Há poucos meses atrás...
— Ok. Pode ir começando, eu vou
“ Começa a funcionar a zero hora buscar outras fontes. Ah... !E consiga um
da noite de domingo os primeiros PSC, mandato.
Programas de Simulação Consciente,
popularmente chamado de Casulos. — Para que?
Serão instalados em toda rede
SimuLar nas principais cidades-estufa,
— Quero toda a rede SimuLar
sendo monitorados pela DAC e seus
fechada!
Controladores. Os Casulos virão com
um software-demo desenvolvido pelos
Construtores, O Último Alvorescer, um — Ok!...Senhor Pyne...Eu preciso
simulacro projetado com uma belíssima entrar?
arquitetura tridimensional gerada com as
últimas imagens da vida na terra como — O que você acha garoto?
era antes da Grande Guerra.”
Detetive Pyne
— Então senhor Pyne, acha que ele “O mercado de falsificações se
está envolvido? agitou hoje com a chegada de um
software ilegal que impulsiona descargas
— Sem nenhuma dúvida! O desgraçado elétricas específicas no córtex entorrinal,
saiu das sombras novamente. É a sexta estrutura do lobo temporal medial onde
vítima em menos de uma semana. se armazena as lembranças de longo
prazo, com isso, a interação com o
— Como pôde ter invadido o mundo artificial se torna mais natural
sistema? devido a reprogramação oferecida pelo
novo software que se mescla à fatos
verídicos da vida do usuário. Esse é um
— Ele não invadiu, essa merda foi
novo marco no competitivo mercado das
reprogramada, como um vírus.
simulações. Com o software não se torna
preciso projetos desenvolvidos pelos
— Construtores? Construtores como prédios, cidades,
belas paisagens e até mesmo o próprio
— Não, é algo maior, aqueles viadinhos passado, o usuário dispõe de infinitas
podem facilitar as coisas, inserir alguns possibilidades de combinações baseado
dados não permitidos, recriar ambientes, em experiências armazenadas na
mas isso aqui... Temos que vistoriar todos memória, contudo Controladores da DAC
os Casulos. afirmam que o novo simulador pode ser
falso ou um vírus.”
— Só em Nova Tóquio há mais de 30
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Bangladesh tenho...
Sonho de James Usher
Primeiro Dia
— Sabia que viria James. Alguns anos antes
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— Ele distribuiu seu novo software — Então isso aqui é Salém? Bonito, um
no mercado de falsificações. Usuários mosaico de velhas lembranças estampado
viciados sempre procuram coisas novas. atrás de um avelhantado sonho infantil.
Você é bom, muito bom... Uma projeção
do ideal baseado em pura reminiscência,
— Salém? trazendo à tona uma anamnese...? Sem
avatares ou panes temporárias. A mente
— Sim, conheço alguns antiquários projetando o que o self quer. Realmente
interceptadores, por uns dois mil você me impressionou Construtor. Lembrei
consegue um, por dez leva o Casulo no que Demócrito apenas acreditava em
pacote. “átomos e no vazio”, confiava plenamente
em suas sensações físicas a ponto de
— Bom detetive, mas como soube de afirmar que nada mais existia. Engraçado
tudo isso? que Platão achou a idéia tão desprezível
que expressou o forte desejo de que toda
Adoro isso, aquele olhar meio cético, a obra de Demócrito fosse queimada
ponderando o óbvio para em seguida imediatamente.
ostentar o simples fato de que...
— Porque veio Pietro?
— Não me diga que entrou Pyne!
Entrou?! Entrou em Salém?! — Queria ver com meus próprios
olhos. Um céu desbotado num azimute
azul-turquesa resvalando pôr sobre
o sustentáculo do mundo, plêiade de
sumidades! De onde tirou o tom cerúleo?
Há doze anos... Não me recordo desse dia.
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— Lembra do alpendre?
Há doze anos houve uma guerra — Sim, sim... Como não lembrar,
estava lá no dia que tudo começou.
Vamos até lá, por favor.
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— Olhe para cima Dalilah, consegue vê — Não fugi e estou aqui, você
os clarões de fulgor intenso acima dessa abandonou tudo!
enevoada melancolia? São mísseis MIRV,
eram equipados com 14 ogivas nucleares — Diga onde eles estão?! A DAC já
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— Sr. Robert, tem um minuto? — Não foi fácil, mas quando se têm
falsificadores, putas de antiquários e
— Claro, o que há Pyne? militantes mutantes como velhos amigos,
dá-se sempre um jeitinho.
— Estava pensando sobre a guerra,
acha que não vai nos comprometer o fato — Você precisa escolher Pietro.
de exilarmos civis americanos.
— Ouvi dizer que as vítimas ficaram
— Já conversamos sobre isso. plugadas por sete dias, causando várias
morte e seqüelas irreversíveis na maioria.
— Certo, porém tive uma última Como você fez isso?! Quando fui demitido
impressão, hum... Será mesmo Pietro um da DAC por causa das mortes ligadas aos
Construtor? Ser o for, a forma de como Casulos não me importei muito, enfim
vê o mundo será diferente dos demais. um Construtor com boas indicações
E essa garota, Dalilah, não precisamos sempre encontra novos patrões para
dela, não há conexão com... satisfazer, agora, quando soube de
Salém, hum, hum...! Eu precisava achar
o filho da puta que criou tudo isso, talvez
— Apenas faça Pyne, execute o para amenizar os nervos, talvez para
projeto, nosso prazo está se esgotando. roubar a idéia... Bem, não sou nenhum
descontrolado que sai por aí com rifle em
punho caçando criancinhas mutantes,
ou sei lá... Um psicopata cibernético que
Sidney vicia suas vítimas com sonhos artificiais!
Com certeza, não sou. Eu precisava te
Sonho de Pietro encontrar Construtor, o homem que fez
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— Por quê...?!
Sidney
Bangladesh Sonho de Pietro
Sonho de James Usher Sexto Dia
Sexto Dia — Porque escolheu essas pessoas?
Venho pesquisando tudo sobre você,
— Para onde está me levando?
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descobri que houve mais de 200 casos as duas torres quadradas que ladeiam
não-oficiais onde usuários tiveram a fachada do Portão do Paraíso? Você
contato com Salém e não morreram. Você sempre gostou de vir aqui com ela, dei uma
espalhou o vírus usando os falsificadores. retocada, viu? Nunca seriam acabadas
Uma droga cara, mas fácil de achar. Todos de qualquer forma... Quer saber onde
os que se conectaram e não morreram eles estão Pyne?
dizem ser uma enganação, a promessa
de felicidade duradoura, de respostas... — Você deve ter agora, hum... Uns
Tudo balela! Porque apenas seis mortos? dois minutos.
Porque foram escolhido,s Construtor ou
posso te chamar de Robert?!
— Venha comigo vou lhe mostrar.
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O Fascínio da Ficção
Denis da Cruz
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Estes mundos, sejam eles os futuros uma mensagem específica. Isto é raro,
de tecnologia extrema, ou os universos pois determinadas confissões poder
paralelos, com batalhas épicas, são de fato ser anticomerciais. Preferem deixar a
fascinantes. Quando escrevo, preocupo- mensagem nas entrelinhas ou no nível
me com minha responsabilidade como subliminar. “Interpretem como quiser”
autor em traçar limites e deixar claro que dizem eles.
estou escrevendo sobre o irreal.
O segundo aspecto, é o ligado aos
Igualmente alerto meus filhos quando pais e educadores. Não se pode dar
conto histórias desta natureza. É comum um livro ao filho sem antes conhecer
meu caçula (de três anos) perguntar: seu conteúdo e seu magnetismo. Uma
“Isso existiu de verdade, papai?” (um dia inadvertida criança pode ser sugada para
desses ele me perguntou se o Superman o universo ficcioso e encontrar dificuldade
existe). para se livrar dele.
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Ilusões
Denis da Cruz
Meus olhos, por mais que tento, não Estendo a mão e entrego-lhe uma
conseguem se desviar do fascínio imposto minúscula esfera transparente. Jaila a
por sua beleza. Não faço idéia do que escaneia com seus olhos que avermelham.
existe por baixo daquela camada perfeita Sorri.
de proto-ilusão que a deixa deslumbrante.
Cabelos negros e cintilantes, olhos - Você conseguiu! O nanochip agora é
verdes, curvas esculturais vestidas em nosso. Vamos inserir os créditos em seu
roupas mínimas e traços que lembravam DNA agora mesmo, Samyanm.
algo como os elfos das velhas histórias
de Tolkien.
- Prefiro outro implante - digo sem
rodeios – Quero a tecnologia do nanochip
- Eu já falhei alguma vez? – pergunto em meu braço.
tentando não denotar qualquer entusiasmo
com sua beleza.
- Isto custará mais que os créditos
que você tem. Mas é algo que podemos
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golpes e meus nanotecs não irão curar forma sou colhido por meu transporte e
nem mesmo um aranhão. inicio a perseguição.
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O Botão
José Espírito Santo
Está um dia frio de Inverno. Pela janela, Jorge vê os flocos de neve caírem
acrescentando mais volume ao manto branco, engrossando a camada que cobre
caminhos e bases das árvores estendendo a solidão até aos limites do horizonte da
vista.
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adulta.
II
Decidiu parar neste ponto. Maria chamava-o, queria ajuda para deitar os miúdos.
Em menos de uma hora estava de volta, continuou.
Reuniram então o conselho e este deliberou. A primeira função tinha (mais uma vez)
de ser cumprida: Servir o criador, proteger a espécie humana de todas as ameaças.
Paradoxalmente, a maior ameaça à espécie humana era justamente aquilo em que
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ela se tornara – uma minoria decente violentada diariamente pela maioria de ociosos
violentos e ignorantes. Que fazer?
A saída existia realmente e foi encontrada após uns minutos de reflexão comum.
Consistia na segunda directiva, a qual estabelecia que em todas as ocasiões, em
qualquer ocasião, deveria sempre a espécie humana manter na sua posse o LIVRE
ARBÍTRIO.
Desligou o aparelho, concordando. Afinal ainda tinha algum tempo até terminar o
prazo estabelecido pela editora.
Formavam um casal romântico. Dois robot abraçados que se dirigiam para o quarto
calma e lentamente. No silêncio cibernético da noite.
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TRADUÇÃO
(fonte: Wikipédia)
A Última Pergunta
Isaac Asimov
trad.: Henry Alfred Bugalho
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vivendo no planeta. Bom Deus, nossos suspirou Jerrodine, ocupada com seus
netos terão que procurar novos mundos, próprios pensamentos — Creio que
porque X-23 estará superpopulada. famílias estarão se mudando para novos
planetas para sempre, do mesmo modo
Então, após uma pausa reflexiva: — que nós.
Eu lhe digo, é uma grande sorte que os
computadores descobriram a viagem — Não para sempre, disse Jerrodd,
interestelar, do jeito que a raça está se com um sorriso. Um dia, isto parará, mas
multiplicando. não por bilhões de anos. Muitos bilhões.
Até mesmo as estrelas se apagarão, você
— Eu sei, eu sei, disse Jerrodine, com sabe. A entropia aumentará.
pesar.
— O que é entropia, papai? — berrou
Jerrodette I disse, de chofre: — Nosso Jerrodette II.
Microvac é o melhor Microvac do mundo.
— Entropia, querida, é apenas uma
– Eu também penso isto, disse Jerrodd, palavra que quer dizer a quantidade
acariciando os cabelos dela. de esgotamento do universo. Tudo se
esgota, você sabe, como o seu pequeno
robô walkie-talkie, lembra-se?
Era uma boa sensação ter um
próprio Microvac, e Jerrodd estava feliz
por fazer parte desta geração, e de — E você não pode pôr uma nova
nenhuma outra. Durante a juventude de unidade de energia, como com meu
seu pai, os únicos computadores eram robô?
máquinas gigantescas, ocupando meio
quilômetro quadrado. Havia apenas — As estrelas são as unidades de
um por planeta. Eram chamados de energia, querida. Uma vez que elas
AC Planetários. Eles haviam crescido tiverem acabado, não haverá mais
constantemente de tamanho por mil anos, unidades de energia.
então, subitamente, veio o refinamento.
No lugar de transistores vieram válvulas Num ímpeto, Jerrodette I soltou um
moleculares, ao ponto em que o maior dos berro: — Não deixa, pai! Não deixa que
AC Planetários poderia ocupar o lugar de as estrelas se apaguem!
metade do volume duma nave.
— Veja só o que você fez, resmungou
Jerrodd se sentiu elevado, como Jerrodine, exasperada.
sempre se sentia quando pensava que
seu Microvac individual era muitas vezes
— Como é que eu iria saber que isto
mais complicado que o antigo e primitivo
as assustaria? Jerrodd resmungou em
Multivac, que primeiro domesticou o Sol,
resposta.
e quase tão complicado quando o AC
Planetário Terrestre (o maior de todos), o
primeiro a resolver o problema da viagem — Pergunte ao Microvac, gemeu
hiperespacial e que tornou possível Jerrodette I. Pergunte a ele como ligar as
viagens estelares. estrelas de novo.
— Tantas estrelas, tantos planetas, — Faça isto, disse Jerrodine. Vai fazer
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com que elas sosseguem. (Jerrodette II — Mesmo assim, disse VJ-23X, hesito
estava começando a chorar também). em apresentar um relatório pessimista ao
Conselho Galático.
Jerrodd deu de ombros: — Está certo,
queridas. Vou perguntar ao Microvac. Não — Eu não pensaria em nenhum outro
se preocupe, ele nos responderá. tipo de relatório. Enrole-os por um tempo.
Temos de enrolá-los.
Ele perguntou ao Microvac,
acrescentando rapidamente: “Imprima a VJ-23X suspirou: — O Espaço é
resposta”. infinito. Cem bilhões de Galáxias estão aí
para serem tomadas. Mais.
Jerrodd apanhou a fina tira de
celufilme e disse, com alegria: — Vejam, — Cem bilhões não é infinito, e esta
Microvac diz que tomará conta de tudo se tornando menos infinito a cada dia
quando chegar o momento, então não se que passa. Pense! Vinte mil anos atrás, a
preocupem. humanidade resolveu, pela primeira vez,
o problema de como utilizar a energia
Jerrodine disse: — Agora, crianças, estelar, e alguns séculos depois, a viagem
é hora de ir dormir. Logo estaremos em interestelar se tornou possível. Levou
nossa nova casa. um milhão de anos para a humanidade
ocupar um pequeno mundo, e apenas
quinze mil anos para ocupar o resto da
Jerrod leu as palavras no celufilme
Galáxia. Hoje, a população dobra a cada
novamente antes de destruí-lo: DADOS
dez anos...
INSUFICIENTES PARA UMA RESPOSTA
SIGNIFICATIVA.
VJ-23X interrompeu: — Graças à
imortalidade.
Ele deu de ombros e olhou para o
videodisco. X-23 estava logo adiante.
— Tudo bem. Imortalidade existe e
temos de levar isto em consideração.
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Admito que a imortalidade tem um aspecto
desagradável. O AC Galático resolveu
VJ-23X de Lameth olhava para o muitos problemas para nós, mas, ao
interior das profundezas negras do mapa resolver os problemas de como prevenir
tridimensional, em pequena escala, da o envelhecimento e a morte, ele desfez
Galáxia e disse: — Nós somos ridículos, todas as outras soluções.
eu me pergunto, em nos preocuparmos
tanto com o problema?
— Mesmo assim, você não iria querer
abandonar a vida, suponho.
MQ-17J de Nicron balançou a cabeça:
— Acho que não. Você sabe que a Galáxia,
— De maneira alguma! — retrucou
no atual nível de expansão, estará cheia
MQ-17J, mas logo se acalmou: — Ainda
em cinco anos.
não. Ainda não sou velho o bastante.
Qual sua idade?
Ambos aparentavam estar na casa
dos vinte anos, eram altos e perfeitamente
— Duzentos e vinte e três. E a sua?
formados.
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original. Durante um período, uma delas, não com palavras, mas com orientação. A
em seu vago e distante passado, havia mente de Zee Prime foi guiada até o turvo
sido a única Galáxia povoada pelo mar de Galáxias e uma, em particular, se
homem. ampliou em estrelas.
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absoluto. coletado.
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Termo de Recriação
Marcia Szajnbok
Registro 233.577 - 9
Conforme o previsto no registro anterior, deu-se a completa extinção. O processo
pode ser descrito sucintamente da seguinte forma:
1.
Com o esgotamento dos combustíveis fósseis e a impossibilidade de gerar
energia a partir da água, observou-se nas últimas décadas um declínio progressivo
da temperatura. A atmosfera opacificada pela fumaça tornou-se quase impermeável
à luz solar, o que contribuiu ainda mais com tal esfriamento. Instalou-se o que eles
denominaram “a terceira era glacial”, com a maior parte dos territórios cobertos de
gelo e a conseqüente escassez de alimentos, restando apenas algumas poucas
espécies. Além de bactérias, algas unicelulares e briófitas, restou um único grupo de
humanos, aglomerado ao redor da pouca água em estado líquido, em algum lugar
próximo à linha do Equador.
2.
Confirmando milênios de observações anteriores, devo admitir que o projeto
“Homem” representou um absoluto fracasso. Em algum ponto da história, que nem
mesmo eu consigo precisar qual, instalou-se na espécie humana o impulso ao conflito
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XP-466.7/9
Codinome: deus
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Guerrilha Urbana
Giselle Natsu Sato
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Não sabia por onde começar, nem em quem confiar mas precisava ir em frente.
Pela primeira vez senti que havia uma razão para continuar viva.
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http://desnome.blogspot.com
Denis da Cruz
Advogado, Servidor Público, marido de Elisa
e pai dos pequenos Lívia e Kalel. Escritor amador,
faz da literatura um agradável e despretencioso
passatempo. Mais detalhes, o leitor poderá flagrar
nos textos que serão apresentados na Samizdat,
afinal, já escreveu certa vez: “não sou nenhuma de
minhas personagens, mas sou todas elas vivendo ao
mesmo tempo”.
http://www.recantodasletras.com.br/autores/kzar
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Giselle Sato
Giselle se autodefine apenas como uma
contadora de histórias carioca. Estudou Belas Artes
e foi comissária de bordo — cargo em que não fez
muita arte, esperamos. Adora viajar (felizmente!) e
fala alguns idiomas.
Atualmente se diverte com a literatura, participando
de concursos e escrevendo para diversos sites pela
net. Gosta de retratar a realidade, dedicando-se a
textos fortes que chegam a chocar pelos detalhes,
funcionando como um eficiente panorama da
sociedade em que vivemos, principalmente daquilo
que é comumente jogado para baixo do tapete pelos veículos de comunicação.
http://www.trilhasdaimensidao.prosaeverso.net/
http://www.riodeescrita.blogspot.com/
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Marcia Szajnbok
Médica formada pela Faculdade de Medicina da
Universidade de São Paulo, trabalha como psiquiatra
e psicanalista. Apaixonada por literatura e línguas
estrangeiras, lê sempre que pode e brinca de escrever de
vez em quando. Paulistana convicta, vive desde sempre
em São Paulo.
Samuel Peregrino
27 anos, cursando Letras e girando a Máquina! Toca com
a Libertália na ociosidade
http://www.diariosinacabados.blogspot.com/
http://recantodasletras.uol.com.br/autores/vcj
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