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Rio de Janeiro
Crise paira sobre a saúde e
testa o SUS em seus 15 anos
Ciência ao alcance da mão
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CCS-Fiocruz
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editorial
Nº 33 — Maio de 2005
Modelos em construção
T
Comunicação e Saúde
riste beleza. A maravilhosa paisagem centrado nos hospitais e a ausência de
carioca está encoberta pela inten- uma atenção básica resolutiva. Isso e a ! Ciência ao alcance da mão 2
sificação da violência nas últimas déca- falta de uma atenção mais humanizada
das e por uma profunda crise na saúde, e integral faziam com que o sanitarista Editorial
agora mais evidente. Nesta edição, a clamasse por uma “reforma da refor- ! Modelos em construção 3
crise é o ponto de partida para uma ma”, tema retomado na entrevista desta
rica discussão sobre o Sistema Único de edição por Gastão Wagner.
Saúde, como modelo ainda incompleto “Para termos certeza de que o SUS Cartum 3
e que precisa de constante reforma. deu certo ele terá que funcionar no
Passado o momento inicial da in- Rio”, arrisca Maria Luíza Jaeger, do Mi- Cartas 4
tervenção, com base na desabilitação nistério da Saúde. O que torna a dis-
do município para a gestão plena do cussão e as soluções ainda mais difíceis,
orçamento da saúde, solicitada pelo considerada a avaliação de Gastão de Súmula 5
Conselho Municipal de Saúde, e no de- que a ex-capital do Império e da Repú-
creto presidencial de estado de cala- blica tem funcionado como “vanguarda Toques da Redação 7
midade pública, a situação da saúde no da degradação do tecido social e do Es-
Rio requer envolvimento de gestores, tado brasileiro”, o que o cenário da saú-
profissionais, políticos, da academia e de e da violência tristemente confirmam.
da população em soluções que trans- Outro destaque desta edição são
cendam os problemas cariocas e permi- os 20 anos da gestão participativa e
tam repensar e reorientar o próprio democrática na Fiocruz, implantada a Rio de Janeiro
Sistema Único de Saúde, que comple- partir da gestão Sérgio Arouca. Como ! Crise da saúde acende alerta no SUS 8
ta 15 anos. Com a decisão do Supremo o próprio SUS, também originado na
Tribunal Federal de determinar ao Mi- redemocratização do país e nos princí- Entrevista: Gastão Wagner de Sousa
nistério da Saúde a devolução à Pre- pios da Reforma Sanitária, este modelo Campos
feitura de dois dos seis hospitais re- de gestão ainda está em construção e ! “É preciso fazer a reforma da reforma
quisitados, a discussão sobre “o dia requer constante análise, autocrítica e do SUS e dar fim aos desmandos” 19
seguinte” fica ainda mais premente. controle da sociedade para ser aper-
A crise do Rio tem contornos ex- feiçoado, mas já serve de exemplo para
plícitos de irresponsabilidade e indife- outras instituições públicas. Financiamento da saúde
rença e de falta de compromisso com Por falar em controle social, ao ! O orçamento sob ataque 22
o SUS por parte da gestão municipal. fim das matérias sobre orçamento da
Mas nossa matéria de capa também saúde e novos projetos de lei, nas
Acompanhamento do Legislativo
reúne autocríticas dos defensores do páginas 22 e 24, divulgamos o conta-
SUS sobre como se deu o processo de to dos parlamentares mais envolvidos ! Inimigos do SUS? 24
municipalização na capital, incluindo a com os temas. É bom os leitores fica-
falta de cuidados na descentralização rem de olho e exercerem seu direito
de uma pesada e complexa estrutu- de expressão e legítima pressão so-
ra hospitalar. O diagnóstico das fon- bre o Congresso Nacional.
tes ouvidas converge para o que Sér- História da Fiocruz
gio Arouca chamava de “inampização” Rogério Lannes Rocha ! Vinte anos do modelo de gestão
do SUS, com o sistema fortemente Coordenador do Radis participativa e democrática 26
Serviço 34
Pós-Tudo
! Visita genial 35
C AR
RTTA S
R
E-Mail radis@ensp.fiocruz.br ecebo a Radis periodicamente
Diretor da Ensp Antônio Ivo de Carvalho
Site www.ensp.fiocruz.br/radis desde os tempos da graduação
PROGRAMA RADIS Impressão
Coordenação Rogério Lannes Rocha Ediouro Gráfica e Editora SA
em Medicina, e gostaria de ser mais
um a relatar a importância de vocês
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tro de casos em São Paulo ou no Brasil. registro e a certidão de nascimento, o Jornal da Ciência da SBPC.
Na América do Sul, Argentina, Peru e Cadastro de Pessoa Física (CPF), o Títu- O estudo mostra que as mulhe-
Chile têm registro da doença. lo de Eleitor e as carteiras de Identida- res optam mais por ciências humanas
Os casos notificados de 2004 a de e de Trabalho, o ministro Nilmário e da saúde, enquanto homens prefe-
março deste ano deram início à inves- Miranda, da Secretaria Especial dos Di- rem ciências sociais e engenharias. Na
tigação epidemiológica, que está na reitos Humanos, disse que “o sub-regis- Capes, em 2005, as mulheres recebe-
primeira etapa: estudo descritivo dos tro é a forma mais perversa de exclusão ram 55% das 16.264 bolsas de mestrado
casos, levantamento dos elos comuns social”. O lançamento da cartilha faz e 54% das 9.858 bolsas de doutorado.
epidemiológicos, alerta a laboratórios parte da mobilização nacional pelo re- Quanto mais sobe na pirâmide aca-
e médicos para notificação de casos gistro de nascimento, iniciada em 2003. dêmica, porém, menor é a participação
novos, análise do alimento consumido Parceria entre governo, estados, da mulher. Em 2005, as mulheres con-
por uma paciente (salmão importado associações de cartórios, movimen- centravam apenas um terço das 8.500
do Chile, enviado espontaneamente ao tos sociais e organismos internacio- bolsas do CNPq para pesquisadores
Instituto Adolfo Lutz Central), bem nais possibilitou que o índice de crian- com doutorado ou equivalente.
como inspeções sanitárias, para avalia- ças não-registradas no prazo legal O maior contraste é no topo da
ção dos fatores de risco. caísse de 24,4%, em 2002, para 21,6%, pirâmide, entre pesquisadores pós-dou-
Os epidemiologistas recomendam no fim de 2003. Para o ministro, a tores sênior ou professores líderes de
medidas cautelares a fornecedores e meta de erradicação do sub-registro grupo: menos de um quarto dos bolsis-
restaurantes de comida japonesa, para será alcançada até o fim de 2006. tas é mulher. Em física, por exemplo,
prevenir o consumo de peixe cru sus- Inicialmente, 66 mil alfabetiza- só 1% dos pesquisadores é mulher. José
peito de contaminação. dores receberão a cartilha pelo cor- Roberto Drugowich de Felício, diretor
O Fantástico de 10/4 saiu em de- reio; os demais, ao longo do ano. do CNPq, acha que não se trata de
fesa dos simpáticos restaurantes ja- preconceito, mas de reflexo da tradi-
poneses, que andavam às moscas. Dis- cional predominância dos homens na
se a apresentadora Glória Maria: “Se POUCA MULHER NO COMANDO DA CIÊNCIA pesquisa de alto nível. O ajuste, para
você não resiste àquele sashimi de ele, será inevitável com o tempo.
salmão, lembre-se de que o peixe
deve estar congelado a –20 graus por
pelo menos sete dias.” Bom conselho.
D ados divulgados pelo CNPq e pelo
Instituto Nacional de Estudos e
Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira
Para a bioquímica Jacqueline
Leta, da UFRJ, pode haver certo pre-
conceito sim, advindo da falta de re-
Mas, nos restaurantes, como saber? (Inep) indicam que as mulheres obtive- presentação feminina em muitos co-
Íntegra do trabalho ram 51% dos diplomas de pós-gradua- mitês do CNPq, o que significa que
www.cve.saude.sp.gov.br/agencia/ ção em 2003 e ocuparam 56% das vagas há poucas mulheres opinando sobre
bepa15_diphy.htm em cursos de graduação. O número de quem alcançará postos sênior na car-
títulos de doutor conquistados por reira. As mulheres não seguem car-
homens cresceu 69,2% entre 1996 e reira científica em longo prazo pela
“A FORMA MAIS PERVERSA 2003; para as mulheres, o aumento foi ausência de modelos e a persistên-
DE EXCLUSÃO SOCIAL ” de 80,9%. No mesmo período, o aumen- cia de papéis estereotipados da mu-
to da aquisição de títulos de mestrado lher na sociedade, afirma.
Hospital de Ipanema
Hospital da Lagoa
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Crise da saúde
acende alerta
no SUS
Em fevereiro, um rol de antigas de-
Reportagem Katia Machado núncias chegou à imprensa com gran-
Fotos Aristides Dutra
de estardalhaço — falta de pessoal,
de remédios e de equipamentos, ex-
F
ruto dos ideais e das lutas do cesso de filas, de desatenção e de
Movimento da Reforma Sanitá- sujeira nos hospitais. Os fornecedo-
ria dos anos 70/80, que resul- res não eram pagos, o salário do pes-
taram na Lei 8.080, de 1990, o soal terceirizado tinha dois meses de
Sistema Único de Saúde completa 15 atraso, setores de emergência e cen-
anos em clima de grave crise na rede tros cirúrgicos foram desativados em
pública da cidade do Rio de Janeiro. várias unidades.
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Caos instalado, autoridades mu- Conselho Municipal de Saúde, o status madrugada, expôs o estado agudo de
nicipais e federais passaram a trocar de gestora plena do SUS. fragilidade da saúde do povo.
acusações, enquanto as associações A intervenção do governo fede-
profissionais cobravam intervenção “REFORMA DA REFORMA” ral no Rio, revogada em parte pelo Su-
imediata do Ministério da Saúde. No O Rio foi apanhado de surpre- premo Tribunal Federal em 20 de abril
dia 11 de março, finalmente, o sa. Os jornais se saíram bem na co- (ver box na página 18), acendeu uma
presidente Lula assinou decre- bertura desse processo de ruptura: luz vermelha no painel de controle do
to declarando estado de cala- deram páginas e páginas às ações do SUS, abrindo uma oportunidade de
midade pública na saúde cari- governo federal, e até um diário ca- ouro para análise do nosso modelo de
oca e intervenção em seis dos rioca que vinha anunciando com in- saúde e reflexão sobre seu futuro. Um
mais importantes hospitais da sistência a saída do ministro da Saú- modelo fincado nos princípios e nas
cidade — quatro deles municipalizados de, Humberto Costa, não deixou de diretrizes de universalidade, integra-
(Hospital da Lagoa, de Ipanema, do cobrir exaustivamente a intervenção, lidade, eqüidade e descentralização,
Andaraí e Cardoso Fontes) e dois ainda que lhe atribuindo caráter par- com ênfase na municipalização, na
municipais (Miguel Couto e Souza tidário. Atendia ao clamor das ruas: regionalização e na participação da
Aguiar). A administração dos demais a população só falava da crise. O pre- sociedade (o controle social), pon-
hospitais passou à Secretaria Estadu- feito “presidenciável” César Maia tos-chave que no Rio foram golpea-
al de Saúde, perdendo a Prefeitura (PFL) reagia como se fosse candida- dos de morte. Morte, claro, dos pa-
do Rio de Janeiro, por decisão do to em outro país, sabotando as me-
didas de emergência (ver box nas
Os nós do modelo
N elson Rodrigues, o Nelsão, espe-
cialista em SUS, lembra que o
movimento pela municipalização co-
Para Nelsão, dos princípios do
SUS apenas a universalidade e a
descentralização com ênfase na
veriam ser identificadas por estudos
demográficos, epidemiológicos e so-
ciais. “O mapa das necessidades de
meçou antes da criação do SUS, no municipalização avançaram. Um está uma população serve para construir
contexto das lutas pela reforma sa- atrelado ao outro, diz Nelsão. “A um sistema de saúde com ações
nitária e da busca de solução para os integralidade, por exemplo, só integrais, voltadas para a promo-
problemas sociais decorrentes da acontece quando a regionalização ção, a recuperação e a proteção
explosão demográfica, que dobrou o funciona, ou seja, quando todas as à saúde do cidadão, evitando mui-
número de periferias pobres nos anos ações necessárias a uma população to desperdício”, disse Nelsão. A
70. “Os municípios e suas periferias se concentram numa região”. maior parte desse desperdício te-
eram o espaço mais acessível para O SUS herdou um modelo de ria solução. “Cuidar de um pacien-
novas práticas democráticas”, diz. oferta de serviços fincado no hospi- te com AVC é necessário, mas ino-
Três importantes encontros tal como centro do atendimento, e portuno, pois muitos casos seriam
marcaram o fortalecimento desse por trás desse modelo estavam três evitáveis com ações simples de pre-
movimento: em 1978, o encontro segmentos, à frente dos interesses venção da pressão alta”.
dos secretários municipais do Nor- da população: os fabricantes (de A intervenção no Rio só trará
deste; em 1979, primeiro encon- equipamentos, insumos e medica- resultados salutares, na opinião de
tro nacional de secretários muni- mentos), a rede de prestadores de Nelsão, se o MS reorganizar o sis-
cipais, em Campinas (SP); e em serviços (hospitais e laboratórios) e tema municipal de saúde, que não
1980, o segundo, em Niterói (RJ). os profissionais de saúde. “A esses pode mais se centrar nos hospi-
Quando o SUS foi criado, a pro- segmentos foi dada muita autono- tais. Este seria o momento de res-
posta da municipalização já estava mia, sem regulação”, diagnosticou. gate dos rumos do SUS dispostos
estruturada e foi inserida entre prin- Mas, pautado na Constituição na Lei 8.080/90. “Senão, muitas
cípios e diretrizes do sistema, com e na Lei do SUS, a 8.080/90, o mode- outras crises surgirão e muitos
o objetivo de aproximar as decisões lo objetivava o atendimento das ne- outros pedidos de intervenção vão
das pressões da população. cessidades da população, que de- ocorrer”, disse.
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cientes pobres, desassistidos em fi- mento de Atenção Especializada) e mídia para o debate em torno do con-
las intermináveis. Sérgio Côrtes (diretor do Into, o Ins- trole social.
Então, o momento é perfeito tituto de Traumato-Ortopedia), indi- Para o médico-sanitarista Nelson
para um balanço do que deu certo e cado coordenador das ações), entre Rodrigues, o Nelsão, ex-secretário-
do que deu errado nesses 15 anos de outros. “Os problemas do Rio trou- executivo do Conselho Nacional de
existência do sistema, exemplo inter- xeram à baila questões preocupantes Saúde, o que vemos é um SUS com
nacional de política pública de saú- para a consolidação do SUS”, resu- pouca resolutividade na Atenção Bá-
de que a agenda neoliberal do Esta- miu o coordenador. sica, congestionando prontos-socor-
do mínimo faz tudo para acanhar. Quais são esses problemas? As ros e ambulatórios especializados.
Nesse quadro repleto de complica- dificuldades de um país continental, “Por isso, afirmo que a crise do Rio
ções, não é casual que há anos os a debilidade da Atenção Básica (e o é apenas a ponta do iceberg”, dis-
defensores históricos do SUS ve- desprezo ao essencial Programa Saú- se. “O SUS está em crise, principal-
nham pedindo insistentemente uma de da Família), o modelo centrado mente nas grandes capitais”. O Rio
“reforma da reforma” (ver entrevis- nos hospitais, a difícil pactuação tem um dos piores quadros porque
ta na página 19). Falando à Radis em entre as três esferas de governo, o o sistema municipal foi pautado ex-
outubro de 2002, o médico-sanita- incipiente controle social, a não- clusivamente nos hospitais, o chama-
rista Sergio Arouca repetia seu já responsabilização do mau gestor. Em- do modelo “hospitalocêntrico”, e
antigo alerta para a necessidade de bora neste balanço não falemos dis- não foi construída uma rede de aten-
mudanças: “Temos que retomar o so, a matéria “O orçamento sob ção básica eficiente.
conceito da Reforma Sanitária para ataque”, na página 22, trata de ou- Antônio Ivo de Carvalho, diretor
retomar políticas dentro do siste- tro obstáculo crucial ao êxito do SUS: da Escola Nacional de Saúde Pública
ma sem burocratizá-lo”. o financiamento insuficiente da saú- Sergio Arouca, da Fiocruz, que vê na
A crise serve mesmo de alerta na de. Ficamos devendo para breve (em- intervenção uma solução de urgên-
opinião da cúpula da intervenção do bora já tenhamos tratado muitas ve- cia, afirmou que a crise está “na ci-
Ministério da Saúde — Maria Luiza zes desses temas) questões decisivas dade, na Região Metropolitana e no
Jaeger (secretária de Gestão do Tra- como humanização, que exige forma- SUS como um todo”, justamente pela
balho e da Educação na Saúde), ção e qualificação profissional, e a ausência da atenção básica resolutiva,
Arthur Chioro (diretor do Departa- necessidade de atração da grande que leva a população diretamente aos
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hospitais. “É uma rede pautada ape- Afinal, quais eram (são) os pro-
nas para atender a demanda, sem se
preocupar com o cuidado e a pre-
venção”, resumiu.
blemas do Rio? Quem mora na cidade
sabe de cor. E o governo registrou.
Na reunião de 17 de março da Comis-
A CIT foi criada em julho de 1991
pela Portaria MS/GM nº 1.180,
antes das Comissões Interges-
são Intergestores Tripartite (CIT), o tores Estaduais (CIB). A comis-
“O RIO É TERMÔMETRO” ministro Humberto Costa exibiu radi- são é formada paritariamente por
Em sua análise da crise, a ografia detalhada das fraturas da rede integrantes do MS, do Conass (se-
secretária Luiza Jaeger, do Mi- carioca, feita em seis dias pela equi- cretários estaduais de Saúde) e
nistério da Saúde, usou como pe da intervenção. do Conasems (secretários muni-
ponto de partida a diversida- Os problemas basilares da rede cipais). CIT e CIBs definem os te-
de do Brasil. Para ela, é im- assistencial: nos hospitais do Andaraí tos financeiros estaduais e ava-
possível um sistema igual em todos e Cardoso Fontes, setor de emergên- liam as Normas Operacionais
os estados e municípios num país cia fechado; no Hospital da Lagoa, 75% Básicas do SUS.
com enormes diferenças regionais dos leitos desativados e 100% das salas
e culturais. E fez uma sugestão: que cirúrgicas sem condições de uso (in-
o Rio de Janeiro sirva de parâmetro e filtrações e equipamentos quebrados), Bonsucesso, colapso iminente da
termômetro do sistema. “Para termos UTI fechada e ambulatório operando emergência (no Souza Aguiar faltava
certeza de que o SUS deu certo ele com 50% da capacidade; nos hospitais até aparelho de raios-X); no Hospital
terá que funcionar bem no Rio”. Miguel Couto, Souza Aguiar e Geral de de Ipanema, 70% das salas cirúrgicas e
Os primeiros 15 dias de
A seguir, a cronologia das duas pri-
meiras semanas da presença fe-
deral no sistema de saúde do Rio de
Janeiro, em meio às dificuldades in-
terpostas pelos gestores municipais.
DIA 13/3
! Profissionais de saúde, incluindo
pessoal terceirizado, muitos com até
dois salários atrasados, se apresentam
para trabalhar nos seis hospitais re-
quisitados, num mutirão de atendi-
mento que o ministro Humberto Cos-
ta chama de “operação de guerra”.
DIA 14/3
! O Ministério da Saúde (MS) con-
segue liminar na Justiça suspenden-
do decreto do prefeito Cesar Maia
que exonerava 51 funcionários dos Hospital de Campanha da Marinha
cargos de confiança dos hospitais
sob intervenção.
! Equipe de 15 advogados e admi- de tipo sangüíneo. O MS consegue intra-oculares (usadas em cirurgias
nistradores do ministério chega ao outra liminar na Justiça suspenden- oftalmológicas), com prazo de vali-
Rio para auxiliar na implantação das do a decisão do prefeito. César Maia dade vencido, em sala do Hospital
medidas, com apoio de dois profis- diz que pretendia apenas “deixar o Cardoso Fontes.
sionais da Advocacia Geral da União. Ministério da Saúde à vontade para ! O ministro Humberto Costa anun-
! MS consegue evitar que seja definir sua equipe”. cia a contratação de funcionários, em
desconetado o sistema de informá- ! A Base Aérea do Galeão recebe 16 caráter emergencial, para suprir o
tica dos hospitais, frustrando tenta- toneladas de medicamentos para déficit da rede municipal de saúde.
tiva de funcionários da prefeitura. abastecer os seis hospitais sob in-
tervenção do MS, armazenados na DIA 16/3
DIA 15/3 Fiocruz, a maior parte de antibióti- ! Humberto Costa anuncia várias
! César Maia assina novo decreto cos e antiinflamatórios. medidas para tentar normalizar o es-
afastando 285 servidores de cargos ! Auditores do MS encontram gran- tado de calamidade na saúde do Rio.
comissionados dos quatro hospitais de quantidade de medicamentos e Entre elas: contratação emergencial
municipalizados e suspende a entre- insumos para tratamento de Aids e temporária de pessoal, criação do
ga programada de kits para análise cardiopatias, analgésicos e lentes Samu e aplicação, também em cará-
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40% dos leitos desativados, além de sala na emergência dos hospitais Miguel materiais médicos essenciais numa
de cirurgia ambulatorial interditada Couto, Souza Aguiar, Salgado Filho, emergência”. No Miguel Couto, ope-
pela Vigilância Sanitária; no Cardoso Lourenço Jorge. ravam apenas três dos 14 respirado-
Fontes, menos de 10% do total de lei- No dia 6 de abril, em debate so- res da grande emergência.
tos; no Hospital do Andaraí, pronto- bre a crise na Ensp/Fiocruz, o co-
socorro e metade do centro cirúrgi- ordenador da intervenção, Sérgio “PROBLEMAS ANTIGOS”
co desativados (com descumprimento Côrtes (ele mesmo na berlinda da im- “Os problemas no Rio são
da ordem judicial para a reabertura). prensa, alvo de ameaças de morte e antigos”, disse à Radis a
Outros problemas, de ordem po- de denúncias de que o Into não anda conselheira Solange Belchior,
lítico-administrativa: desassistência às mil maravilhas), não dourou a pílula: representante dos trabalhado-
em saúde bucal, baixa cobertura da a situação era gravíssima. “Assumimos res no Conselho Nacional de
atenção básica, situação de greve nos as unidades numa sexta-feira, quando Saúde pela Federação Nacional dos
hospitais da Lagoa e do Andaraí; falta foi assinado o decreto de calamidade Enfermeiros. Quando era do Conse-
de insumos, especialmente medica- pública, e percebemos que o quadro lho Municipal de Saúde, há três anos,
mentos; contratos de manutenção e era bem pior do que imaginávamos”, já denunciava problemas gritantes.
registro de preços suspensos desde disse. O Souza Aguiar, por exemplo, di- Por exemplo, a falta de prevenção
junho de 2004; não-pagamento das ficilmente funcionaria no dia seguinte, da diabete. “As pessoas estavam
cooperativas médicas, resultando na um sábado, “pois estava completamen- indo ao Souza Aguiar para fazer am-
ausência ou na redução de médicos te desabastecido de medicamentos e putação”, disse ela, para espanto da
platéia. “Amputar uma perna não só em 2004 foram de residentes em ou- dos R$ 13.344.240 programados, pois
significa maior gasto para a saúde, tros municípios, percentual menor do só contratou 1.038 dos 3.948 agentes
como também reduz a qualidade de que o de muitas capitais”. previstos. Por não ter nenhuma equi-
vida de uma pessoa”. Para evitar pe de Saúde Bucal, deixou de rece-
muitas dessas amputações bastaria PERDA POR OMISSÃO ber R$ 12.872.400. “Só desses três pro-
distribuir hipoglicemiantes aos paci- O problema maior, segundo o mi- gramas, que são fundamentais para
entes e dar-lhes acesso a profissio- nistro, foi a falta de organização da desafogar os hospitais, pois organizam
nais qualificados. “Onde estavam os Atenção Básica, ou seja, da ausência a Atenção Básica, a prefeitura abriu
remédios e os serviços de atenção de ações nos postos de saúde, levan- mão de receber R$ 56.501.868 por
básica e de prevenção?”, questionou. do à superlotação dos hospitais, que ano”, informou Humberto Costa.
Solange disse apoiar a interven- deveriam oferecer apenas serviços de E a Prefeitura do Rio de Janeiro ain-
ção, mas ressalvou que, para a medi- média e alta complexidade, como exa- da deixou de receber R$ 20.532.692,32:
da ser produtiva, o ministério preci- mes e cirurgias. O atendimento de não se habilitou ao Piso de Aten-
sa organizar e reestruturar a rede baixa complexidade é tarefa dos pos- ção Básica Ampliada ao não infor-
de saúde do Rio. “Senão, ao sair, tudo tos de saúde. mar por dois anos a existência de
volta a ser como antes”. Dos cerca de R$ 23,3 milhões que eletrocardiógrafo e odontólogo;
Em sua apresentação na CIT, o estavam programados para execução mais R$ 4.066.856, por não informar o
ministro Humberto Costa disse que do Projeto de Expansão e Consolida- atendimento extra-hospitalar a paci-
esse caos na saúde é conseqüência ção do Programa Saúde da Família entes de saúde mental; outros
da falta de vontade política e de ca- (Proesf), do Ministério da Saúde, o Rio R$ 2.098.368 por não informar sua pro-
pacidade da Prefeitura do Rio para solicitou apenas pouco mais de R$ 2 dução no Programa Saúde da Família,
gerir os recursos que passou a rece- milhões, e comprovou a execução de o que representa 50% do que atual-
ber a partir de 1999, quando assumiu aproximadamente R$ 802 mil. Das 651 mente recebe na área; R$ 14.028.000
a gestão plena do SUS. O número de equipes de Saúde da Família que a por não ter aderido ao Serviço de
leitos disponíveis e não aproveitados prefeitura havia se comprometido a Atendimento Móvel de Urgência
demonstra essa incapacidade, disse o implantar em 2004, apenas 57 estão em
ministro. O Rio necessita de 15.027 lei- funcionamento, ou seja, 9% da meta,
O
tos hospitalares e tem à disposição e cobertura de 3,3%. “Assim, recebeu Programa Saúde da Família
20.967 leitos. “Ou seja, 28% acima da apenas R$ 1.915.884, quando poderia (PSF) é uma das principais
necessidade”, destacou. “Mas man- ter recebido R$ 35.709.552”. estratégias da Atenção Básica. Seu
tém uma situação de caos, com filas A mesma coisa quanto ao Pro- principal propósito é reorganizar
e desassistência”. Necessita de 601 grama de Agentes Comunitários: a a prática da atenção à saúde em
leitos de UTI, tem 666 leitos; das prefeitura recebeu R$ 3.508.440 novas bases e substituir o modelo
191.808 diárias de UTI disponíveis, tradicional, levando a saúde mais
usou em 2004 apenas 69.402 diárias, perto da família. Prioriza a pre-
informou o ministro.
Por seu lado, o secretário muni-
cipal de Saúde, Ronaldo Cezar Coe-
C riado em 1991, é estratégia
transitória para o Programa
Saúde da Família. Para cada
venção, a promoção e a recupe-
ração da saúde das pessoas, de
forma integral e contínua. O aten-
lho (profissão: banqueiro), sempre equipe de Saúde da Família há dimento é prestado na unidade
repete à imprensa que uma das cau- de quatro a seis equipes de básica de saúde ou em domicílio
sas da crise na saúde do Rio é que os agentes comunitários. Previne pelas equipes de Saúde da Família
hospitais cariocas recebem grande doenças informando e orientan- (médicos, enfermeiros, auxiliares
número de pacientes de fora. Para do a comunidade nos cuidados de enfermagem, dentistas, agen-
Humberto Costa, a alegação não pro- de saúde. tes comunitários de saúde).
cede. “Apenas 18,2% das internações
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Com isso, a prefeitura deixou de equipamentos e reformas em unida- Programa Saúde da Família), dos R$ 2
captar recursos em 2000, 2001 e 2002, des de saúde municipalizadas); de- milhões já recebidos a prefeitura só
exatamente porque não se ajustou volução dos Hospitais da Lagoa e de executou R$ 700 mil; das 200 equipes
aos termos do contrato. “Se a pre- Ipanema, como forma de reorgani- de Saúde da Família prometidas para
feitura achava que, do ponto de vis- zar os serviços de alta complexida- 2003 só se efetivaram 54. “Queríamos
ta político, devia lutar pela re- de de abrangência regional e aliviar apenas que a prefeitura expandisse
posição nas 28 unidades, tinha o impacto dos gastos com custeio a Atenção Básica, desafogando os ser-
duas opções: primeira, pegar da prefeitura. viços de média e alta complexidade,
o dinheiro disponível para os Como informou Chioro, os valo- independentemente do modelo que
seis já acertados, para não pre- res foram calculados com base em fosse seguir”, ressaltou Chioro, indig-
judicar o sistema; segundo, relatórios apresentados pelo próprio nado ao lembrar que o Rio é a capital
abrir discussão com o Ministério da secretário Ronaldo Cezar Coelho, com a menor cobertura de atenção
Saúde, tanto com o governo anteri- mostrando a situação de deteriora- básica do país.
or quanto com o atual, para cobrar ção dos hospitais municipalizados. “A Procurada insistentemente pela
o resto”, argumentou Chioro. prefeitura, portanto, receberia R$ Radis, a prefeitura não se manifestou.
182 milhões em três anos para inves-
“SEM ATENÇÃO BÁSICA” timento e recuperação da rede mu- “GESTÃO DETERIORADA”
O Ministério da Saúde, para re- nicipal de saúde”, disse. Os problemas só existem na rede
solver o impasse, fez levantamento das A proposta estava condiciona- de saúde municipalizada do Rio? A
perdas da prefeitura desde a munici- da a algumas ações, como esclare- equipe do MS garante que não. “Te-
palização e chegou a um valor de R$ 89 ceu Chioro: cumprimento do pac- mos ciência de que são vários os pro-
milhões. Pela proposta do ministério, to, expansão e qualificação da blemas, tanto nas unidades do esta-
a primeira metade seria paga em 2006 Atenção Básica, estruturação de um do quanto nas da União”, disse
e a outra em 2007. Outras propostas sistema de regulação de leitos, ado- Chioro. “A diferença é que as esferas
do MS: repasse de R$ 46 milhões para ção do Samu, aplicação de recur- de governo envolvidas conseguem
despesas com pessoal dos seis hos- sos de comum acordo tanto na rede pactuar as ações em saúde necessá-
pitais que constam da cláusula municipalizada quanto no pronto- rias e juntas buscam soluções para
contratual; investimento em 2005 de atendimento. seus problemas”.
R$ 93 milhões (R$ 38 milhões do Pro- Mas, com direito a R$ 22,4 mi- Nelsão defende a criação de
grama Qualisus e R$ 55 milhões para lhões do Proesf (os recursos para o uma rede eficiente de atendimen-
to básico, e lembra que na busca
de soluções é imprescindível a maior
participação da sociedade organi-
zada na luta pelas suas necessida-
Academia faz seu papel des. E a população precisa ser in-
formada sobre essas necessidades,
que não se resumem a pronto-so-
A população acorreu
ao Hospital de Campanha
da Marinha, montado em
pleno Campo de Santana,
no Centro da cidade
RADIS 33 ! MAI/2005
[ 18 ]
E N T R E V I S TA
O
trução do SUS”, e retomou assim seu
“
SUS é uma reforma incom- cargo de professor da Unicamp.
pleta, uma política que Nesta entrevista à Radis, conce-
exigiu e ainda exigirá gran- dida por e-mail, Gastão faz um balanço
des mudanças tanto no dos 15 anos do SUS e um diagnóstico
modo de gerir sistemas públicos como das mazelas que levaram a saúde do Rio
na própria maneira como se organi- de Janeiro a esse estado de calamida-
zam e operam os serviços de saúde”. de. “O Rio tem funcionado como uma
A opinião é do médico-sanitarista e espécie de vanguarda da degradação
professor da Universidade de Campi- do tecido social e do Estado brasilei-
nas Gastão Wagner de Souza Campos, ro”, diz. Na cidade, segundo ele, apa-
52 anos, tão entusiasta do Sistema Úni- rece mais a inércia do poder público
co de Saúde, para ele uma política — municipal, estadual e nacional —
generosa, voltada para os interesses e há uma evidente degradação do
populares, quanto crítico das práti- modo de se fazer política e gestão
cas neoliberais, cujos porta-vozes da coisa pública. “Nem o SUS con-
combatem tenazmente o sistema. seguiu atenuar esse fato”, afir-
Assim, são dois os obstáculos à ma. “Há um caos que criou um
continuidade do SUS. “Um é o con- ciclo vicioso, em que cada vez
texto de ajuste econômico e de con- menos gente se espanta e se es-
tenção dos gastos públicos na área candaliza com desmandos e des-
social, paralelamente a uma expan- cuidos; nesse sentido, a intervenção
são de gastos com serviços da dívida tornou-se inevitável”. No entanto, o SUS é uma refor-
e manutenção de equilíbrio mone- Para que a situação do Rio não ma incompleta, uma política que exi-
tário”, resume ele. “Não haverá fu- se repita em outras cidades, Gastão giu e ainda exigirá grandes mudan-
turo para o SUS, para a educação defende que a “reforma da reforma” ças tanto no modo de gerir sistemas
pública e para outras políticas de do SUS prossiga e que se coloquem públicos como na própria maneira
bem-estar se o Brasil não conseguir limites ao desmando e à omissão dos como se organizam e se operam os
alterar esse padrão de gasto do ex- governantes quando o assunto é po- serviços de saúde.
cedente de riqueza produzido no lítica pública. Há grandes obstáculos à conti-
país”. Isso depende, na opinião dele, nuidade desse processo. Um é o
de um forte movimento social e da Depois de 15 anos de existência, contexto de ajuste econômico e de
opinião pública, “bem como de um qual o balanço que você faz do SUS? contenção dos gastos públicos na
governo que tenha a grandeza de O SUS é uma política generosa, área social concomitante a uma ex-
realizar essas negociações sem levar uma das leis mais claramente voltadas pansão de gastos com serviços da
o país ao isolamento”. para a defesa das pessoas e dos inte- dívida e manutenção de equilíbrio
Gastão assumiu a Secretaria-Exe- resses populares já aprovadas no Bra- monetário. Não haverá futuro para
cutiva do Ministério da Saúde logo de- sil. Exatamente por esse nobre moti- o SUS, para a educação pública e
pois da posse do presidente Lula, a vo, tem sido tenazmente combatida e para outras políticas de bem-estar
convite do ministro Humberto Costa. criticada por todos aqueles que ade- se o Brasil não conseguir alterar esse
Em 10 de novembro do ano passado riram à baboseira reacionária do dis- padrão de gasto do excedente de
foi exonerado, por divergências quan- curso neoliberal. Uns a classificam de riqueza produzido no país. Isso de-
to às políticas de saúde. Antes, além populismo ou de demagogia, outros pende de um forte movimento soci-
de ensinar, dirigiu a Faculdade de Ci- argumentam sobre sua inviabilidade — al e de opinião pública que sustente
ências Médicas da Unicamp e exer- o Brasil não teria dinheiro para sus- esse tipo de projeto, bem como de
ceu por duas vezes o cargo de se- tentar esse tipo de luxo. Apesar dos um governo que tenha a grandeza
cretário municipal de Saúde de agourentos, o SUS encontrou um de realizar essas negociações sem
Campinas. Ao deixar o ministério foi modus operandi moderno, racional e levar o país ao isolamento.
convidado a assumir o posto de re- que inovou o modelo de gestão e de Outra dificuldade é a cultura
presentante do Brasil no Conselho atenção. Isso explica o porquê de se fortemente clientelista e o precário
Executivo da OMS, mas recusou. Pre- conseguir prestar tantos serviços com funcionamento da máquina pública
feriu “continuar ajudando na cons- tão pouco recurso. em todo país. A maioria dos muni-
RADIS 33 ! MAI/2005
[ 20 ]
cípios tem baixa capacidade de gestão problema federal, estadual e muni- SUS? Quanto dessa diferença sairá
e a sociedade civil pequena capacida- cipal, do mesmo modo que o mos- do orçamento dos estados e muni-
de para impulsionar e para controlar o quito da dengue. cípios? Este fato tem levado vários
governo. Esse fato é o principal res- Com certeza há indícios de que municípios a não assumirem a ges-
ponsável pela forma heterogênea e a política de saúde da cidade é mui- tão da rede hospitalar e de serviços
desigual com que o SUS vem se implan- to ruim e que mesmo a gestão do já especializados (dados do Cadastro
tando. Por último, o movimento sanitá- existente — particularmente da rede Nacional de Estabelecimentos de
rio, que teve um papel tão destacado Saúde confirmam que, em novembro
na concepção e no desenvolvimento de 2004, 56,12% das unidades de
do SUS, nos últimos anos reduziu sua
capacidade criativa e propositiva, tal- O Rio tem internação estavam ainda com ges-
tão estadual). Por um lado, há ne-
vez por haver se colado em excesso cessidade de o Ministério da Saúde
à perspectiva oficialista de alguns go-
vernos. Estes obstáculos foram cita-
funcionado como aumentar o orçamento para o SUS,
o que exigiria mudança no perfil de
uma espécie
dos de modo muito ligeiro e, com cer- gastos do superávit nacional. Por
teza, mereceriam uma compreensão outro, caberia definir-se qual a res-
mais cuidadosa. ponsabilidade dos estados e dos mu-
O SUS avançou e, ao mesmo tem-
po, ainda há problemas graves tanto de vanguarda nicípios com o financiamento da
atenção hospitalar e especializada.
em relação à universalidade quanto à A intervenção confirma também
integralidade e à eqüidade. Está na
moda referir-se à integralidade como
da degradação do a inadequação do modelo de regiona-
lização e dos instrumentos de ava-
tecido social e do
principal desafio, alguns chegam ao liação e acompanhamento da des-
exagero de medir o coeficiente de centralização hoje à disposição do
“susismo” de cada discurso pelo nú- ministério e das secretarias estaduais.
mero de vezes em que esse conceito
é referido. Na realidade, há obstácu- Estado brasileiro. Seria necessária uma reforma da re-
forma, criando mecanismos interme-
los importantes ao acesso e, portan- diários para que o MS e as secretarias
to, ainda falhamos diante da universa- possam acompanhar, regular e estimu-
lidade e em assegurar o direito à saúde. de hospitais e de ambulatórios lar a implantação local da rede bási-
Avançou-se quanto à variedade de ser- especializados — é bastante inade- ca, da vigilância à saúde e da atenção
viços colocados à disposição dos usu- quada. Portanto, o governo munici- especializada e hospitalar. O modelo
ários, o programa de Aids tem sido ci- pal é responsável pelo descalabro sa- de financiamento poderia ser altera-
tado como exemplar em relação à nitário carioca. No entanto, há do de modo que uma parte dos re-
integralidade, entretanto estamos lon- outros responsáveis. cursos dependesse de um contrato de
ge de garantir o projeto terapêutico Sabemos que o custeio da aten- gestão com cada município e que de-
adequado a cada caso ou mesmo as ção hospitalar pelo Ministério da veria ser acompanhado pelas Secre-
iniciativas de promoção e prevenção Saúde cobre entre 30% e 45% dos tarias de Estado. Hoje há o tudo ou
necessárias para caracterizar uma custos de um hospital muito bem- nada: suspender a gestão plena e o
oferta integral. A eqüidade depende repasse de recursos, que no limite
da capacidade do SUS de identificar penalizam a população e desobrigam
diferenças na vulnerabilidade ou no
risco de pessoas ou agrupamentos
Pena que o preço o gestor local com o SUS.
arriscam sua
cas públicas no Brasil. O Rio tem fun-
A crise da saúde no Rio de Janeiro cionado como uma espécie de van-
seria um alerta para o SUS? guarda da degradação do tecido
A crise do Rio de Janeiro é um
sintoma exuberante desse proces-
so interrompido de reforma sanitá-
sobrevivência social e do estado brasileiro. A inér-
cia do poder público — municipal,
estadual e nacional — diante da cri-
ria. Há um forte componente políti-
co partidário nas versões divulgadas.
política; o povo, se urbana, do desemprego, da edu-
cação e da saúde pública tem uma
manutenção predial, de insumos e to de metas que obrigasse os muni- serviços e a não-criação de novos
de equipamentos adequada. cípios com extensão e qualificação projetos? Na realidade, há uma es-
Há problemas graves com a ges- do SUS. Por último, criar critérios pécie de acomodação social com a
tão de pessoal, um caos que criou um para os investimentos novos: hoje isso desvalorização da vida no Rio e no
ciclo vicioso em que cada vez menos depende de negociação política e Brasil. Se tanta gente morre assassi-
gente se espanta e se escandaliza emendas parlamentares em que o nada, se a contínua degradação de
com desmandos e descuidos. Nesse mérito sanitário conta pouco. serviços públicos é assistida sem re-
sentido, a intervenção tornou-se ine- clamação, por que seria diferente
vitável. O problema é como melho- com o SUS? Penso que esse debate
Como a sociedade
rar a atenção à população e obrigar interessa ao Brasil, mas diz respeito
os governos a terem uma postura particularmente aos cariocas, e den-
institucional em que coloquem o fun- tre eles aos sanitaristas. Tenho a
cionamento do SUS acima das diver-
gências partidárias. Nenhum dos três civil e a opinião impressão de que as lideranças do
movimento sanitário se distanciaram
governos é inocente. Essa situação do do povo e das equipes de saúde, tal-
Rio não pode se repetir. Para isso a
reforma da reforma do SUS deve pros-
pública foram vez porque se partidarizaram muito
e isso emburrece as pessoas, cres-
tão tolerantes
seguir e deve-se colocar limites ao ce a porcentagem de assuntos proi-
desmando e à omissão dos governantes bidos, comentá-los seria provocar
quando o assunto é política pública. esse ou aquele governo e com isso
Ainda sobre o Rio, o secretário com a degradação perder algum emprego eventual,
pode ser isso também, sei lá.
Ronaldo Cezar Coelho alega que o Por outro lado, há um “denun-
dinheiro do SUS é “virtual”. Isso é
real ou uma forma de justificar a má
dos serviços e a cismo”, em princípio sempre quan-
do o governo tem posição distinta
não-criação de
administração? dos militantes. Essa postura histéri-
O dinheiro do SUS não é virtual, ca não alcança credibilidade e é
o financiamento é insuficiente, con- incapaz de reconhecer ou de apoi-
forme já comentei antes. Mesmo
quando o recurso é limitado ele pode novos projetos? ar iniciativas positivas, mas que for-
taleceriam políticos de outra extra-
ser administrado em defesa da vida, ção. Muitos me dizem que essa
o que certamente não foi o caso da partidarização, esse hábito de co-
Prefeitura do Rio. O governo local locar o interesse particular antes
subestimou a importância política do Diante de problemas como os do Rio, da saúde seria um fato normal e ine-
SUS e está pagando um preço alto. qual o papel do controle social? E qual vitável. Eu reconheço que é inevi-
Pena que o preço pago pela maioria o balanço do controle nesses 15 anos? tável que isso ocorra, mas me recuso
seja muito mais alto: os dirigentes O controle social também fa- a considerá-lo normal quando as coi-
arriscam sua sobrevivência política; o lhou no Rio de Janeiro. Como a soci- sas se degradam, quando o jogo polí-
povo, sua própria vida. edade civil e a opinião pública foram tico se sobrepõe ao interesse públi-
tão tolerantes com a degradação dos co e à lógica sanitária. (K. M.)
Fale um pouco sobre o orçamento
do SUS nesses 15 anos. Quais os
impasses no que diz respeito ao fi-
nanciamento?
O orçamento do SUS vem cres-
Radis adverte
cendo nesses 15 anos, o Gilson Car-
valho e o José Carlos Silva têm uma Rigor em laboratório faz
série de estudos demonstrando isso, bem à saúde do planeta
como se comportaram os gastos de
Os EUA vão gastar em 2005 US$ 50
cada esfera de governo. A consoli-
bilhões em segurança interna, boa
dação do SUS depende de mudan-
parte na prevenção do “bioterror”.
ças nesse campo. Em primeiro lugar,
Mas foram modestos técnicos do
aprovar a regulamentação da emen-
Medicare, o sistema socializado de
da 29, que vem encontrando oposi-
cuidados de saúde do Canadá, em
ção dos ministérios da Fazenda e do
Winnipeg, que identificaram a te-
Planejamento do governo Lula. De-
mível cepa A/H2N2 da gripe asiáti-
pois definir a responsabilidade de
ca, capaz de criar pandemia glo-
cada ente governamental com o fi-
bal. As amostras estavam em kits de
nanciamento da atenção básica, es-
vírus enviados pelo laboratório ame-
pecializada, hospitalar e em saúde
ricano Meridian Bioscience Inc. a
pública. Os estados têm um grau de
3.747 laboratórios em 18 países. Os
liberdade quase absoluto na execu-
canadenses imediatamente avisaram
ção do seu orçamento. Depois seria
à OMS, que expediu alerta para des-
necessário criar um novo modelo de
truição das amostras. (Íntegra: http://
financiamento: um modelo misto que
resistir.info/eua/flu_pandemic.html)
remunerasse pela capacidade de
produção e por meio de um contra-
RADIS 33 ! MAI/2005
[ 22 ]
FINANCIAMENTO DA SAÚDE
M
vai ocorrer no ano seguinte. Os valo- lei que está tramitando no Congres-
ais uma vez os recursos res previstos para 2005, em compara- so, segundo o qual R$ 1,2 bilhão do
destinados à saúde são ção a 2004, dependiam da variação orçamento da saúde seriam usados
alvo de polêmica e muita nominal do Produto Interno Bruto para despesas do Programa Bolsa-Fa-
preocupação. Deputados (quer dizer, o crescimento real do PIB mília. A soma disso tudo: R$ 5,4 bilhões.
e senadores da Frente Parlamentar de mais a inflação). Isso porque, pela O projeto de lei é de autoria do
Saúde (FPS) reuniram-se, no dia 12 de regra atual, a União deve aplicar o Poder Executivo e, pelo entendimento
abril, com o procurador-geral da Re- empenhado no ano anterior mais a de outro deputado, Roberto Gouveia
pública, Cláudio Fonteles, para tentar variação nominal do PIB apurada no (PT-SP), ainda não representa uma
fazer com que se cumpra rigorosamen- ano em que se faz o Orçamento. O ameaça real às verbas da saúde. O
te o que determina a Emenda Consti- IBGE, na época em que fizemos a ma- projeto, na verdade, concede ao Mi-
tucional 29 — a EC-29. De acordo com téria, previa uma variação entre 4% e nistério da Saúde um crédito suple-
números apresentados pelo presiden- 5%, e a inflação deveria superar um mentar de R$ 1,2 bilhão para que se
te da FPS, deputado Rafael Guerra pouco os 6% ou 7%. executem ações de “auxílio à família
(PSDB-MG), o orçamento deste ano — na condição de pobreza extrema,
previsto em cerca R$ 36 bilhões para “ISSO NÃO É SUS” com crianças entre 0 e 6 anos, para
ações e serviços de saúde — poderá Bem, em 2004 a variação ficou melhoria das condições de saúde e
sofrer uma sangria de R$ 5 bilhões. em 5,2%, uma diferença de cálculo combate às carências nutricionais,
A FPS recebeu a promessa de que, que, segundo Rafael Guerra, provo- para garantir a continuidade do Bol-
após analisar os pontos levantados pe- ca um impacto no piso das verbas da sa-Família”, diz a minuta do projeto,
los congressistas, e se de fato forem saúde de R$ 442,5 milhões, a serem encaminhado pela Casa Civil ao Sena-
constatadas as irregularidades, será atendidos em 2005. Além disso, o or- do em 3 de março.
feita recomendação ao presidente Lula çamento de 2005 prevê que R$ 347,3 Situação semelhante ocorreu em
para que a EC-29 seja cumprida. milhões do orçamento da saúde se- 2003, quando se discutia o orçamen-
Mas os problemas com o orça- jam aplicados no programa da Farmá- to de 2004. O presidente vetou um
mento da saúde remontam a 2003, lem- cia Popular, e mais R$ 49,8 milhões importante parágrafo da Lei de Dire-
brou o deputado em conversa com a para a Agência Nacional de Saúde trizes Orçamentárias: o que impedia
Radis, quando as contas do governo Suplementar (ANS). “Isso não é pro- que os gastos “extra-SUS” (pagamen-
foram aprovadas pelo Tribunal de Con- grama do SUS”, reclama o deputado. to das dívidas da saúde e dos inativos
tas da União (TCU), com a ressalva de E tem mais: no ano passado, queixa- e recursos para o Fundo de Combate
ter faltado o uso de R$ 949 milhões. se ele, o Ministério da Saúde deixou e Erradicação da Pobreza fossem con-
Como aprendemos na matéria R$ 1,9 bilhão inscritos na rubrica “Res- siderados “ações e serviços de saú-
“Pressão social por mais verbas para tos a pagar” para o exercício de 2005 de”. O veto mobilizou a área da saúde
o SUS”, capa da Radis 28, o orçamen- do orçamento da saúde. e a pressão fez com que o presidente
RADIS 33 ! MAI/2005
[ 23 ]
recuasse e garantisse os recursos — “Essa conta de percentual do PIB da no ano seguinte, depois de fecha-
na época, uns R$ 4,2 bilhões. é difícil de entender, principalmente das as contas. Isso embrulha a exe-
por pessoas e setores que não são muito cução do orçamento da saúde numa
A GANGORRA E A VIGILÂNCIA afeitos à saúde ou ao orçamento”, diz. imprecisão tal que deixa angustiado
No momento em que soube do “Faço outra melhor”, desafia, sugerin- todo gestor sério.
projeto, o deputado Roberto Gouveia do que o secretário some todo o di- Com o PLP 1/03, porém, a União
também ficou surpreso, mas tranqüi- nheiro da área pública (federal, esta- será obrigada a destinar à saúde 10%
lizou-se ao saber que os recursos sai- dual e municipal) e o divida pelo número de suas receitas correntes brutas —
rão da chamada Fonte 179, que nada de habitantes e por 365 dias. “Dá por que reúnem todos os tributos reco-
mais é do que o Fundo de Combate à dia R$ 0,70 por pessoa, para fazer tudo lhidos pelo governo —, enquanto es-
Pobreza. “E a fonte 179 é a EC-31, e de saúde no Brasil, de educação, pre- tados e municípios terão de aplicar,
não a EC-29”, esclarece Roberto. venção, promoção, vacinação, Pro- respectivamente, 12% e 15% de suas
Mas a tranqüilidade do deputado grama Saúde da Família, a diagnósti- arrecadações.
não é absoluta. Ele diz estar acompa- co precoce, internação, hemodiálise, O projeto está na última comis-
nhando com preocupação o que clas- parto, dengue, hanseníase, malária, são da Câmara, a de Constituição, Jus-
sifica de “gangorra orçamentária”, algo Aids e transplante”, enumera. “Gas- tiça e Cidadania, a CCJC, e já tem pa-
que “sempre ocorreu no Brasil e que tamos em saúde por dia menos de meia recer favorável do relator, o deputado
foi o motor da aprovação da EC-29”. passagem de ônibus por pessoa no José Pimentel (PT-CE). Falta, agora, a
Vale recordar: antes desta emen- Brasil. O SUS tem feito milagre, mas aprovação do plenário da comissão
da, não havia vinculação de recursos até milagres têm limite”. para que chegue ao plenário da Câ-
para a saúde. Mesmo com a vinculação A conta é chocante. Por isso, mara dos Deputados. Em contatos com
criada pela EC-29, que obriga estados embora esse projeto de lei, formal- o presidente da Câmara, Severino
e municípios a gastarem percentuais mente, não seja um problema, pois Cavalcanti (PP-PE), os parlamentares
pré-estabelecidos em ações e servi- prevê recursos da tal Fonte 179 e não da FPS conseguiram o compromisso de
ços de saúde, Roberto Gouveia acre- onere a EC-29, o deputado observa que o projeto receberá prioridade
dita que a gangorra está voltando. que precisamos nos manter vigilantes. para votação em plenário assim que a
Ele lembra dos R$ R$ 4,23 bilhões da CCJC concluir os seus trabalhos.
IMAGINAÇÃO FÉRTIL EC-29 que seriam utilizados no Bolsa- “Se aprovado, vamos ter um acrés-
Segundo o deputado, principal- Família, “que nos obrigou a uma gran- cimo de recursos federais em torno
mente os governos estaduais estão de reação nacional”. Ele não deixa de de R$ 10 bilhões”, calcula Roberto
embutindo, como gastos da EC-29, ressaltar a importância do programa, Gouveia. “Alguns podem até dizer que
por exemplo, alimentação nos presí- que é mesmo relevante, mas defende é loucura, mas aí faço aquela nossa
dios, vacina de brucelose das vacas, a separação dos papéis. “Seria a mes- continha” (o desafio ao secretário do
o vale-leite, restaurante popular, apo- ma coisa que colocar uma pessoa que tesouro, lembram?). “Dá mais R$ 0,13,
sentadoria de inativos. “E daí vai, por- precise de um prato de comida dispu- ou seja, sobe para R$ 0,83”. O deputa-
que a imaginação é fértil e não tem tando com outra que precisa de um do fez uma sintonia fina nas contas, e
limites. Jogam outras despesas como coquetel da Aids”, compara. conclui que o valor por pessoa investi-
gastos do SUS”. O deputado aponta uma das ra- do por dia na saúde pode chegar a R$
Ele reconhece que a saúde é zões para a necessidade de vigilância 1. “Ainda é meia passagem de ônibus
determinada por uma série de fato- permanente sobre o projeto de lei que teremos para tratar da saúde no
res, mas argumenta que para cada do Executivo. “Para fazer esse crédi- Brasil. Mas os governantes terão de
ação deve haver destinação e orça- to suplementar, é necessária a apro- gastar mais com ações típicas de saú-
mento corretos. “Não se pode usar vação do Congresso. Mas, para mu- de.” É um começo.
uma emenda que veio garantir o SUS dar de fonte, basta um decreto”,
no Brasil em ações típicas de saúde adverte. Roberto Gouveia se declara
para tapar buraco na estrada, alegan- confiante no governo e no ministro Manifeste sua opinião nesta discussão.
do que a ambulância passa pela es- da Saúde, mas não na área econômi- Os contatos:
trada e, como carrega o doente, isso ca, “que tenta economizar recursos
tem a ver com a saúde”. às custas do social”: “Aprovado o pro- Procurador-geral Cláudio
O deputado não esconde a in- jeto, não venham trocar a fonte por Fonteles
dignação, no entanto, em relação às decreto”, avisa. “A sociedade está de Tel. (61) 3031-5600
declarações que o secretário do Te- olho. Vamos fazer vigília”. Fax (61) 3031-6493
souro Nacional, Joaquim Levy, publi-
cou em artigo no jornal Folha de O AGUARDADO PLP 1/03 Deputado Rafael Guerra
Tel. (61) 215-5239
S.Paulo, em fevereiro deste ano, di- Para quem não está ligando o
Fax (61) 215-2239
zendo que os gastos do SUS chega- nome à obra, Roberto Gouveia é au-
E-mail dep.rafaelguerra@camara.gov.br
ram ao limite. Para o deputado, a ava- tor do Projeto de Lei Complementar
liação do secretário leva em conta nº 1 de 2003, o nosso tão aguardado
Deputado Roberto Gouveia
os gastos referentes a percentuais do PLP 1/03, que regulamenta a EC-29,
Tel. (61) 215-5568
PIB. “Minha avaliação é diametral- determinando o que são ações e ser-
Fax (61) 215-2568
mente oposta à dele”, afirma. “Eu acei- viços de saúde e estabelecendo os
E-mail
to fazer essa conta, mas se formos percentuais mínimos a serem investi-
dep.robertogouveia@camara.gov.br
comparar em termos de percentual do dos na área por União, estados e
PIB estamos gastando menos do que municípios. Como a Radis já mostrou
Contatos da Frente Parlamentar
Colômbia, Venezuela, Uruguai, Argen- várias vezes, pela norma atual o di-
de Saúde — www.ensp.fiocruz.br/radis/
tina”. O Brasil gasta, em média, 3,2% nheiro da saúde depende da incerta
33-web-01.html
do PIB com saúde. variação nominal do PIB, só conheci-
RADIS 33 ! MAI/2005
[ 24 ]
ACOMP
PAANHAMENT
TOO D O L E G IIS
S L AT I V
VOO
Inimigos do SUS?
D
prego e salário, e os demais cidadãos escreve o deputado na justificativa
ois projetos de lei apresen- iguais ficariam exclusivamente com a do projeto.
tados em 2004 à Câmara dos assistência do SUS, pressupostamente A proposta de Adelor Vieira tra-
Deputados pairam como nu- insuficiente pela lei?”. mita na Comissão de Trabalho, Admi-
vens de preocupação so- Outra polêmica em relação ao nistração e Serviço Público, e seu
bre as cabeças dos parlamentares li- projeto está contida em seu Artigo relator é o deputado Pastor Francis-
gados à área da saúde. Na opinião 3º, que determina que “os emprega- co Olímpio (PSB-PE), cujo parecer foi
deles, o PL 3.268/04, de Francisco dores do setor privado arcarão com pela rejeição da proposta. O relató-
Gonçalves (PTB-MG), e o PL 4.332/04, essas despesas e terão um percentual rio ainda precisa ser votado pelos in-
de Adelor Vieira (PMDB-SC), são pro- de 1% de incentivo fiscal a ser des- tegrantes da comissão. Caso a rejei-
postas inimigas do SUS. contado do seu lucro líquido. No se- ção seja confirmada, o destino do
Em sua ementa, o 4.332/04 pro- tor público, o governo repassará os projeto é a gaveta — só poderá vir a
põe instituir, em todo o território na- valores pagos hoje ao SUS aos órgãos ser apreciado numa outra legislatura
cional, o que chama de “Tíquete-Saú- distribuidores do referido tíquete”. do deputado-autor. Se for aprovado,
de”, que faria parte de um pretenso Gilson Carvalho diz que, de acordo permanece seguindo pelas demais
“Programa Nacional de Primeira Con- com a Lei de Responsabilidade Fiscal, comissões da Câmara, mas não preci-
sulta”, ou PNPC. Já no Artigo 1º, o não se pode fazer renúncia fiscal sem saria ir a plenário, uma vez que é pro-
projeto traz um elemento que fere demonstrativo explícito de onde sai- jeto de lei terminativo. Explicando
abertamente o princípio da universa- rá nova receita para cobrir a que foi melhor: projetos de lei terminativos
lidade: o tíquete permitirá “a todo alvo de renúncia. são apreciados apenas pelas comissões
trabalhador brasileiro realizar sua pri- Para Gilson, o projeto é incons- que compõem a Câmara e o Senado,
meira consulta e exames laboratoriais titucional: “Fere o direito à igualda- sem necessidade de irem a plenário.
básicos em instituições de saúde pri- de à saúde entre todos os cidadãos,
vadas, com vistas à identificação ou ao pretender criar um sistema para- “SUS DE LUXO”
prevenção de possíveis enfermidades”. lelo de acesso facilitado e diferen- Levar a discussão ao plenário da
O Artigo 2º estabelece que o ciado para empregados com carteira Câmara é a luta do deputado Roberto
Tíquete-Saúde “é um benefício que assinada e servidores públicos”. O Gouveia em relação ao outro projeto
o empregador, pessoa física ou jurí- deputado Rafael Guerra (PSDB-MG), que preocupa a área da saúde, o
dica, da área pública ou privada, presidente da Frente Parlamentar de 3.268/04 — ou, como foi extra-oficial-
disponibilizará aos seus trabalhadores Saúde, também acha que o projeto mente batizado, o do “SUS de Luxo”.
ou servidores que não possuem pla- não está de acordo com os princípios Pelo projeto, o usuário do SUS
no de saúde privado (...) para uso constitucionais. O deputado Roberto poderia optar, ao ser internado em hos-
junto a clínicas, consultórios, hospi- Gouveia (PT-SP) resume: o projeto leva pital privado, contratado ou conveniado,
tais ou laboratórios conveniados, exe- a um processo de segmentação e por acomodações de maior conforto,
cutores das atividades propostas no fragilização do SUS. bem como escolher o profissional a
Inciso I do artigo primeiro”. Em entrevista à Radis, o deputa- atendê-lo. No parágrafo primeiro está
Se o leitor prestou atenção ao do Adelor Vieira, autor do projeto, escrito que caberá ao usuário arcar com
texto, observou que a palavra “tra- afirma respeitar a universalidade. “Mas as despesas das acomodações e dos ho-
balhador” pode abrir brechas para o o SUS só funciona na teoria, na práti- norários profissionais. Uma bomba nas
retorno a um período no qual o aten- ca, deixa a desejar”, diz. “Hoje, a bases do Sistema Único de Saúde.
dimento público só era ofertado aos pessoa marca uma consulta e só é O projeto, assim como o do
brasileiros formalmente empregados. atendida meses depois”. Para ele, o Tíquete-Saúde, também é terminativo.
“Se o direito é igual para todos, como projeto abre a possibilidade de mais Roberto Gouveia quer levar a propos-
se pode admitir que uma lei contra- oferta de serviços, o que aliviaria o ta ao plenário porque tem certeza
rie a Constituição e crie um sistema sistema. Sobre a renúncia fiscal de de ali será rejeitada pelos parlamen-
paralelo de saúde para quem tem car- 1% que propõe, o deputado passa a tares. Para isso, o deputado precisa
teira assinada e para os servidores bola ao governo, a quem caberia, mais da adesão de pelo menos 52 colegas.
públicos?”, questiona o médico sani- adiante, determinar a fonte dos re- No fim de março ele já tinha conse-
tarista Gilson Carvalho, especialista em cursos. “Tal iniciativa traria benefíci- guido recolher 105 assinaturas. “Pa-
financiamento da saúde. Ele pergunta os tanto ao SUS, diminuindo a deman- rei por aí, mas sei que posso colher
mais: “Se este projeto for bom, con- da e as filas intermináveis nos postos muito mais assinaturas, de até 90% dos
siderado um avanço e uma proteção a de saúde e hospitais públicos, quan- parlamentares”, afirma. O deputado
mais, como defender que ele só atin- to à iniciativa privada, pela possibili- acredita que, antes, o projeto será
ja a uma parte da população? O me- dade de cumprir com seu papel soci- derrubado na Comissão de Constitui-
lhor ficaria para estes que já têm em- al e receber um incentivo fiscal”, ção, Justiça e Cidadania, onde o tex-
RADIS 33 ! MAI/2005
[ 25 ]
to chegou em dezembro do ano pas- creto de paciente que pretendia, in- fase do direito do consumidor para a
sado. A relatoria coube ao deputado ternado pelo SUS, pagar sua acomoda- de direito do cidadão”. Ele ressalta
Maurício Rands (PT-PE). ção especial”. Ele chama atenção para que a participação do setor privado é
Para Roberto, o projeto é uma dois detalhes importantes. O primeiro bem-vinda. Mas a iniciativa privada
forma “esquisita” de tentar resolver a é que “facultou-se um atendimento di- deve se adequar à lógica do SUS, que
questão do financiamento, rompendo ferenciado em situação diferenciada, é pública, e não o contrário.
com princípios do SUS e importando diante de uma leucemia mielóide agu- Num texto sobre o assunto dispo-
para o sistema a lógica privada. “Está da, que necessitava de isolamento pro- nível na internet, intitulado “A novida-
voltando a idéia do consumidor em pri- tetor em quarto privativo”. Para Gilson, de: dois SUS” (www.conasems.org.br/
meiro lugar”, teme o deputado. “É aí o próprio SUS poderia garantir essa aco- Doc_diversos/SUSPPMPRN14122004.pdf),
que mora o maior perigo. Podemos até modação diferenciada. “Faz parte de Gilson Carvalho argumenta contra o
estabelecer ações diferenciadas den- suas condutas garantir acomodações projeto e encerra da seguinte forma:
tro do SUS, mas elas devem vir no sen- individuais a pacientes portadores de “Por favor, não entremos nesses
tido de reforçar o lado mais fraco, para doenças infecto-contagiosas (isolamen- descaminhos prenhes de iniqüidade
diminuir o fosso, a exclusão”, defen- to), bem como a pacientes com risco contra o cidadão. Podemos e devemos
de. “Devem vir no sentido de fazer in- de se infectarem (isolamento reverso)”. todos, profissionais e instituições, ser-
clusão, justiça, em busca da maior igual- Ele complementa: “Em momento algum mos remunerados de forma justa sem,
dade; nesse caso, é o contrário, é uma o acórdão se refere a, ou legitima o com isso, diminuir ou ferir a cidadania
discriminação negativa: é a iniqüidade”. pagamento de complementação de ho- de todos os brasileiros. É o que deve-
O deputado alerta para o perigo norários profissionais, o que é objeto mos, unidos, buscar”. (W. V.)
do atendimento discriminatório. “É do presente projeto de lei”.
claro que quem não tem recursos O Conselho Nacional de Saúde
Manifeste sua opinião nesta discussão.
extras para bancar sua saúde acaba- também está mobilizado contra o pro- Os contatos:
ria preterido, porque é evidente que jeto. Em janeiro deste ano, depois de
o hospital vai começar, cada vez mais, sua 150ª reunião ordinária, aprovou a Deputado Francisco Gonçalves Filho
a se interessar por quem tem condi- resolução 345, de 13 de janeiro de 2005, Tel. (61) 215-5302
ções de pagar o plus”, adverte. “Para que destaca que o projeto fere os prin- Fax (61) 215-2302
quem não tem, vai começar a faltar cípios do SUS quando estabelece a E-mail
leito, vai para o fim da fila, vai ser cobrança direta aos usuários, “propor- dep.dr.franciscogoncalves@camara.gov.br
preterido. Chega de humilhação”. cionando diferença de classe no aten-
dimento do sistema público de saúde, Deputado Rafael Guerra
DEFENSORES DE PESO comprometendo a garantia da saúde Tel. (61) 215-5239
Mas o PL 3.268/04 tem defenso- pública de qualidade para todos”. Fax (61) 215-2239
res de peso. Entre eles o deputado E-mail dep.rafaelguerra@camara.gov.br
Rafael Guerra (PSDB-MG), normalmen- SARCASMO E UNIÃO
te um defensor do SUS, que, como O autor da proposta, Francisco Deputado Roberto Gouveia
relator do projeto na Comissão de Gonçalves, não aceita a forma como Tel. (61) 215-5568
Seguridade Social e Família (CSSF), seu projeto vem sendo tratado. A Fax (61) 215-2568
deu parecer favorável à proposta. A expressão “SUS de luxo”, segundo E-mail
maioria dos integrantes da comissão ele, é “sarcasmo” dos críticos. Para dep.robertogouveia@camara.gov.br
aprovou o relatório, em 14 de dezem- Francisco, a saúde no Brasil está “que-
Deputado Adelor Vieira
bro do ano passado. Rafael Guerra diz brada”, e a gratuidade no atendimen-
Tel. (61) 215-5441
que o projeto é constitucional, uma to é uma “balela”, pois “tem ricos que Fax (61) 215-2441
vez que apenas permite ao cidadão usam os serviços do SUS”. E-mail dep.adelorvieira@camara.gov.br
optar por uma acomodação que lhe Para defender sua idéia, ele ar-
interesse e por ser atendido por um gumenta que, depois que a lei extin- Deputado Pastor Francisco
médico de sua livre escolha. “O ob- guiu a brecha para complementação Olímpio
jetivo não é criar privilégios nem por- de custos pelo paciente, várias casas Tel. (61) 215-5475
tas duplas nos hospitais”, diz. E suge- de saúde e hospitais filantrópicos fo- Fax (61) 215-2475
re a limitação em cerca de 20% do ram obrigados a fechar as portas por E-mail
número de internações com as ca- falta de recursos. “Em São Paulo, cer- dep.pastorfranciscoolimpio@camara.gov.br
racterísticas propostas pelo projeto. ca de 100 Santas Casas estão fechan-
Questionado sobre quem fiscali- do, em situação falimentar”, aponta o Deputado Roberto Gouveia
zaria a prática para evitar que o ce- deputado. Ele classifica de “aviltantes” Tel. (61) 215-5568
nário temido por Roberto Gouveia se os honorários pagos pelo SUS aos pro- Fax (61) 215-2568
concretize, ele diz que essa respon- fissionais e aos hospitais que atendem E-mail
sabilidade caberia aos gestores do sis- a população. “O projeto defende o dep.robertogouveia@camara.gov.br
tema. No texto do parecer, Rafael livre-arbítrio do paciente de pedir ou
Guerra afirma “existir jurisprudência não outro tipo de acomodação”. Deputado Severino Cavalcanti
por parte do STF, considerando a le- Ao longo de seus 15 anos de exis- Tel. (61) 215-8014
Fax (61) 215-2707
gitimidade da opção por acomodações tência, o SUS talvez nunca tenha sido
E-mail
diferenciadas e que tal fato não agri- tão pressionado como agora. Roberto
dep.severinocavalcanti@camara.gov.br
de a isonomia de atendimento que Gouveia diz: “Nós conseguimos apro-
deve imperar no SUS”. var um capítulo belíssimo de seguridade Contatos da Frente Parlamentar de
O sanitarista Gilson Carvalho, con- social e do SUS na Constituição, den- Saúde — www.ensp.fiocruz.br/radis/
tudo, faz uma observação: “Existe tro de um princípio de solidariedade, 33-web-01.html
acórdão do STF analisando um caso con- extremamente generoso, superando a
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[ 26 ]
História da Fiocruz
A
retorias. a qualquer custo”, lembra. “Tivemos
frase da outra página fez par- Essa espécie de febre eleitoral de fazer um forte trabalho com pes-
te do discurso de posse do tem um vetor comum, a gestão demo- soas influentes do governo para legi-
sanitarista Paulo Marchiori crática citada por Buss. E tem histó- timar a posse”.
Buss ao assumir seu segundo ria, que pode inspirar diferentes ins- Segundo Morel, no início Arouca
mandato na presidência da Fundação tituições públicas. A Radis resolveu sofreu com a sabotagem interna. Logo
Oswaldo Cruz, em 30 de março deste investigar esse modelo que, ainda em no primeiro mês, o então diretor do
ano. Buss foi reeleito pelos servidores construção, foi iniciado há 20 anos, INCQS, Eduardo Peixoto, deu entre-
da Fiocruz em novembro, com 94% dos quando o sanitarista Sergio Arouca vista dizendo à população que tomas-
votos válidos, um marco histórico. Em (1942-2003) assumiu a Fiocruz. A dita- se muito cuidado quando fosse se va-
dezembro, os próprios servidores ele- dura mal tinha acabado. “Na realida- cinar. “Ele falou, em rede nacional, que
geram a nova diretoria de sua associa- de, quem está chegando à presidên- todos deveriam olhar o rótulo para ver
ção, a Asfoc, com outro percentual his- cia, nesse momento, é o mesmo a validade das vacinas, pois a Fiocruz
tórico de participação: 90% dos votos movimento que, tomando as ruas des- agora estava sob nova direção e ele
válidos. Entre março e abril deste ano, te país, permitiu que fosse decretada não se responsabilizava. Estávamos com
várias unidades da Fiocruz abriram pro- a anistia, permitiu que se levantasse a a espada na cabeça. Tentavam atingir
cesso de eleição dos novos diretores, bandeira das eleições diretas”, decla- Arouca dizendo que ele não tinha ca-
como a Escola Politécnica de Saúde rou Arouca em maio de 1985. pacidade técnica”.
Joaquim Venâncio, a Escola Nacional de As principais propostas desse
Saúde Pública Sergio Arouca (Ensp), o movimento: a gestão coletiva e a de- LEGITIMAÇÃO CIENTÍFICA
Instituto Oswaldo Cruz (IOC), o Centro mocratização interna. “O começo não Morel tem convicção de que
de Pesquisa Leônidas & Maria Deane foi fácil, pois Arouca sofria uma rejei- todas as dúvidas em relação ao tra-
ção muito grande do pessoal da área balho do grupo de Arouca começa-
de pesquisa”, conta o biólogo e ex- ram a cair a partir de um fato que
FOTO: PAULIRAN DE FREITAS
FOTO: RADIS
cipais barreiras ao modelo proposto tação”, observa Arlindo. Para Gadelha, vice-presidente de Serviços de Refe-
por Arouca — a fragmentação. Isso o primeiro Congresso Interno foi uma rência e Ambiente. “Na verdade, reu-
porque na década de 70 o governo verdadeira “estatuinte” da redemo- nia apenas os diretores das unidades,
militar impusera que a Ensp, o Institu- cratização. Segundo ele, marcou o mas já era um embrião muito claro da
to Fernandes Figueira (IFF) e o Institu- nascimento das bases do projeto política pensada pela presidência”.
to Nacional de Controle de Qualidade institucional e do atual modelo de Ary afirma que o Congresso Inter-
em Saúde (INCQS) fossem vinculados à gestão. A partir daí, a criação do Con- no vem se aperfeiçoando ao longo dos
Fiocruz. “A Fundação, como unidade, selho Deliberativo (CD)— formado pela anos. “É um processo bem amplo”, diz.
era artificial, funcionava como se fos- presidência, os diretores de unidades Mesas-redondas são formadas para
sem várias repúblicas isoladas”, lem- e o representante da associação de discussão dos temas da pauta, jornais
bra Arlindo. “A Fiocruz era como um servidores — foi uma questão de tem- servem de tribuna de debates, assem-
arquipélago, com várias ilhas que riva- po. Em cada unidade, um CD reúne o bléias escolhem os delegados, até que
lizavam”, reforça Morel. “Não havia diretor, os chefes de departamento e se chegue à Plenária. Para que seja
interação entre elas, foram simples- representantes eleitos dos servidores. criada uma unidade técnico-científica
mente jogadas aqui dentro”. Inicialmente, o CD era chamado na Fiocruz, ou mesmo fechá-la, por
“O Congresso Interno veio basi- de Conselho Técnico-Administrativo, exemplo, é necessário o apoio da mai-
camente estabelecer uma política lembra Ary Carvalho de Miranda, chefe oria do Congresso Interno. “Ele está
institucional, superando a fragmen- de gabinete de Arouca na época, hoje acima até do presidente da Fundação.
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FOTO: FIOCRUZ
O que é
! Congresso Interno — Composto de
delegados eleitos em todas as unida-
des, conforme princípio de represen-
tações mínima, média e máxima de
acordo com o número de funcionári-
os, o Congresso Interno ocorre no
início de cada mandato presidencial
(de 4 anos) da Fiocruz, com o objeti-
vo de atualizar diretrizes do proje-
to institucional e pactuar os termos
de compromisso entre gestores e o
conjunto da comunidade.
ganhara notoriedade por isolar o vírus Um modelo de gestão que serviu muitas decisões são aprovadas no calor
da dengue hemorrágica. Entre outras bem durante todos esses anos, mas dos debates de um Congresso Interno,
coisas, ele aprovou a criação de uma que ainda pode e deve ser reformu- onde entram vários outros vieses. “Mui-
estrutura de cargos comissionados. No lado, segundo Morel. Ele sugere a cri- tas vezes, interesses corporativos ou
fim deu tudo certo, conta Arlindo, e ação de um conselho externo, idéia questões políticas dificultam a discus-
o modelo continuou sendo acatado, que reconhece ser polêmica. “Sei são sobre a viabilidade de tal delibera-
apesar de ainda não estar legalizado. que muitos aqui vão se posicionar ção”, observa. “Isso também acontece
Em 1992, Fernando Collor sofreu contra, mas penso numa instância em várias outras instâncias de grandes
impeachment e Hermann deixou o que fique entre a Fiocruz e o Minis- áreas estratégicas, como as conferên-
cargo. Euclides Castilho assumiu a tério de Saúde”. cias nacionais de saúde”.
presidência da Fiocruz, interinamen- Apesar dos problemas, o Congres-
te, por breve espaço de tempo. Em CONTROLE SOCIAL so Interno, do jeito como funciona na
1993, a Fiocruz apresentou sua lista Gadelha lembra que já existe no Fiocruz, ainda é a melhor maneira de
tríplice ao governo Itamar Franco e Estatuto a proposta de criação de um se atingir uma gestão realmente
Carlos Morel foi empossado como conselho superior. “Sua constituição participativa, defende Gadelha. Ele lem-
novo presidente da instituição. depende de articulação com o Con- bra que, num primeiro momento, o
Em sua gestão, que priorizou a selho Nacional de Saúde, já que é ele Congresso Interno apenas fazia suges-
modernização gerencial, foi realizado quem vai designar os integrantes”, in- tões, e não deliberações. “Nesse perí-
o 2º Congresso Interno. Entre outras forma. Uma experiência nova, que vai odo, várias recomendações não foram
diretrizes aprovadas, ficou determina- exigir certa maturação, pois haverá implementadas, gerando uma descon-
da a adoção de um modelo de gestão na Fiocruz a presença de um con- fiança muito grande da comunidade”.
de resultados, com termos de com- trole social. O Conselho poderá su- Defensora histórica do modelo,
promissos internos e externos do Pla- gerir, em determinadas situações, até Ilma demonstra alguma preocupação
no de Objetivos e Metas. No fim de a demissão de dirigentes. Também foi com o futuro. “Esses valores introdu-
1996, novas eleições foram realizadas, formalmente criada por decisão do zidos por Arouca precisam ser mais
ainda sem respaldo legal. Integrante Congresso Interno, embora ainda não explicitados, para que não se vulgari-
de nova lista tríplice, Eloi de Souza funcione, a Ouvidoria da Fiocruz, um zem e não se percam no caminho”.
Garcia foi designado presidente. No canal de comunicação com o conjun- Ela teme que as idéias acabem “es-
início de 2001 foi eleito Paulo Buss, to da sociedade, acrescenta Gadelha. quecidas”, com a falta de compro-
que fez questão de dar continuidade “Um passo importante está dado”. misso das novas gerações. “Temo
ao modelo pensado há 20 anos. Há outras críticas, por exemplo, muito que esse modelo possa mor-
Em 2003, a realização de um so- ao não-atendimento de deliberações rer”. Ela reconhece: “É verdade que
nho: o presidente Lula e o ministro do Congresso Interno. Gadelha reco- o Arouca deixou muitos discípulos,
da Saúde, Humberto Costa, finalmen- nhece que algumas acabam não sendo exemplo disso é essa presidência, mas
te oficializaram o Estatuto da Funda- colocadas em prática. Mas é uma ex- na medida em que esses atores vão
ção Oswaldo Cruz. “Prezados colegas ceção, afirma, porque normalmente os se aposentando, deixando a Funda-
da Fiocruz, é com muita emoção que gestores seguem as determinações. “Em ção, não sei como será daqui para a
entrego-lhes o Estatuto. Emoção por- alguns momentos, poucos, realmente frente. Não podemos parar por aí”.
que um sonho de mais de 15 anos, não há empenho para que a delibera- Ary Miranda acha que o modelo
iniciado durante o 1º Congresso In- do se constitua em fato. Mas a grande de gestão interna já está bastante
terno, hoje é uma realidade”, discur- verdade é que nem tudo que é delibe- solidificado. “O fato de se ter uma
sou Paulo Buss em junho de 2003. rado é factível”. O problema, diz, é que renovação natural da vida não quer
Ary lembra que o modelo de ad-
ministração idealizado por aquele gru-
po “há duas décadas” vem sofrendo um
processo de amadurecimento natural. Idéia exportada
Ele cita, como exemplo, a criação na
primeira gestão de Buss do chamado
Coletivo de Dirigentes. Trata-se de O diretor-geral do Instituto Na-
cional do Câncer (Inca), José
Gomes Temporão, conta que o mo-
modelo de gestão, inspirado no
que havia na Fundação”.
Segundo ele, hoje as duas ins-
uma instância que reúne todos os fun-
cionários que têm algum cargo de di- delo de gestão participativa da tituições são muito similares admi-
reção, da chefia de departamento à Fiocruz serve de exemplo para sua nistrativamente, apenas com algu-
própria presidência, para discutir a exe- própria administração. Professor e mas particularidades. “Ao contrário
cução do que ficou decidido nas ou- pesquisador do Departamento de do que acontece na Fiocruz, que
tras instâncias. “Temos hoje na Fiocruz Administração e Planejamento de tem uma lista tríplice para a es-
os conselhos dos departamentos, os Saúde da Ensp/Fiocruz desde 1980, colha de seu presidente, o dire-
conselhos das unidades, o Conselho ele vivenciou todo o processo de tor-geral do Inca ainda continua
Deliberativo, o Congresso Interno e o consolidação desse novo modo de sendo escolhido pelo próprio mi-
Coletivo de Dirigentes. Pode-se até administrar uma instituição públi- nistro da Saúde”.
pensar que é muito, mas na prática ca. “Vivi essa experiência de per- Temporão afirma que o Inca
percebemos que não”, diz. to, fui relator-geral de um dos tem até Conselho Deliberativo e
Para Ary, a gestão da Fiocruz é Congressos Internos da Fiocruz”, Conselhos de Gestão em diferen-
realmente um modelo. “Se pegarmos conta. Ao assumir a direção do tes setores. “Que servem para tra-
qualquer instituição pública, duvido Inca, em setembro de 2003, não çar diretrizes de trabalho e discu-
que encontremos uma história de teve dúvida. “Foi uma das princi- tir problemas e soluções. Temos
gestão democrática parecida com a pais propostas que fiz: mudar o tido bons resultados”.
que temos aqui”.
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dizer que a vida se esgote”, ponde- como um castigo, enfatiza, mas para mas acho que precisamos repensar o
ra. Para ele, já foi criada uma cultura valorizar o trabalho e os próprios tra- modelo nessas atividades”.
institucional muito forte, difícil de ser balhadores. “Isso, de alguma forma, Para a Asfoc, esta distinção é te-
alterada. E termina lembrando uma acaba comprometendo a gestão de- merária. Um dos caminhos para fazer
frase comum intramuros: “A gente mocrática, e é um grande desafio para o modelo avançar, na visão da associ-
tem orgulho de trabalhar aqui”. o futuro”. Também algumas atividades ação, é acentuar a participação dos
Paulo Buss concorda, o modelo é poderiam ser repensadas, como as in- trabalhadores na definição orçamen-
bom, e vem se aperfeiçoando. “Acho dustriais, que dependem menos da tária e de investimentos, a exemplo
que falta implantar na Fiocruz um sis- criatividade, que estão mais ligadas à de experiências bem-sucedidas em ad-
tema de avaliação de desempenho dos produção, e não exigiriam gestão ministrações municipais e de outras
funcionários que realmente funcio- participativa, acrescenta Buss. “Nem instituições públicas.
ne”, avalia. Um mecanismo mais ade- sei dizer qual seria a melhor forma de
quado para premiar ou “punir”, não mudarmos isso, do jeito como é hoje, * Colaborou Katia Machado
RADIS 33 ! MAI/2005
[ 33 ]
DIREIT
TOOS SEXU
UAA IIS
S E REP
PRROD U T I V
VOOS
A
Mas, falar em planejamento fami- mulher. Hoje, está na casa dos 2,3.
população brasileira, especi- liar patrocinado pelo poder público Mas o Estado tem obrigação de
almente os usuários do Sis- acende logo um sinal de alerta: por assegurar os direitos humanos, que
tema Único de Saúde (SUS), trás da medida estaria camuflada uma englobam os direitos sexuais e repro-
não tem acesso regular a política de controle de natalidade? Em dutivos, ressalta. Hoje, o atendimen-
métodos contraceptivos, muito menos entrevista à Radis em Brasília, o se- to é muito centrado nas vítimas de
a tratamentos de fertilização. Lança- cretário de Atenção à Saúde do Mi- violência sexual. E o que se quer, se-
do em março, um programa do Minis- nistério da Saúde, Jorge Solla, nega. gundo ele, é ampliar esse leque. “Pre-
tério da Saúde sinaliza com mudanças “Está totalmente fora de cogitação, cisamos dar assistência também às
nessa realidade: uma série de ações até porque a Constituição Federal não mulheres que, por uma razão ou ou-
de planejamento familiar estará dispo- permite”, diz. “A decisão de ter filhos tra, tenham se descuidado no uso
nível na rede pública de saúde. e de quantos filhos se quer é algo li- correto de seu anticoncepcional”,
Preservativos masculinos e femi- vre por parte do casal, e qualquer defende o secretário.
ninos e pílulas anticoncepcionais, hoje medida coercitiva nesse aspecto é ile- A pílula do dia seguinte, por exem-
já disponíveis, serão comprados em gal”. Para ele, já está superada a no- plo, pode reduzir os casos de aborto
maior quantidade pelo MS para que a ção de melhorias socioeconômicas de clandestino. E o programa também pre-
distribuição atinja mais pessoas. Mé- um país pelo controle da natalidade. vê assistência às mulheres que sofrem
todos reversíveis como o dispositivo complicações pós-aborto. “Essas com-
intra-uterino (DIU) e o diafragma, DIREITOS HUMANOS plicações estão entre as três ou quatro
contraceptivos injetáveis e o de emer- Jorge Solla lembra que a taxa de maiores causas de mortalidade materna
gência (a pílula do dia seguinte) farão natalidade já vem decrescendo no no Brasil”, diz. Em março de 2004 o pre-
parte desse rol. Da lista de serviços Brasil desde meados dos anos 1980: em sidente Lula assinou pacto pela redu-
constam métodos de fertilização. 1960, a média de filhos era de 6,2 por ção da mortalidade materna neonatal.
Coordenadora da ONG Sempreviva
Organização Feminista (SOF), com
sede em São Paulo, a psicóloga Nalu
Debate ultrapassado Faria opina que não deve haver impo-
sição de método à mulher. Mas con-
sidera a proposta do governo um avan-
SE R
RVVIÇO
PÓS-TUDO
Visita genial
Texto publicado na Revista de Man-
FOTO: J. PINTO
guinhos de dezembro de 2002, que a
Radis reproduz em homenagem aos 80
anos da visita de Einstein ao Brasil e
ao Ano Mundial da Física.
“Eque,
instein, o grande mathematico
atualmente, o Rio hospeda,
passou hontem mais um dia em nos-
sa metropole, tendo feito uma visita
ao Instituto Oswaldo Cruz e realizado
sua segunda conferência na Escola
Polytechnica”. Assim O Jornal abriu
uma de suas reportagens com man-
chete de primeira página, intitulada
“O Dia de Einstein”, na edição de 9
de maio de 1925.
Como os outros diários da então
capital da República, dedicou espa-
ço nobre ao físico Albert Einstein du-
rante aquela semana. Ilustrando a re-
portagem, um bico de pena esboçava
o perfil do cientista que, segundo a
legenda, fora produzido por desenhis- ou registrado suas impressões sobre do Papagaio.Os jornais mostravam, ain-
ta de Manguinhos, especialmente o IOC em uma dedicatória escrita so- da, a reação da platéia diante do “sá-
para o prestigiado diário da época. bre um disco? Não há em Manguinhos bio moderno”, descrevendo fisionomias
Nos arquivos da Fiocruz, atualmen- qualquer documento neste sentido. e gestos de intelectuais presentes às
te, há poucos registros de visita tão hon- Ainda conforme o noticiário dos conferências. Deliciosa a descrição do
rosa. O fotógrafo J. Pinto documentou diários cariocas, Einstein teria ido ao repórter de O Paiz sobre uma das con-
o autor de numerosos trabalhos de físi- Museu Oswaldo Cruz, visto a coleção ferências: “O almirante Gago Coutinho,
ca teórica, conhecido principalmente de anatomia patológica e percorrido conhecidamente contradictor do glori-
por sua Teoria da Relatividade, ao lado as salas de leitura da biblioteca. Os oso hospede, (...) num índice de in-
de pesquisadores de Manguinhos em pesquisadores, tendo à frente o en- credulidade inabalável (...) Os
uma das varandas do castelo. Há, tam- tão diretor Carlos Chagas, mostraram- graphicos de Einstein não o demoviam,
bém, o autógrafo de Einstein na página lhe “o Leptospira e o Trypanosoma parece, de suas idéias já adquiridas
que traz um dos seus artigos nos Annalen cruzi (...) e ele teria se interessado sobre a mecânica clássica (...) O Sr.
de Physik, publicação especializada dis- pelo processo utilizado para colora- Licínio Cardoso, na primeira fila (...)
ponível na Biblioteca de Manguinhos. ção de preparados por meio de câ- contrapunha mentalmente, aos prin-
mara clara”. O cientista alemão te- cípios da mecânica einsteniana, os
CAFÉ GELADO ria tomado uma xícara de café, que dogmas de Augusto Comte. Parecia
A leitura de dois jornais daquele preferiu “gelado” e, ao subir ao terra- também um irredutível (...) Só o pro-
dia, porém, traz detalhes importantes, ço, “sua vista se extasiou ante os mais fessor Sodré da Gama mostrou-se
como a informação de que Einstein te- belos panoramas, engrandecidos pela enthusiasmado (...)”.
ria documentado suas impressões so- mais variada topographia”. Ressalte-se
bre Manguinhos. O repórter de O Jor- o entusiasmo do repórter de O Jornal
nal escreveu: “No Laboratório de em sua descrição do ambiente. Mais informações
Chimica Applicada deixou um disco Einstein, o viajante da relatividade na
phonográphico, e ainda, assistiu a uma ENTUSIASMO RELATIVO América do Sul (Vieira & Lent Casa
experiência sobre a visão binocular”. Einstein chegou ao Rio de Janei- Editorial, 2004), do pesquisador
O autor da notícia veiculada em O Paiz ro em 4 de maio de 1925, depois de Alfredo Tiomno Tolmasquim, diretor
contou que “Einstein registrou a im- passar por Buenos Aires e Montevi- do Museu de Astronomia e Ciências
pressão da sua visita em um disco déu. Foi homenageado em jantares Afins do Rio de Janeiro
phonographico...”. oferecidos pelas colônias alemã e ju-
Restam-nos, hoje, somente hipó- daica, conheceu o Pão de Açúcar, foi Sociedade Brasileira de Física
teses: ele teria feito uma gravação à Tijuca, à Gávea e subiu a pé o Pico www.sbf1.sbfisica.org.br