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COZINHA BRASILEIRA COM RECHEIO DE HISTÓRIA

(Ivam Alves Filho e Roberto Di Giovanni, Editora Revan, 2000, 112p.)

Moqueca de peixe

O nome moqueca vem de moquém, que no tupi significa grelha. O moquém era uma espécie
de grelha, feita de varas, então utilizada pelos índios para o cozimento da carne. No preparo da
moqueca, a maneira branda de assar a carne é uma influência tipicamente indígena.
O toque afro-brasileiro da moqueca fica por conta do azeite de dendê e do leite de coco.
No caso da moqueca capixaba, não se incorporaram os ingredientes trazidos pelos
africanos, mantendo-se a moqueca do Espírito Santo fiel aos costumes indígenas e à influência
portuguesa. A moqueca capixaba tem temperos menos fortes que os de seus vizinhos do
Nordeste. A contribuição portuguesa na moqueca capixaba ficou por conta do azeite de oliva.

Pirão de peixe

A palavra pirão vem do tupi pirõ, que significa “papa”.


Com o passar do tempo, o pirão praticamente virou sinônimo de comer, senão de viver. No
século XIX, dizia-se que a pessoa, quando morria, não “comia mais pirão”.

Arroz de carreteiro

O brasileiro é antes de tudo um nômade, um povo que anda. O índio praticava o nomadismo,
também o faziam o bandeirante, o tropeiro, o canoeiro, o mascate, o quilombola, o garimpeiro.
Ainda hoje temos nômades notáveis como os sem-terra e os bóias-frias.
O arroz de carreteiro é um prato típico do Rio Grande do Sul. O arroz de carreteiro, um prato
nômade por excelência, está contudo presente também na Bahia (onde é conhecido como quibibe)
e em Goiás e Tocantins, onde o másculo arroz do carreteiro é chamado de Maria-Isabel, tratando-
se de um caso bastante raro e curioso de hermafroditismo culinário.
As longas viagens pelos pampas gaúchos exigiam comidas não-perecíveis e práticas. O
arroz e o charque são a base da alimentação dos tropeiros. O arroz de carreteiro é cozido junto
com a carne – não a carne seca do Nordeste, mas o charque, preparado com fatias finas de carne
secadas ao vento.

Pato no tucupi

O relativo isolamento da Amazônia do resto do país possibilitou que a cozinha local


permanecesse extraordinariamente próxima das tradições originais. E isso se dá até mesmo na
maneira de o homem comer naquela região. Lançando a farinha à boca com a mão, as populações
locais do Norte traduzem uma influência tipicamente indígena.
O consumo de carne de pato era uma constante ao longo de todo o período do Brasil
colonial. Era comum naquela época um jogo que consistia em abater um pato amarrado a um toco
de pau, decepando-lhe a cabeça em troca de uma premiação. A pessoa que errasse o golpe
pagava o pato para a pessoa que o acertasse. Daí nasceu a expressão muito em uso hoje em dia:
pagar o pato, significando “arcar com o prejuízo”, “bancar a despesa”. Essa expressão é registrada
inclusive pelo Dicionário Aurélio.
Tucupi designa o sumo da mandioca fresca, apurado ao fogo, até obter a consistência e a
cor do mel de cana de açúcar.
O pato no tucupi é um prato típico de festas no Amazonas, no Pará e no Maranhão.

Feijoada

A feijoada é a etapa superior do feijão com arroz. Trata-se de uma evolução do bom e velho
arroz com feijão nosso de cada dia.
A feijoada foi se criando pelas camadas populares de forma instintiva. No século XIX, o
principal prato do Rio de Janeiro, por exemplo, era o feijão com toucinho e carne seca. Havia ainda
quem acrescentasse farinha de mandioca e laranja à carne seca.
Debret, um dos vários viajantes europeus que por aqui passaram, relatou que os brasileiros
tinham o hábito de consumir laranjas às refeições como forma de “acalmar a irritação da boca já
cauterizada pela pimenta”.
A alimentação dada pelos senhores de engenho aos escravos era basicamente o feijão, a
carne seca, a mandioca e o toucinho.
O feijão é um legume originário das Américas, cultivado há cerca de 7.000 anos, inicialmente
na região do México e da Guatemala, e depois nas partes mais ao sul do continente.
A carne de porco era a mais popular e aquela que todos consumiam. Alguns a consumiam
com certa avidez para, preconceituosament e, mostrar que não eram judeus ou maometanos –
povos discriminados pelos católicos e que não comem carne de porco.
Os índios não comiam carne de porco, mas comiam o porco-do-mato (caitetu) e o porco-
d’água (capivara).
Na passagem do arroz com feijão para a feijoada, tudo indica que a tradição portuguesa dos
fornos dos mosteiros, célebres pelos seus presuntos de fumeiro e pelos paios de lombo, faria o
resto.
A feijoada é o único prato brasileiro presente no prestigioso Larousse Gastronomique, a
bíblia de todos os grandes chefes de restaurantes.

Frango com quiabo

Não só a galinha era desconhecida pelos índios como também o quiabo, que veio da África.
Aliás, o uso do quiabo por parte do negros africanos que para cá foram trazidos como
escravos simboliza quase que uma resistência ao domínio do europeu branco.
Já o angu vem do milho, cereal nativo do continente americano, onde é cultivado há mais de
7.000 pelos índios. O milho é apreciado pelos índios brasileiros desde tempos imemoriais.
Nas mãos das negras africanas a farinha de milho do índios viraria o fubá, de onde elas
preparavam o angu.
Ao nos referirmos à galinha com angu e quiabo temos de levar em conta que esse é um
prato que compreende três continentes (a Europa entrou com a galinha, a África entrou com o
quiabo, e a América entrou com o milho). Mais brasileiro, impossível!

Carne seca com abóbora (ou jabá com jerimum)

A palavra charque vem do quíchua (língua dos índios dos Andes) e significa “carne que
sofreu um processo de salgamento para a sua conservação”. É quase certo que o charque tenha
penetrado no sul do Brasil antes da chegada dos portugueses, sendo em seguida adotado pelos
índios guaranis daquela região. Daí a sua permanência na culinária e na própria cultura regional
gaúcha, a qual possui forte influência indígena.
Os índios do Brasil, de forma geral, já conheciam o sal e o aplicavam às carnes.
Os maiores responsáveis pelo incremento do gado na região Sul foram os padres jesuítas
nos chamados Sete Povos das Missões (1610-1763).
A diferença da carne seca do Nordeste para a carne seca do Sul é que essa última é menos
curtida.
Em culinária existem verdadeiros casamentos: feijão com arroz, goiabada com queijo e,
como não podia deixar de ser, carne seca com abóbora.
Uma curiosidade acerca da expressão “estar por cima da carne seca”: em Minas Gerais,
durante o século XIX, surgiu a expressão estar por cima da carne seca, significando que alguém
subira na vida, e por isso deixara de comer a carne seca, que era a carne de consumida pela
população mais pobre do país.

Rabada com agrião

O hábito de se comer o rabo do boi no Brasil surgiu primeiro nas áreas de criação de gado,
notadamente na Bahia, no Ceará, no Rio Grande do Norte e no Piauí.
A rabada não existe sem o angu, a batata e o agrião. O fubá foi uma criação dos negros a
partir do milho indígena. A batata é velha conhecida de nossos índios. Já o agrião é de origem
européia.

Vatapá

Mais do que um prato, o vatapá é um símbolo da Bahia.


Pimenta malagueta, amendoim, camarão, dendê, coco ralado e também gengibre, cebola,
fubá e castanha de caju: o vatapá mais se assemelha a uma civilização (ou várias civilizações)
cozinhando na panela. O vatapá é o Brasil em forma de comida.
O amendoim é natural do Brasil, mais exatamente das áreas centrais do país. O gengibre e
a cebola têm origem na Ásia.

Camarão com chuchu

O camarão com chuchu é iguaria tipicamente brasileira (mesmo sendo o chuchu originário
da África). O camarão com chuchu é um dos raros pratos brasileiros sem a interferência dos índios,
pois eles davam preferência ao camarão assado e raramente misturavam o camarão com outra
coisa que não fosse a farinha de mandioca.
Tutu à mineira

O feijão é um hábito alimentar transmitido pelos índios. É o alimento mais popular do Brasil.
Prato mineiro por excelência, o tutu deve ser elaborado com sobriedade, em completo
sossego, quase em segredo, como pede a alma montanhesca de Minas. Mineiramente, otutu está
mais para conspiração do que para prato.
De origem popular, o tutu resulta, basicamente, de uma bem dosada união entre a
branquíssima farinha de mandioca, de um lado, e o caldo e os caroços de feijão preto amassados,
de outro.
A palavra tutu vem do quimbundo quitutu, que significa “papão”. Papão refere-se a algo
sobrenatural, que não existe no mundo real, algo fora da realidade, fora do comum. Daí o prato
chamar-se tutu, pois de tão bom, nem parece coisa desse mundo.
O tutu é o típico prato do dia seguinte, feito com as sobras do feijão da véspera, que como
todos sabem é de sabor inigualável.
É altamente recomendável tomar uma cachacinha antes de saborear o tutu: um cálice só,
numa só talagada. Ê, trem bão, sô!

Bobó de camarão

Os índios apreciavam tanto os camarões que a tribo mais poderosa do Nordeste colonial era
conhecida dos portugueses como potiguares, ou “comedores de camarão” (em tupi, o camarão
chama-se poti).
Alguns índios se identificavam de tal forma com o camarão que chegavam a adotá-lo como
nome próprio. Daí a grande quantidade de índios chamados Poti.
O bobó, além do camarão, leva também inhame. O inhame é de origem africana.
A motivação religiosa de pratos baianos – e o bobó é um deles – faz com que alguns pratos
sejam como peças de um mosaico ritualístico, visando a aproximar o homem das entidades
sobrenaturais. Assim, o candomblé e a culinária deram-se as mãos em louvor aos orixás.

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