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DE QUILOMBO A QUILOMBOLA: “UM” OLHAR SOBRE A COMUNIDADE

REMANESCENTE DE QUILOMBO DE PITOMBEIRA, VÁRZEA-PB

Hugo Leonardo dos Santos Macena


Aluno de Graduação em Geografia – UFPB
hugo.macena@gmail.com

Resumo: O período escravocrata brasileiro deixou profundas marcas na história do país, bem como os
reflexos que se apresenta na sociedade. Os excluídos de toda e qualquer oportunidade, como no
passado, ainda estão presentes até hoje, sejam reunidos no campo ou na cidade. Com um discurso de
reparo e justiça social, diversas organizações sociais vêm desenvolvendo propostas e pressionando o
poder público para implementações de políticas públicas voltadas para as minorias étnicas. Sob a
égide de implementar uma política de promoção da igualdade racial, o governo brasileiro, no ano de
2005, desenvolveu o Programa Brasil Quilombola, que se apresenta como um conjunto de ações e
diretrizes destinadas ás comunidades remanescente de quilombos. A comunidade negra de Pitombeira,
localizada no município de Várzea/PB é um exemplo dentro das centenas de comunidades negras que
habitam os interiores do Brasil e algumas áreas urbanas que resistiram ao tempo, as adversidades, bem
como as tentativas de expropriações de seu espaço vital. Hoje, essas comunidades, vêem que a
necessidade de afirmação de uma identidade, pode ser a garantia da sobrevivência da comunidade.
Dessa forma, neste trabalho, buscamos compreender a realidade da referida comunidade como um
ambiente de segregação espacial e racial e de resistência territorial, entendendo-a, sobretudo inserida
em uma conjuntura maior: a realidade das comunidades afro-descendentes do Brasil. Para
fundamentação teórica desse trabalho nos apoiamos em autores da geografia e antropologia que
discutem território e etnicidade a exemplo de CARRIL (2006), HAESBAERT (2005) e RODRIGUES
(2007). Apoiou-se, dessa maneira, em uma literatura sistemática da bibliografia existente sobre a
temática quilombola, com um rearranjo das informações disponíveis nos meios de comunicações e
também, por meio de dados colhidos em atividade de campo. Podemos constatar que o quadro atual da
implementação das políticas públicas para o segmento é muito promissor, apesar de todas as
dificuldades que o governo e os movimentos sociais vêm enfrentando.

Palavras-Chaves: Quilombola; território; segregação

Abstract: The Brazilian proslavery period left deep marks in the history of the country, as well as the
reflexes which appear on the society. The of all and the any chance excluded, as in the past they are
still present till this day, united on the land or in the city. With a speech of repair and social justice,
various social organizations are about to develop suggestions and pressuring the public power for
implementations of public politics directed toward the ethnic minorities. Under the aegis to implement
a policy of offer of racial equality, the Brazilian government in the year of 2005, it developed the
Program Brazil Quilombola, that represents a set of action and directives destined for the remaining
communities de quilombos. The black community of Pitombeira - located in the city of Várzea/PB is
an example inside of the hundreds of black communities which populate the interior of Brazil and
some urban areas that had resisted the time, the adversities, as well as the attempts of expropriations of
its living space and today see that the necessity of affirmation of an identity can be the survival
guarantee of the community. In this manner, in this work we try to understand the reality of the cited
community as an environment of space and racial segregation and territorial resistance, understanding
it, over all inserted in a bigger conjuncture: the reality of the communities afro-descendants of Brazil.
For theoretical foundation of this work we support in authors of geography and anthropology who
discuss territory and ethnicity, for example CARRIL (2006), HAESBAERT (2005) and RODRIGUES
(2007). In this way it was supported by systematic literature of the existing bibliography about
quilombola, with a rearrangement of the information available in the communication devices and also
data gathered in activity on the land. We can note that the topical implementation list of public politics
in this segment is very promising, in spite of all difficulties which the government and the social
movements must come facing.

Key words: Quilombola; territory, segregation

1. Introdução

O filósofo grego Aristóteles (384-322 a.C.), em um dos seus tratados sobre a política,
com o objetivo de legitimar a escravidão comenta: “(...) alguns seres, ao nascer, se vêem
destinados a obedecer; outros mandar [...] assim, dos homens, uns são livres, outros escravos
[...] e que há escravos e homens livres pela própria obra da natureza (...)” (ARISTÓTELES,
[20-?], p.18-19). Como pode ser notada a escravidão não é nova na história da humanidade, as
mesmas tentativas de legitimar a exploração da força de trabalho escravo, surgiu quando
durante a expansão marítimo-comercial européia e a colonização do continente Americano no
século XV, respaldando o tráfico de milhares de negros e negras oriundos da África.
Como em tantas outras colônias européias do século XV, a escravidão no Brasil foi
uma das principais características do período colonial sendo abolida formalmente em 1888.
Os históricos quilombos, tão comuns neste período, representavam uma possibilidade de
assegurar a liberdade individual, uma vez que representavam um refúgio tanto para negros
como para índios. Dessa maneira, dentro do Brasil formaram-se novos territórios com
relações sociais completamente diferentes daquela que foi instituída pelos portugueses. Esta
camada da população foi, ao longo da história, ignorada e excluída das políticas públicas,
tanto pelo Estado como pela sociedade, sendo possível constatar a ausência de qualquer
tentativa de reconhecer a população negra como cidadãos brasileiros em sua plenitude. Como
resultado, nota-se que além da adoção da prática de violência moral e física contra os negros e
negras, adotou-se também o recurso da expropriação de suas terras no decorrer da história
brasileira, sendo a repressão estendida também aos índios e pobres.
A Constituição de 1988, marca a redemocratização do país. Criada com a participação
de uma ampla camada da sociedade brasileira foi possível tornar constitucional a luta dos
movimentos negros urbanos, pelo respeito e direito ao acesso a terra e inserindo o debate
sobre a criação de políticas públicas para a população negra; com destaque para o
reconhecimento da possibilidade de regularização dos territórios remanescentes de quilombos.
Dessa forma, reza o art. 68 / ADCT / C.F. 1988: “Aos remanescentes das comunidades de
quilombos que estejam ocupando suas terras, é reconhecida a propriedade definitiva, devendo
o Estado emitir-lhes títulos respectivos”.
A questão quilombola ganha impulso com grande intensidade no cenário nacional,
após o Decreto nº 4.887/2003 do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, sendo concedido às
populações remanescentes de quilombos o direito da auto-atribuição como o único critério
para a identificação da comunidade. Atribuiu á Fundação Cultural Palmares – Ministério da
Cultura, a competência do reconhecimento da comunidade como remanescente de quilombo e
ao Instituto Nacional de Reforma Agrária (INCRA) a identificação, delimitação e demarcação
de terras ocupadas pelas comunidades.
Carril (2006, p.161), procura explicar a intenção do art. 68 / ADCT / C.F. 1988
quando argumenta que:

Num sistema sócio-econômico-político e territorialmente excludente, a luta


pela terra nos quilombos é, de um lado, uma fração da luta pela reforma
agrária e de outro, uma tentativa de reparar parcialmente a histórica exclusão
social do negro brasileiro, no tocante a comunidades com identidades
próprias.

Com a promulgação da Constituição de 1988 e, sobretudo com o Decreto nº


4.887/2003 a questão agrária no Brasil, acaba por oficializar o reconhecimento de um novo
sujeito social até então conhecido, porém ignorado – os remanescentes quilombolas marcados
pela resistência a expropriação de suas terras e ás diversas formas de violências.
2. Materiais e Métodos

Tendo essas questões como referência e sabendo das dificuldades em se obter


informações sobre as comunidades remanescentes de quilombos na Paraíba, por meio de
publicações acadêmicas, principalmente informações de cunho geográfico e tendo em vista
que este tema ocupa um espaço periférico nos trabalhos existentes, decidimos investigar o
tema apresentado. Para tanto, fez-se um levantamento bibliográfico apoiando-se em uma
literatura sistemática da bibliografia existente sobre a temática quilombola, com um rearranjo
das informações disponíveis nos meios de comunicações e também, por meio de dados
colhidos em atividade de campo, objetivando dar consistência teóricas às idéias
desenvolvidas, tendo como parâmetro as considerações de autores como Rodrigues (2007) e
Carril (2006) que abordam a temática com bastante propriedade e objetividade. Como
comunidade quilombola, tomamos o exemplo da realidade de Pitombeira, localizada no
município de Várzeas – PB. Sob essa perspectiva, para realizar uma discussão acerca da
identidade quilombola. Este trabalho se divide em duas partes, na primeira será abordada uma
caracterização geral sobre a comunidade afro-descendente de Pitombeira (localização,
características física do espaço, dados socioeconômicos e historia de formação da
comunidade), a segunda, será destinada a apresentação da atual realidade das comunidades
remanescentes de quilombo, bem como sua relação com o conceito de território.

3. Resultados e Discussões

Pitombeira, Uma Comunidade Remanescente de Quilombola


A Comunidade de Pitombeira está localizada no município de Várzeas há 238 km da
capital, na microrregião do Seridó Ocidental da Paraíba estando, conseqüentemente, na
Mesorregião da Borborema. Possui uma população de aproximadamente de 2.051 habitantes,
com uma população rural de aproximadamente de 648 pessoas. Segundo a Agência Executiva
de Gestão de Águas do Estado da Paraíba (AESA), cerca de 50% a 70% do município possui
acesso á um sistema de abastecimento de água. O município está inserido no Polígono das
Secas, uma região fortes limitações climática. Como é destacado nos estudos realizados pelo
CRPM – Serviço Geológico do Brasil (2005, p.3):
Possui clima Bsh-Tropical, quente, seco, semi-árido com chuvas de verão.
Segundo a divisão do Estado da Paraíba em regiões bioclimáticas o
município da Várzea enquadra-se no bioclima 2b-Sub-desértico, quente, de
tendência tropical, com 9 a 11 meses secos. A pluviometria média anual é de
600 à 800 mm e de distribuição irregular e com temperatura média anual de
28ºC.

Fotografia 1. Vista da paisagem da comunidade


com destaque para a vegetação

Fotografia 2. Vista geral da comunidade

Além das limitações climáticas apresentadas, a região possui outra limitação: os solos
são salgados e/ ou pouco espessos e pedregosos, dificultando a produção agrícola, fato este
constatado no Atlas desenvolvido pela AESA sobre as classes de capacidade de uso das terras
do estado da Paraíba, o território de Várzea possui significativa áreas de terras não cultivadas
por possuir severas limitações para culturas permanentes e reflorestamento.
Com relação à topografia o território possui um relevo com predominância de declive
de média à baixa com exceção de áreas situadas nas porções oeste onde ocorre a Serra da
Cozinha, no sudeste ocorre a Serra da Mandioca e ao sul onde ocorre a Serra da Viola com
variação de altitude de 240 á 630 metros de altitude.
Resgate histórico

Segundo relatos de moradores mais velhos da comunidade de Pitombeira, colhidos


durante umas das atividades de campo da disciplina de Geografia Agrária, a comunidade foi
formada por quatro escravos fugitivos de origem desconhecida; acredita-se que os fugitivos
tiveram suporte de outro escravo – Matheus Hélio, que detinha a posse da terra de Pitombeira
qual foi doada pelo proprietário das terras onde se localiza a comunidade. De acordo com
Dona Cristina, uma das lideranças da comunidade, no inicio da formação do quilombo, o
espaço era rico em madeira, mel e existiam muitas emas. Com o passar do tempo aumentou o
número de escravos fugidos que passaram a viver na comunidade.
Existe outra comunidade remanescente de quilombo – o Talhado, localizado no
município de Santa Luzia, á poucos quilômetros da comunidade de Pitombeira. Foi cenário
para o filme-documentário Aruanda, dirigido por Linduarte Noronha (ex-professor da
UFPB/DECOM), reconhecido por inaugurar o Cinema Novo no Brasil, abordando temáticas
da realidade brasileira. Cogita-se que a comunidade da Serra do Talhado tem uma ligação
muito forte com Pitombeira, sobre esse fato Dona Crista explica que:

E daqui [Pitombeira] que partiram ou partiu, José Bento para o Talhado,


porque isso aqui era tudo livre não moravam ninguém eles podiam andar por
onde quisessem... e como a esposa de José Bento era uma louseira, ele
andando pelo Talhado, então descobriu a matéria-prima adequada para a
cerâmica deles” (informação verbal).

Durante a década de 70 do século XX, estimulada pelo documentário Aruanda,


começou a surgir a idéia de que o Talhado era realmente uma comunidade remanescente de
quilombo, tanto pelo tamanho da comunidade quanto pela sua localização geográfica. Foram
pelo menos 15 anos para o reconhecimento da comunidade de Talhado como remanescente
quilombola. Outro fato que deve ser observado, no caso do Talhado é a influência externa,
desempenhada basicamente por pesquisadores, na construção de uma identidade quilombola,
identidade esta apagada da memória de muitos moradores. O reconhecimento do Talhado
estimulou os moradores de Pitombeira pelo fato de sua ligação histórica entre as duas
comunidades, e com apenas dez assinaturas Pitombeira possui o seu reconhecimento perante o
Governo Federal, como está registrada no Livro de Cadastro Geral nº. 03 – Registro 209 – Fl.
15, em 19/04/2005 – Publicado no Diário Oficial da União em 08/06/2005, Seção 1, nº. 108 –
Folhas 15 e 16.

Fotografia 3 – Entrevista com Dona Cristina,


líder da comunidade de Pitombeira.

Aspectos socioeconômicos

Pitombeira possui aproximadamente 52 famílias com 172 habitantes, os moradores


praticam a criação de um pequeno número de animais e a agricultura destinada principalmente
para a subsistência, os principais produtos são feijão, milho, batata doce, melancia, melão.
Outra fonte de renda é o artesanato, com a confecção de vassoura de palha, que tem como
matéria-prima a carnaúba. Contudo, os períodos de estiagem, tão comum nessa região,
inviabilizam a prática de uma agricultura permanente. Dessa maneira, os benefícios sociais
disponibilizados pelos governos, tais como aposentadoria e o Programa Bolsa Família
representam a principal fonte de renda dos moradores.
Foram desenvolvidos alguns programas pelos gestores públicos na comunidade com o
objetivo de melhorar a qualidade de vida dos moradores, como a construção de poços
artesianos, cisternas, transformação de casa de taipa em alvenaria, construção de sanitários e
fossas e a distribuição de cestas básicas e leite.
A comunidade possui uma escola municipal de 1ª á 4ª série, construída na década de
80 do século XX, porém não preparada para o ensino de valorização da identidade com a
cultura afro-brasileira; não possui posto de saúde, sendo os primeiros socorros prestados no
município de Várzea (8 km) ou no município de Santa Luzia (10 km). Segundo moradores, a
comunidade não conta com o apoio do poder executivo do município de Várzea, nas ações
propostas para a comunidade.
A Pitombeira guarda quase nenhum resquício da cultura de matriz africana, sendo os
moradores majoritariamente cristão-católicos. Outro fato importe é a ausência de contestação
sobre o território onde a comunidade está localizada. Necessitando apenas da demarcação do
espaço pelo poder público. A comunidade é um dos poucos remanescentes de quilombos, que
possui o título de posse do território, conquistado pelos seus antepassados através de uma
doação.

A realidade das comunidades remanescentes de quilombos

A expressão quilombo vem sendo utilizada desde a colonização do país, e no decorrer


da história passou por inúmeras transformações, mas em geral o conceito, na sua essência,
guarda a noção de um grupo de resistência á uma realidade social imposta á esse grupo étnico.
Na perspectiva de Schimitt; Turatti; Carvalho (2002, p.2), ao fazer análises conceituais sobre
quilombo, destaca a definição estabelecida em 1740 pelo Rei de Portugal definindo quilombo
“como toda habitação de negros fugidos, que passem de cinco, em parte despovoada, ainda
que não tenham ranchos levantados e nem se achem pilões nele”. Estes autores ressaltam
ainda que o conceito exerceu forte influência ao pesquisadores ao logo do século, uma noção
que caracterizava o quilombo como uma expressão de negação do sistema escravista,
relacionado como espaço de resistência e de isolamento da populações negras. Kebengele
Munanga vem caracterizar o quilombo brasileiro como um ambiente reconstituído pelos
escravizados para se opor a uma estrutura política na qual se encontravam todos os oprimidos,
se caracterizando como uma cópia do quilombo africano.
As comunidades tidas hoje, como remanescente de quilombolas, trazem no seu interior
muito das características do quilombo histórico, como no passado, os grupos étnicos
historicamente marginalizados, ainda sofrem com a discriminação. Contudo para
compreendermos o moderno conceito – remanescente de quilombo, neste trabalho, adotou-se
o raciocínio de Schimitt; Turatti; Carvalho (2002) que trabalha a relação dos elementos
identidade e território. Em sua lógica de raciocínio nos coloca que:

(...) a situação presente dos segmentos negros em diferentes regiões e


contextos é utilizado para designar um legado, uma herança cultural e
material que lhe confere uma referencia presencial no sentimento de ser e
pertencer a um lugar específico.

É nesse mesmo sentido que o Estado vem trabalhando a idéia de quilombo. Isso
explica o pré-requisito da auto-atribuição da comunidade, ou seja, os moradores devem se
auto-reconhecer como herança de um passado. Daí a importância da construção de uma
identidade. Outro ponto que deve ser ressaltado é que a promessa de assistência do Estado á
comunidades identificada como afro-descendente, estimulam a organização de grupos
comunitários e a formação quase que forçada de uma identidade que muitas vezes se
perderam com a história.
De acordo com os dados do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento
(Pnud), o Brasil abriga cerca de 2 milhões de quilombolas, distribuído nas 740 comunidades
identificadas pela Fundação Cultural Palmares, vinculada ao Ministério da Cultura. No estado
da Paraíba, já se reconhece 23 quilombos, sendo dois deles, Talhado e Paratibe, situados na
zona urbana. Muitas dessas comunidades estão localizadas em áreas de conflitos, onde a
expropriação pela violência é um artifício muito comum.
Ao se levantar discussões sobre remanescentes de quilombo, é indispensável
relacioná-lo com o conceito de território. Pois um dos principais objetivos de muitas
comunidades são o reconhecimento e a posse de seu território de maneira que garanta a sua
sobrevivência. Dentre as varias definições de território e a sua multi-dimensionalidade pode-
se destacar a análise do geógrafo Rogério Haesbaert (2005) quando se refere a território com
um enfoque cultural, uma vez que “prioriza dimensões simbólicas e mais subjetivas, o
território visto fundamentalmente como produto da apropriação feita através do imaginário
e/ou identidade social sobre o espaço”. Sob essa perspectiva, pode-se afirmar que os
quilombos que resistiram no decorrer da história do Brasil, carregam consigo muita desta
“identidade social sobre o espaço”. Segundo Eduardo (2006), nos coloca que “os sentimentos
de pertencimento, de identidade, os espaços de representação, o enraizamento, entre outros
elementos, interagidos com as demais dimensões do território, efetivam formas particulares de
apropriação e de produção do espaço via a territorialidade.”
Desta forma, garantir a titulação dos territórios quilombolas é a única forma de defesa
contra a expropriação de terra pelos latifundiários e a garantia de reprodução de seus modos
de vida e de sua cultura, construída com o passar dos anos. Como demonstra Fernandes
(2005) ao definir o território como “espaço de liberdade e dominação, de expropriação e
resistência” e, portanto um espaço de “conflitualidades”, o qual também se encaixa
perfeitamente à realidade dos remanescentes de quilombo.
A comunidade de Pitombeira já possui o título de seu espaço, doado pelo proprietário,
aos ancestrais da comunidade. Numa analise das comunidades remanescente de quilombo no
Brasil, esse privilégio é uma das poucas exceções. A partir desse exemplo podemos reportar á
analise de Schimitt; Turatti; Carvalho (2002) quando destaca que a formação de comunidade
quilombolas poderia se dá pelo processo de fuga e ocupação de terras livres e geralmente
isoladas como também “através de heranças, doações, recebimento de terras como pagamento
se serviços prestados ao Estado, a simples permanência nas terras que ocupavam e cultivavam
no interior das grandes propriedades”
As propostas do Governo Federal para os quilombos fizeram ascender expectativas
para a solução de suas dificuldades, contudo são esbarradas no processo burocrático do
próprio Estado, que reconhece as dificuldades em estar encaminhando suas políticas para o
segmento social. Em entrevista ás emissoras de rádio e divulgado pela Agência Brasil, o então
ministro da Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir) Edson
Santos, destacou que a dificuldade em demarcar e titular terras quilombolas disputadas por
outros setores, comenta ainda que existam inclusive, uma ação direta de inconstitucionalidade
(ADIN) em tramitação no Supremo Tribunal Federal (STF) questionando o Decreto 4.887 –
que prevê a regulamentação do processo de identificação, reconhecimento, delimitação,
demarcação e titulação de terras ocupadas por terras ocupadas por remanescentes de
comunidade quilombola dificultando a titulação e conseqüentemente impedindo o Estado em
intervir na realidade destas comunidade.
A regularização fundiária é de extrema importância, porém não deve ser encarada
como a solução para os problemas históricos que vem afligindo os afro-descendentes. Como
no passado, muitos dos quilombos apresentam uma segregação espacial muito forte, no caso
de Pitombeira a cidade mais próxima encontra-se á aproximadamente á 8 km de distância e a
comunidade apresenta-se isolada no semi-árido. O desafio maior é a de garantir a cidadania
plena dos moradores (as) destes territórios, assegurando os direitos constitucionais. A
execução de projetos eficazes de valorização cultural, de geração de emprego e renda, capazes
de eliminar a vulnerabilidade social presente em inúmera comunidade e impedir a migração
dos moradores da comunidade para a cidade são de igual importância. Em entrevista com a
liderança da comunidade de Pitombeira, Dona Cristina, traz essa preocupação: “lamento o
desinteresse dos jovens da comunidade, muitos não se reconhece como descendentes de
escravos, não reconhecendo o caráter histórico da comunidade e nem a importância de lutar
para o seu desenvolvimento.” (Informação verbal). Ausência de oportunidades e o preconceito
da sociedade contribuem bastante para essa apatia com a realidade social por parte da
juventude, os mais idosos lutam para garantir a preservação da sua historia e o
desenvolvimento da comunidade.
4. Conclusão

Apesar das pressões exercidas pelas campanhas liberais durante o século XIX, a
abolição da escravidão em nosso país teve mais interesses econômicos do que humanitário, a
prova disto é a completa ausência de iniciativas para introduzir os negros na estrutura política
e social do Brasil pós 1888. A Lei Áurea foi de fato, um marco para os afro-descendentes,
contudo pouco representou a melhoria de sua qualidade de vida, pelo contrário foi
abandonado na sociedade, sem terras para sobreviver e principalmente sem direito algum. A
Lei de Terras (Lei n. 601, de 18/9/1850), segundo o Instituto Nacional de Colonização e Reforma
Agrária (Incra) apud MARTINS (1986, p.3) se responsabilizava de proibir a aquisições de
terras devolutas por outro título que o de compra. A iniciativa prejudicou diretamente os
negros libertos em 1888, como explica Martins (1986, p.42):

A Lei de Terras transformava as terras devolutas em monopólio do Estado e


Estado controlado por uma forte classe de grandes fazendeiros. Os
camponeses não-proprietário, os que chegassem depois da Lei de Terras ou
aqueles que não tiveram suas posses legitimadas em 1850, sujeitavam-se,
pois, como assinalaria na época da Abolição da escravatura um grande
fazendeiro de café e empresário, a trabalhar para a grande fazenda,
acumulando pecúlio, com o qual pudessem mais tarde comprar terras, até do
próprio fazendeiro.

Assim, livres, porém sem terra e sem direitos. Muitos sequer saíram das fazendas em
que eram explorados. A Constituição de 1988 representou a possibilidade da garantia dos
direitos das minorias étnicas. Cerca de quatorze anos depois da promulgação da constituição,
o Decreto nº 4.887/2003 se apresenta acompanhada de uma política de reconhecimento e
reparação social dos fatos relatados na historia do país. Contudo, como no passado, ainda hoje
os interesses da classe dominante é determinante na nossa sociedade, isto se apresenta através
de constantes obstáculos na garantia dos direitos constitucionais, como por exemplo, da
ADIN em tramitação no Supremo Tribunal Federal (STF) contra o Decreto 4.887/2003 aliada
com toda a burocracia existente no Estado; que impede, por exemplo, o início da elaboração
dos Relatórios Técnicos e a delimitações das 23 comunidades quilombolas reconhecidas no
Estado da Paraíba.
Por fim, em um mundo que está sofrendo profundas mudanças nas relações sociais, a
“emergência étnica” dos povos afro-descendentes, neste contexto de globalização, é mais uma
forma de contestação da desigualdade social promovida pela estrutura capitalista. Grupos
organizados como a Coordenação estadual das comunidades negras e quilombolas da Paraíba
(CECNEQ) e a Coordenação Nacional das Comunidades de Quilombos (CONAQ) e tantas
outras entidades, vêem pondo nas pautas de discussões o fim do preconceito racial e religioso
e a luta pelos direitos fundamentais do ser humano. Corroboramos com Santos (2000), apud
RODRIGUES (2007) quando coloca o espaço universitário quanto “lugar do livre pensar, de
criar idéias e discuti-las”. A geografia, inserida neste espaço, assume um importante papel ao
buscar compreender esta nova relação que se estabelece entre o homem e o meio,
representado neste trabalho pelos quilombolas e o território, na produção de novas
espacialidades.

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