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ETANOL: BIO OU AGROCOMBÚSTIVEL?

AUTOR(A)

MONOGRAFIA DE CONCLUSÃO DO CURSO DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS

Orientador: Marijane Vieira Lisboa

São Paulo, 10 de dezembro de 2008.

BRUNO LEAL SANTOS


ETANOL: BIO OU AGROCOMBUSTÍVEL?

Trabalho de conclusão de curso


apresentado como parte das
atividades para obtenção do título de
Bacharel, do curso de Relações
Internacionais da Faculdade de
Ciências da Puc-SP.

Professor orientador: Marijane Vieira Lisboa

São Paulo, 2008


2
RESUMO

Com o aumento da incerteza global a respeito dos parcos recursos energéticos


e a conseqüente insegurança sobre o abastecimento que se anuncia, torna-se
de fundamental importância o estudo da viabilidade de novas fontes de
energia. O etanol enquanto uma possível alternativa ao uso de combustíveis
fósseis é avaliado levando-se em consideração seus impactos sócio-
ambientais. Conclui-se, no entanto, que ele não apenas não será capaz de
minorar essa dependência mais irá criar e acirrar diversos outros problemas.

Palavras-chave: Etanol; energia; agrocombustíveis; agronégocio internacional;


Sócio-ambiental.

3
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO............................................................................................................................................5

QUESTÕES TÉCNICAS ...........................................................................................................................8

IMPACTOS SÓCIO-AMBIENTAIS.......................................................................................................14

ETANOL: BIO OU AGROCOMBÚSTIVEL? ......................................................................................17

ANEXO I: TABELAS E GRÁFICOS......................................................................................................19

ANEXO II: ESTUDOS ANALISADOS PARA BALANÇO ENERGÉTICO......................................21

BIBLIOGRAFIA........................................................................................................................................21

4
Introdução

Nunca antes na história moderna1 a relação entre desenvolvimento capitalista e


utilização sustentável de recursos naturais esteve em tanta evidência. Da
mesma forma que nunca antes tivemos tão pouca perspectiva de que essa
equação pudesse ser solucionada sem uma drástica mudança no paradigma
de consumo atual. Dentro do vasto espectro de insumos necessários à
manutenção da produção, um em especial vem preocupando diversos setores
da sociedade: a Energia. Ambientalistas, empresários e técnicos travam o
debate a respeito das possíveis saídas para este problema, que toma
proporções de ordem global, podendo gerar uma catástrofe social, ambiental e
energética se mal conduzido.

Dentro desta ótica, uma saída controversa na luta contra o aquecimento global
e para o uso racional dos recursos energéticos seria a inclusão de fontes
renováveis à matriz energética mundial, dos quais se destacam os
combustíveis de origem vegetal. Os biocombustíveis - assim chamados por
seus defensores - prometem ser a luz no fim do túnel para o desenvolvimento
capitalista, mas seu estrondoso crescimento não se dá isento de críticas
advindas de parte da comunidade científica e ambientalista que possuem
severas restrições quanto a real possibilidade de implementação sustentável
desta forma de energia, chamando-os, criticamente, de agrocombustíveis.
Sendo assim a própria maneira de se denominar esses combustíveis já denota
um posicionamento perante o debate.

O espectro de combustíveis de origem agrícola é bastante vasto possuindo


diversas técnicas de produção e matérias-primas, por essa razão nos
deteremos apenas no estudo do etanol pela sua alta quantidade relativa no
total deste tipo de combustível representando 85% da produção mundial2. Além

1
No sentido marxista do termo que remete seu início a revolução industrial inglesa ocorrida a
partir da segunda metade do século XVIII.

2
Segundo estimativas da FAO (Organização das Nações Unidas para Agricultura e
Alimentação, em português) em sua publicação “Biocombustibles: perspectivas, riesgos y
oportunidades”, PP 11 2008,

5
disso, ele possui grande relevância internacionalmente por ser produzido em
todos os continentes da terra através de, como já foi dito, diferentes técnicas
produtivas e matérias-primas que geram impactos ambientais, sociais e
energéticos diversos. Essas distinções devem ser destacadas neste trabalho.

Historicamente o uso do etanol como combustível é bastante antigo com suas


primeiras utilizações datando do início do século XX, para abastecer
automóveis no período da primeira guerra mundial devido a canalização de
petróleo para fins militares. No Brasil já em 1931 foi estabelecida a primeira
exigência de mistura entre gasolina e etanol para a frota nacional visando
economia de petróleo e, mais especificamente, gasolina. Na década de 1970
com o advento do Proálcool (Programa Nacional do Álcool) - que buscava
substituir a utilização de derivados do petróleo, combatendo a crise no
abastecimento que ocorreu devido aos altos nos preços desta comoditie - o
Brasil se consolidou como grande produtor do etanol combustível e detentor do
melhor know how mundial na área. No restante do mundo, no entanto, as
apostas nesse novo paradigma energético se mostraram mais modestas e
foram desincentivadas a partir de 1986 quando os preços do petróleo
diminuíram e se estabilizaram tornando a produção de álcool combustível
menos atrativa do que a de açúcar.

O seu desenvolvimento no âmbito global se manteve estagnado desde então


até que em 1997 a criação do Protocolo de Kyoto, que estabelecia metas para
restrição das emissões de gases causados do aquecimento global, influenciou
o continente Europeu a buscar fontes alternativas e renováveis de energia
trazendo a tona novamente esse debate ao cenário internacional. Aliado a isso,
as perspectivas do esgotamento dos combustíveis fósseis e a tentativa de
reduzir sua dependência fizeram com que os países desenvolvidos voltassem a
investir fortemente em tecnologias buscando formas de energia alternativa no
começo da década de 2000. Em 2005 o congresso dos Estados Unidos
aprovou o aumento da mistura de etanol à gasolina em uma clara estratégia
para reduzir a dependência petrolífera que culminou no crescimento da
produção de milho subsidiado em seu território e em uma corrida internacional
pela expansão de terras agricultáveis, propícias ao cultivo de matérias-prima.

6
Ocorreu, paralelamente, um enorme esforço entre governos e empresas para
transformação do etanol em uma comoditie, o que estabilizaria os preços e a
oferta, sendo essa perspectiva suficiente para a inundação de investimentos
internacionais para ampliação das terras, tecnologias e fatores de produção
destinados aos combustíveis de origem agrícola.

Assistimos atualmente então a expansão da utilização desta fonte energética


que é aplaudida pela sua suposta renovabilidade, mas bastante criticada pelos
possíveis impactos ambientais causados em seu intenso processo de extensão
territorial. Nosso objetivo aqui é verificar até que ponto esta fonte de energia,
em suas diversas maneiras e locais de produção, será capaz de trazer
benefícios ambientais globais e quais impactos trará consigo. No fim nossa
intenção é fazer a relação custo versus benefício da implantação do etanol do
ponto de vista sócio - ambiental - energético.

Não se pode iniciar, no entanto, uma discussão sobre combustíveis renováveis


sem se conhecer mais profundamente a expressão. Apesar de comumente ser
associada a uma energia que pode se regenerar em um curto espaço de
tempo, o conceito de combustível renovável é mais precisamente relacionado à
sua capacidade de absorver, em seu processo de cultivo, parte ou a totalidade
dos poluentes emitidos quando consumido na forma combustível. Sendo assim
o etanol seria considerado renovável porque a cana de açúcar (ou outra
matéria-prima) supostamente consumiria durante seu crescimento o gás
carbônico emitido na combustão do etanol. Ele então contribuiria para a
redução porque a relação entre consumo e emissão de CO2 seria maior que 1,
por outro lado se essa divisão resultasse em um número menor que 1 ele
estaria agravando as emissões dos gases causadores do efeito estufa.

Entretanto, essa relação de renovabilidade que é a eficiência em reabsorver os


gases causadores do efeito estufa, é de difícil mensuração e bastante
controversa. Os estudos nesta área apontam conclusões frequentemente
divergentes umas da outras conforme o órgão patrocinador da pesquisa.
Trabalhos brasileiros tendem a mostrar a cana de açúcar como a matéria-prima
mais eficiente enquanto trabalhos americanos mostram o milho e trabalhos de
ambientalistas mostram os combustíveis de origem vegetal como fatores de

7
aumento das emissões de gases poluidores. Isso se deve ao fato de que nos
diferentes estudos são levados em consideração questões distintas. Por
exemplo, estudos de ONG’s ambientalistas levam em consideração
desmatamento necessário à expansão das terras agricultáveis contabilizando
mais emissões de CO2, enquanto pesquisadores dos empresários do setor
contabilizam não apenas o CO2 utilizado pela planta na fotossíntese mas
também o injetado no solo pelo processo de respiração radical. Soma-se a isso
a característica altamente teórica dos dados utilizados nestes estudos e temos
um quadro favorável à falta de fontes de pesquisa isentas. Usaremos aqui
então uma gama de estudos oriundos de diversos setores da sociedade.

Outra questão importante é a do balanço energético. Ele é medido através da


quantidade de energia útil proveniente de um determinado combustível de
origem agrícola que pode ser produzida com uma unidade de combustível
fóssil, ou seja, é saber se o primeiro contribui ou não para diminuição da
dependência do segundo. Se a relação for de 1:1 quer dizer que este
determinado combustível não ajuda em nada nesta tarefa. Se for 1:2 este
combustível “renovável” na verdade contribui para o crescimento da
dependência de combustíveis fósseis. Por último se este valor for superior a 1
este combustível de origem vegetal contribui para mitigar a dependência de
combustíveis fósseis. As pesquisas são igualmente divergentes entre si e por
isso como no caso anterior utilizar-se-á mais de um trabalho como fonte de
informação.

Questões Técnicas

O etanol é produzido através de diferentes matérias-primas - das quais se


destacam cana de açúcar e melaço, milho, beterraba, mandioca e trigo - em
diversos locais do mundo. Qualquer vegetal possuidor de alta concentração de
açucares (ou substâncias que se transformem em açúcar como amido) 3 é um

3
Há perspectivas da utilização comercial de celulose para produção do etanol.

8
potencial gerador deste combustível. O plantio, portanto, é bastante
heterogêneo pelo mundo assim como sua relação ambiental e social.

Em 2007, segundo diversas associações de produtores4 os principais


produtores de etanol combustível em larga escala individualmente são nesta
ordem Estados Unidos com 50,9%, Brasil com 36,74%, União Européia com
4,83%, China com 3,53% e Índia com 1%. Os 3% restantes são divididos entre
países do leste europeu, Oriente Médio e África que possuem condições de
produção similares a algum dos países citados acima ou são irrelevantes do
ponto de vista porcentual e por isso, para não tornar o trabalho
demasiadamente extenso, não serão tratados aqui. Como parâmetro para
pesquisa nos deteremos no caso brasileiro, norte americano e europeu já que
estes darão um bom panorama do cenário mundial.

A produção norte americana de etanol era praticamente residual até o começo


dos anos 2000 quando as primeiras plantações de milho para produção do
combustível e as primeiras usinas foram instaladas. Dentro de um explícito
programa que visava a diminuição da dependência do petróleo oriundo dos
instáveis países da OPEP, os EUA passaram a buscar excelência tecnológica
nas técnicas de destilação, produção e distribuição desta fonte de energia. A
produção é fortemente baseada na cultura do milho que apesar de não ser sua
única fonte de matéria-prima é a mais relevante e possui maior produtividade.
Os EUA ainda produzem etanol combustível a partir do cultivo de beterraba,
cana de açúcar e açúcar refinado, porém com uma produtividade baixíssima e
a altos custos.

Com o intuito de incentivar a produção de milho para etanol o governo norte


americano lançou em 2005 um plano de metas que buscava substituir 20% da
gasolina consumida nos veículos automotores até 2020 e para isso deu
subsídios e incentivos fiscais aos produtores, além de proteger o mercado
interno com severas tarifas alfandegárias. O montante de combustíveis
alternativos necessários é estimado em 60 bilhões de litros que deveriam ser

4
A americana Renewable Fuels Association, a brasileira União da Indústria de Cana-de-açúcar
ÚNICA e a E-bio européia.

9
provenientes do etanol produzido localmente e importado de países como o
Brasil.

Para assegurar essa substituição o governo de George W. Bush buscou, com


apoio de diversos outros países produtores, transformar o Etanol em uma
comoditie internacional o que estabilizaria os preços, tornaria a oferta mais
ampla, regular e padronizada mundialmente. Além disso, os Eua incentivam a
criação de uma organização de países produtores de combustíveis
provenientes de matérias-primas vegetais aos moldes da OPEP, mas que
estivesse mais próxima da casa branca e fosse mais previsível, enfraquecendo
assim o grande poder daquela organização.

Com uma agricultura altamente tecnológica e mecanizada a produção norte


americana de etanol se dá fortemente baseada na utilização de milho
transgênico e das técnicas de destilação mais produtivas do mundo. O uso
intensivo do solo em latifúndios, de recursos hídricos vindos do lençol freático
para irrigação e produtos químicos como fertilizantes e pesticidas é bastante
presente. A pesquisa é muito dedicada também a descobrir novas fontes de
matérias-primas, através de engenharia genética, que poderiam gerar a assim
chamada segunda geração de combustíveis de origem agrícola. A técnica
consistiria em obter etanol a partir de celulose o que tornaria qualquer vegetal
uma potencial fonte de açúcar. Paralelamente, estão sendo criados novos
organismos que auxiliem na transformação celulósica, além da modificação de
vegetais já existentes para que contenham características mais propícias à sua
transformação em etanol5. Apesar de essas técnicas serem possíveis
atualmente ainda se mostram economicamente inviáveis o que deve mudar
com o avanço das pesquisas norte americanas. Com esse novo paradigma a
produtividade por hectare do etanol pode ser elevada a patamares
inimagináveis fazendo com esse país se consolide como líder mundial na
produção de combustíveis de origem vegetal.

Mesmo com toda tecnologia investida o etanol americano possui um dos piores
balanços energéticos teóricos e relações de renovabilidade do mundo, devido a

5
Bactérias especializadas e vegetais com menor teor de lignina enfraquecendo a madeira, o
que tornará o processo de produção menos dispendioso.

10
alta mecanização do campo e a grande energia necessária para quebrar a
cadeia do amido de milho transformando-o em açúcar. Estudos mostram que a
primeira relação pode variar entre 0,5 a 2 com uma média de 1,5 dentre os
autores pesquisados (Pimentel 2001 e Gm/Anl 2001) e que a segunda varia
conforme o autor estudado entre 0,70 a 1,32 (Pimentel 2001 e Gm/Anl 2001)
com uma média de 1,2, demonstrando mesmo na melhor das hipóteses baixos
benefícios ambientais e energéticos.

O Brasil é um dos pioneiros internacionais na substituição de gasolina por


etanol, e a história do desenvolvimento desta tecnologia se confunde com a do
seu desenvolvimento interno no país. Começou com seu programa no fim da
década de 70 como uma forma de fugir dos efeitos nefastos à balança
comercial causados pela alta do preço dos combustíveis fósseis durante o
choque do petróleo. Teve seu programa ativado e desativado diversas vezes
conforme os preços do petróleo se estabilizavam ou se elevavam até que na
década 1990 durante o governo Fernando Henrique Cardoso ficou estabelecido
um aumento permanente na mistura entre gasolina e etanol fazendo com que o
setor crescesse bastante. Em 2003, com o advento dos veículos
bicombustíveis (carros que funcionam com qualquer mistura entre etanol e
gasolina) a produção apresentou um salto de 22% e atualmente mais de 50%
do combustível veicular brasileiro é suprido por etanol6, além disso, houve um
plano diretivo para aumento de combustíveis alternativos na União Européia
neste mesmo ano o que contribuiu para este incremento. Outro marco
importante veio no ano de 2005 com A Lei de Políticas para Energia que
estabelecia o aumento da mistura de etanol na gasolina propiciando mais um
salto de cerca de 15% na produção nacional que desde então apresenta
crescimento constante devido ao aumento da demanda por importações na
Europa, já que, o Brasil é responsável por volta de 98% de todo etanol
importado por esse continente. Neste ano perdeu também a liderança como
maior produtor do combustível no mundo para os EUA, mas mantém a posição
de maior exportador, pois a produção norte americana é toda voltada para o
mercado interno.

6
Agência Nacional do Petróleo e ÚNICA (União da Indústria de Cana-de-açúcar).

11
Tem sua produção do combustível baseada no plantio de cana de açúcar com
90% das lavouras localizadas no sudeste e o restante no nordeste do país.
Segue, neste setor, um modelo bastante parecido com o do restante dos
países em desenvolvimento. Apesar dos recentes e acelerados processos de
mecanização do cultivo no sudeste (mais da metade já é feita com máquinas)
ele não prescindirá da utilização intensiva de mão de obra já que a
mecanização substitui a queima da cana em sua colheita – o que diminui as
emissões de gás carbônico -, mas ainda precisará de trabalhadores que façam
a preparação do campo para passagem das máquinas. A situação dos
trabalhadores de canavieiros é em geral considerada como uma das piores
condições de trabalho mundo, apesar do interesse dos proprietários em
mostrar que avanços estão sendo feitos. A plantação se dá em vastas
extensões de terra, raramente irrigada e com uso menos intensivo de
defensivos agrícolas.

O país quer transformar o etanol em uma comoditie internacional até 2009 o


que tornaria a demanda mundial pelo produto mais consistente e já está em
tratativas com os EUA7 a fim de negociar os termos da padronização do
combustível, pois juntos os dois paises são responsáveis por 72% da produção
mundial de etanol. Além disso, o governo brasileiro se mostra bastante
simpático à criação da OPEP do etanol que englobaria também outros países
da América Central e do Sul, aproximando-os como a ALCA não conseguira
fazer8.

O cultivo da cana de açúcar gera subprodutos que também são utilizados como
fonte de energia como o bagaço e a palha que servem para suprir o consumo
de eletricidade das próprias usinas de etanol. Ele também é altamente
produtivo com a maior relação litros por hectare do mundo. Ademais as
técnicas adquiridas com o know how brasileiro ao longo de trinta anos de

7
Em 05/10/2008 houve encontro entre o ministro de Minas e Energia, Edison Lobão, e o
subsecretário de Energia dos Estados Unidos, Jeffrey Kupfere no qual se acordaram os
detalhes da negociação.

8
Fazendo com que essa organização seja alvo das mesmas críticas feitas à antiga ALCA,
como ser instrumento da dominação norte americana.

12
experiência maximizam os resultados nas plantações brasileiras. Esse conjunto
de características faz com que o etanol brasileiro possua o melhor balanço
energético do mundo, de 2 a 8,3 (Macedo et al. 2003 e Macedo 2001 ), e com
o término do processo de mecanização no sudeste do país – que acabará com
a necessidade de queimadas no período da colheita – e a expansão da rede de
dutos que economizam combustíveis no transporte aumentará sua relação de
renovabilidade que atualmente é de 1,8. (Macedo et al. 2003 e Macedo 2001).

O etanol europeu é o mais variado em número de matérias primas e


produtores. Possui uma das produções mais subsidiadas do mundo, uma
agricultura em pequena escala, altamente mecanizada, que utiliza
intensivamente irrigação, fertilizantes sintéticos e pesticidas. Com seu
programa de incentivo ao uso de fontes alternativas iniciado em 2003 a União
Européia contraria toda lógica das vantagens comparativas ao tentar
desenvolver etanol em suas terras. As poucas terras agricultáveis aliadas à
pouca incidência de sol em seu território fazem da EU um dos locais menos
aprazíveis à plantações em larga escala para produção de combustíveis de
origem agrícola. Apesar disso, estabeleceu uma meta de substituir 20% da
utilização de combustíveis fósseis para transporte até 2020. Diferentemente
dos EUA a UE procura com essa fonte de energia, além de segurança
energética, atender às demandas do protocolo de Kyoto9. Segundo a E-BIO
(associação de produtores europeus) a importância do etanol na pauta de
fontes alternativas agrícolas européias é pequena chegando a apenas 20%, já
que o biodiesel tem o papel de maior relevância.

A produção tem como matéria prima principal uma cesta de cereais parentes
do trigo 58%, álcool bruto (mistura impura de etanol e água) 22%, beterraba
16% e outras fontes como o milho 3%. Os maiores produtores são França,
Alemanha, Espanha e Polônia, responsáveis por 82 % dos 1,731 bilhões de
litros produzidos em 2007. Por outro lado os maiores consumidores são
Alemanha, Suécia, França, Espanha, Polônia e Reino Unido. Mesmo com o
crescimento da produção e com metas ambiciosas que buscam triplicar a

9
Official Journal of the European Union DIRECTIVE 2003/30/EC OF THE EUROPEAN
PARLIAMENT AND OF THE COUNCIL

13
produção até 2010 a EU importa 60% do etanol necessário para seu
abastecimento. Paradoxalmente ela impõe diversas barreiras à importação que
vão desde tarifas a até complexos e variados certificados de padronização.

O balanço energético do etanol europeu é ainda mais deficitário do que o norte


americano devido a escala menor, técnicas de transformação menos
desenvolvidas e mais complicadas pela sua matéria prima ser basicamente
trigo, sorgo e cevada. Ele varia entre 0,45 a 2 conforme o estudo (GM/ANL,
2001 e EuropeanCommission, 2002) . A relação de renovabilidade é um pouco
melhor que a norte-americana variando entre 1,1 a 1,47.

Impactos Sócio-Ambientais

Em que pese os benefícios ambientais e energéticos do etanol serem


altamente teóricos e de difícil aferição seus impactos sócio-ambientais são
bastante palpáveis. As controvérsias sobre esse tema são muitas e variam da
repulsa extrema até o entusiasmo mais contagiante. A quantidade relativa
deste combustível ainda é uma pequena fração dos combustíveis totais usados
(menos de 1% das fontes energéticas mundiais) e uma parte também pequena
do etanol que será produzido nos próximos anos (segundo a AIE ela deve
quadruplicar até 2030 e substituir cerca de 60% do uso de combustíveis fósseis
para transporte), ou seja, essa discussão deve se tornar cada vez mais
importante e polêmica já que, com o aumento do seu uso aumentaram seus
possíveis impactos.

Um dos principais argumentos contra o etanol e combustíveis de origem


agrícola é que eles causariam impactos negativos ao acesso a alimentos
pondo em risco a frágil segurança alimentar dos países em desenvolvimento.
Como mostra Amartia Sen (2000) existem dois tipos básicos de fomes no
mundo, as coletivas e conjunturais de causa passageira e resolução pontual e
as fomes crônicas que são estruturais e causadas pela falta de acesso aos
meios de obtenção de alimentos que são terras e meios de produção ou renda
para que se possa comprá-los. De fato, com exceção do Brasil onde o etanol
ainda tem influência baixa nos preços internos dos alimentos, o desvio de
recursos naturais para produção de combustíveis de origem vegetal já vem

14
elevando os preços de gêneros alimentícios. Mas o etanol não prejudica a
segurança alimentar apenas por competir por terras e fatores de produção
agrícola, ele também expulsa, em seu processo de expansão, antigos
proprietários que produziam gêneros para alimentação. Esses produtores
deslocados acabam por ter duplamente reduzidos seus meios de acesso a
alimentos, pois agora não possuem mais como cultivá-los e terão dificuldade
para comprar alimentos com sua renda reduzida. Além disso, a substituição de
cultivos alimentares para os voltados ao etanol – que para ser viável deve ser
feito em grande escala – acentua a dependência externa dos países em torno
de um número menor de comodities com preços regulados internacionalmente
e uma queda ou crise na demanda destes produtos causaria a diminuição
generalizada da renda e dificultaria o acesso a alimentos dessa população que
dedicou seus esforços a produção de vegetais os quais não pode comer.
Claramente as crises alimentares são causadas por inúmeros fatores como
aumento do preço do petróleo (ele aumenta insumos, custos de transporte,
incentiva o aumento da plantação de combustíveis agrícolas), dificuldades
logísticas, sanitárias e climáticas, entretanto se o crescimento esperado para o
etanol realmente ocorra esse será um importante fator na diminuição do acesso
generalizado a alimentos, tornando mais freqüentes fomes crônicas e a
subnutrição endêmica.

Outro ponto a ser discutido é a expansão da fronteira agrícola. Há perspectivas


que o crescimento dos cultivos para o etanol contribuirá para o aumento da
conversão de áreas virgens em agricultáveis. De fato, nos locais em que
florestas ainda existem o etanol poderá incentivar o desmatamento e dificultar a
conservação desses ambientes. No Brasil, a questão da dificuldade na
preservação da floresta amazônica é muito mais relacionada com o
agronegócio em geral do que especificamente com o etanol já que as áreas em
que ocorre 98% do cultivo de cana de açúcar no sudeste e nordeste distam de
2000 a 2500 km da Amazônia, mas há de se ressaltar que a ampliação da área
destinada ao etanol causará expulsão de culturas tradicionais pressionando a
demanda por áreas na fronteira agrícola ao norte. Na Índia com uma produção
mais descentralizada em seu território o avanço sobre florestas nativas parece
ser mais inevitável com seu projeto de incremento da utilização do etanol que

15
está acontecendo com a ajuda técnica brasileira. O caso chinês é ainda mais
preocupante já que com suas escassas terras agricultáveis o avanço sobre a
vegetação natural se fará não apenas pela conversão de novas áreas, mas
também pelo deslocamento da agricultura camponesa de subsistência. Nos
países desenvolvidos o problema é menos a invasão em florestas primitivas (já
que elas praticamente foram todas devastadas), e sim o uso intensivo de
recursos naturais imprescindível ao seu paradigma de produção agrícola
ambientalmente exigente. É importante ter em mente que as pesquisas mais
otimistas a respeito da relação de renovabilidade do etanol não levam em
consideração as emissões de gás carbônico ocorridas no processo de
desmatamento e conversão de terras em agricultáveis.

Até mesmo etanol de segunda geração – o chamado etanol celulósico -, que


ainda não possui uso comercial, já nasce como potencial ameaça ao meio
ambiente. Por poder utilizar toda planta para produção do combustível ele
poderá empobrecer ainda mais o solo, pois as partes desinteressantes
comercialmente (como caule, folhas e raízes) que antes eram devolvidas à
terra poderão ser aproveitadas no processo produtivo, expondo-a à ação
deletéria do Sol. De forma análoga, existem críticas contra as usinas brasileiras
que começarem a utilizar o bagaço da cana para produzir energia elétrica, pois
esse material anteriormente iria para alimentação do vasto rebanho bovino do
país ou era devolvido ao solo protegendo-o. Há também outra questão
polêmica que tange o etanol de segunda geração: para que os altos patamares
de rendimento e eficiência almejados sejam alcançados será necessário utilizar
vegetais geneticamente modificados com concentração de celulose acima do
normal e de lignina mais frágeis para facilitar a quebra da cadeia da molécula e
sua transformação em etanol. Outro temor dos críticos baseia-se no fato de
que esses vegetais só poderão ser destinados à produção de combustíveis,
sendo impossível seu uso para alimentação, e no caso de contaminação de
plantações convencionais poderiam ser perdidas safras inteiras de alimentos,
afetando assim o equilíbrio natural e segurança alimentar das populações
envolvidas. Existem também pesquisas que buscam criar geneticamente
bactérias especializadas e mais eficazes do que as naturais para auxiliar no
processo de transformação da celulose em etanol e apesar de não existir

16
nenhum indício de que elas terão influência negativa sobre a biodiversidade
natural também na há nenhuma que prove que esses novos organismos serão
inertes e inofensivos.

Etanol: Bio ou Agrocombústivel?

Após toda discussão pudemos verificar que o etanol não seria a nova
coqueluche energética se alguns fatores não tivessem ocorrido. O primeiro e
mais importante é o interesse dos países desenvolvidos, que preocupados em
garantir sua segurança energética – como no caso norte americano – ou
também em obedecer às expectativas dos protocolos de ambientais – como no
caso da União Européia no início de seu programa de incentivo à busca de
energias alternativas10. Anteriormente a este interesse não havia tanta
demanda e as produções locais de etanol atendiam prioritariamente os
mercados internos, possuindo crescimento muito menor e sendo mais
assimilável pelas economias, sem pressionar assim, tão fortemente os preços e
a produção de alimentos.

Essa expansão, não seria possível sem o desenvolvimento da tecnologia


bicombustível nos veículos automotores que propiciou o aumento da demanda
potencial para o etanol além de chamar ainda mais a atenção das grandes
companhias petrolíferas que auxiliaram nos investimentos relacionados ao
etanol, sejam na área de produção, pesquisa ou distribuição, fazendo com que
essas empresas rapidamente mudassem de companhias petroleiras para
companhias de energia. Com as projeções do fim das reservas mundiais de

10
Atualmente, frente as criticas aos combustíveis de origem vegetal, diversos setores da
sociedade européia buscam a revisão das metas de substituição de combustíveis fósseis pelos
agrícolas.

17
petróleo elas se apressam na prospecção de novas fontes das quais estão
inclusos os combustíveis de origem agrícola.

Além disso, existe uma motivação política para o incentivo ao desenvolvimento


do etanol no mundo por parte do governo americano, pois ao criar mais um
importante produto da pauta de exportações dos países em desenvolvimento
seria aumentada a dependência dos últimos em relação ao primeiro já que os
EUA seriam o maior mercado consumidor. A mudança das comodities
tradicionais para a energética, além de aumentar a influência dos países
desenvolvidos faria diminuir a dependência destes em relação ao petróleo e
seus produtores.

Nesse sentido o etanol irá realmente atender as expectativas dos países


desenvolvidos promovendo maior estabilidade energética para os mesmos.
Entretanto os custos para segurança alimentar e os impactos econômicos para
os países em desenvolvimento devem ser ponderados já que estes ficarão
mais vulneráveis às variações de mercado de um número menor de comodities
ao desviar seus recursos agrícolas do cultivo de alimentos para combustíveis
agrícolas. Além disso, a produção subsidiada de etanol dos países
desenvolvidos, que desviam suas áreas agricultáveis para esse fim, faz
pressão sobre importação dos alimentos aumentando assim seus preços nos
países produtores e no mundo em geral.

Ambientalmente falando apesar da inegável redução das emissões de gases


do efeito estufa propiciada pelo cultivo de determinados vegetais para
produção do etanol ela não é significantemente alta para justificar tamanho
esforço e uso de recursos naturais que serão necessários para manutenção
deste paradigma energético. A minoração do problema do aquecimento global
passa pela adoção de outras fontes energéticas menos impactantes como a
solar, por exemplo. Mas sua solução deveria compreender mais precisamente
uma revisão no modelo de produção e consumo do qual fazemos parte, pois o
processo de elevação térmica mundial já esta em estado tão avançado que
apenas medidas drásticas conseguiriam sanar o problema.

18
O etanol, com seus muitos subsídios governamentais pelo mundo que o tornam
viável economicamente, mostra que na prática será apenas mais uma fonte de
energia a alimentar a sede capitalista insaciável pelo crescimento econômico
inconseqüente, mais um produto da cesta de comodities a sustentar o
agronegócio concentrador de renda, que expulsa do campo e acirra as
desigualdades sociais, uma forma de manutenção da organização internacional
do trabalho ao reprimarizar países com industrialização tardia e, sendo assim,
podemos chama-lo finalmente: Agrocombustível.

Anexo I: Tabelas e Gráficos

Produção Mundial de Etanol 2007

Fonte: Única, OCDE-FAO.

19
Gama estimada do balanço de energia do etanol:

20
Anexo II: Estudos analisados para balanço energético

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