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NESTA EDIÇÃO

GESTÃO PARTICIPATIVA Nº 33 ! Maio de 2005


Democracia interna
é destaque nos Av. Brasil, 4.036/515, Manguinhos
20 anos do modelo Rio de Janeiro, RJ ! 21040-361
em construção
na Fiocruz w w w. e n s p . f i o c r u z . b r / r a d i s

Rio de Janeiro
Crise paira sobre a saúde e
testa o SUS em seus 15 anos
Ciência ao alcance da mão

FOTOS: ANDRÉ AZ/FIOCRUZ


A ExpoInterativa: ciência para todos, mostra
científica e cultural integrada às ativida-
des do 4°Congresso Mundial de Centros de
Ciência, que a Fiocruz promoveu em abril no
Rio de Janeiro, provou que não se aprende
ciência apenas em livros ou salas de aula. Mais
de 50 mil pessoas, a maioria crianças e adoles-
centes, puderam participar das 70 atividades
oferecidas no Pavilhão 3 do Riocentro por
museus e centros de ciência do Brasil e do
exterior. Da grandeza do céu como ele é per-
cebido pelos índios ao pequeno mundo da
nanotecnologia, os visitantes experimentaram
a rotina de diferentes tipos de cientistas —
astrônomos, paleontólogos, geneticistas, biólo-
gos, físicos, bioquímicos, engenheiros, botâ-
nicos, arqueólogos. Para a criançada, a gran-
de novidade foi poder tocar em tudo, sentir
tudo. Afinal, era uma exposição interativa.

Mais informações
CCS-Fiocruz
www.fiocruz.br/ccs/4SCWC/indice.htm
editorial
Nº 33 — Maio de 2005

Modelos em construção
T
Comunicação e Saúde
riste beleza. A maravilhosa paisagem centrado nos hospitais e a ausência de
carioca está encoberta pela inten- uma atenção básica resolutiva. Isso e a ! Ciência ao alcance da mão 2
sificação da violência nas últimas déca- falta de uma atenção mais humanizada
das e por uma profunda crise na saúde, e integral faziam com que o sanitarista Editorial
agora mais evidente. Nesta edição, a clamasse por uma “reforma da refor- ! Modelos em construção 3
crise é o ponto de partida para uma ma”, tema retomado na entrevista desta
rica discussão sobre o Sistema Único de edição por Gastão Wagner.
Saúde, como modelo ainda incompleto “Para termos certeza de que o SUS Cartum 3
e que precisa de constante reforma. deu certo ele terá que funcionar no
Passado o momento inicial da in- Rio”, arrisca Maria Luíza Jaeger, do Mi- Cartas 4
tervenção, com base na desabilitação nistério da Saúde. O que torna a dis-
do município para a gestão plena do cussão e as soluções ainda mais difíceis,
orçamento da saúde, solicitada pelo considerada a avaliação de Gastão de Súmula 5
Conselho Municipal de Saúde, e no de- que a ex-capital do Império e da Repú-
creto presidencial de estado de cala- blica tem funcionado como “vanguarda Toques da Redação 7
midade pública, a situação da saúde no da degradação do tecido social e do Es-
Rio requer envolvimento de gestores, tado brasileiro”, o que o cenário da saú-
profissionais, políticos, da academia e de e da violência tristemente confirmam.
da população em soluções que trans- Outro destaque desta edição são
cendam os problemas cariocas e permi- os 20 anos da gestão participativa e
tam repensar e reorientar o próprio democrática na Fiocruz, implantada a Rio de Janeiro
Sistema Único de Saúde, que comple- partir da gestão Sérgio Arouca. Como ! Crise da saúde acende alerta no SUS 8
ta 15 anos. Com a decisão do Supremo o próprio SUS, também originado na
Tribunal Federal de determinar ao Mi- redemocratização do país e nos princí- Entrevista: Gastão Wagner de Sousa
nistério da Saúde a devolução à Pre- pios da Reforma Sanitária, este modelo Campos
feitura de dois dos seis hospitais re- de gestão ainda está em construção e ! “É preciso fazer a reforma da reforma
quisitados, a discussão sobre “o dia requer constante análise, autocrítica e do SUS e dar fim aos desmandos” 19
seguinte” fica ainda mais premente. controle da sociedade para ser aper-
A crise do Rio tem contornos ex- feiçoado, mas já serve de exemplo para
plícitos de irresponsabilidade e indife- outras instituições públicas. Financiamento da saúde
rença e de falta de compromisso com Por falar em controle social, ao ! O orçamento sob ataque 22
o SUS por parte da gestão municipal. fim das matérias sobre orçamento da
Mas nossa matéria de capa também saúde e novos projetos de lei, nas
Acompanhamento do Legislativo
reúne autocríticas dos defensores do páginas 22 e 24, divulgamos o conta-
SUS sobre como se deu o processo de to dos parlamentares mais envolvidos ! Inimigos do SUS? 24
municipalização na capital, incluindo a com os temas. É bom os leitores fica-
falta de cuidados na descentralização rem de olho e exercerem seu direito
de uma pesada e complexa estrutu- de expressão e legítima pressão so-
ra hospitalar. O diagnóstico das fon- bre o Congresso Nacional.
tes ouvidas converge para o que Sér- História da Fiocruz
gio Arouca chamava de “inampização” Rogério Lannes Rocha ! Vinte anos do modelo de gestão
do SUS, com o sistema fortemente Coordenador do Radis participativa e democrática 26

Direitos sexuais e reprodutivos


car
rttu
umm ! SUS no planejamento familiar 33

Serviço 34

Pós-Tudo
! Visita genial 35

Capa e ilustrações Aristides Dutra


Foto menor da capa Pauliran de Feitas
RADIS 33 ! MAI/2005
[ 4 ]

C AR
RTTA S

F ARMÁCIAS NA UTI os médicos, que não se contentam


em atender doentes e salvar vidas, Aviso ao leitor
mas fazem parceria com essas gran-
Você pode atualizar
des redes? A esta altura, com margem
seus dados cadastrais
de 26% de lucro bruto, despesas fi-
pela internet. Acesse
xas elevadíssimas, inadimplência, con-
www.ensp.fiocruz.br/radis
corrência desleal, este é mais um
— escolha a opção “Assinaturas” e
setor às portas da UTI.
informe seu código de assinante
! Maria de Lourdes de Azevedo,
(que consta da etiqueta).
Arapongas, RR
A senha para o primeiro aces-
so é 9999, que você pode alterar
A Radis de janeiro trouxe reporta-
gem mostrando como está realmen-
C ONTRATAÇÕES NA B AHIA posteriormente.
te o setor farmacêutico. De fato, há
muitas saúvas, e poucos se preocupam
verdadeiramente com a saúde da po-
S ou fisioterapeuta e quero declarar
a minha indignação contra a forma
que o estado da Bahia vem usando
do aos critérios de contratação es-
tabelecidos (ou melhor, “democrati-
pulação. Sou farmacêutica e tenho para contratar profissionais para as camente” não-estabelecidos) pelo
minha própria farmácia, trabalho nela unidades de saúde do SUS. O que se governo. Este usa um recurso legal,
das 7h30 às 19h, e trabalho com amor: observa é uma prática digna dos tem- o Regime Especial de Direito Adminis-
procuro orientar cada um, termino o pos do coronelismo: o critério é a trativo (Reda), para a contratação
dia muitas vezes visitando pacientes que afinidade ideológico-partidária ou de sem concurso público. Mas o núme-
já não mais podem vir até ela. Mas in- parentesco, e não a capacidade, o ro de contratações desse tipo ultra-
felizmente estou vendo que esse tipo conhecimento e a desenvoltura pro- passou o permitido na legislação (fato
de profissional já não é tão importan- fissional. Com isso mantém-se o velho que tem sido alvo de denúncias do
te. As grandes redes, com seus remé- vício do “trem da alegria”, difundido SindSaúde-BA), transformando-se num
dios de origem suspeita e descontos em momentos não tão nobres da de- imenso instrumento de politicagem.
de até 40%, estão nos destruindo. mocracia brasileira. ! Mauricio Pinheiro, Jequié, BA
Pergunto: quem dará atenção Essa situação vem acontecendo
farmacêutica? Somos todos carentes em toda a Bahia, e tem angustiado CARTÃO AGUARDADO
e necessitamos de ajuda urgente, muitos profissionais de saúde, pois,
porque estamos morrendo. Onde está
o Conselho Federal de Farmácia, que
não vem em defesa do profissional? E
apesar de terem estudado, se empe-
nhado para pesquisar e entender o
SUS, não podem trabalhar nele, devi-
A dorei a matéria sobre o cartão do
SUS (Radis nº 30). Seria legal que
fosse uma realidade nacional. Vocês
estão de parabéns pelo conteúdo
abrangente da revista. Continuem nos
proporcionando informações cada vez
expediente mais ricas.
! Hildevanda Lima de Medeiro, Rio de
Subcoordenação Justa Helena Franco Janeiro
Edição Marinilda Carvalho
Reportagem Jesuan Xavier (subeditor),
Katia Machado e Wagner R ADIS AGRADECE
Vasconcelos (Brasília/Direb)

RADIS é uma publicação impressa e online


Arte Aristides Dutra (subeditor)
Documentação Jorge Ricardo Pereira,
Laïs Tavares e Sandra Susano
H oje me sinto dependente desta re-
vista: sua qualidade e sua abran-
gência sobre a saúde são algo notá-
da Fundação Oswaldo Cruz, editada pelo Secretaria e Administração Onésimo
Gouvêa, Fábio Renato Lucas e vel. Parabéns. Quem pretende lutar
Programa RADIS (Reunião, Análise e
Difusão de Informação sobre Saúde), Cícero Carneiro por uma saúde melhor é leitor da Radis
da Escola Nacional de Saúde Pública Informática Osvaldo José Filho e Geisa com certeza.
Sergio Arouca (Ensp). Michelle (estágio supervisionado) ! Edilson Gomes de Araújo, do Con-
Endereço selho Municipal da Saúde de São
Periodicidade mensal
Tiragem 42 mil exemplares Av. Brasil, 4.036, sala 515 — Manguinhos
Rio de Janeiro / RJ — CEP 21040-361 Carlos, SP
Assinatura grátis
(sujeita à ampliação do cadastro)
Tel. (21) 3882-9118
Fax (21) 3882-9119
Presidente da Fiocruz Paulo Buss

R
E-Mail radis@ensp.fiocruz.br ecebo a Radis periodicamente
Diretor da Ensp Antônio Ivo de Carvalho
Site www.ensp.fiocruz.br/radis desde os tempos da graduação
PROGRAMA RADIS Impressão
Coordenação Rogério Lannes Rocha Ediouro Gráfica e Editora SA
em Medicina, e gostaria de ser mais
um a relatar a importância de vocês
USO DA INFORMAÇÃO — O conteúdo da revista Radis sáveis pelas matérias reproduzidas. Solicitamos aos
na formação social, política e científi-
pode ser livremente utilizado e reproduzido em qual- veículos que reproduzirem ou citarem conteúdo de ca não só dos profissionais de saúde,
quer meio de comunicação impresso, radiofônico, nossas publicações que enviem para o Radis um exem-
televisivo e eletrônico, desde que acompanhado dos plar da publicação em que a menção ocorre, as refe- mas de todo um país, criando base para
créditos gerais e da assinatura dos jornalistas respon- rências da reprodução ou a URL da Web. a efetivação e o aperfeiçoamento do
RADIS 33 ! MAI/2005
[ 5 ]

nosso tão desejado controle social.


! Rodrigo Bandeira da Lima, médico-
residente em Medicina de Família e
SÚMULA
Comunidade, Recife

gem para a negociação este ano era

M eu nome é Soraia Maciel, sou


servidora do Centro de Refe-
rência em Saúde do Trabalhador do
B RASIL
PATENTES
ESTUDA QUEBRA DE QUATRO pequena”, disse.

Estado de Mato Grosso, lotada no M ILHÕES DE CÁPSULAS PERDIDAS


núcleo de Educação em Saúde. Nós
ganhamos de um colega a revista nº 29,
de janeiro de 2005, e achamos muito
bom o artigo sobre o amianto: ele tem
A auditoria sobre a “máfia do sangue”,
da Controladoria Geral da União
(CGU), descobriu que 3,2 milhões de
sido debatido em nossas oficinas com cápsulas de saquinavir, do Laboratório
sindicalistas e profissionais. Roche, perderam o prazo de validade
! Soraia Maciel, pedagoga, Cuiabá no almoxarifado do Ministério da Saú-

E m carta datada de 14 de março, o


Ministério da Saúde solicitou o
de entre 2003 e 2004, já no período de
risco de desabastecimento de remédi-

R epresento a ONG Abaide e o Fórum


Permanente em Defesa dos Porta-
dores de Deficiência do Sudoeste da
licenciamento voluntário de quatro
medicamentos anti-retrovirais (para
combate à Aids) aos laboratórios Merck
os anti-Aids. O saquinavir é um dos prin-
cipais itens do coquetel contra a Aids.
Os auditores descobriram que em
Bahia. Quero registrar meus agradeci- Sharp & Dohme, Abbot e Gilead 1999, quando o país amargava crise cam-
mentos por receber a revista Radis, Science, para produção no Brasil. O bial e financeira, a Coordenação Geral
como delegado à 12ª Conferência Na- prazo de resposta acabou em 4 de de Recursos Logísticos, base de atua-
cional de Saúde, e parabenizar a equi- abril, e no dia 8 o MS informou, sem ção da “máfia do sangue”, comprou um
pe pelas importantíssimas informações identificar as empresas, que um labo- lote de saquinavir 355% acima da quan-
e as matérias diversificadas em saúde ratório está disposto ao licenciamento tidade recomendada pelos técnicos. A
pública, que faço questão de divulgar voluntário, embora não nos termos Roche afirma que doou ao governo 3,6
ao nosso público-alvo. propostos pelo governo brasileiro, milhões de cápsulas, para compensar
! Damião Alves Reis, Barra do Choça, BA outro quer negociar e o terceiro não o prejuízo, de R$ 5 milhões.
abre mão da patente. O ministério
reiterou que, se os laboratórios não

E screvo para elogiar o excelente


trabalho da revista Radis, que tem
cederem, o governo decretará o
licenciamento compulsório, que equi-
T UBERCULOSE É PIOR NO R IO

sido de suma importância para mim,


que sou aluno do curso técnico de
enfermagem da Escola Técnica em
vale à quebra de patentes.
As patentes são de anti-retro-
virais com os seguintes princípios ati-
A incidência de casos de tubercu-
lose no Rio de Janeiro é o dobro
da média nacional. Enquanto no Brasil
Saúde ligada à Universidade Federal vos: lopinavir e ritonavir (Abbot), são registrados 49 casos para cada 100
de Campina Grande, na Paraíba. To- efavirenz (Merck) e tenofovir (Gilead). mil habitantes, no Rio esse índice é
mei conhecimento da revista graças O licenciamento voluntário implica de quase 100 doentes, informou o se-
ao professor de Bioética, que nos pagamento de royalties aos laborató- cretário de Vigilância em Saúde, Jarbas
mostrou a importância deste instru- rios. O ministro Humberto Costa dis- Barbosa, no Dia Mundial de Luta con-
mento de comunicação para futuros se que a compra desses medicamen- tra a Tuberculose (24 de março). O
profissionais de saúde. tos responde por cerca de 66% do Brasil está entre os 22 países que con-
Também aproveito para dizer que gasto do ministério com anti- centram 80% dos casos mundiais. A
as revistas estão chegando com um retrovirais. O aumento desses gastos cada ano, 85 mil brasileiros contraem
certo atraso. Se possível, regularizem pode comprometer, a médio prazo, o a doença e cerca de 6 mil morrem.
esta situação. Só não posso é ficar programa nacional de combate à Aids,
sem a revista! que este ano deverá atender 180 mil
! Francisco Braz Neto, Poço de José pacientes, mas vem enfrentando cri- A LERTA CONTRA PEIXE CRU
de Moura, PB se preocupante de abastecimento.

Prezado Francisco, os atrasos se de-


vem a problemas técnicos decorren-
O custo elevado, segundo o mi-
nistro, se deve principalmente à in-
clusão de novos itens na lista de re-
T reze epidemiologistas de São Paulo
publicaram trabalho no Boletim
Epidemiológico Paulista de março rela-
tes da troca da empresa responsável médios oferecidos gratuitamente pelo tando casos confirmados (em labora-
pela expedição da revista. Estamos SUS. Atualmente, o Brasil produz oito tório) de difilobotríase notificados à Di-
tratando da solução. dos 16 componentes do coquetel de visão de Doenças de Transmissão Hídrica
remédios contra a Aids. Produzindo e Alimentar, do Centro de Vigilância
NORMAS PARA CORRESPONDÊNCIA mais esses quatro, só precisará impor- Epidemiológica da Secretaria de Saúde
A Radis solicita que a correspondên- tar os quatro restantes. Os remédios paulista. A difilobotríase é causada pelo
cia dos leitores para publicação (car- para a Aids são fabricados aqui desde cestóide Diphyllobothrium spp, um dos
ta, e-mail ou fax) contenha identifi- 1994. Segundo o ministro, na negocia- maiores parasitas intestinais do homem,
cação completa do remetente: nome, ção deste ano para a compra dos anti- conhecido como a “tênia” do peixe.
endereço e telefone. Por questões de retrovirais o governo conseguiu des- Trata-se de doença comum entre po-
espaço, o texto pode ser resumido. conto de R$ 65 milhões. No ano passado pulações que se alimentam de peixe cru
foram R$ 300 milhões. “Por isso a mar- ou mal-cozido. Até 2003 não havia regis-
RADIS 33 ! MAI/2005
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tro de casos em São Paulo ou no Brasil. registro e a certidão de nascimento, o Jornal da Ciência da SBPC.
Na América do Sul, Argentina, Peru e Cadastro de Pessoa Física (CPF), o Títu- O estudo mostra que as mulhe-
Chile têm registro da doença. lo de Eleitor e as carteiras de Identida- res optam mais por ciências humanas
Os casos notificados de 2004 a de e de Trabalho, o ministro Nilmário e da saúde, enquanto homens prefe-
março deste ano deram início à inves- Miranda, da Secretaria Especial dos Di- rem ciências sociais e engenharias. Na
tigação epidemiológica, que está na reitos Humanos, disse que “o sub-regis- Capes, em 2005, as mulheres recebe-
primeira etapa: estudo descritivo dos tro é a forma mais perversa de exclusão ram 55% das 16.264 bolsas de mestrado
casos, levantamento dos elos comuns social”. O lançamento da cartilha faz e 54% das 9.858 bolsas de doutorado.
epidemiológicos, alerta a laboratórios parte da mobilização nacional pelo re- Quanto mais sobe na pirâmide aca-
e médicos para notificação de casos gistro de nascimento, iniciada em 2003. dêmica, porém, menor é a participação
novos, análise do alimento consumido Parceria entre governo, estados, da mulher. Em 2005, as mulheres con-
por uma paciente (salmão importado associações de cartórios, movimen- centravam apenas um terço das 8.500
do Chile, enviado espontaneamente ao tos sociais e organismos internacio- bolsas do CNPq para pesquisadores
Instituto Adolfo Lutz Central), bem nais possibilitou que o índice de crian- com doutorado ou equivalente.
como inspeções sanitárias, para avalia- ças não-registradas no prazo legal O maior contraste é no topo da
ção dos fatores de risco. caísse de 24,4%, em 2002, para 21,6%, pirâmide, entre pesquisadores pós-dou-
Os epidemiologistas recomendam no fim de 2003. Para o ministro, a tores sênior ou professores líderes de
medidas cautelares a fornecedores e meta de erradicação do sub-registro grupo: menos de um quarto dos bolsis-
restaurantes de comida japonesa, para será alcançada até o fim de 2006. tas é mulher. Em física, por exemplo,
prevenir o consumo de peixe cru sus- Inicialmente, 66 mil alfabetiza- só 1% dos pesquisadores é mulher. José
peito de contaminação. dores receberão a cartilha pelo cor- Roberto Drugowich de Felício, diretor
O Fantástico de 10/4 saiu em de- reio; os demais, ao longo do ano. do CNPq, acha que não se trata de
fesa dos simpáticos restaurantes ja- preconceito, mas de reflexo da tradi-
poneses, que andavam às moscas. Dis- cional predominância dos homens na
se a apresentadora Glória Maria: “Se POUCA MULHER NO COMANDO DA CIÊNCIA pesquisa de alto nível. O ajuste, para
você não resiste àquele sashimi de ele, será inevitável com o tempo.
salmão, lembre-se de que o peixe
deve estar congelado a –20 graus por
pelo menos sete dias.” Bom conselho.
D ados divulgados pelo CNPq e pelo
Instituto Nacional de Estudos e
Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira
Para a bioquímica Jacqueline
Leta, da UFRJ, pode haver certo pre-
conceito sim, advindo da falta de re-
Mas, nos restaurantes, como saber? (Inep) indicam que as mulheres obtive- presentação feminina em muitos co-
Íntegra do trabalho ram 51% dos diplomas de pós-gradua- mitês do CNPq, o que significa que
www.cve.saude.sp.gov.br/agencia/ ção em 2003 e ocuparam 56% das vagas há poucas mulheres opinando sobre
bepa15_diphy.htm em cursos de graduação. O número de quem alcançará postos sênior na car-
títulos de doutor conquistados por reira. As mulheres não seguem car-
homens cresceu 69,2% entre 1996 e reira científica em longo prazo pela
“A FORMA MAIS PERVERSA 2003; para as mulheres, o aumento foi ausência de modelos e a persistên-
DE EXCLUSÃO SOCIAL ” de 80,9%. No mesmo período, o aumen- cia de papéis estereotipados da mu-
to da aquisição de títulos de mestrado lher na sociedade, afirma.

N o dia 17 de março, no lançamento


da cartilha Orientações para o Re-
gistro Civil, que mostra ao cidadão como
por mulheres também foi maior (119%)
do que por homens (106%), informa
Marina Lemle em artigo na SciDev.Net “ALGODÃO -VENENO” AMEAÇA CERRADO
proceder, passo a passo, para obter o (www.scidev.net), reproduzido pelo

A organização ambientalista Green-


peace (www.greenpeace.org.br)
Prêmio à memória denunciou, no dia 17 de março, que a
Comissão Técnica Nacional de
Fiocruz nos campos da memória e Biossegurança (CTNBio) liberou “apres-
da pesquisa histórica e científica” sadamente” (antes da iminente san-
e marca o trabalho que a Casa de ção da Lei de Biossegurança pelo pre-
Oswaldo Cruz desenvolve, desde sidente da República) a variedade de
1986, nas áreas de tratamento e algodão geneticamente modificado
conservação de documentação his- Bollgard, da multinacional Monsanto

A Casa de Oswaldo Cruz (COC/


Fiocruz) recebeu em março o Prê-
mio Estácio de Sá, concedido pelo
tórica, preservação do patrimônio
arquitetônico de Manguinhos, pes-
quisa histórica, informação e divul-
— com gene de resistência a antibió-
tico e sem estudos de impacto no meio
ambiente, colocando em risco a
Conselho Estadual de Cultura do Rio gação científica. biodiversidade do Cerrado.
de Janeiro, por suas atividades na Instituído em 1967 por Ricardo O algodão é uma planta de
área da ciência. Em 2004, a COC Cravo Albin, primeiro diretor do polinização cruzada, ou seja, o pólen
organizou mostras como a Exposi- Museu da Imagem e do Som, o prê- pode fecundar outras plantas distan-
ção Comemorativa do Centenário mio se destina a pessoas jurídicas tes. A região é centro de origem do
da Revolta da Vacina e a Exposição que tenham prestado serviço rele- algodão e as variedades selvagens
Roquette-Pinto: Um Mestre Brasiliano, vante à cultura fluminense nas áre- podem ser contaminadas pelo pólen
com grande visitação pública. as de artes plásticas, literatura, de plantas transgênicas, com perda
Para a diretora da COC, Nísia teatro, música popular, música eru- das espécies nativas.
Trindade Lima, o prêmio “é um dita, jornalismo, rádio, televisão, Para Ventura Barbeiro, engenhei-
reconhecimento da atuação da educação e ciência. ro-agrônomo do Greenpeace, a apro-
vação antes da sanção presidencial à
RADIS 33 ! MAI/2005
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Lei de Biossegurança foi ato ilegal e


irresponsável. O colegiado da CTNBio
passará de 18 para 27 integrantes, o
que exigirá tempo maior para a com-
posição da nova equipe — daí a pressa
na liberação do algodão.
O Bollgard, conhecido como o
“algodão-veneno da Monsanto”, tam-
bém é chamado de Bt por receber o
gene Cry1Ac da bactéria Bacilus
thuringiensis, que codifica proteínas OS CONFLITOS DA CTNBIO — No arti-
tóxicas, fazendo o papel de agrotóxico. go intitulado “Seriedade”, publicado
A planta ainda recebe dois genes da no Globo de 4/4 (o título original era
bactéria Escherichia coli, que con- "Reino do faz-de-conta?"), o econo-
fere resistência aos antibióticos mista Jean Marc Von der Weid, da
espectinomicina e estreptomicina. Es- campanha Por um Brasil Livre de
ses genes podem ser incorporados por Transgênicos, escreveu: “O que se
bactérias, transferindo aos microor- espera da nova CTNBio é que seja
ganismos resistência a antibióticos. Um isenta e rigorosa. Não pode agir
gene do vírus do mosaico da couve- como a anterior, que em vez de se
flor (doença que atinge vegetais) tam- preocupar com a biossegurança fa-
bém é inserido nesse pacote. zia apologia aos transgênicos.
A flor do algodoeiro atrai muitas O governo tem que definir clara- REVISTA CONASEMS — “Ser saudável
abelhas e vespas selvagens devido à mente os casos de conflito de interes- não significa apenas estar livre de do-
grande quantidade de néctar — estes ses nesta comissão. É cabível que dela enças. Ter qualidade de vida, num
insetos podem desaparecer pelo efei- participem cientistas que desenvolvam meio ambiente em equilíbrio, é fa-
to da proteína tóxica. “No cerrado, transgênicos? Não importa se são con- tor determinante na saúde do ho-
35% das plantas silvestres dependem tratados da Monsanto ou da Embrapa mem. Nunca se discutiu tanto quan-
de abelhas e vespas para a polinização. ou de universidades. O fato é que vão to na atualidade os efeitos da
O desaparecimento desses agentes julgar a liberação de produtos do mes- devastação ambiental na sobrevivên-
polinizadores pode causar a extinção mo tipo que estão pesquisando. cia dos seres vivos.” A frase abre
de muitas plantas”, disse Barbeiro. É preciso que a composição do matéria de sete páginas da edição
corpo de cientistas seja feita com o fevereiro/março de 2005 da revista
critério de conhecimento na área de Conasems, do Conselho Nacional de
L ULA SANCIONA L EI DE B IOSSEGURANÇA trabalho da comissão, que é de Secretários Municipais de Saúde
biossegurança e não de promoção de (www.conasems.org.br).

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva


sancionou no dia 24 de março de
2005 o texto da Lei de Biossegurança.
transgênicos.
Se o governo agir com serieda-
de, a nova comissão terá um papel fun-
CAROS AMIGOS — Pergunta: "A gente
poderia dizer que os chefes do crime
Entre os sete vetos decididos pelo damental para o futuro do país. Do organizado no Pará são os proprietári-
presidente foi derrubada a exigência contrário, ela agirá como a anterior, os de terra?" Resposta: "São! Como não?
de quórum mínimo de apenas 14 inte- que estava cheia de pesquisadores de São propriamente eles. É o agronegócio
grantes nas decisões da CTNBio — transgênicos, alguns deles, inclusive, e dizemos assim com todas as letras".
como a comissão delibera por maioria membros de uma ONG criada com re- Trecho da "entrevista explosiva"
simples, oito votos bastariam para apro- cursos da Monsanto e da Syngenta.” da edição de março da revista Caros
var um produto transgênico, por exem- Íntegra www.jornaldaciencia.org.br/ Amigos com Dom Tomás Balduíno, da
plo. Para os assessores jurídicos do pre- Detalhe.jsp?id=26780 Comissão Pastoral da Terra. Ele infor-
sidente, medidas que afetam toda a ma dados recentes da CPT: em 2004,
população brasileira não podem ser de- DOUTOR FANTÁSTICO — O Fantástico, 34.850 famílias foram despejadas de
cididas por um grupo tão reduzido. O programa dominical da TV Globo, vive suas terras; de 1985 a 2004, houve
novo quórum deverá ser regulamenta- dando conselhos médicos. Em matéria 1.379 assassinatos, só 75 julgamentos,
do possivelmente por decreto. do dia 10/4, que comentava a suspen- só 15 mandantes condenados.
Também foi derrubado o dispositi- são de antiinflamatórios de nova gera- Site www.carosamigos.com.br
vo que estabelecia penas de dois a qua- ção como Vioxx (e, mais recentemen-
tro anos para quem jogar no lixo resí- te, Bextra, da Pfizer), por seus efeitos CONASS — O secretário de Saúde de
duos de produto transgênico. Outro cardiovasculares colaterais, a repórter Minas, Marcus Pestana, é o novo pre-
artigo vetado foi o que determinava um disse: “O meio científico é unânime: sidente do Conselho Nacional de Se-
prazo de 30 dias para os ministros re- não existe motivo para desespero”. cretários de Saúde (Conass), eleito
correrem das decisões da CTNBio. Ago- Nosso repórter Inocêncio Foca fi- em assembléia no dia 8 de abril, em
ra, os ministros podem recorrer das cou intrigado: unânime? Em seguida, a Brasília. Os cinco novos vice-presiden-
decisões a qualquer momento. repórter ouviu um reumatologista, que tes são: secretário de Saúde do Pará,
afirmou: “Eu acho que o clínico tem de Fernando Dourado (Norte); do Cea-
ter o bom senso de indicar a dose cer- rá, Jurandi Frutuoso (Nordeste); de
SÚMULA é produzida a partir do acom- ta, pelo tempo certo, e mais ou menos Goiás, Fernando Cupertino (Centro-
panhamento crítico do que é divulgado individualizar a prescrição para cada do- Oeste); do Estado de São Paulo, Luiz
na mídia impressa e eletrônica. ente”. O queixo de Inocêncio caiu: “Mais Roberto Barradas (Sudeste); e do Rio
ou menos?” Grande do Sul, Osmar Terra (Sul).
Hospital do Andaraí

Hospital de Ipanema

Hospital Cardoso Fontes

Hospital Miguel Couto

Hospital da Lagoa

Hospital Souza Aguiar


RADIS 33 ! MAI/2005
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DEE JJANEIR
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ANEIROO

Crise da saúde
acende alerta
no SUS
Em fevereiro, um rol de antigas de-
Reportagem Katia Machado núncias chegou à imprensa com gran-
Fotos Aristides Dutra
de estardalhaço — falta de pessoal,
de remédios e de equipamentos, ex-

F
ruto dos ideais e das lutas do cesso de filas, de desatenção e de
Movimento da Reforma Sanitá- sujeira nos hospitais. Os fornecedo-
ria dos anos 70/80, que resul- res não eram pagos, o salário do pes-
taram na Lei 8.080, de 1990, o soal terceirizado tinha dois meses de
Sistema Único de Saúde completa 15 atraso, setores de emergência e cen-
anos em clima de grave crise na rede tros cirúrgicos foram desativados em
pública da cidade do Rio de Janeiro. várias unidades.
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Caos instalado, autoridades mu- Conselho Municipal de Saúde, o status madrugada, expôs o estado agudo de
nicipais e federais passaram a trocar de gestora plena do SUS. fragilidade da saúde do povo.
acusações, enquanto as associações A intervenção do governo fede-
profissionais cobravam intervenção “REFORMA DA REFORMA” ral no Rio, revogada em parte pelo Su-
imediata do Ministério da Saúde. No O Rio foi apanhado de surpre- premo Tribunal Federal em 20 de abril
dia 11 de março, finalmente, o sa. Os jornais se saíram bem na co- (ver box na página 18), acendeu uma
presidente Lula assinou decre- bertura desse processo de ruptura: luz vermelha no painel de controle do
to declarando estado de cala- deram páginas e páginas às ações do SUS, abrindo uma oportunidade de
midade pública na saúde cari- governo federal, e até um diário ca- ouro para análise do nosso modelo de
oca e intervenção em seis dos rioca que vinha anunciando com in- saúde e reflexão sobre seu futuro. Um
mais importantes hospitais da sistência a saída do ministro da Saú- modelo fincado nos princípios e nas
cidade — quatro deles municipalizados de, Humberto Costa, não deixou de diretrizes de universalidade, integra-
(Hospital da Lagoa, de Ipanema, do cobrir exaustivamente a intervenção, lidade, eqüidade e descentralização,
Andaraí e Cardoso Fontes) e dois ainda que lhe atribuindo caráter par- com ênfase na municipalização, na
municipais (Miguel Couto e Souza tidário. Atendia ao clamor das ruas: regionalização e na participação da
Aguiar). A administração dos demais a população só falava da crise. O pre- sociedade (o controle social), pon-
hospitais passou à Secretaria Estadu- feito “presidenciável” César Maia tos-chave que no Rio foram golpea-
al de Saúde, perdendo a Prefeitura (PFL) reagia como se fosse candida- dos de morte. Morte, claro, dos pa-
do Rio de Janeiro, por decisão do to em outro país, sabotando as me-
didas de emergência (ver box nas

O Ministério da Saúde esclare-


ce que não se trata de in-
páginas 12 e 13).
Os novos gestores organizaram
mutirões de atendimento nos hospi-
O controle social está garantido
na Lei N° 8.142, de 28/12/1990,
que instituiu os conselhos e as con-
tervenção, (expressão usada pelo tais, e os servidores, solidários, aten- ferências de Saúde como instânci-
próprio ministro nos primeiros diam prontamente. As Forças Arma- as de controle social do SUS nas
dias e adotada pela imprensa, in- das montaram em tempo recorde três esferas de governo — federal,
clusive a Radis), mas de uma “re- hospitais de campanha em áreas pró- municipal e estadual. Estima-se que
quisição” dos seis hospitais. “A in- ximas a unidades em crise. Enquanto haja mais de 100 mil conselheiros
tervenção significa tomar os os políticos batiam boca pela impren- de saúde no país. Essas instâncias
hospitais ou mesmo a saúde como sa sobre o acerto deste recurso ex- são formadas por 50% de usuários
um todo e agirmos de cima a bai- tremo, a resposta dos cariocas foi do SUS, 25% de trabalhadores de
xo nessas unidades”, disse o co- chocante: a corrida em massa de do- saúde e 25% de prestadores e
ordenador Sérgio Côrtes. entes às tendas da Marinha e da Ae- gestores de saúde.
ronáutica, em filas que varavam a

Os nós do modelo
N elson Rodrigues, o Nelsão, espe-
cialista em SUS, lembra que o
movimento pela municipalização co-
Para Nelsão, dos princípios do
SUS apenas a universalidade e a
descentralização com ênfase na
veriam ser identificadas por estudos
demográficos, epidemiológicos e so-
ciais. “O mapa das necessidades de
meçou antes da criação do SUS, no municipalização avançaram. Um está uma população serve para construir
contexto das lutas pela reforma sa- atrelado ao outro, diz Nelsão. “A um sistema de saúde com ações
nitária e da busca de solução para os integralidade, por exemplo, só integrais, voltadas para a promo-
problemas sociais decorrentes da acontece quando a regionalização ção, a recuperação e a proteção
explosão demográfica, que dobrou o funciona, ou seja, quando todas as à saúde do cidadão, evitando mui-
número de periferias pobres nos anos ações necessárias a uma população to desperdício”, disse Nelsão. A
70. “Os municípios e suas periferias se concentram numa região”. maior parte desse desperdício te-
eram o espaço mais acessível para O SUS herdou um modelo de ria solução. “Cuidar de um pacien-
novas práticas democráticas”, diz. oferta de serviços fincado no hospi- te com AVC é necessário, mas ino-
Três importantes encontros tal como centro do atendimento, e portuno, pois muitos casos seriam
marcaram o fortalecimento desse por trás desse modelo estavam três evitáveis com ações simples de pre-
movimento: em 1978, o encontro segmentos, à frente dos interesses venção da pressão alta”.
dos secretários municipais do Nor- da população: os fabricantes (de A intervenção no Rio só trará
deste; em 1979, primeiro encon- equipamentos, insumos e medica- resultados salutares, na opinião de
tro nacional de secretários muni- mentos), a rede de prestadores de Nelsão, se o MS reorganizar o sis-
cipais, em Campinas (SP); e em serviços (hospitais e laboratórios) e tema municipal de saúde, que não
1980, o segundo, em Niterói (RJ). os profissionais de saúde. “A esses pode mais se centrar nos hospi-
Quando o SUS foi criado, a pro- segmentos foi dada muita autono- tais. Este seria o momento de res-
posta da municipalização já estava mia, sem regulação”, diagnosticou. gate dos rumos do SUS dispostos
estruturada e foi inserida entre prin- Mas, pautado na Constituição na Lei 8.080/90. “Senão, muitas
cípios e diretrizes do sistema, com e na Lei do SUS, a 8.080/90, o mode- outras crises surgirão e muitos
o objetivo de aproximar as decisões lo objetivava o atendimento das ne- outros pedidos de intervenção vão
das pressões da população. cessidades da população, que de- ocorrer”, disse.
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Hospital de Campanha da Marinha

cientes pobres, desassistidos em fi- mento de Atenção Especializada) e mídia para o debate em torno do con-
las intermináveis. Sérgio Côrtes (diretor do Into, o Ins- trole social.
Então, o momento é perfeito tituto de Traumato-Ortopedia), indi- Para o médico-sanitarista Nelson
para um balanço do que deu certo e cado coordenador das ações), entre Rodrigues, o Nelsão, ex-secretário-
do que deu errado nesses 15 anos de outros. “Os problemas do Rio trou- executivo do Conselho Nacional de
existência do sistema, exemplo inter- xeram à baila questões preocupantes Saúde, o que vemos é um SUS com
nacional de política pública de saú- para a consolidação do SUS”, resu- pouca resolutividade na Atenção Bá-
de que a agenda neoliberal do Esta- miu o coordenador. sica, congestionando prontos-socor-
do mínimo faz tudo para acanhar. Quais são esses problemas? As ros e ambulatórios especializados.
Nesse quadro repleto de complica- dificuldades de um país continental, “Por isso, afirmo que a crise do Rio
ções, não é casual que há anos os a debilidade da Atenção Básica (e o é apenas a ponta do iceberg”, dis-
defensores históricos do SUS ve- desprezo ao essencial Programa Saú- se. “O SUS está em crise, principal-
nham pedindo insistentemente uma de da Família), o modelo centrado mente nas grandes capitais”. O Rio
“reforma da reforma” (ver entrevis- nos hospitais, a difícil pactuação tem um dos piores quadros porque
ta na página 19). Falando à Radis em entre as três esferas de governo, o o sistema municipal foi pautado ex-
outubro de 2002, o médico-sanita- incipiente controle social, a não- clusivamente nos hospitais, o chama-
rista Sergio Arouca repetia seu já responsabilização do mau gestor. Em- do modelo “hospitalocêntrico”, e
antigo alerta para a necessidade de bora neste balanço não falemos dis- não foi construída uma rede de aten-
mudanças: “Temos que retomar o so, a matéria “O orçamento sob ção básica eficiente.
conceito da Reforma Sanitária para ataque”, na página 22, trata de ou- Antônio Ivo de Carvalho, diretor
retomar políticas dentro do siste- tro obstáculo crucial ao êxito do SUS: da Escola Nacional de Saúde Pública
ma sem burocratizá-lo”. o financiamento insuficiente da saú- Sergio Arouca, da Fiocruz, que vê na
A crise serve mesmo de alerta na de. Ficamos devendo para breve (em- intervenção uma solução de urgên-
opinião da cúpula da intervenção do bora já tenhamos tratado muitas ve- cia, afirmou que a crise está “na ci-
Ministério da Saúde — Maria Luiza zes desses temas) questões decisivas dade, na Região Metropolitana e no
Jaeger (secretária de Gestão do Tra- como humanização, que exige forma- SUS como um todo”, justamente pela
balho e da Educação na Saúde), ção e qualificação profissional, e a ausência da atenção básica resolutiva,
Arthur Chioro (diretor do Departa- necessidade de atração da grande que leva a população diretamente aos
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hospitais. “É uma rede pautada ape- Afinal, quais eram (são) os pro-
nas para atender a demanda, sem se
preocupar com o cuidado e a pre-
venção”, resumiu.
blemas do Rio? Quem mora na cidade
sabe de cor. E o governo registrou.
Na reunião de 17 de março da Comis-
A CIT foi criada em julho de 1991
pela Portaria MS/GM nº 1.180,
antes das Comissões Interges-
são Intergestores Tripartite (CIT), o tores Estaduais (CIB). A comis-
“O RIO É TERMÔMETRO” ministro Humberto Costa exibiu radi- são é formada paritariamente por
Em sua análise da crise, a ografia detalhada das fraturas da rede integrantes do MS, do Conass (se-
secretária Luiza Jaeger, do Mi- carioca, feita em seis dias pela equi- cretários estaduais de Saúde) e
nistério da Saúde, usou como pe da intervenção. do Conasems (secretários muni-
ponto de partida a diversida- Os problemas basilares da rede cipais). CIT e CIBs definem os te-
de do Brasil. Para ela, é im- assistencial: nos hospitais do Andaraí tos financeiros estaduais e ava-
possível um sistema igual em todos e Cardoso Fontes, setor de emergên- liam as Normas Operacionais
os estados e municípios num país cia fechado; no Hospital da Lagoa, 75% Básicas do SUS.
com enormes diferenças regionais dos leitos desativados e 100% das salas
e culturais. E fez uma sugestão: que cirúrgicas sem condições de uso (in-
o Rio de Janeiro sirva de parâmetro e filtrações e equipamentos quebrados), Bonsucesso, colapso iminente da
termômetro do sistema. “Para termos UTI fechada e ambulatório operando emergência (no Souza Aguiar faltava
certeza de que o SUS deu certo ele com 50% da capacidade; nos hospitais até aparelho de raios-X); no Hospital
terá que funcionar bem no Rio”. Miguel Couto, Souza Aguiar e Geral de de Ipanema, 70% das salas cirúrgicas e

Os primeiros 15 dias de
A seguir, a cronologia das duas pri-
meiras semanas da presença fe-
deral no sistema de saúde do Rio de
Janeiro, em meio às dificuldades in-
terpostas pelos gestores municipais.

DIA 13/3
! Profissionais de saúde, incluindo
pessoal terceirizado, muitos com até
dois salários atrasados, se apresentam
para trabalhar nos seis hospitais re-
quisitados, num mutirão de atendi-
mento que o ministro Humberto Cos-
ta chama de “operação de guerra”.

DIA 14/3
! O Ministério da Saúde (MS) con-
segue liminar na Justiça suspenden-
do decreto do prefeito Cesar Maia
que exonerava 51 funcionários dos Hospital de Campanha da Marinha
cargos de confiança dos hospitais
sob intervenção.
! Equipe de 15 advogados e admi- de tipo sangüíneo. O MS consegue intra-oculares (usadas em cirurgias
nistradores do ministério chega ao outra liminar na Justiça suspenden- oftalmológicas), com prazo de vali-
Rio para auxiliar na implantação das do a decisão do prefeito. César Maia dade vencido, em sala do Hospital
medidas, com apoio de dois profis- diz que pretendia apenas “deixar o Cardoso Fontes.
sionais da Advocacia Geral da União. Ministério da Saúde à vontade para ! O ministro Humberto Costa anun-
! MS consegue evitar que seja definir sua equipe”. cia a contratação de funcionários, em
desconetado o sistema de informá- ! A Base Aérea do Galeão recebe 16 caráter emergencial, para suprir o
tica dos hospitais, frustrando tenta- toneladas de medicamentos para déficit da rede municipal de saúde.
tiva de funcionários da prefeitura. abastecer os seis hospitais sob in-
tervenção do MS, armazenados na DIA 16/3
DIA 15/3 Fiocruz, a maior parte de antibióti- ! Humberto Costa anuncia várias
! César Maia assina novo decreto cos e antiinflamatórios. medidas para tentar normalizar o es-
afastando 285 servidores de cargos ! Auditores do MS encontram gran- tado de calamidade na saúde do Rio.
comissionados dos quatro hospitais de quantidade de medicamentos e Entre elas: contratação emergencial
municipalizados e suspende a entre- insumos para tratamento de Aids e temporária de pessoal, criação do
ga programada de kits para análise cardiopatias, analgésicos e lentes Samu e aplicação, também em cará-
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40% dos leitos desativados, além de sala na emergência dos hospitais Miguel materiais médicos essenciais numa
de cirurgia ambulatorial interditada Couto, Souza Aguiar, Salgado Filho, emergência”. No Miguel Couto, ope-
pela Vigilância Sanitária; no Cardoso Lourenço Jorge. ravam apenas três dos 14 respirado-
Fontes, menos de 10% do total de lei- No dia 6 de abril, em debate so- res da grande emergência.
tos; no Hospital do Andaraí, pronto- bre a crise na Ensp/Fiocruz, o co-
socorro e metade do centro cirúrgi- ordenador da intervenção, Sérgio “PROBLEMAS ANTIGOS”
co desativados (com descumprimento Côrtes (ele mesmo na berlinda da im- “Os problemas no Rio são
da ordem judicial para a reabertura). prensa, alvo de ameaças de morte e antigos”, disse à Radis a
Outros problemas, de ordem po- de denúncias de que o Into não anda conselheira Solange Belchior,
lítico-administrativa: desassistência às mil maravilhas), não dourou a pílula: representante dos trabalhado-
em saúde bucal, baixa cobertura da a situação era gravíssima. “Assumimos res no Conselho Nacional de
atenção básica, situação de greve nos as unidades numa sexta-feira, quando Saúde pela Federação Nacional dos
hospitais da Lagoa e do Andaraí; falta foi assinado o decreto de calamidade Enfermeiros. Quando era do Conse-
de insumos, especialmente medica- pública, e percebemos que o quadro lho Municipal de Saúde, há três anos,
mentos; contratos de manutenção e era bem pior do que imaginávamos”, já denunciava problemas gritantes.
registro de preços suspensos desde disse. O Souza Aguiar, por exemplo, di- Por exemplo, a falta de prevenção
junho de 2004; não-pagamento das ficilmente funcionaria no dia seguinte, da diabete. “As pessoas estavam
cooperativas médicas, resultando na um sábado, “pois estava completamen- indo ao Souza Aguiar para fazer am-
ausência ou na redução de médicos te desabastecido de medicamentos e putação”, disse ela, para espanto da

uma “operação de guerra”


ter emergencial, de R$ 6.094.182 para de para 600 atendimentos por dia; pitais do Andaraí e Miguel Couto;
que a Secretaria Estadual de Saúde e um do Exército. De acordo com e a terceira, uma ação preventiva,
realize cirurgias eletivas na capital. Sérgio Côrtes, a ajuda das Forças tenta evitar que Cesar Maia impe-
! O ministério autoriza compra de Armadas foi decidida por sua veloci- disse a instalação do hospital de
insumos de forma emergencial, com dade e mobilidade em montar am- campanha da Marinha no campo de
dispensa de licitação. Para evitar bulatórios. Santana.
fraudes, é estabelecida uma tabela ! César Maia entra com ação no STF ! Ambulâncias do Samu chegam ao
própria de preços. para retomar os hospitais municipais Rio e são provisoriamente guarda-
Souza Aguiar e Miguel Couto, alegan- das na Fiocruz. O Samu funcionará
DIA 17/3 do que o decreto presidencial que com uma central de regulação, aci-
! Auditoria do MS anuncia que fo- autorizou a intervenção é incons- onada pelo número 192.
ram encontrados equipamentos de titucional — uma “coreografia jurí-
raios X e de laboratório, computa- dica”, diz. DIA 21/3
dores e cadeiras de rodas abando- ! Comboio de 57 ambulâncias do ! Aeronáutica monta o hospital de
nados no subsolo do Hospital do Samu sai de Tatuí, no interior de São campanha na sede campestre do Clu-
Andaraí. Paulo, para a cidade do Rio. be da Aeronáutica, na Barra da
! MS protocola três ações na Justi- Tijuca, com previsão para atender
ça para evitar problemas na rede DIA 19/3 de 300 a 400 pessoas por dia. O lo-
municipal de saúde: a primeira exi- ! Auditores do MS surpreendem-se cal, que tem à disposição 40 médi-
ge o pagamento imediato dos 593 ao descobrir que 16 leitos do Hos- cos, entre clínicos, pediatras, gine-
médicos-residentes que trabalham pital Souza Aguiar estão desativados cologistas, ortopedistas e
em 18 unidades de saúde; a segun- por falta de colchões. odontologistas, foi montado com la-
da cobra o pagamento dos profissi- boratório, farmácia, sala de diagnós-
onais de 102 postos de saúde do Rio; DIA 20/3 tico por imagem, enfermaria com
a terceira tenta impedir que César ! MS convoca 1.140 profissionais de seis leitos, centro cirúrgico para
Maia devolva, em 72 horas, 2.549 saúde para trabalho temporário nas pequenas intervenções e mini-UTI.
servidores federais que atuam em emergências dos seis hospitais sob
quatro unidades municipais. intervenção e nas ambulâncias do DIA 27/3
Samu. ! Após disputa com o prefeito Cesar
DIA 18/3 ! São aprovadas na Justiça três Maia, que alegava danos ambientais
! O MS anuncia que serão monta- liminares: a primeira determina que à flora e à fauna do parque, o MS
dos hospitais de campanha no Rio a prefeitura garanta o fornecimen- consegue autorização judicial para
pelas Forças Armadas: um da Aero- to de kits laboratoriais aos seis hos- a montagem do hospital de campa-
náutica na Zona Oeste, com capa- pitais sob intervenção federal; a nha da Marinha no Campo de
cidade para 400 atendimentos segunda obriga o município a Santana, que oferecia clínica-ge-
ambulatoriais diários; um Marinha, reiniciar as obras do Hospital Sou- ral, ortopedia e ginecologia. No
no Centro da cidade (na área do za Aguiar e a reabrir o processo primeiro dia, a unidade superou os
Campo de Santana), com capacida- de licitação para as obras nos hos- 2 mil atendimentos.
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FOTO: MARCOS ALENCAR/ENSP


A mesa do debate na Ensp sobre a crise na saúde do Rio: a falta de organização da Atenção Básica foi preocupação geral

platéia. “Amputar uma perna não só em 2004 foram de residentes em ou- dos R$ 13.344.240 programados, pois
significa maior gasto para a saúde, tros municípios, percentual menor do só contratou 1.038 dos 3.948 agentes
como também reduz a qualidade de que o de muitas capitais”. previstos. Por não ter nenhuma equi-
vida de uma pessoa”. Para evitar pe de Saúde Bucal, deixou de rece-
muitas dessas amputações bastaria PERDA POR OMISSÃO ber R$ 12.872.400. “Só desses três pro-
distribuir hipoglicemiantes aos paci- O problema maior, segundo o mi- gramas, que são fundamentais para
entes e dar-lhes acesso a profissio- nistro, foi a falta de organização da desafogar os hospitais, pois organizam
nais qualificados. “Onde estavam os Atenção Básica, ou seja, da ausência a Atenção Básica, a prefeitura abriu
remédios e os serviços de atenção de ações nos postos de saúde, levan- mão de receber R$ 56.501.868 por
básica e de prevenção?”, questionou. do à superlotação dos hospitais, que ano”, informou Humberto Costa.
Solange disse apoiar a interven- deveriam oferecer apenas serviços de E a Prefeitura do Rio de Janeiro ain-
ção, mas ressalvou que, para a medi- média e alta complexidade, como exa- da deixou de receber R$ 20.532.692,32:
da ser produtiva, o ministério preci- mes e cirurgias. O atendimento de não se habilitou ao Piso de Aten-
sa organizar e reestruturar a rede baixa complexidade é tarefa dos pos- ção Básica Ampliada ao não infor-
de saúde do Rio. “Senão, ao sair, tudo tos de saúde. mar por dois anos a existência de
volta a ser como antes”. Dos cerca de R$ 23,3 milhões que eletrocardiógrafo e odontólogo;
Em sua apresentação na CIT, o estavam programados para execução mais R$ 4.066.856, por não informar o
ministro Humberto Costa disse que do Projeto de Expansão e Consolida- atendimento extra-hospitalar a paci-
esse caos na saúde é conseqüência ção do Programa Saúde da Família entes de saúde mental; outros
da falta de vontade política e de ca- (Proesf), do Ministério da Saúde, o Rio R$ 2.098.368 por não informar sua pro-
pacidade da Prefeitura do Rio para solicitou apenas pouco mais de R$ 2 dução no Programa Saúde da Família,
gerir os recursos que passou a rece- milhões, e comprovou a execução de o que representa 50% do que atual-
ber a partir de 1999, quando assumiu aproximadamente R$ 802 mil. Das 651 mente recebe na área; R$ 14.028.000
a gestão plena do SUS. O número de equipes de Saúde da Família que a por não ter aderido ao Serviço de
leitos disponíveis e não aproveitados prefeitura havia se comprometido a Atendimento Móvel de Urgência
demonstra essa incapacidade, disse o implantar em 2004, apenas 57 estão em
ministro. O Rio necessita de 15.027 lei- funcionamento, ou seja, 9% da meta,

O
tos hospitalares e tem à disposição e cobertura de 3,3%. “Assim, recebeu Programa Saúde da Família
20.967 leitos. “Ou seja, 28% acima da apenas R$ 1.915.884, quando poderia (PSF) é uma das principais
necessidade”, destacou. “Mas man- ter recebido R$ 35.709.552”. estratégias da Atenção Básica. Seu
tém uma situação de caos, com filas A mesma coisa quanto ao Pro- principal propósito é reorganizar
e desassistência”. Necessita de 601 grama de Agentes Comunitários: a a prática da atenção à saúde em
leitos de UTI, tem 666 leitos; das prefeitura recebeu R$ 3.508.440 novas bases e substituir o modelo
191.808 diárias de UTI disponíveis, tradicional, levando a saúde mais
usou em 2004 apenas 69.402 diárias, perto da família. Prioriza a pre-
informou o ministro.
Por seu lado, o secretário muni-
cipal de Saúde, Ronaldo Cezar Coe-
C riado em 1991, é estratégia
transitória para o Programa
Saúde da Família. Para cada
venção, a promoção e a recupe-
ração da saúde das pessoas, de
forma integral e contínua. O aten-
lho (profissão: banqueiro), sempre equipe de Saúde da Família há dimento é prestado na unidade
repete à imprensa que uma das cau- de quatro a seis equipes de básica de saúde ou em domicílio
sas da crise na saúde do Rio é que os agentes comunitários. Previne pelas equipes de Saúde da Família
hospitais cariocas recebem grande doenças informando e orientan- (médicos, enfermeiros, auxiliares
número de pacientes de fora. Para do a comunidade nos cuidados de enfermagem, dentistas, agen-
Humberto Costa, a alegação não pro- de saúde. tes comunitários de saúde).
cede. “Apenas 18,2% das internações
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tos de R$ 38.042.000 — R$ 25.243.000 derais. Solange Belchior concordou.


O Samu/192 tem como finalida-
de o socorro à população em
casos de emergência. O serviço
serão destinados aos hospitais mu-
nicipais, e o projeto de ampliação
“O decreto de municipalização do
Rio foi assinado pelos dois gover-
dos Leitos de Terapia Intensiva, ca- nos, federal e municipal, sem dis-
deverá funcionar 24 horas por dastrando cinco novos hospitais cussão ampla na sociedade”, lem-
dia com equipes de profissionais (num total de 22 leitos de UTI), o brou. Os sanitaristas queriam
de saúde (médicos, enfermeiros, que correspondeu a acréscimo de a municipalização com a rede
auxiliares de enfermagem e R$ 1.249.966,08 anualmente no teto de saúde organizada, e a pró-
socorristas) que atendem às ur- financeiro da cidade. pria rede municipal dizendo
gências de natureza traumática, Os números apresentados pelo quais serviços federais preci-
clínica, pediátrica, cirúrgica, ministro aparentemente desmentem sariam ser incorporados. “Mas
gineco-obstétrica e de saúde a velha queixa do secretário e do isso nunca aconteceu, foi tudo fei-
mental da população. prefeito: o Rio tem problemas por- to à revelia dos profissionais que
que a prefeitura arca com os altos estavam inseridos no sistema, da
(Samu); e R$ 6.051.393 para as cirurgias custos das unidades municipalizadas, população e do controle social”,
eletivas. “Um total de R$ 36.510.963,16 ou seja, dos hospitais que eram fe- lastimou Solange.
perdidos por omissão somente no derais e hoje são de responsabilida-
ano de 2004. de gerencial do município. Acontece “OPÇÃO MALFEITA”
que essa queixa tem de fato funda- Arthur Chioro, diretor do Depar-
“OUTROS FINS” mento: a manutenção dos hospitais tamento de Atenção Especializada do
Para Solange Belchior, o proble- federais municipalizados é cara. MS, disse que o modelo de municipa-
ma não é apenas o dinheiro que a Mas teria solução também, se não lização brasileiro, único no mundo,
prefeitura deixou de receber, mas fosse a má vontade da prefeitura. vem funcionando em muitas cidades.
como ela usou os recursos que rece- No Rio, entretanto, houve esse pro-
beu. Ela explicou: o prefeito, por “SERÁ O CAMINHO CERTO?” blema típico: o grande número de
aprovação da Câmara Municipal, tem Afinal, o que é a municipalização? unidades federais existentes na ci-
a prerrogativa de remanejar até 25% A proposta, básica para a consoli- dade, por conta de seu tempo de
de todo o montante do dinheiro da dação do SUS, fundamenta-se no capital do país. E a prefeitura assu-
prefeitura para aplicar em esporte e princípio da descentralização, en- miu grande parte. “Fez-se uma op-
lazer, urbanização, entre outros ser- tendida como a redistribuição das ção que muitos hoje admitem ter
viços. “Sendo a saúde o segundo maior responsabilidades por ações e servi- sido malfeita”, concedeu. “Devido a
orçamento, no qual 65% do dinheiro ços de saúde entre os vários níveis pressões políticas, por causa de
são custeados pelo governo federal de governo: a idéia é que quanto mais renegociação de dívidas, fizeram com
e os outros 35% pelo próprio municí- perto do fato uma decisão for toma- que o município aceitasse unidades
pio, um montante considerável, que da maior a chance de acerto. que dificilmente conseguiria supor-
deveria ser da saúde, está sendo apli- Com esse modelo, os municípios tar a médio e longo prazo”.
cado em outros fins”, disse. passaram, ao longo da década de 90, Se por um lado há o reconheci-
De acordo com Humberto Cos- a gerenciar um sistema municipal de mento de que as unidades assumi-
ta, a participação do governo fede- saúde atrelado ao SUS, ganhando das pelo Rio são caras e que o pro-
ral no sistema municipal de saúde do com isso maior responsabilidade e cesso de municipalização conteve
Rio é grande. Nas unidades de saúde autonomia na implementação das erros, por outro o governo afirma ter
municipalizadas estão em atividade ações de saúde diretamente volta- buscado alternativas. “Abrimos ne-
10.433 servidores públicos federais, das para seus cidadãos. A partir da gociação com a prefeitura na tenta-
com custo para o Ministério da Saú- descentralização com ênfase na tiva de solucionar o problema”, disse
de, em 2004, de R$ 321.361.516,38. A municipalização, cabe ao Ministério Chioro. Para ele, o primeiro grande
rede conta ainda com unidades fe- da Saúde pactuar ações e recursos impasse diz respeito à força de tra-
derais instaladas no Rio, como o Ins- com as demais esferas de governo, balho federal que está nos hospitais
tituto de Traumato-Ortopedia (que transferindo a estados e municípios municipalizados. A maioria estará se
atende 73% das internações de alta o poder de fazer e o meio de fazer as aposentando daqui a cinco anos e
complexidade em ortopedia no Rio ações em saúde. outra parte, daqui a nove anos.
de Janeiro), o Instituto do Câncer Alguns questionam se esse se- Ele lembrou que no Rio, para dar
(que realiza 87% do tratamento de ria o processo mais adequado. No de- conta dessa necessidade, foi assina-
quimioterapia, 76% de radioterapia e bate sobre a crise, o sanitarista da da pela União e a prefeitura na épo-
53% das internações por câncer) e o Ensp/Fiocruz Eduardo Costa, que foi ca da municipalização uma cláusula
Hospital Geral de Bonsucesso, que re- secretário de Saúde do primeiro go- de compensação do teto financeiro
cebeu do MS em 2004 R$ 608,6 milhões, verno Leonel Brizola (1983-1986), per- do município para substituição do
sendo R$ 217,6 milhões para pessoal. guntou: “Será que estamos no cami- pessoal de seis das 28 unidades
O pagamento de pessoal cedido à pre- nho certo? A descentralização não municipalizadas. Aos então ministros
feitura e das bolsas de residência mé- deveria ter sido feita sem ênfase na José Serra e Barjas Negri, a Prefei-
dica atinge R$ 1.706.081.025,48, municipalização?”. tura do Rio apresentou por duas ou
correspondendo a cerca de 5% de todo Na opinião de Maria Luiza três vezes solicitação de reposição
o orçamento do Ministério da Saúde. Jaeger, o problema não está no con- do teto financeiro, contou Chioro.
A prefeitura conta ainda com dois ceito, mas na prática. “É preciso ca- Mas em vez de pedir em relação às
programas federais: o Qualisus, polí- pacitar o município nesse processo”, seis unidades que constavam da clá-
tica de Qualificação de Atenção à afirmou. Para ela, a municipalização usula, ela insistia na reposição das
Saúde do SUS, pelo qual o MS, antes no Rio foi malfeita quando, em 1999, 28 unidades, o que impediu o repas-
da intervenção, aprovou investimen- a prefeitura assumiu 28 unidades fe- se, informou.
RADIS 33 ! MAI/2005
[ 16 ]

Com isso, a prefeitura deixou de equipamentos e reformas em unida- Programa Saúde da Família), dos R$ 2
captar recursos em 2000, 2001 e 2002, des de saúde municipalizadas); de- milhões já recebidos a prefeitura só
exatamente porque não se ajustou volução dos Hospitais da Lagoa e de executou R$ 700 mil; das 200 equipes
aos termos do contrato. “Se a pre- Ipanema, como forma de reorgani- de Saúde da Família prometidas para
feitura achava que, do ponto de vis- zar os serviços de alta complexida- 2003 só se efetivaram 54. “Queríamos
ta político, devia lutar pela re- de de abrangência regional e aliviar apenas que a prefeitura expandisse
posição nas 28 unidades, tinha o impacto dos gastos com custeio a Atenção Básica, desafogando os ser-
duas opções: primeira, pegar da prefeitura. viços de média e alta complexidade,
o dinheiro disponível para os Como informou Chioro, os valo- independentemente do modelo que
seis já acertados, para não pre- res foram calculados com base em fosse seguir”, ressaltou Chioro, indig-
judicar o sistema; segundo, relatórios apresentados pelo próprio nado ao lembrar que o Rio é a capital
abrir discussão com o Ministério da secretário Ronaldo Cezar Coelho, com a menor cobertura de atenção
Saúde, tanto com o governo anteri- mostrando a situação de deteriora- básica do país.
or quanto com o atual, para cobrar ção dos hospitais municipalizados. “A Procurada insistentemente pela
o resto”, argumentou Chioro. prefeitura, portanto, receberia R$ Radis, a prefeitura não se manifestou.
182 milhões em três anos para inves-
“SEM ATENÇÃO BÁSICA” timento e recuperação da rede mu- “GESTÃO DETERIORADA”
O Ministério da Saúde, para re- nicipal de saúde”, disse. Os problemas só existem na rede
solver o impasse, fez levantamento das A proposta estava condiciona- de saúde municipalizada do Rio? A
perdas da prefeitura desde a munici- da a algumas ações, como esclare- equipe do MS garante que não. “Te-
palização e chegou a um valor de R$ 89 ceu Chioro: cumprimento do pac- mos ciência de que são vários os pro-
milhões. Pela proposta do ministério, to, expansão e qualificação da blemas, tanto nas unidades do esta-
a primeira metade seria paga em 2006 Atenção Básica, estruturação de um do quanto nas da União”, disse
e a outra em 2007. Outras propostas sistema de regulação de leitos, ado- Chioro. “A diferença é que as esferas
do MS: repasse de R$ 46 milhões para ção do Samu, aplicação de recur- de governo envolvidas conseguem
despesas com pessoal dos seis hos- sos de comum acordo tanto na rede pactuar as ações em saúde necessá-
pitais que constam da cláusula municipalizada quanto no pronto- rias e juntas buscam soluções para
contratual; investimento em 2005 de atendimento. seus problemas”.
R$ 93 milhões (R$ 38 milhões do Pro- Mas, com direito a R$ 22,4 mi- Nelsão defende a criação de
grama Qualisus e R$ 55 milhões para lhões do Proesf (os recursos para o uma rede eficiente de atendimen-
to básico, e lembra que na busca
de soluções é imprescindível a maior
participação da sociedade organi-
zada na luta pelas suas necessida-
Academia faz seu papel des. E a população precisa ser in-
formada sobre essas necessidades,
que não se resumem a pronto-so-

N a opinião do diretor da Ensp/


Fiocruz, Antônio Ivo de Car-
valho, nesse momento de reflexão
ca, ainda deficiente no Rio e nas
grandes capitais; a ausência de uma
central de regulação, capaz de
corro e internação. Mas ajudaria
também a criação de uma central
de regulação de leitos, que organi-
sobre o SUS todos os representan- controlar a relação entre Atenção za as internações e evita a recusa
tes da sociedade precisam dar sua Básica e Atenção de Média e Alta de pacientes — problema recorren-
contribuição. Inclusive a academia. Complexidade; e a falta de contra- te na rede carioca. “Precisamos de
Na busca de contribuir para o avan- tos com metas internas e externas, uma central que trabalhe com visão
ço e a consolidação do SUS, a Ensp o que melhoraria a lógica das de conjunto dos leitos existentes”,
formou comissão de 10 pesquisado- internações nos hospitais. defendeu o diretor da Ensp/Fiocruz,
res, especialistas em políticas pú- “Não adianta saber que há Antônio Ivo de Carvalho. “Com equi-
blicas de saúde, que discutirá a cri- tantos leitos, é preciso identifi- pes médicas avaliando os pedidos de
se do SUS. Além de promover debate car quem e como pode ser feito internação das diversas unidades, a
sobre a crise com a equipe de in- um serviço necessário”, disse. central define o leito e a unidade
tervenção do MS, organizou ofici- Para que isso ocorra, somente mais adequada ao paciente”.
nas de trabalho que reúnem espe- com uma central de regulação fun- Para Chioro, esta central de
cialistas e os principais atores cionando e com todas as ações, regulação é urgente. Lembrou ele
envolvidos na crise da saúde. como internações e cirurgias, de- que a oferta de leito de UTI e de
Não queremos saber quem é o vidamente pactuadas. “É saber clínica no Rio é suficiente para a po-
culpado pela crise do Rio, se o quem deve e pode fazer determi- pulação da cidade e da Baixada
gestor municipal ou federal”, dis- nado serviço”. Fluminense. “Na cidade do Rio, no
se. “Nossa intenção como represen- entanto, não há nenhuma regulação”,
tantes da academia é discutir o fu- Acompanhe a crise lamentou. Para dar uma idéia do pro-
turo de nosso sistema de saúde, e Participe dos debates da pági- blema, Chioro disse que nas unidades
é sobre os problemas que surgiram na “A crise do SUS no Rio de Ja- assumidas pelo MS não havia sequer
na rede municipal de saúde do Rio n e i r o ” (www.ensp.fiocruz.br/ censo diário. “Ou seja, não se sabia
que a Ensp passa a refletir”. crisesaude), espaço criado pela quantos pacientes estavam interna-
O trabalho proposto pela Ensp Ensp/Fiocruz para divulgação de in- dos, quantos tiveram alta, quantos
está pautado em três grandes pro- formações e propostas alternativas foram para óbito ou transferidos”, dis-
blemáticas do SUS: a Atenção Bási- para a saúde do Rio e do SUS. se, causando espanto. “A qualidade de
gestão está deteriorada”.
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A população acorreu
ao Hospital de Campanha
da Marinha, montado em
pleno Campo de Santana,
no Centro da cidade
RADIS 33 ! MAI/2005
[ 18 ]

A fria palavra do Supremo


E m 20 de abril, o Supremo Tribu-
nal Federal decidiu, por 10 x 0
(um ministro estava ausente),
contraste com as reportagens e
as imagens “derramadas” das se-
manas anteriores, quando a mídia
rainha da Inglaterra”. “É um de-
creto calamitoso”, declarou Mar-
co Aurélio de Mello. “A persistên-
que os dois hospitais municipais, quase se emocionou diante do so- cia dele implicaria um retrocesso,
Miguel Couto e Souza Aguiar, de- frimento dos cariocas que respon- passados tantos anos do regime de
veriam voltar à gestão da Prefei- deram em massa à ação do minis- exceção.” Carlos Velloso classifi-
tura do Rio. Mais: a União não pode tério, a “sentença” do Supremo foi cou a medida de “inconstitucio-
usar servidores, bens e serviços da como um toque gelado. A Justiça fa- nalíssima”.
prefeitura nos quatro hospitais fe- lou, a carência do povo desapareceu. Não adiantou o advogado-ge-
derais municipalizados, requisitados O curioso é que os ministros ral da União, Álvaro Augusto Ribei-
pelo MS em 11 de março. Como de- não evitaram a adjetivação. “É ro Costa, negar que se tratasse
cisão da Justiça não se discute, uma intervenção disfarçada, de intervenção federal típica, e
cumpre-se, o ministério anunciou enrustida”, disse o ministro Carlos sim de “requisição administrativa”
de pronto que atenderia às deter- Ayres Britto. Para Cezar Peluso, o de bens e serviços amparada na
minações do Supremo. ato da União estava impregnado Lei 8.080/90, a do SUS. Mas a de-
Era o 41º dia da presença fe- de “nulidade radical e absoluta” cisão baseou-se em tecnicalidades
deral na saúde do Rio. A notícia (...), “fraude constitucional”. O mi- patrimoniais, e não em estratégi-
da decisão publicada em 20/4 no nistro Gilmar Mendes disse que a as de saúde ou demandas da po-
site do STF (www.stf.gov.br) foi vingarem tais medidas “teríamos in- pulação. Paciência. Que o cida-
objetiva. Nos jornais, saiu mais tervenções tópicas, tornando o dão recorra aos instrumentos do
fria do que sala de cirurgia. Em prefeito ou governador um tipo de controle social. (M. C.)

“PACTUAÇÃO ESGOTADA” a consolidação do sistema está na município e União enfrentaram jun-


O projeto para criação da cen- pactuação entre as três esferas de tos o problema e obtiveram êxito.
tral de regulação de leitos está a ca- governo. “Avançamos claramente Como destacou no debate da
minho, acertado entre os governos rumo ao esgotamento do grau de Ensp o médico Ruben Mattos, dire-
federal e estadual, e entraria em fun- pactuação”, avaliou. “Se não repen- tor do Instituto de Medicina Social
cionamento ainda no mês de abril sarmos isso vamos enfrentar várias da Universidade Estadual do Rio de
para internações em UTI, CTI e cirur- outras crises”. Chioro ressaltou que Janeiro, é necessário também respon-
gias. Progressivamente serão acres- há exemplos de superação de diver- sabilizar o gestor que não cumpre suas
centadas áreas de atendimento mé- gências de ordem tanto política obrigações. “Os problemas surgidos
dico, hospitalar e ambulatorial, tanto quanto partidária, em que houve diá- nos últimos anos estão intimamente
de alta quanto de média complexida- logo, capacidade de construção co- ligados ao processo de desresponsa-
de, num sistema de regulação e de letiva, de divisão de responsabilida- bilização do gestor público”, disse.
marcação de consultas. des e intenção política concreta para “E não tendo responsabilização não
As soluções, no entanto, preci- enfrentar o problema. Ele se referia há pacto possível”.
sam estender-se ao SUS como um à crise nas Santas Casas de Belo Hori- Sérgio Côrtes apoiou. Para ele,
todo. Segundo Chioro, a barreira para zonte e de Campo Grande: estado, a crise que levou a segunda maior
capital do país a perder o status de
gestor pleno do SUS conduz à ne-
cessidade urgente da Lei de Res-
ponsabilidade Sanitária, cujo proje-
to está em preparativos finais no
Ministério da Saúde. “A Prefeitura
do Rio é responsável pela atenção
básica, e o gestor estadual não tem
instrumento para obrigar o municí-
pio a cumprir suas tarefas, pode
somente assumir o que não é feito
devidamente”, ressaltou o coorde-
nador da intervenção. A Lei de Res-
ponsabilidade Sanitária é inspirada
na Lei de Responsabilidade Fiscal,
que prevê punição para gestores
que fazem mau uso dos recursos
públicos. “Hoje gastamos muito e
Pacientes aguardam atendimento no Hospital mal com a saúde”, disse o ministro
Municipal Miguel Couto, na Zona Sul do Rio: de
volta à administração da prefeitura Humberto Costa. “Com meios legais
para punir os desmandos, o quadro
vai melhorar no futuro”.
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[ 19 ]

E N T R E V I S TA

Gastão Wagner de Sousa Campos

“É preciso fazer a reforma da reforma


do SUS e dar fim aos desmandos”

O
trução do SUS”, e retomou assim seu


SUS é uma reforma incom- cargo de professor da Unicamp.
pleta, uma política que Nesta entrevista à Radis, conce-
exigiu e ainda exigirá gran- dida por e-mail, Gastão faz um balanço
des mudanças tanto no dos 15 anos do SUS e um diagnóstico
modo de gerir sistemas públicos como das mazelas que levaram a saúde do Rio
na própria maneira como se organi- de Janeiro a esse estado de calamida-
zam e operam os serviços de saúde”. de. “O Rio tem funcionado como uma
A opinião é do médico-sanitarista e espécie de vanguarda da degradação
professor da Universidade de Campi- do tecido social e do Estado brasilei-
nas Gastão Wagner de Souza Campos, ro”, diz. Na cidade, segundo ele, apa-
52 anos, tão entusiasta do Sistema Úni- rece mais a inércia do poder público
co de Saúde, para ele uma política — municipal, estadual e nacional —
generosa, voltada para os interesses e há uma evidente degradação do
populares, quanto crítico das práti- modo de se fazer política e gestão
cas neoliberais, cujos porta-vozes da coisa pública. “Nem o SUS con-
combatem tenazmente o sistema. seguiu atenuar esse fato”, afir-
Assim, são dois os obstáculos à ma. “Há um caos que criou um
continuidade do SUS. “Um é o con- ciclo vicioso, em que cada vez
texto de ajuste econômico e de con- menos gente se espanta e se es-
tenção dos gastos públicos na área candaliza com desmandos e des-
social, paralelamente a uma expan- cuidos; nesse sentido, a intervenção
são de gastos com serviços da dívida tornou-se inevitável”. No entanto, o SUS é uma refor-
e manutenção de equilíbrio mone- Para que a situação do Rio não ma incompleta, uma política que exi-
tário”, resume ele. “Não haverá fu- se repita em outras cidades, Gastão giu e ainda exigirá grandes mudan-
turo para o SUS, para a educação defende que a “reforma da reforma” ças tanto no modo de gerir sistemas
pública e para outras políticas de do SUS prossiga e que se coloquem públicos como na própria maneira
bem-estar se o Brasil não conseguir limites ao desmando e à omissão dos como se organizam e se operam os
alterar esse padrão de gasto do ex- governantes quando o assunto é po- serviços de saúde.
cedente de riqueza produzido no lítica pública. Há grandes obstáculos à conti-
país”. Isso depende, na opinião dele, nuidade desse processo. Um é o
de um forte movimento social e da Depois de 15 anos de existência, contexto de ajuste econômico e de
opinião pública, “bem como de um qual o balanço que você faz do SUS? contenção dos gastos públicos na
governo que tenha a grandeza de O SUS é uma política generosa, área social concomitante a uma ex-
realizar essas negociações sem levar uma das leis mais claramente voltadas pansão de gastos com serviços da
o país ao isolamento”. para a defesa das pessoas e dos inte- dívida e manutenção de equilíbrio
Gastão assumiu a Secretaria-Exe- resses populares já aprovadas no Bra- monetário. Não haverá futuro para
cutiva do Ministério da Saúde logo de- sil. Exatamente por esse nobre moti- o SUS, para a educação pública e
pois da posse do presidente Lula, a vo, tem sido tenazmente combatida e para outras políticas de bem-estar
convite do ministro Humberto Costa. criticada por todos aqueles que ade- se o Brasil não conseguir alterar esse
Em 10 de novembro do ano passado riram à baboseira reacionária do dis- padrão de gasto do excedente de
foi exonerado, por divergências quan- curso neoliberal. Uns a classificam de riqueza produzido no país. Isso de-
to às políticas de saúde. Antes, além populismo ou de demagogia, outros pende de um forte movimento soci-
de ensinar, dirigiu a Faculdade de Ci- argumentam sobre sua inviabilidade — al e de opinião pública que sustente
ências Médicas da Unicamp e exer- o Brasil não teria dinheiro para sus- esse tipo de projeto, bem como de
ceu por duas vezes o cargo de se- tentar esse tipo de luxo. Apesar dos um governo que tenha a grandeza
cretário municipal de Saúde de agourentos, o SUS encontrou um de realizar essas negociações sem
Campinas. Ao deixar o ministério foi modus operandi moderno, racional e levar o país ao isolamento.
convidado a assumir o posto de re- que inovou o modelo de gestão e de Outra dificuldade é a cultura
presentante do Brasil no Conselho atenção. Isso explica o porquê de se fortemente clientelista e o precário
Executivo da OMS, mas recusou. Pre- conseguir prestar tantos serviços com funcionamento da máquina pública
feriu “continuar ajudando na cons- tão pouco recurso. em todo país. A maioria dos muni-
RADIS 33 ! MAI/2005
[ 20 ]

cípios tem baixa capacidade de gestão problema federal, estadual e muni- SUS? Quanto dessa diferença sairá
e a sociedade civil pequena capacida- cipal, do mesmo modo que o mos- do orçamento dos estados e muni-
de para impulsionar e para controlar o quito da dengue. cípios? Este fato tem levado vários
governo. Esse fato é o principal res- Com certeza há indícios de que municípios a não assumirem a ges-
ponsável pela forma heterogênea e a política de saúde da cidade é mui- tão da rede hospitalar e de serviços
desigual com que o SUS vem se implan- to ruim e que mesmo a gestão do já especializados (dados do Cadastro
tando. Por último, o movimento sanitá- existente — particularmente da rede Nacional de Estabelecimentos de
rio, que teve um papel tão destacado Saúde confirmam que, em novembro
na concepção e no desenvolvimento de 2004, 56,12% das unidades de
do SUS, nos últimos anos reduziu sua
capacidade criativa e propositiva, tal- O Rio tem internação estavam ainda com ges-
tão estadual). Por um lado, há ne-
vez por haver se colado em excesso cessidade de o Ministério da Saúde
à perspectiva oficialista de alguns go-
vernos. Estes obstáculos foram cita-
funcionado como aumentar o orçamento para o SUS,
o que exigiria mudança no perfil de

uma espécie
dos de modo muito ligeiro e, com cer- gastos do superávit nacional. Por
teza, mereceriam uma compreensão outro, caberia definir-se qual a res-
mais cuidadosa. ponsabilidade dos estados e dos mu-
O SUS avançou e, ao mesmo tem-
po, ainda há problemas graves tanto de vanguarda nicípios com o financiamento da
atenção hospitalar e especializada.
em relação à universalidade quanto à A intervenção confirma também
integralidade e à eqüidade. Está na
moda referir-se à integralidade como
da degradação do a inadequação do modelo de regiona-
lização e dos instrumentos de ava-

tecido social e do
principal desafio, alguns chegam ao liação e acompanhamento da des-
exagero de medir o coeficiente de centralização hoje à disposição do
“susismo” de cada discurso pelo nú- ministério e das secretarias estaduais.
mero de vezes em que esse conceito
é referido. Na realidade, há obstácu- Estado brasileiro. Seria necessária uma reforma da re-
forma, criando mecanismos interme-
los importantes ao acesso e, portan- diários para que o MS e as secretarias
to, ainda falhamos diante da universa- possam acompanhar, regular e estimu-
lidade e em assegurar o direito à saúde. de hospitais e de ambulatórios lar a implantação local da rede bási-
Avançou-se quanto à variedade de ser- especializados — é bastante inade- ca, da vigilância à saúde e da atenção
viços colocados à disposição dos usu- quada. Portanto, o governo munici- especializada e hospitalar. O modelo
ários, o programa de Aids tem sido ci- pal é responsável pelo descalabro sa- de financiamento poderia ser altera-
tado como exemplar em relação à nitário carioca. No entanto, há do de modo que uma parte dos re-
integralidade, entretanto estamos lon- outros responsáveis. cursos dependesse de um contrato de
ge de garantir o projeto terapêutico Sabemos que o custeio da aten- gestão com cada município e que de-
adequado a cada caso ou mesmo as ção hospitalar pelo Ministério da veria ser acompanhado pelas Secre-
iniciativas de promoção e prevenção Saúde cobre entre 30% e 45% dos tarias de Estado. Hoje há o tudo ou
necessárias para caracterizar uma custos de um hospital muito bem- nada: suspender a gestão plena e o
oferta integral. A eqüidade depende repasse de recursos, que no limite
da capacidade do SUS de identificar penalizam a população e desobrigam
diferenças na vulnerabilidade ou no
risco de pessoas ou agrupamentos
Pena que o preço o gestor local com o SUS.

pago pela maioria


adoecerem ou sofrerem agravos a sua Em sua opinião, por que o Rio che-
saúde e, em função desse diagnósti- gou a esse estado? Foi de fato neces-
co, proceder-se à concentração de sária a intervenção federal? E como
recursos necessários à proteção des-
ta gente. O SUS ainda não tem essa
capacidade de discriminar diferenças
seja muito mais fica a responsabilidade do gestor?
O Rio de Janeiro chegou a esse
estado de calamidade por uma série
e tampouco a agilidade para agir se-
gundo esses diagnósticos.
alto: os dirigentes de fatores locais e outra série de
fatores inerentes à crise das políti-

arriscam sua
cas públicas no Brasil. O Rio tem fun-
A crise da saúde no Rio de Janeiro cionado como uma espécie de van-
seria um alerta para o SUS? guarda da degradação do tecido
A crise do Rio de Janeiro é um
sintoma exuberante desse proces-
so interrompido de reforma sanitá-
sobrevivência social e do estado brasileiro. A inér-
cia do poder público — municipal,
estadual e nacional — diante da cri-
ria. Há um forte componente políti-
co partidário nas versões divulgadas.
política; o povo, se urbana, do desemprego, da edu-
cação e da saúde pública tem uma

sua própria vida.


Está em jogo a credibilidade de três expressão mais forte no Rio de Ja-
prováveis candidatos à presidência neiro ou em algumas capitais do Nor-
da República, além, é óbvio, da aten- deste, mas é um fenômeno nacional.
ção à saúde do povo carioca. Todas No Rio, há uma evidente degradação
essas versões tendem a simplificar administrado. Este é um componen- do modo de fazer política e de se
um fenômeno complexo, com uma te ineludível da crise do SUS. Quem fazer a gestão da coisa pública. Nem
rede intricada de determinantes e arcará com a outra metade do defi- o SUS conseguiu atenuar esse fato,
condicionantes. O hospital é um citário modelo de financiamento do os hospitais do Rio não têm sequer
RADIS 33 ! MAI/2005
[ 21 ]

manutenção predial, de insumos e to de metas que obrigasse os muni- serviços e a não-criação de novos
de equipamentos adequada. cípios com extensão e qualificação projetos? Na realidade, há uma es-
Há problemas graves com a ges- do SUS. Por último, criar critérios pécie de acomodação social com a
tão de pessoal, um caos que criou um para os investimentos novos: hoje isso desvalorização da vida no Rio e no
ciclo vicioso em que cada vez menos depende de negociação política e Brasil. Se tanta gente morre assassi-
gente se espanta e se escandaliza emendas parlamentares em que o nada, se a contínua degradação de
com desmandos e descuidos. Nesse mérito sanitário conta pouco. serviços públicos é assistida sem re-
sentido, a intervenção tornou-se ine- clamação, por que seria diferente
vitável. O problema é como melho- com o SUS? Penso que esse debate

Como a sociedade
rar a atenção à população e obrigar interessa ao Brasil, mas diz respeito
os governos a terem uma postura particularmente aos cariocas, e den-
institucional em que coloquem o fun- tre eles aos sanitaristas. Tenho a
cionamento do SUS acima das diver-
gências partidárias. Nenhum dos três civil e a opinião impressão de que as lideranças do
movimento sanitário se distanciaram
governos é inocente. Essa situação do do povo e das equipes de saúde, tal-
Rio não pode se repetir. Para isso a
reforma da reforma do SUS deve pros-
pública foram vez porque se partidarizaram muito
e isso emburrece as pessoas, cres-

tão tolerantes
seguir e deve-se colocar limites ao ce a porcentagem de assuntos proi-
desmando e à omissão dos governantes bidos, comentá-los seria provocar
quando o assunto é política pública. esse ou aquele governo e com isso

Ainda sobre o Rio, o secretário com a degradação perder algum emprego eventual,
pode ser isso também, sei lá.
Ronaldo Cezar Coelho alega que o Por outro lado, há um “denun-
dinheiro do SUS é “virtual”. Isso é
real ou uma forma de justificar a má
dos serviços e a cismo”, em princípio sempre quan-
do o governo tem posição distinta

não-criação de
administração? dos militantes. Essa postura histéri-
O dinheiro do SUS não é virtual, ca não alcança credibilidade e é
o financiamento é insuficiente, con- incapaz de reconhecer ou de apoi-
forme já comentei antes. Mesmo
quando o recurso é limitado ele pode novos projetos? ar iniciativas positivas, mas que for-
taleceriam políticos de outra extra-
ser administrado em defesa da vida, ção. Muitos me dizem que essa
o que certamente não foi o caso da partidarização, esse hábito de co-
Prefeitura do Rio. O governo local locar o interesse particular antes
subestimou a importância política do Diante de problemas como os do Rio, da saúde seria um fato normal e ine-
SUS e está pagando um preço alto. qual o papel do controle social? E qual vitável. Eu reconheço que é inevi-
Pena que o preço pago pela maioria o balanço do controle nesses 15 anos? tável que isso ocorra, mas me recuso
seja muito mais alto: os dirigentes O controle social também fa- a considerá-lo normal quando as coi-
arriscam sua sobrevivência política; o lhou no Rio de Janeiro. Como a soci- sas se degradam, quando o jogo polí-
povo, sua própria vida. edade civil e a opinião pública foram tico se sobrepõe ao interesse públi-
tão tolerantes com a degradação dos co e à lógica sanitária. (K. M.)
Fale um pouco sobre o orçamento
do SUS nesses 15 anos. Quais os
impasses no que diz respeito ao fi-
nanciamento?
O orçamento do SUS vem cres-
Radis adverte
cendo nesses 15 anos, o Gilson Car-
valho e o José Carlos Silva têm uma Rigor em laboratório faz
série de estudos demonstrando isso, bem à saúde do planeta
como se comportaram os gastos de
Os EUA vão gastar em 2005 US$ 50
cada esfera de governo. A consoli-
bilhões em segurança interna, boa
dação do SUS depende de mudan-
parte na prevenção do “bioterror”.
ças nesse campo. Em primeiro lugar,
Mas foram modestos técnicos do
aprovar a regulamentação da emen-
Medicare, o sistema socializado de
da 29, que vem encontrando oposi-
cuidados de saúde do Canadá, em
ção dos ministérios da Fazenda e do
Winnipeg, que identificaram a te-
Planejamento do governo Lula. De-
mível cepa A/H2N2 da gripe asiáti-
pois definir a responsabilidade de
ca, capaz de criar pandemia glo-
cada ente governamental com o fi-
bal. As amostras estavam em kits de
nanciamento da atenção básica, es-
vírus enviados pelo laboratório ame-
pecializada, hospitalar e em saúde
ricano Meridian Bioscience Inc. a
pública. Os estados têm um grau de
3.747 laboratórios em 18 países. Os
liberdade quase absoluto na execu-
canadenses imediatamente avisaram
ção do seu orçamento. Depois seria
à OMS, que expediu alerta para des-
necessário criar um novo modelo de
truição das amostras. (Íntegra: http://
financiamento: um modelo misto que
resistir.info/eua/flu_pandemic.html)
remunerasse pela capacidade de
produção e por meio de um contra-
RADIS 33 ! MAI/2005
[ 22 ]

FINANCIAMENTO DA SAÚDE

O orçamento sob ataque

to é um processo, porque o que Fora isso, Rafael Guerra critica a


Wagner Vasconcelos aconteceu num ano determina o que proposta trazida por um projeto de

M
vai ocorrer no ano seguinte. Os valo- lei que está tramitando no Congres-
ais uma vez os recursos res previstos para 2005, em compara- so, segundo o qual R$ 1,2 bilhão do
destinados à saúde são ção a 2004, dependiam da variação orçamento da saúde seriam usados
alvo de polêmica e muita nominal do Produto Interno Bruto para despesas do Programa Bolsa-Fa-
preocupação. Deputados (quer dizer, o crescimento real do PIB mília. A soma disso tudo: R$ 5,4 bilhões.
e senadores da Frente Parlamentar de mais a inflação). Isso porque, pela O projeto de lei é de autoria do
Saúde (FPS) reuniram-se, no dia 12 de regra atual, a União deve aplicar o Poder Executivo e, pelo entendimento
abril, com o procurador-geral da Re- empenhado no ano anterior mais a de outro deputado, Roberto Gouveia
pública, Cláudio Fonteles, para tentar variação nominal do PIB apurada no (PT-SP), ainda não representa uma
fazer com que se cumpra rigorosamen- ano em que se faz o Orçamento. O ameaça real às verbas da saúde. O
te o que determina a Emenda Consti- IBGE, na época em que fizemos a ma- projeto, na verdade, concede ao Mi-
tucional 29 — a EC-29. De acordo com téria, previa uma variação entre 4% e nistério da Saúde um crédito suple-
números apresentados pelo presiden- 5%, e a inflação deveria superar um mentar de R$ 1,2 bilhão para que se
te da FPS, deputado Rafael Guerra pouco os 6% ou 7%. executem ações de “auxílio à família
(PSDB-MG), o orçamento deste ano — na condição de pobreza extrema,
previsto em cerca R$ 36 bilhões para “ISSO NÃO É SUS” com crianças entre 0 e 6 anos, para
ações e serviços de saúde — poderá Bem, em 2004 a variação ficou melhoria das condições de saúde e
sofrer uma sangria de R$ 5 bilhões. em 5,2%, uma diferença de cálculo combate às carências nutricionais,
A FPS recebeu a promessa de que, que, segundo Rafael Guerra, provo- para garantir a continuidade do Bol-
após analisar os pontos levantados pe- ca um impacto no piso das verbas da sa-Família”, diz a minuta do projeto,
los congressistas, e se de fato forem saúde de R$ 442,5 milhões, a serem encaminhado pela Casa Civil ao Sena-
constatadas as irregularidades, será atendidos em 2005. Além disso, o or- do em 3 de março.
feita recomendação ao presidente Lula çamento de 2005 prevê que R$ 347,3 Situação semelhante ocorreu em
para que a EC-29 seja cumprida. milhões do orçamento da saúde se- 2003, quando se discutia o orçamen-
Mas os problemas com o orça- jam aplicados no programa da Farmá- to de 2004. O presidente vetou um
mento da saúde remontam a 2003, lem- cia Popular, e mais R$ 49,8 milhões importante parágrafo da Lei de Dire-
brou o deputado em conversa com a para a Agência Nacional de Saúde trizes Orçamentárias: o que impedia
Radis, quando as contas do governo Suplementar (ANS). “Isso não é pro- que os gastos “extra-SUS” (pagamen-
foram aprovadas pelo Tribunal de Con- grama do SUS”, reclama o deputado. to das dívidas da saúde e dos inativos
tas da União (TCU), com a ressalva de E tem mais: no ano passado, queixa- e recursos para o Fundo de Combate
ter faltado o uso de R$ 949 milhões. se ele, o Ministério da Saúde deixou e Erradicação da Pobreza fossem con-
Como aprendemos na matéria R$ 1,9 bilhão inscritos na rubrica “Res- siderados “ações e serviços de saú-
“Pressão social por mais verbas para tos a pagar” para o exercício de 2005 de”. O veto mobilizou a área da saúde
o SUS”, capa da Radis 28, o orçamen- do orçamento da saúde. e a pressão fez com que o presidente
RADIS 33 ! MAI/2005
[ 23 ]

recuasse e garantisse os recursos — “Essa conta de percentual do PIB da no ano seguinte, depois de fecha-
na época, uns R$ 4,2 bilhões. é difícil de entender, principalmente das as contas. Isso embrulha a exe-
por pessoas e setores que não são muito cução do orçamento da saúde numa
A GANGORRA E A VIGILÂNCIA afeitos à saúde ou ao orçamento”, diz. imprecisão tal que deixa angustiado
No momento em que soube do “Faço outra melhor”, desafia, sugerin- todo gestor sério.
projeto, o deputado Roberto Gouveia do que o secretário some todo o di- Com o PLP 1/03, porém, a União
também ficou surpreso, mas tranqüi- nheiro da área pública (federal, esta- será obrigada a destinar à saúde 10%
lizou-se ao saber que os recursos sai- dual e municipal) e o divida pelo número de suas receitas correntes brutas —
rão da chamada Fonte 179, que nada de habitantes e por 365 dias. “Dá por que reúnem todos os tributos reco-
mais é do que o Fundo de Combate à dia R$ 0,70 por pessoa, para fazer tudo lhidos pelo governo —, enquanto es-
Pobreza. “E a fonte 179 é a EC-31, e de saúde no Brasil, de educação, pre- tados e municípios terão de aplicar,
não a EC-29”, esclarece Roberto. venção, promoção, vacinação, Pro- respectivamente, 12% e 15% de suas
Mas a tranqüilidade do deputado grama Saúde da Família, a diagnósti- arrecadações.
não é absoluta. Ele diz estar acompa- co precoce, internação, hemodiálise, O projeto está na última comis-
nhando com preocupação o que clas- parto, dengue, hanseníase, malária, são da Câmara, a de Constituição, Jus-
sifica de “gangorra orçamentária”, algo Aids e transplante”, enumera. “Gas- tiça e Cidadania, a CCJC, e já tem pa-
que “sempre ocorreu no Brasil e que tamos em saúde por dia menos de meia recer favorável do relator, o deputado
foi o motor da aprovação da EC-29”. passagem de ônibus por pessoa no José Pimentel (PT-CE). Falta, agora, a
Vale recordar: antes desta emen- Brasil. O SUS tem feito milagre, mas aprovação do plenário da comissão
da, não havia vinculação de recursos até milagres têm limite”. para que chegue ao plenário da Câ-
para a saúde. Mesmo com a vinculação A conta é chocante. Por isso, mara dos Deputados. Em contatos com
criada pela EC-29, que obriga estados embora esse projeto de lei, formal- o presidente da Câmara, Severino
e municípios a gastarem percentuais mente, não seja um problema, pois Cavalcanti (PP-PE), os parlamentares
pré-estabelecidos em ações e servi- prevê recursos da tal Fonte 179 e não da FPS conseguiram o compromisso de
ços de saúde, Roberto Gouveia acre- onere a EC-29, o deputado observa que o projeto receberá prioridade
dita que a gangorra está voltando. que precisamos nos manter vigilantes. para votação em plenário assim que a
Ele lembra dos R$ R$ 4,23 bilhões da CCJC concluir os seus trabalhos.
IMAGINAÇÃO FÉRTIL EC-29 que seriam utilizados no Bolsa- “Se aprovado, vamos ter um acrés-
Segundo o deputado, principal- Família, “que nos obrigou a uma gran- cimo de recursos federais em torno
mente os governos estaduais estão de reação nacional”. Ele não deixa de de R$ 10 bilhões”, calcula Roberto
embutindo, como gastos da EC-29, ressaltar a importância do programa, Gouveia. “Alguns podem até dizer que
por exemplo, alimentação nos presí- que é mesmo relevante, mas defende é loucura, mas aí faço aquela nossa
dios, vacina de brucelose das vacas, a separação dos papéis. “Seria a mes- continha” (o desafio ao secretário do
o vale-leite, restaurante popular, apo- ma coisa que colocar uma pessoa que tesouro, lembram?). “Dá mais R$ 0,13,
sentadoria de inativos. “E daí vai, por- precise de um prato de comida dispu- ou seja, sobe para R$ 0,83”. O deputa-
que a imaginação é fértil e não tem tando com outra que precisa de um do fez uma sintonia fina nas contas, e
limites. Jogam outras despesas como coquetel da Aids”, compara. conclui que o valor por pessoa investi-
gastos do SUS”. O deputado aponta uma das ra- do por dia na saúde pode chegar a R$
Ele reconhece que a saúde é zões para a necessidade de vigilância 1. “Ainda é meia passagem de ônibus
determinada por uma série de fato- permanente sobre o projeto de lei que teremos para tratar da saúde no
res, mas argumenta que para cada do Executivo. “Para fazer esse crédi- Brasil. Mas os governantes terão de
ação deve haver destinação e orça- to suplementar, é necessária a apro- gastar mais com ações típicas de saú-
mento corretos. “Não se pode usar vação do Congresso. Mas, para mu- de.” É um começo.
uma emenda que veio garantir o SUS dar de fonte, basta um decreto”,
no Brasil em ações típicas de saúde adverte. Roberto Gouveia se declara
para tapar buraco na estrada, alegan- confiante no governo e no ministro Manifeste sua opinião nesta discussão.
do que a ambulância passa pela es- da Saúde, mas não na área econômi- Os contatos:
trada e, como carrega o doente, isso ca, “que tenta economizar recursos
tem a ver com a saúde”. às custas do social”: “Aprovado o pro- Procurador-geral Cláudio
O deputado não esconde a in- jeto, não venham trocar a fonte por Fonteles
dignação, no entanto, em relação às decreto”, avisa. “A sociedade está de Tel. (61) 3031-5600
declarações que o secretário do Te- olho. Vamos fazer vigília”. Fax (61) 3031-6493
souro Nacional, Joaquim Levy, publi-
cou em artigo no jornal Folha de O AGUARDADO PLP 1/03 Deputado Rafael Guerra
Tel. (61) 215-5239
S.Paulo, em fevereiro deste ano, di- Para quem não está ligando o
Fax (61) 215-2239
zendo que os gastos do SUS chega- nome à obra, Roberto Gouveia é au-
E-mail dep.rafaelguerra@camara.gov.br
ram ao limite. Para o deputado, a ava- tor do Projeto de Lei Complementar
liação do secretário leva em conta nº 1 de 2003, o nosso tão aguardado
Deputado Roberto Gouveia
os gastos referentes a percentuais do PLP 1/03, que regulamenta a EC-29,
Tel. (61) 215-5568
PIB. “Minha avaliação é diametral- determinando o que são ações e ser-
Fax (61) 215-2568
mente oposta à dele”, afirma. “Eu acei- viços de saúde e estabelecendo os
E-mail
to fazer essa conta, mas se formos percentuais mínimos a serem investi-
dep.robertogouveia@camara.gov.br
comparar em termos de percentual do dos na área por União, estados e
PIB estamos gastando menos do que municípios. Como a Radis já mostrou
Contatos da Frente Parlamentar
Colômbia, Venezuela, Uruguai, Argen- várias vezes, pela norma atual o di-
de Saúde — www.ensp.fiocruz.br/radis/
tina”. O Brasil gasta, em média, 3,2% nheiro da saúde depende da incerta
33-web-01.html
do PIB com saúde. variação nominal do PIB, só conheci-
RADIS 33 ! MAI/2005
[ 24 ]

ACOMP
PAANHAMENT
TOO D O L E G IIS
S L AT I V
VOO

Inimigos do SUS?

D
prego e salário, e os demais cidadãos escreve o deputado na justificativa
ois projetos de lei apresen- iguais ficariam exclusivamente com a do projeto.
tados em 2004 à Câmara dos assistência do SUS, pressupostamente A proposta de Adelor Vieira tra-
Deputados pairam como nu- insuficiente pela lei?”. mita na Comissão de Trabalho, Admi-
vens de preocupação so- Outra polêmica em relação ao nistração e Serviço Público, e seu
bre as cabeças dos parlamentares li- projeto está contida em seu Artigo relator é o deputado Pastor Francis-
gados à área da saúde. Na opinião 3º, que determina que “os emprega- co Olímpio (PSB-PE), cujo parecer foi
deles, o PL 3.268/04, de Francisco dores do setor privado arcarão com pela rejeição da proposta. O relató-
Gonçalves (PTB-MG), e o PL 4.332/04, essas despesas e terão um percentual rio ainda precisa ser votado pelos in-
de Adelor Vieira (PMDB-SC), são pro- de 1% de incentivo fiscal a ser des- tegrantes da comissão. Caso a rejei-
postas inimigas do SUS. contado do seu lucro líquido. No se- ção seja confirmada, o destino do
Em sua ementa, o 4.332/04 pro- tor público, o governo repassará os projeto é a gaveta — só poderá vir a
põe instituir, em todo o território na- valores pagos hoje ao SUS aos órgãos ser apreciado numa outra legislatura
cional, o que chama de “Tíquete-Saú- distribuidores do referido tíquete”. do deputado-autor. Se for aprovado,
de”, que faria parte de um pretenso Gilson Carvalho diz que, de acordo permanece seguindo pelas demais
“Programa Nacional de Primeira Con- com a Lei de Responsabilidade Fiscal, comissões da Câmara, mas não preci-
sulta”, ou PNPC. Já no Artigo 1º, o não se pode fazer renúncia fiscal sem saria ir a plenário, uma vez que é pro-
projeto traz um elemento que fere demonstrativo explícito de onde sai- jeto de lei terminativo. Explicando
abertamente o princípio da universa- rá nova receita para cobrir a que foi melhor: projetos de lei terminativos
lidade: o tíquete permitirá “a todo alvo de renúncia. são apreciados apenas pelas comissões
trabalhador brasileiro realizar sua pri- Para Gilson, o projeto é incons- que compõem a Câmara e o Senado,
meira consulta e exames laboratoriais titucional: “Fere o direito à igualda- sem necessidade de irem a plenário.
básicos em instituições de saúde pri- de à saúde entre todos os cidadãos,
vadas, com vistas à identificação ou ao pretender criar um sistema para- “SUS DE LUXO”
prevenção de possíveis enfermidades”. lelo de acesso facilitado e diferen- Levar a discussão ao plenário da
O Artigo 2º estabelece que o ciado para empregados com carteira Câmara é a luta do deputado Roberto
Tíquete-Saúde “é um benefício que assinada e servidores públicos”. O Gouveia em relação ao outro projeto
o empregador, pessoa física ou jurí- deputado Rafael Guerra (PSDB-MG), que preocupa a área da saúde, o
dica, da área pública ou privada, presidente da Frente Parlamentar de 3.268/04 — ou, como foi extra-oficial-
disponibilizará aos seus trabalhadores Saúde, também acha que o projeto mente batizado, o do “SUS de Luxo”.
ou servidores que não possuem pla- não está de acordo com os princípios Pelo projeto, o usuário do SUS
no de saúde privado (...) para uso constitucionais. O deputado Roberto poderia optar, ao ser internado em hos-
junto a clínicas, consultórios, hospi- Gouveia (PT-SP) resume: o projeto leva pital privado, contratado ou conveniado,
tais ou laboratórios conveniados, exe- a um processo de segmentação e por acomodações de maior conforto,
cutores das atividades propostas no fragilização do SUS. bem como escolher o profissional a
Inciso I do artigo primeiro”. Em entrevista à Radis, o deputa- atendê-lo. No parágrafo primeiro está
Se o leitor prestou atenção ao do Adelor Vieira, autor do projeto, escrito que caberá ao usuário arcar com
texto, observou que a palavra “tra- afirma respeitar a universalidade. “Mas as despesas das acomodações e dos ho-
balhador” pode abrir brechas para o o SUS só funciona na teoria, na práti- norários profissionais. Uma bomba nas
retorno a um período no qual o aten- ca, deixa a desejar”, diz. “Hoje, a bases do Sistema Único de Saúde.
dimento público só era ofertado aos pessoa marca uma consulta e só é O projeto, assim como o do
brasileiros formalmente empregados. atendida meses depois”. Para ele, o Tíquete-Saúde, também é terminativo.
“Se o direito é igual para todos, como projeto abre a possibilidade de mais Roberto Gouveia quer levar a propos-
se pode admitir que uma lei contra- oferta de serviços, o que aliviaria o ta ao plenário porque tem certeza
rie a Constituição e crie um sistema sistema. Sobre a renúncia fiscal de de ali será rejeitada pelos parlamen-
paralelo de saúde para quem tem car- 1% que propõe, o deputado passa a tares. Para isso, o deputado precisa
teira assinada e para os servidores bola ao governo, a quem caberia, mais da adesão de pelo menos 52 colegas.
públicos?”, questiona o médico sani- adiante, determinar a fonte dos re- No fim de março ele já tinha conse-
tarista Gilson Carvalho, especialista em cursos. “Tal iniciativa traria benefíci- guido recolher 105 assinaturas. “Pa-
financiamento da saúde. Ele pergunta os tanto ao SUS, diminuindo a deman- rei por aí, mas sei que posso colher
mais: “Se este projeto for bom, con- da e as filas intermináveis nos postos muito mais assinaturas, de até 90% dos
siderado um avanço e uma proteção a de saúde e hospitais públicos, quan- parlamentares”, afirma. O deputado
mais, como defender que ele só atin- to à iniciativa privada, pela possibili- acredita que, antes, o projeto será
ja a uma parte da população? O me- dade de cumprir com seu papel soci- derrubado na Comissão de Constitui-
lhor ficaria para estes que já têm em- al e receber um incentivo fiscal”, ção, Justiça e Cidadania, onde o tex-
RADIS 33 ! MAI/2005
[ 25 ]

to chegou em dezembro do ano pas- creto de paciente que pretendia, in- fase do direito do consumidor para a
sado. A relatoria coube ao deputado ternado pelo SUS, pagar sua acomoda- de direito do cidadão”. Ele ressalta
Maurício Rands (PT-PE). ção especial”. Ele chama atenção para que a participação do setor privado é
Para Roberto, o projeto é uma dois detalhes importantes. O primeiro bem-vinda. Mas a iniciativa privada
forma “esquisita” de tentar resolver a é que “facultou-se um atendimento di- deve se adequar à lógica do SUS, que
questão do financiamento, rompendo ferenciado em situação diferenciada, é pública, e não o contrário.
com princípios do SUS e importando diante de uma leucemia mielóide agu- Num texto sobre o assunto dispo-
para o sistema a lógica privada. “Está da, que necessitava de isolamento pro- nível na internet, intitulado “A novida-
voltando a idéia do consumidor em pri- tetor em quarto privativo”. Para Gilson, de: dois SUS” (www.conasems.org.br/
meiro lugar”, teme o deputado. “É aí o próprio SUS poderia garantir essa aco- Doc_diversos/SUSPPMPRN14122004.pdf),
que mora o maior perigo. Podemos até modação diferenciada. “Faz parte de Gilson Carvalho argumenta contra o
estabelecer ações diferenciadas den- suas condutas garantir acomodações projeto e encerra da seguinte forma:
tro do SUS, mas elas devem vir no sen- individuais a pacientes portadores de “Por favor, não entremos nesses
tido de reforçar o lado mais fraco, para doenças infecto-contagiosas (isolamen- descaminhos prenhes de iniqüidade
diminuir o fosso, a exclusão”, defen- to), bem como a pacientes com risco contra o cidadão. Podemos e devemos
de. “Devem vir no sentido de fazer in- de se infectarem (isolamento reverso)”. todos, profissionais e instituições, ser-
clusão, justiça, em busca da maior igual- Ele complementa: “Em momento algum mos remunerados de forma justa sem,
dade; nesse caso, é o contrário, é uma o acórdão se refere a, ou legitima o com isso, diminuir ou ferir a cidadania
discriminação negativa: é a iniqüidade”. pagamento de complementação de ho- de todos os brasileiros. É o que deve-
O deputado alerta para o perigo norários profissionais, o que é objeto mos, unidos, buscar”. (W. V.)
do atendimento discriminatório. “É do presente projeto de lei”.
claro que quem não tem recursos O Conselho Nacional de Saúde
Manifeste sua opinião nesta discussão.
extras para bancar sua saúde acaba- também está mobilizado contra o pro- Os contatos:
ria preterido, porque é evidente que jeto. Em janeiro deste ano, depois de
o hospital vai começar, cada vez mais, sua 150ª reunião ordinária, aprovou a Deputado Francisco Gonçalves Filho
a se interessar por quem tem condi- resolução 345, de 13 de janeiro de 2005, Tel. (61) 215-5302
ções de pagar o plus”, adverte. “Para que destaca que o projeto fere os prin- Fax (61) 215-2302
quem não tem, vai começar a faltar cípios do SUS quando estabelece a E-mail
leito, vai para o fim da fila, vai ser cobrança direta aos usuários, “propor- dep.dr.franciscogoncalves@camara.gov.br
preterido. Chega de humilhação”. cionando diferença de classe no aten-
dimento do sistema público de saúde, Deputado Rafael Guerra
DEFENSORES DE PESO comprometendo a garantia da saúde Tel. (61) 215-5239
Mas o PL 3.268/04 tem defenso- pública de qualidade para todos”. Fax (61) 215-2239
res de peso. Entre eles o deputado E-mail dep.rafaelguerra@camara.gov.br
Rafael Guerra (PSDB-MG), normalmen- SARCASMO E UNIÃO
te um defensor do SUS, que, como O autor da proposta, Francisco Deputado Roberto Gouveia
relator do projeto na Comissão de Gonçalves, não aceita a forma como Tel. (61) 215-5568
Seguridade Social e Família (CSSF), seu projeto vem sendo tratado. A Fax (61) 215-2568
deu parecer favorável à proposta. A expressão “SUS de luxo”, segundo E-mail
maioria dos integrantes da comissão ele, é “sarcasmo” dos críticos. Para dep.robertogouveia@camara.gov.br
aprovou o relatório, em 14 de dezem- Francisco, a saúde no Brasil está “que-
Deputado Adelor Vieira
bro do ano passado. Rafael Guerra diz brada”, e a gratuidade no atendimen-
Tel. (61) 215-5441
que o projeto é constitucional, uma to é uma “balela”, pois “tem ricos que Fax (61) 215-2441
vez que apenas permite ao cidadão usam os serviços do SUS”. E-mail dep.adelorvieira@camara.gov.br
optar por uma acomodação que lhe Para defender sua idéia, ele ar-
interesse e por ser atendido por um gumenta que, depois que a lei extin- Deputado Pastor Francisco
médico de sua livre escolha. “O ob- guiu a brecha para complementação Olímpio
jetivo não é criar privilégios nem por- de custos pelo paciente, várias casas Tel. (61) 215-5475
tas duplas nos hospitais”, diz. E suge- de saúde e hospitais filantrópicos fo- Fax (61) 215-2475
re a limitação em cerca de 20% do ram obrigados a fechar as portas por E-mail
número de internações com as ca- falta de recursos. “Em São Paulo, cer- dep.pastorfranciscoolimpio@camara.gov.br
racterísticas propostas pelo projeto. ca de 100 Santas Casas estão fechan-
Questionado sobre quem fiscali- do, em situação falimentar”, aponta o Deputado Roberto Gouveia
zaria a prática para evitar que o ce- deputado. Ele classifica de “aviltantes” Tel. (61) 215-5568
nário temido por Roberto Gouveia se os honorários pagos pelo SUS aos pro- Fax (61) 215-2568
concretize, ele diz que essa respon- fissionais e aos hospitais que atendem E-mail
sabilidade caberia aos gestores do sis- a população. “O projeto defende o dep.robertogouveia@camara.gov.br
tema. No texto do parecer, Rafael livre-arbítrio do paciente de pedir ou
Guerra afirma “existir jurisprudência não outro tipo de acomodação”. Deputado Severino Cavalcanti
por parte do STF, considerando a le- Ao longo de seus 15 anos de exis- Tel. (61) 215-8014
Fax (61) 215-2707
gitimidade da opção por acomodações tência, o SUS talvez nunca tenha sido
E-mail
diferenciadas e que tal fato não agri- tão pressionado como agora. Roberto
dep.severinocavalcanti@camara.gov.br
de a isonomia de atendimento que Gouveia diz: “Nós conseguimos apro-
deve imperar no SUS”. var um capítulo belíssimo de seguridade Contatos da Frente Parlamentar de
O sanitarista Gilson Carvalho, con- social e do SUS na Constituição, den- Saúde — www.ensp.fiocruz.br/radis/
tudo, faz uma observação: “Existe tro de um princípio de solidariedade, 33-web-01.html
acórdão do STF analisando um caso con- extremamente generoso, superando a
RADIS 33 ! MAI/2005
[ 26 ]

História da Fiocruz

Vinte anos do modelo de gestão


participativa e democrática
“Esta posse consolida a gestão democrática da Fiocruz
e fortalece entre os servidores a certeza de que
o Estatuto da Fundação nos dá a segurança necessária
para fazer a instituição avançar cada vez mais.”
RADIS 33 ! MAI/2005
[ 27 ]

(Fiocruz/Amazônia). Nos próximos me- contrário. “Não aceitavam a nomea-


Jesuan Xavier * ses, outras unidades elegerão suas di- ção do Arouca, quiseram cancelá-la

A
retorias. a qualquer custo”, lembra. “Tivemos
frase da outra página fez par- Essa espécie de febre eleitoral de fazer um forte trabalho com pes-
te do discurso de posse do tem um vetor comum, a gestão demo- soas influentes do governo para legi-
sanitarista Paulo Marchiori crática citada por Buss. E tem histó- timar a posse”.
Buss ao assumir seu segundo ria, que pode inspirar diferentes ins- Segundo Morel, no início Arouca
mandato na presidência da Fundação tituições públicas. A Radis resolveu sofreu com a sabotagem interna. Logo
Oswaldo Cruz, em 30 de março deste investigar esse modelo que, ainda em no primeiro mês, o então diretor do
ano. Buss foi reeleito pelos servidores construção, foi iniciado há 20 anos, INCQS, Eduardo Peixoto, deu entre-
da Fiocruz em novembro, com 94% dos quando o sanitarista Sergio Arouca vista dizendo à população que tomas-
votos válidos, um marco histórico. Em (1942-2003) assumiu a Fiocruz. A dita- se muito cuidado quando fosse se va-
dezembro, os próprios servidores ele- dura mal tinha acabado. “Na realida- cinar. “Ele falou, em rede nacional, que
geram a nova diretoria de sua associa- de, quem está chegando à presidên- todos deveriam olhar o rótulo para ver
ção, a Asfoc, com outro percentual his- cia, nesse momento, é o mesmo a validade das vacinas, pois a Fiocruz
tórico de participação: 90% dos votos movimento que, tomando as ruas des- agora estava sob nova direção e ele
válidos. Entre março e abril deste ano, te país, permitiu que fosse decretada não se responsabilizava. Estávamos com
várias unidades da Fiocruz abriram pro- a anistia, permitiu que se levantasse a a espada na cabeça. Tentavam atingir
cesso de eleição dos novos diretores, bandeira das eleições diretas”, decla- Arouca dizendo que ele não tinha ca-
como a Escola Politécnica de Saúde rou Arouca em maio de 1985. pacidade técnica”.
Joaquim Venâncio, a Escola Nacional de As principais propostas desse
Saúde Pública Sergio Arouca (Ensp), o movimento: a gestão coletiva e a de- LEGITIMAÇÃO CIENTÍFICA
Instituto Oswaldo Cruz (IOC), o Centro mocratização interna. “O começo não Morel tem convicção de que
de Pesquisa Leônidas & Maria Deane foi fácil, pois Arouca sofria uma rejei- todas as dúvidas em relação ao tra-
ção muito grande do pessoal da área balho do grupo de Arouca começa-
de pesquisa”, conta o biólogo e ex- ram a cair a partir de um fato que
FOTO: PAULIRAN DE FREITAS

presidente da Fiocruz Carlos Morel, ganhou notoriedade externa, seis


que acaba de voltar à instituição para meses após sua posse. “Quando
coordenar o Centro de Desenvolvimen- Bernardo Galvão, patologista do Ins-
to Tecnológico em Saúde, após tem- tituto Oswaldo Cruz [hoje no Centro
porada na OMS. Na época, ele era um de Pesquisa Gonçalo Muniz, da
dos três vice-presidentes de Arouca. Fiocruz/Salvador] anunciou que tinha
“Muitos me diziam: ‘Você está louco, conseguido isolar o vírus da Aids, a
apoiar um cara da saúde pública! Vai Fiocruz ganhou as páginas de todos
ser a destruição de Manguinhos’”. os jornais”, lembra Morel. “Para mim,
Manguinhos permanece de pé. esse foi o evento mais significativo do
Buss, primeiro presidente reeleito da ponto de vista de legitimação do lado
Fiocruz e o quarto conduzido ao car- científico da gestão Arouca”.
go por eleição, diz que essa experi- Arouca e seus três vices (o pró-
ência ganhou reconhecimento soci- prio Arlindo, Morel e Luís Fernando
al e a adesão total dos funcionários da Rocha Ferreira da Silva) traçaram
ao longo dos anos. “Isso eleva o nível uma hierarquia interna muito práti-
de responsabilidade daqueles que ca e funcional. “Arouca não era um
administram”, afirma. “O controle é presidente para despachar”, conta
bem maior do que em outros mode- Arlindo. “Na nossa organização e per-
los de administração”. cepção política, ele tinha que estar
livre, leve e solto para poder se rela-
RESPALDO LEGAL cionar com os ministros e até presi-
Esse processo registrou outro dentes de outros países”. Esse tipo
marco histórico: foi a primeira vez que de relação, segundo Arlindo, abriu
os servidores-eleitores foram às urnas várias portas para a Fundação. “A
desde que o presidente Lula aprovou Fiocruz se voltava ainda mais para
o Estatuto da Fiocruz, em 9 de junho parcerias externas, tanto nacionais
de 2003. Além de determinar as fun- quanto internacionais”.
ções de cada unidade, o estatuto re- Ele ressalta que a Fiocruz tinha uma
gulamenta o processo eleitoral e lhe relação muito boa com o então ministro
dá respaldo legal. “Antes, a escolha da Saúde, Carlos Santana. “A gente sem-
dos servidores era legítima, mas não pre brincou que ele foi o melhor minis-
era legal”, lembra o chefe de Gabine- tro da Fundação”. Segundo Arlindo, o
te da Fiocruz, sociólogo Arlindo Fábio ministro deu sustentação política e fi-
Gomez de Sousa, outro vice-presiden- nanceira para que a nova gestão reali-
tes da gestão Arouca. “Eram eleições zasse todos os seus projetos.
de fato, mas não de direito”. Com os servidores ao seu lado,
Carlos Morel lembra que os pro- Arouca começou o processo de de-
blemas começaram ainda na posse de mocratização interna. Em análise
Arouca. A presidência anterior não publicada no site da Fiocruz em no-
deu qualquer apoio logístico, pelo vembro de 2002, Arouca contou que a
RADIS 33 ! MAI/2005
[ 28 ]

FOTO: ARQUIVO RADIS


Arouca na posse, com
Asfoc inicialmente apenas Eduardo Costa e Eleutério
Rodrigues; no detalhe, a
organizava atividades para festa pela indicação do
as famílias dos servidores. sanitarista à presidência
Só com o tempo passou a
ter representatividade. “Os completamente revolucio-
funcionários começaram a nário no setor público”.
FOTO: CID FAYÃO

participar efetivamente da Mas crescia na Fiocruz


gestão e a democracia se o anseio por um colegiado
instala no interior da mais atuante. Foi criado
Fiocruz”, escreveu. Já exis- então, em 1987, o Congres-
tia a associação de servi- so Interno (CI), que acaba-
dores antes da gestão Arouca. “Mas diretor-geral eleito foi Pedro Barbo- ria se tornando importante instrumen-
era a extensão de um serviço social, sa, hoje coordenador de Desenvolvi- to de unificação dos trabalhadores
quase uma diretoria”, resume Paulo mento Institucional e Gestão da Ensp. da instituição. “Uma experiência iné-
Gadelha, vice-presidente de Desen- “Fortalecida, a associação assumiu o dita no âmbito da administração pú-
volvimento Institucional e Gestão do papel de guardiã do modelo democrá- blica, depois incorporado ao novo Es-
Trabalho. O presidente indicava os tico”, avalia Rogério Lannes Rocha, tatuto da Fiocruz como órgão máximo
representantes, e a mulher dele co- diretor-geral da Asfoc eleito em de- de representação”, diz Gadelha. Se-
mandava. “Era como um braço direi- zembro. Se a reestruturação sindical gundo ele, o Congresso Interno, or-
to da presidência da Fiocruz”, con- foi iniciativa de cima para baixo, a prá- ganizado no início de cada gestão, tem
ta Ilma Horsth Noronha, terceira tica permanente da fiscalização bro- competência para deliberar sobre as-
diretora-geral da Asfoc, hoje direto- tou de baixo para cima. suntos estratégicos referentes ao pro-
ra eleita do Centro de Informação A Fiocruz ampliou seus horizon- jeto institucional, atualizar diretrizes,
Científica e Tecnológica (Cict). tes para além do campo biomédico, promover alterações no regimento in-
O primeiro passo foi transformar em áreas como ciências sociais, his- terno e no estatuto e pactuar os ter-
a entidade numa associação parti- tória, informação, comunicação, mos de compromisso entre gestores
cipativa. “A base do estatuto da Asfoc meio ambiente, saúde do trabalha- e o conjunto da comunidade.
como ele é hoje foi votada em 1986, dor. “Arouca trouxe a proposta de O Congresso Interno serviu como
antes até do primeiro Congresso In- intersetorialidade, de novas áreas do instância de articulação e de delimi-
terno”, diz Ilma. Em 1987 houve a pri- conhecimento incorporadas à saúde”, tação das grandes linhas políticas da
meira eleição da diretoria. O primeiro conta Ilma. “Era um modelo de gestão instituição, superando uma das prin-
RADIS 33 ! MAI/2005
[ 29 ]

Os presidentes desde 1985


Sergio Arouca

FOTO: ANDRÉ AZ/FIOCRUZ


(2/5/1985—1º/4/1989)
Akira Homma *
(1º/4/1989—23/3/1990)
Luís Fernando R. F. da Silva
(28/3/1990—18/6/1990)
Hermann G. Schatzmayr
(18/6/1990—8/12/1992)
Euclides Ayres de Castilho
(8/12/1992—22/12/1992)
Carlos Médicis Morel *
(23/12/1992—5/2/1997)
Elói de Souza Garcia *
(6/2/1997—11/1/2001)
Paulo Buss *
(12/1/2001—29/3/2004)
* Eleitos
Paulo Buss assume seu segundo mandato (2005-2008): “Gestão democrática consolidada”
FOTO: ERIK PINTO

FOTO: RADIS

FOTO: ÁLVARO FÚNCIA

Akira Homa (1989-1990) Carlos Morel (1992-1997) Eloi Garcia (1997-2001)

cipais barreiras ao modelo proposto tação”, observa Arlindo. Para Gadelha, vice-presidente de Serviços de Refe-
por Arouca — a fragmentação. Isso o primeiro Congresso Interno foi uma rência e Ambiente. “Na verdade, reu-
porque na década de 70 o governo verdadeira “estatuinte” da redemo- nia apenas os diretores das unidades,
militar impusera que a Ensp, o Institu- cratização. Segundo ele, marcou o mas já era um embrião muito claro da
to Fernandes Figueira (IFF) e o Institu- nascimento das bases do projeto política pensada pela presidência”.
to Nacional de Controle de Qualidade institucional e do atual modelo de Ary afirma que o Congresso Inter-
em Saúde (INCQS) fossem vinculados à gestão. A partir daí, a criação do Con- no vem se aperfeiçoando ao longo dos
Fiocruz. “A Fundação, como unidade, selho Deliberativo (CD)— formado pela anos. “É um processo bem amplo”, diz.
era artificial, funcionava como se fos- presidência, os diretores de unidades Mesas-redondas são formadas para
sem várias repúblicas isoladas”, lem- e o representante da associação de discussão dos temas da pauta, jornais
bra Arlindo. “A Fiocruz era como um servidores — foi uma questão de tem- servem de tribuna de debates, assem-
arquipélago, com várias ilhas que riva- po. Em cada unidade, um CD reúne o bléias escolhem os delegados, até que
lizavam”, reforça Morel. “Não havia diretor, os chefes de departamento e se chegue à Plenária. Para que seja
interação entre elas, foram simples- representantes eleitos dos servidores. criada uma unidade técnico-científica
mente jogadas aqui dentro”. Inicialmente, o CD era chamado na Fiocruz, ou mesmo fechá-la, por
“O Congresso Interno veio basi- de Conselho Técnico-Administrativo, exemplo, é necessário o apoio da mai-
camente estabelecer uma política lembra Ary Carvalho de Miranda, chefe oria do Congresso Interno. “Ele está
institucional, superando a fragmen- de gabinete de Arouca na época, hoje acima até do presidente da Fundação.
RADIS 33 ! MAI/2005
[ 30 ]

FOTO: FIOCRUZ
O que é
! Congresso Interno — Composto de
delegados eleitos em todas as unida-
des, conforme princípio de represen-
tações mínima, média e máxima de
acordo com o número de funcionári-
os, o Congresso Interno ocorre no
início de cada mandato presidencial
(de 4 anos) da Fiocruz, com o objeti-
vo de atualizar diretrizes do proje-
to institucional e pactuar os termos
de compromisso entre gestores e o
conjunto da comunidade.

! Conselho Deliberativo — O Con-


selho Deliberativo é formado pela
presidência, pelos diretores das
Unidades Técnico-Científicas (UTC)
e Técnicas de Apoio (UTA), em nú-
mero de 17, além de um represen-
tante dos trabalhadores. Apenas o O primeiro Congresso Interno: “estatuinte” da redemocratização
presidente, os diretores eleitos e a
Asfoc votam. Sua função é detalhar Nada é feito aqui sem o aval dos servi- vice-presidente na chapa de Roberto
e operacionalizar as macropolíticas dores, representados pelos delegados Freira, do então Partido Comunista Bra-
definidas no Congresso Interno, eleitos em todas as unidades”. sileiro, houve forte trabalho de basti-
também discutindo e aprovando os “Acho que essa instituição tão dores para garantir que fossem mantidas
programas e os respectivos orça- plural, livre e comprometida é resul- na Fiocruz todas as conquistas demo-
mentos anuais e plurianuais. tado da maturidade desse movimento cráticas. “Ou seja, para que fosse pre-
e das idéias trazidas e defendidas pelo servada a estrutura democrática da
! Câmaras Técnicas — O Conselho Arouca”, diz Ilma. “Inspirava-se um instituição, expressa naquele momen-
Deliberativo (assim como a presidên- pouco no movimento da universidade”. to no Conselho Deliberativo e no Con-
cia) da Fiocruz é apoiado, tecnica- A destacar, no entanto, que mes- gresso Interno”, destaca Ary.
mente, quanto aos programas da ins- Arlindo conta que, como o esta-
mo antes da posse de Arouca, diz
tituição (pesquisa e desenvolvimento
Arlindo, a Fiocruz já incorporava “ele- tuto não era legalizado, o presidente
tecnológico, ensino, assistência e
mentos da prática democrática”. Se- da Fiocruz e todos os cargos de con-
serviços de referência, produção,
gundo ele, dois anos antes a Ensp rea- fiança ficavam à mercê de alguma
informação e comunicação e gestão)
pelas Câmaras Técnicas, organiza- lizou as primeiras eleições internas na flutuação política. Isso aconteceu
das com representantes das UTCs e Fiocruz. “Foi quando eu saí da direção realmente quando Fernando Collor de
UTAs e presididas pe-los respectivos do Departamento de Ciências Sociais/ Mello assumiu a presidência da Re-
vice-presidentes setoriais. Sua fun- Ensp e foi eleita a Célia Leitão”. O en- pública, em janeiro de 1990. “Ele não
ção principal é propor arranjos tão presidente da Fiocruz, Guilardo reconheceu a lista tríplice de candi-
programáticos e procedimentos téc- Martins Alves, fez um despacho apro- datos à presidência da instituição
nicos e gerenciais ao CD/Fiocruz para vando o nome dela e recomendou que (composta por Morel, o virologista
a implementação dos programas. o processo empregado na escolha do Akira Homma e Arlindo)”, lembra.
novo diretor da Ensp se estendesse aos “Houve um impasse enorme”.
! Coletivo de Dirigentes — O Co- demais departamentos da Fundação.
letivo de Dirigentes é o primeiro Mas o grupo de Arouca é que tor- FASE DE AMEAÇAS
escalão ampliado da instituição, im- nou oficial a democracia interna. A partir Akira vencera as eleições em abril
plantado em outubro de 2001. Reú- de 1985, houve a institucionalização das de 1989, mas foi destituído imediata-
ne cerca de 130 dos principais di- práticas e do uso dos instrumentos mente do cargo quando Collor tomou
rigentes da Fiocruz, incluindo os democráticos, diz Arlindo. “Arouca foi posse. Assumiu então, interinamente,
integrantes do CD/Fiocruz (dire- um grande incentivador disso, figura Luiz Fernando Ferreira. Arlindo afirma
tores das unidades), vice-presi- simbólica que encabeçou o novo mo- que o Conselho Deliberativo da Fiocruz
dentes, diretores e chefes de de- delo de gestão”. teve papel político muito importante
partamento da administração No mesmo ano, Arouca presidiu nesse período, em que se convivia in-
central (Dirad, Dirac, Direh, Pro- ternamente com a ameaça de corte
a 8ª Conferência Nacional de Saúde,
curadoria, Auditoria e Assessorias
divisor de águas da saúde brasileira, de orçamento e demissões. “O CD fez
da Presidência) e chefes de depar-
com a proposta de criação do Siste- um trabalho intenso junto ao Ministé-
tamento ou equivalentes de todas
as unidades técnicas da Fiocruz. ma Único de Saúde, que serviria de rio da Saúde, que questionava a legiti-
O coletivo não tem caráter subsídio para o texto final da Consti- midade da lista tríplice para escolha
deliberativo. É voltado para a tuição de 1988. “Arouca ganhou no- do presidente da Fiocruz”.
implementação e execução das de- toriedade nacional”, enfatiza Morel. Em junho de 1990, assumiu a pre-
cisões das instâncias superiores. A partir de abril de 1988, com a sidência Hermann Schatzmayr, pesqui-
saída de Arouca para concorrer como sador do Instituto Oswaldo Cruz, que
RADIS 33 ! MAI/2005
[ 31 ]

ganhara notoriedade por isolar o vírus Um modelo de gestão que serviu muitas decisões são aprovadas no calor
da dengue hemorrágica. Entre outras bem durante todos esses anos, mas dos debates de um Congresso Interno,
coisas, ele aprovou a criação de uma que ainda pode e deve ser reformu- onde entram vários outros vieses. “Mui-
estrutura de cargos comissionados. No lado, segundo Morel. Ele sugere a cri- tas vezes, interesses corporativos ou
fim deu tudo certo, conta Arlindo, e ação de um conselho externo, idéia questões políticas dificultam a discus-
o modelo continuou sendo acatado, que reconhece ser polêmica. “Sei são sobre a viabilidade de tal delibera-
apesar de ainda não estar legalizado. que muitos aqui vão se posicionar ção”, observa. “Isso também acontece
Em 1992, Fernando Collor sofreu contra, mas penso numa instância em várias outras instâncias de grandes
impeachment e Hermann deixou o que fique entre a Fiocruz e o Minis- áreas estratégicas, como as conferên-
cargo. Euclides Castilho assumiu a tério de Saúde”. cias nacionais de saúde”.
presidência da Fiocruz, interinamen- Apesar dos problemas, o Congres-
te, por breve espaço de tempo. Em CONTROLE SOCIAL so Interno, do jeito como funciona na
1993, a Fiocruz apresentou sua lista Gadelha lembra que já existe no Fiocruz, ainda é a melhor maneira de
tríplice ao governo Itamar Franco e Estatuto a proposta de criação de um se atingir uma gestão realmente
Carlos Morel foi empossado como conselho superior. “Sua constituição participativa, defende Gadelha. Ele lem-
novo presidente da instituição. depende de articulação com o Con- bra que, num primeiro momento, o
Em sua gestão, que priorizou a selho Nacional de Saúde, já que é ele Congresso Interno apenas fazia suges-
modernização gerencial, foi realizado quem vai designar os integrantes”, in- tões, e não deliberações. “Nesse perí-
o 2º Congresso Interno. Entre outras forma. Uma experiência nova, que vai odo, várias recomendações não foram
diretrizes aprovadas, ficou determina- exigir certa maturação, pois haverá implementadas, gerando uma descon-
da a adoção de um modelo de gestão na Fiocruz a presença de um con- fiança muito grande da comunidade”.
de resultados, com termos de com- trole social. O Conselho poderá su- Defensora histórica do modelo,
promissos internos e externos do Pla- gerir, em determinadas situações, até Ilma demonstra alguma preocupação
no de Objetivos e Metas. No fim de a demissão de dirigentes. Também foi com o futuro. “Esses valores introdu-
1996, novas eleições foram realizadas, formalmente criada por decisão do zidos por Arouca precisam ser mais
ainda sem respaldo legal. Integrante Congresso Interno, embora ainda não explicitados, para que não se vulgari-
de nova lista tríplice, Eloi de Souza funcione, a Ouvidoria da Fiocruz, um zem e não se percam no caminho”.
Garcia foi designado presidente. No canal de comunicação com o conjun- Ela teme que as idéias acabem “es-
início de 2001 foi eleito Paulo Buss, to da sociedade, acrescenta Gadelha. quecidas”, com a falta de compro-
que fez questão de dar continuidade “Um passo importante está dado”. misso das novas gerações. “Temo
ao modelo pensado há 20 anos. Há outras críticas, por exemplo, muito que esse modelo possa mor-
Em 2003, a realização de um so- ao não-atendimento de deliberações rer”. Ela reconhece: “É verdade que
nho: o presidente Lula e o ministro do Congresso Interno. Gadelha reco- o Arouca deixou muitos discípulos,
da Saúde, Humberto Costa, finalmen- nhece que algumas acabam não sendo exemplo disso é essa presidência, mas
te oficializaram o Estatuto da Funda- colocadas em prática. Mas é uma ex- na medida em que esses atores vão
ção Oswaldo Cruz. “Prezados colegas ceção, afirma, porque normalmente os se aposentando, deixando a Funda-
da Fiocruz, é com muita emoção que gestores seguem as determinações. “Em ção, não sei como será daqui para a
entrego-lhes o Estatuto. Emoção por- alguns momentos, poucos, realmente frente. Não podemos parar por aí”.
que um sonho de mais de 15 anos, não há empenho para que a delibera- Ary Miranda acha que o modelo
iniciado durante o 1º Congresso In- do se constitua em fato. Mas a grande de gestão interna já está bastante
terno, hoje é uma realidade”, discur- verdade é que nem tudo que é delibe- solidificado. “O fato de se ter uma
sou Paulo Buss em junho de 2003. rado é factível”. O problema, diz, é que renovação natural da vida não quer
Ary lembra que o modelo de ad-
ministração idealizado por aquele gru-
po “há duas décadas” vem sofrendo um
processo de amadurecimento natural. Idéia exportada
Ele cita, como exemplo, a criação na
primeira gestão de Buss do chamado
Coletivo de Dirigentes. Trata-se de O diretor-geral do Instituto Na-
cional do Câncer (Inca), José
Gomes Temporão, conta que o mo-
modelo de gestão, inspirado no
que havia na Fundação”.
Segundo ele, hoje as duas ins-
uma instância que reúne todos os fun-
cionários que têm algum cargo de di- delo de gestão participativa da tituições são muito similares admi-
reção, da chefia de departamento à Fiocruz serve de exemplo para sua nistrativamente, apenas com algu-
própria presidência, para discutir a exe- própria administração. Professor e mas particularidades. “Ao contrário
cução do que ficou decidido nas ou- pesquisador do Departamento de do que acontece na Fiocruz, que
tras instâncias. “Temos hoje na Fiocruz Administração e Planejamento de tem uma lista tríplice para a es-
os conselhos dos departamentos, os Saúde da Ensp/Fiocruz desde 1980, colha de seu presidente, o dire-
conselhos das unidades, o Conselho ele vivenciou todo o processo de tor-geral do Inca ainda continua
Deliberativo, o Congresso Interno e o consolidação desse novo modo de sendo escolhido pelo próprio mi-
Coletivo de Dirigentes. Pode-se até administrar uma instituição públi- nistro da Saúde”.
pensar que é muito, mas na prática ca. “Vivi essa experiência de per- Temporão afirma que o Inca
percebemos que não”, diz. to, fui relator-geral de um dos tem até Conselho Deliberativo e
Para Ary, a gestão da Fiocruz é Congressos Internos da Fiocruz”, Conselhos de Gestão em diferen-
realmente um modelo. “Se pegarmos conta. Ao assumir a direção do tes setores. “Que servem para tra-
qualquer instituição pública, duvido Inca, em setembro de 2003, não çar diretrizes de trabalho e discu-
que encontremos uma história de teve dúvida. “Foi uma das princi- tir problemas e soluções. Temos
gestão democrática parecida com a pais propostas que fiz: mudar o tido bons resultados”.
que temos aqui”.
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[ 32 ]

Um ciclo que se encerra


de Higiene e Demografia e da

FOTO: ASSESSORIA DE IMPRENSA E INFORMAÇÕES/IOC


Marinilda Carvalho Exposição de Higiene anexa a
ele, em setembro de 1907, em

A rma ilegítima de um dos


períodos mais ferozes
da história da República, a
Berlim, que elevou o prestígio
da ciência brasileira.
Em sua carreira, o pro-
ditadura, os atos institu- fessor descobriu e descreveu
cionais pós-golpe de 64 cas- quatro gêneros e 70 espécies
saram os direitos políticos de insetos. O que muitos con-
de presidentes da Repúbli- sideram um trabalho menor —
ca, senadores, deputados, “ah, vou pesquisar DNA e cé-
operários, estudantes, in- lula-tronco”, arremedou o
telectuais. Em 1º de abril de professor; a aluna deu-lhe ou-
1970, também vitimaram 10 tra olhada cúmplice... — é fun-
pesquisadores do Instituto damental na agricultura, é de
Oswaldo Cruz (IOC): Domin- uma importância econômica
gos Artur Machado Filho, enorme, insistiu. E desafiou:
Fernando Braga Ubatuba, quem prefere projetos moder-
Haity Moussatché, Masao nos de pesquisa deveria sa-
Goto, Herman Lent, Hugo de Sousa “Eu faço classificação de mosqui- ber que o estudo dos mosquitos também
Lopes, Moacir Vaz de Andrade, Sebas- tos”, disse. “Aos pesquisadores moder- serve para monitoramento da qualidade
tião José de Oliveira, Tito Arcoverde nos interessa estudar o DNA da perere- da água, tão necessário atualmente. Como
de Albuquerque Cavalcanti e Augusto ca”. Uma sua aluna de pós-graduação, os mosquitos crescem rapidamente, ser-
Perissé. Era o traumático Massacre de escrevendo no computador ao lado, olhou vem perfeitamente para esse acompanha-
Manguinhos, clímax do “terror cultu- o professor, como se desmentisse a afir- mento, seja na Baía de Guanabara, na
ral” que desde 1964 perseguia estudio- mação. Brincalhão, ele já estava sério Lagoa Rodrigo de Freitas (Rio de Janeiro)
sos. Em 1986, Sergio Arouca reconduziu ao dizer que 90% das espécies de mos- ou no Rio Tietê (São Paulo). “Mas as auto-
todos a seus postos, num gesto que quitos não estão classificadas. A maior ridades nada sabem sobre isso, nem mes-
tanto reparou a injustiça histórica parte das espécies conhecidas é da Ama- mo as autoridades sanitárias”, lamentou.
quanto fortaleceu a pesquisa básica da zônia, e são conhecidas graças a pes- “Não há nem uma verbinha para estudo
instituição. quisadores alemães (os alemães têm li- da fauna aquática”.
Em 16 de abril morreu aos 86 anos, gação estreita com Manguinhos desde Dois laboratórios que se ocupavam
de complicações pós-cirúrgicas, o os primórdios da instituição). Mesmo ainda dessas pesquisas fecharam: o pri-
entomologista Sebastião José de Olivei- assim, das espécies colecionadas, a mai- meiro, do Canadá, porque o pesquisa-
ra, último remanescente do Massacre de or parte não foi ainda estudada. dor principal se aposentou; o segundo,
Manguinhos, encerrando um ciclo que A própria história do IOC mostra a na Inglaterra, porque o pesquisador
marcou a história da Fiocruz. Era curador importância deste ramo de pesquisa. “Num principal morreu. Só a Alemanha mantém
da preciosa Coleção Entomológica do dado momento, quando começou a estu- vivo o interesse por esses estudos.
IOC, da qual muito se orgulhava. “Per- dar a pulga da peste bubônica e o mosqui- Com o surgimento do DDT, as es-
tenço a um grupo de pesquisadores em to da febre amarela, Oswaldo Cruz cons- pécies estão sendo extintas sem serem
extinção no mundo”, disse o professor tatou que nada se sabia sobre isso”, estudadas, afligiu-se o professor. (“As
Sebastião à Radis na tarde de 22 de no- observou. “Quando se descobriu que o represas também provocam extinção.
vembro de 2004, numa longa entrevista mosquito tinha uma importância sanitá- Quantos gêneros não terão desapare-
na sala atulhada de vidros com amos- ria enorme, porque causava uma doença, cido com Tucuruí?”) “Ah, se esses bi-
tras de insetos que ocupava no Castelo todo mundo abriu os olhos”. A partir des- chos vão desaparecer, para que estudá-
Mourisco. “Com o avanço da ciência, ses estudos Manguinhos, então Instituto los? É isso que pensam os jovens.” A
certas pesquisas viram moda, então as Soroterápico Federal, ganhou a Medalha aluna, jovem pesquisadora de mosqui-
tradicionais ficam demodé”. de Ouro do 16º Congresso Internacional tos, já ria abertamente.

dizer que a vida se esgote”, ponde- como um castigo, enfatiza, mas para mas acho que precisamos repensar o
ra. Para ele, já foi criada uma cultura valorizar o trabalho e os próprios tra- modelo nessas atividades”.
institucional muito forte, difícil de ser balhadores. “Isso, de alguma forma, Para a Asfoc, esta distinção é te-
alterada. E termina lembrando uma acaba comprometendo a gestão de- merária. Um dos caminhos para fazer
frase comum intramuros: “A gente mocrática, e é um grande desafio para o modelo avançar, na visão da associ-
tem orgulho de trabalhar aqui”. o futuro”. Também algumas atividades ação, é acentuar a participação dos
Paulo Buss concorda, o modelo é poderiam ser repensadas, como as in- trabalhadores na definição orçamen-
bom, e vem se aperfeiçoando. “Acho dustriais, que dependem menos da tária e de investimentos, a exemplo
que falta implantar na Fiocruz um sis- criatividade, que estão mais ligadas à de experiências bem-sucedidas em ad-
tema de avaliação de desempenho dos produção, e não exigiriam gestão ministrações municipais e de outras
funcionários que realmente funcio- participativa, acrescenta Buss. “Nem instituições públicas.
ne”, avalia. Um mecanismo mais ade- sei dizer qual seria a melhor forma de
quado para premiar ou “punir”, não mudarmos isso, do jeito como é hoje, * Colaborou Katia Machado
RADIS 33 ! MAI/2005
[ 33 ]

DIREIT
TOOS SEXU
UAA IIS
S E REP
PRROD U T I V
VOOS

SUS no planejamento familiar

A
Mas, falar em planejamento fami- mulher. Hoje, está na casa dos 2,3.
população brasileira, especi- liar patrocinado pelo poder público Mas o Estado tem obrigação de
almente os usuários do Sis- acende logo um sinal de alerta: por assegurar os direitos humanos, que
tema Único de Saúde (SUS), trás da medida estaria camuflada uma englobam os direitos sexuais e repro-
não tem acesso regular a política de controle de natalidade? Em dutivos, ressalta. Hoje, o atendimen-
métodos contraceptivos, muito menos entrevista à Radis em Brasília, o se- to é muito centrado nas vítimas de
a tratamentos de fertilização. Lança- cretário de Atenção à Saúde do Mi- violência sexual. E o que se quer, se-
do em março, um programa do Minis- nistério da Saúde, Jorge Solla, nega. gundo ele, é ampliar esse leque. “Pre-
tério da Saúde sinaliza com mudanças “Está totalmente fora de cogitação, cisamos dar assistência também às
nessa realidade: uma série de ações até porque a Constituição Federal não mulheres que, por uma razão ou ou-
de planejamento familiar estará dispo- permite”, diz. “A decisão de ter filhos tra, tenham se descuidado no uso
nível na rede pública de saúde. e de quantos filhos se quer é algo li- correto de seu anticoncepcional”,
Preservativos masculinos e femi- vre por parte do casal, e qualquer defende o secretário.
ninos e pílulas anticoncepcionais, hoje medida coercitiva nesse aspecto é ile- A pílula do dia seguinte, por exem-
já disponíveis, serão comprados em gal”. Para ele, já está superada a no- plo, pode reduzir os casos de aborto
maior quantidade pelo MS para que a ção de melhorias socioeconômicas de clandestino. E o programa também pre-
distribuição atinja mais pessoas. Mé- um país pelo controle da natalidade. vê assistência às mulheres que sofrem
todos reversíveis como o dispositivo complicações pós-aborto. “Essas com-
intra-uterino (DIU) e o diafragma, DIREITOS HUMANOS plicações estão entre as três ou quatro
contraceptivos injetáveis e o de emer- Jorge Solla lembra que a taxa de maiores causas de mortalidade materna
gência (a pílula do dia seguinte) farão natalidade já vem decrescendo no no Brasil”, diz. Em março de 2004 o pre-
parte desse rol. Da lista de serviços Brasil desde meados dos anos 1980: em sidente Lula assinou pacto pela redu-
constam métodos de fertilização. 1960, a média de filhos era de 6,2 por ção da mortalidade materna neonatal.
Coordenadora da ONG Sempreviva
Organização Feminista (SOF), com
sede em São Paulo, a psicóloga Nalu
Debate ultrapassado Faria opina que não deve haver impo-
sição de método à mulher. Mas con-
sidera a proposta do governo um avan-

O direito ao planejamento fami-


liar está previsto na Consti-
tuição de 1988, e foi regulamen-
As feministas protestaram: a
proposta lembrava controle de
natalidade. As igrejas contribuíram
ço, por oferecer à população, além
de preservativos, outros métodos
contraceptivos, respeitando o livre-
tado pela Lei 9.263, de 1996. Por para a confusão (no Rio, a prefei- arbítrio da mulher quanto a querer
ela, mulheres e homens têm o di- tura suspendeu a distribuição da ou não engravidar.
reito de decidir livremente sobre pílula do dia seguinte a pedido do Dados do MS mostram que há no
o número de filhos, e devem ter arcebispo católico), porque mis- Brasil 58 milhões de mulheres na fai-
acesso aos meios para regular sua turam questões de foro íntimo xa etária de 10 a 45 anos, 74% delas,
fecundidade — que abrangem a com moral religiosa. A imprensa, usuárias do SUS, e 70% usando méto-
educação sexual, o acesso aos que repercutiu por meses a polê- dos contraceptivos. O programa
serviços de saúde, ao uso de mica, nada esclareceu, pois his- atenderia, portanto, em torno de 30
contraceptivos e à esterilização toricamente associa pobreza e milhões de mulheres. “Estamos tra-
voluntária. O que o governo está fecundidade. Embora esteja pro- balhando com a Agência Nacional de
propondo, portanto, é simples- vado que essa relação é equivo- Saúde Suplementar para que as se-
mente o cumprimento da lei. cada — países que forçaram a re- guradoras de saúde passem a incor-
Para a antropóloga feminista dução da taxa de fertilidade porar medidas de planejamento fami-
Sonia Corrêa, o grande problema continuam pobres —, esse deba- liar”, informa Jorge Solla.
dessa discussão é o desconhecimen- te ultrapassado chega sempre O MS já começou a capacitar
to da mídia e dos próprios políticos aos jornais. Ultimamente, até se profissionais para atender à demanda
sobre o que já existe. Em janeiro de atribui a violência ao “alto índi- e lançará, ainda este ano, sete cader-
2004, por exemplo, a então minis- ce de fecundidade dos pobres”, nos especiais sobre direitos sexuais e
tra Emília Fernandes, petista gaúcha desconsiderando as raízes da ex- reprodutivos e métodos contracep-
que comandava a Secretaria de Po- clusão social. tivos, destinados aos profissionais de
líticas para as Mulheres, propôs Assim, para dar certo, qual- saúde. Há, ainda, um conjunto de
contrapartida ao Bolsa-Família: só quer programa nesta área exige ações na área da educação para em
receberia quem aceitasse informa- ações educativas e campanhas de 482 escolas de 281 municípios. As po-
ções sobre planejamento familiar. esclarecimento. pulações carcerárias também serão
atendidas pelo projeto. (W. V.)
RADIS 33 ! MAI/2005
[ 34 ]

SE R
RVVIÇO

EVENTOS Pela primeira vez no Brasil, o mações sobre local ou palestrantes.


ICML9 se realiza paralelamente ao 7º Data 10 a 13 de novembro
14º C ONGRESSO B RASILEIRO Congresso Latino-Americano e do Local Buenos Aires, Argentina
DE C IÊNCIAS DO E SPORTE Caribe de Informação em Ciências da E-mail congreso@madres.org
Saúde (CRICS7) e à 4ª Reunião de Co-

C om o tema central Ciência para a


Vida, o encontro, que se realiza
paralelamente ao 1º Congresso Inter-
ordenação Regional da Biblioteca Vir-
tual em Saúde. Como tema central, o
Compromisso com a Eqüidade.
PUBLICAÇÕES

L ANÇAMENTO — E DITORA F IOCRUZ


nacional de Ciências do Esporte, é Data 20 a 23 de setembro
promovido pelo Colégio Brasileiro de Local Centro de Convenções da Bahia, Ciência, Política e Re-
Ciências do Esporte e buscará res- Salvador, BA lações Internacionais
ponder à necessidade de uma refle- Mais informações (ensaios sobre Paulo
xão contextualizada no campo da edu- Tel. (55 71) 2104-3477 Carneiro), organizado
cação física e das ciências do esporte, Fax (55 71) 2104-3434 por Marcos Chor Maio,
sobre os limites e possibilidades de E-mail reúne textos de vári-
contribuição para as expressões da icml-registration@eventussystem.com.br os autores, fixando as-
vida, a partir de suas especificidades. Site www.icml9.org/?lang=pt pectos da trajetória
Data 4 a 9 de setembro de Paulo Carneiro, in-
Local Universidade Federal do Rio tegrante das academias brasileiras de
Grande do Sul, Porto Alegre, RS 4º S EMINÁRIO M EMÓRIA Ciências e de Letras e da Academia de
Mais informações E C ONTEMPORANEIDADE Ciências Morais da França, além de em-
Tel. (48) 331-9980 baixador do Brasil na Unesco. Desta-
E-mail cbce@cds.ufsc.br
Site www.cbce.org.br A quarta edição do Seminário Me-
mória e Contemporaneidade, em
Campinas (SP), promovido pelo Cen-
cam-se no livro as pesquisas de Carnei-
ro no Instituto Pasteur, de Paris.
Mais informações
tro de Memória da Universidade Es- Editora Fiocruz, Av. Brasil, 4.036, sala
14º C ONGRESSO C IENTÍFICO tadual de Campinas (Unicamp), reu- 112, Manguinhos, Rio de Janeiro, RJ
I NTERNACIONAL (CNIC 2005) nirá especialistas de diferentes CEP 21040-361
campos do conhecimento em torno Tel. (21) 3882-9039

O CNIC 2005, de 27 a 30 de junho


em Havana, Cuba, debaterá os
avanços mais recentes nas áreas de ci-
da questão da memória social.
Os participantes vão debater os
seguintes temas, aliados à memória:
E-mail editora@fiocrz.br
Site www.fiocruz.br/editora

ências naturais, biomédicas e tecnoló- Cidade, Imagem, Leitura, Saúde,


gicas. Promovido pelo Centro Nacional Patrimônio Histórico e Instituições-Me- L ANÇAMENTO — E DITORA F UNDAÇÃO
de Investigações Científicas (CNIC), ins- mória, Infância e Velhice, Diferenciação P EIRÓPOLIS
tituição cubana fundada em 1965, que Sociocultural, Comunicação, Educação
formou mais de 25 mil especialistas, o e Fontes e Metodologia de Pesquisa. Socioambientalismo
evento terá como tema central “40 anos Data 8 a 10 de junho e Novos Direitos —
a serviço da ciência e tecnologia”. Local Unicamp, Campinas, SP Proteção jurídica à
Além de abordar os avanços alcan- Mais informações diversidade biológica
çados em quatro décadas de existên- Tel. (19) 3289-3441 e cultural, da promo-
cia, o evento apresentará os novos E-mail cmemoria@unicamp.br tora Juliana Santilli,
produtos e tecnologias da indústria mé- do Ministério Público
dica, farmacêutica e biotecnológica. do Distrito Federal,
Data 27 a 30 de junho 4º C ONGRESSO DE S AÚDE M ENTAL trata do desenvolvi-
Local Havana, Cuba mento histórico e o contexto políti-
Mais informações
E-mail seminario@cnic.edu.cu
Site www.cnic.edu.cu
B uenos Aires sediará o Cuarto Con-
greso de Salud Mental y Derechos
Humanos, organizado pela Asociacion
co e social no surgimento do movi-
mento socioambientalista no Brasil, o
processo constituinte brasileiro e seu
Madres de Plaza de Mayo. Em 2005 o significado para a democratização do
enfoque do congresso será Saúde, país, mostrando os caminhos percor-
9º CONGRESSO MUNDIAL DE Educação e Trabalho, temas aborda- ridos pelo socioambientalismo para
I NFORMAÇÃO EM S AÚDE E B IBLIOTECAS dos em cinco diferentes tópicos: As superar o abismo entre as questões
práticas, subjetivações e alinhamen- sociais e ambientais e construindo

S alvador sediará o 9º Congresso Mun-


dial de Informação em Saúde e Bibli-
otecas, organizado pelo Centro Latino-
tos; Territorialidade, espaços críticos
e espaços de prisão; Construções
conceituais: ferramentas de transforma-
pontes entre movimentos sociais e po-
líticas públicas que tendem a atuar
de forma divergente.
Americano e do Caribe de Informação ção e instrumentos de reprodução; Dis- Mais informações
em Ciências da Saúde (Bireme/Opas/ cursos: palavra individual e enunciação Editora Fundação Peirópolis
OMS, em parceria com o Ministério da coletiva e Leis: legalidade hegemônica Site www.editorapeiropolis.com.br
Saúde e a Seção de Informação em x autenticidade singular. Inscrições de Tel. (11) 3816-0699
Biociências e Saúde (Ifla). trabalhos: até 25/9. Ainda não há infor- E-mail editora@peiropolis.com.br
RADIS 33 ! MAI/2005
[ 35 ]

PÓS-TUDO

Visita genial
Texto publicado na Revista de Man-

FOTO: J. PINTO
guinhos de dezembro de 2002, que a
Radis reproduz em homenagem aos 80
anos da visita de Einstein ao Brasil e
ao Ano Mundial da Física.

“Eque,
instein, o grande mathematico
atualmente, o Rio hospeda,
passou hontem mais um dia em nos-
sa metropole, tendo feito uma visita
ao Instituto Oswaldo Cruz e realizado
sua segunda conferência na Escola
Polytechnica”. Assim O Jornal abriu
uma de suas reportagens com man-
chete de primeira página, intitulada
“O Dia de Einstein”, na edição de 9
de maio de 1925.
Como os outros diários da então
capital da República, dedicou espa-
ço nobre ao físico Albert Einstein du-
rante aquela semana. Ilustrando a re-
portagem, um bico de pena esboçava
o perfil do cientista que, segundo a
legenda, fora produzido por desenhis- ou registrado suas impressões sobre do Papagaio.Os jornais mostravam, ain-
ta de Manguinhos, especialmente o IOC em uma dedicatória escrita so- da, a reação da platéia diante do “sá-
para o prestigiado diário da época. bre um disco? Não há em Manguinhos bio moderno”, descrevendo fisionomias
Nos arquivos da Fiocruz, atualmen- qualquer documento neste sentido. e gestos de intelectuais presentes às
te, há poucos registros de visita tão hon- Ainda conforme o noticiário dos conferências. Deliciosa a descrição do
rosa. O fotógrafo J. Pinto documentou diários cariocas, Einstein teria ido ao repórter de O Paiz sobre uma das con-
o autor de numerosos trabalhos de físi- Museu Oswaldo Cruz, visto a coleção ferências: “O almirante Gago Coutinho,
ca teórica, conhecido principalmente de anatomia patológica e percorrido conhecidamente contradictor do glori-
por sua Teoria da Relatividade, ao lado as salas de leitura da biblioteca. Os oso hospede, (...) num índice de in-
de pesquisadores de Manguinhos em pesquisadores, tendo à frente o en- credulidade inabalável (...) Os
uma das varandas do castelo. Há, tam- tão diretor Carlos Chagas, mostraram- graphicos de Einstein não o demoviam,
bém, o autógrafo de Einstein na página lhe “o Leptospira e o Trypanosoma parece, de suas idéias já adquiridas
que traz um dos seus artigos nos Annalen cruzi (...) e ele teria se interessado sobre a mecânica clássica (...) O Sr.
de Physik, publicação especializada dis- pelo processo utilizado para colora- Licínio Cardoso, na primeira fila (...)
ponível na Biblioteca de Manguinhos. ção de preparados por meio de câ- contrapunha mentalmente, aos prin-
mara clara”. O cientista alemão te- cípios da mecânica einsteniana, os
CAFÉ GELADO ria tomado uma xícara de café, que dogmas de Augusto Comte. Parecia
A leitura de dois jornais daquele preferiu “gelado” e, ao subir ao terra- também um irredutível (...) Só o pro-
dia, porém, traz detalhes importantes, ço, “sua vista se extasiou ante os mais fessor Sodré da Gama mostrou-se
como a informação de que Einstein te- belos panoramas, engrandecidos pela enthusiasmado (...)”.
ria documentado suas impressões so- mais variada topographia”. Ressalte-se
bre Manguinhos. O repórter de O Jor- o entusiasmo do repórter de O Jornal
nal escreveu: “No Laboratório de em sua descrição do ambiente. Mais informações
Chimica Applicada deixou um disco Einstein, o viajante da relatividade na
phonográphico, e ainda, assistiu a uma ENTUSIASMO RELATIVO América do Sul (Vieira & Lent Casa
experiência sobre a visão binocular”. Einstein chegou ao Rio de Janei- Editorial, 2004), do pesquisador
O autor da notícia veiculada em O Paiz ro em 4 de maio de 1925, depois de Alfredo Tiomno Tolmasquim, diretor
contou que “Einstein registrou a im- passar por Buenos Aires e Montevi- do Museu de Astronomia e Ciências
pressão da sua visita em um disco déu. Foi homenageado em jantares Afins do Rio de Janeiro
phonographico...”. oferecidos pelas colônias alemã e ju-
Restam-nos, hoje, somente hipó- daica, conheceu o Pão de Açúcar, foi Sociedade Brasileira de Física
teses: ele teria feito uma gravação à Tijuca, à Gávea e subiu a pé o Pico www.sbf1.sbfisica.org.br

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