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LIDERANÇA COM AUTORIDADE

Aláuli Oliveira
2010
Sumário

1 Poder e autoridade ................................................................................................ 3


2 Poder e autoridade no ministério de Jesus ........................................................ 7
2.1 Poder e autoridade no Novo Testamento (NT) ....................................... 8

2.2 Evxousi,a e o caráter de Jesus ...................................................................... 8

2.3 Evxousi,a e a posição ocupada por Jesus ................................................. 12

3 Liderança pastoral e autoridade ........................................................................ 16


3.1 O estabelecimento da autoridade .......................................................... 16

3.2 A importância do caráter ........................................................................ 18


Poder e autoridade 2

Introdução

Liderança e liderança pastoral têm sido amplamente debatidas na atualidade. As


demandas do mundo empresarial e os novos padrões sociais têm despertado a criatividade
de líderes e estudiosos do assunto. Daí o vasto material e, consequentemente, os diversos
modelos de lideranças que visam satisfazer as necessidades dos mais variados grupos.
Ultimamente, um dos autores que mais se destacam na área de liderança é James
Hunter, autor de “O monge e o executivo”. Hunter tem conquistado a simpatia de muitos
líderes religiosos porque propõe em Jesus um modelo de liderança eficaz. O pressuposto
deste autor é que liderar é influenciar pessoas. Desta maneira, ele atribui a Jesus grande
capacidade de influência – o mesmo que autoridade – e nenhum poder – cargo ou função.
A questão que se levanta é: o modelo de liderança de Jesus baseava-se em poder
ou em autoridade? O objetivo deste trabalho é mostrar que Jesus liderava com autoridade e
poder. Que não é possível separar um do outro na liderança de Jesus, uma vez que estão
intrinsecamente ligados.
O tema é relevante porque é bastante comum nas igrejas hodiernas o exercício da
liderança pastoral baseados em modelos seculares e empresarias. Isto tem contribuído para
própria secularização da igreja e seu mergulho no pragmatismo. O método empregado nesta
pesquisa será o exame bibliográfico ligado à área de liderança e liderança eclesiástica ou
pastoral, além da teologia bíblica. O pesquisador limitou-se a tratar a respeito da autoridade
na liderança pastoral descartando, assim, outros aspectos desta. Para tanto, buscar-se-á
subsídios na literatura especializada e no Novo Testamento.
Poder e autoridade 3

1 Poder e autoridade

Há certa insegurança a respeito da tríade liderança, autoridade e poder. Questões


como: é possível haver liderança sem autoridade e poder? Autoridade e poder são a mesma
coisa? Se não, o que diferencia um do outro? O poder corrompe? Uma liderança mais
humana e relacional deve abrir mão da autoridade e do poder?
As teorias sobre liderança divergem entre si a respeito do tema: ora distinguindo
autoridade e poder, ora fazendo-os semelhantes. Por exemplo, há quem diferencia o
“exercício do poder” do “exercício da autoridade”. Segundo Oliveira, o primeiro trabalha
através do medo e não pela “capacidade *do líder+ em difundir em seus comandados a
necessidade de se fazer sempre o melhor em benefício [...] do grupo [...], pois assim todos
ganham” 1. Desta maneira trabalham os que exercem autoridade. Quando se exerce
autoridade em vez de poder, as pessoas trabalham por um objetivo comum, “desde que
conscientizadas e comprometidas com o líder”2. O que vemos nessa explanação é que
autoridade e poder são coisas diferentes e opostas até. Poder é ruim e autoridade é boa.
Entretanto, mesmo Oliveira, parece confundir os termos quando tenta mostrar qual
a origem do poder do líder e da autoridade do gerente.
A posição formal de autoridade é a fonte do poder gerencial, mas o poder da
liderança advém das características pessoais do líder. Liderança não requer que se sustente
uma posição formal de autoridade, e muitas pessoas em posição formal de autoridade não
oferecem liderança. [...] Liderança depende de quem você é e não da sua posição ou cargo.3
Isto significa que o líder não precisa de autoridade formal (posição ou cargo) para
exercer sua liderança. Assim, a fonte do poder, no caso da liderança, está nas características
pessoais do líder. Vemos agora que poder é bom e autoridade é ruim. Neste caso específico,
a autoridade formal é que dá poder a quem gerencia. Gerenciar, por sua vez, segundo
Oliveira e outros teóricos da liderança, é algo negativo e distinto de liderar. Líderes têm
poder e gerentes, autoridade. É possível que a confusão dos termos seja apenas uma
questão semântica: onde poder significa autoridade não-formal (positiva) em contraste com
a autoridade formal (negativa), que tem seu equivalente no exercício de poder.
Por sua vez, James Hunter faz clara diferenciação entre poder e autoridade. Não há
dívidas que para ele o exercício de poder está relacionado ao antigo paradigma de liderança,
onde o gerente prioriza as tarefas em lugar das pessoas. Com base em Weber, Hunter define
poder como sendo “a faculdade de forçar ou coagir alguém a fazer sua vontade, por causa

1
OLIVEIRA, Jayr Figueiredo de. A síndrome do líder. In: ______ (Coord.). Profissão líder: desafios e
perspectivas. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 3.
2
Ibid., loc. cit.
3
Ibid., p. 12-13.
Poder e autoridade 4

de sua posição ou força, mesmo que a pessoa preferisse não o fazer” 4. Assim, para este
autor, o poder é um elemento de dominação que é facultado a alguém, através de uma
posição ou cargo, a fim de obrigar as pessoas a cumprirem suas tarefas.
Por outro lado, autoridade é a “habilidade de levar as pessoas a fazerem de boa
vontade o que você quer por causa de sua influência pessoal” 5. Para Hunter autoridade e
influência são correlatas. Autoridade, então, é a capacidade de influenciar pessoas a fazerem
o que o líder quer e pelo fato de que foi ele quem pediu. Para isso são necessárias
habilidades pessoais que são adquiridas e desenvolvidas no decorrer do exercício de
liderança. Cabe salientar que tais habilidades estão ligadas ao poder de influência e
persuasão que um líder possui. A autoridade é diretamente proporcional a este poder. Mais
influência, mais autoridade.
Sendo assim, gerentes não precisam de habilidades, ao passo que líderes não
precisam de poder (função ou cargo). Gerentes dominam e líderes influenciam. Hunter
sintetiza desta maneira:
Outro modo de diferenciar poder de autoridade é lembrar que o poder pode ser
vendido e comprado, dado e tomado. As pessoas podem ser colocadas em cargos
de poder porque são parentes ou amigas de alguém, porque herdaram dinheiro ou
poder. Isto nunca acontece com a autoridade. A autoridade não pode ser
comprada nem vendida, nem dada ou tomada. A autoridade diz respeito a quem
6
você é como pessoa, a seu caráter e à influência que estabelece sobre as pessoas.

Ainda que Oliveira aqui e ali confunda os termos, percebe-se que ele, pelo menos
nos aspectos gerais, concorda com Hunter. Na verdade, o conceito de liderança servidora
postulado por este não é totalmente aceito por aquele. Para Oliveira, ainda que a teoria do
líder-servo com poder de influenciar e persuadir pessoas não seja um falácia completa,
acreditar nisso como se fosse uma verdade única seria um grande exagero7. Contudo, não se
pode deixar de notar que ambos pensam a mesma coisa em relação à autoridade e ao
poder: o poder é demonizado e desnecessário e a autoridade é sacramentada.
Contudo, é mais coerente pensar como Alaby. Para ele não há líder sem poder e a
autoridade é uma das formas que o poder pode assumir8.
Por que demonizar o poder? Este é um dos questionamentos que Alaby faz.
Criticando o paradigma “o poder tende a corromper. O poder absoluto corrompe

4
HUNTER, James C. O monge e o executivo. Rio de Janeiro: Sextante, 2004. Disponível em:
<http://www.scribd.com/doc/13474/O-MONGE-E-O-EXECUTIVO>. Acessado em: 17 out. 2008, 00:10.
5
Ibid., p. 16.
6
Ibid., loc. cit.
7
OLIVIERA, 2006, p. 1.
8
ALABY, José Assan. Liderança e poder. Liderança é poder? In: OLIVEIRA, 2006, p. 47-87.
Poder e autoridade 5

absolutamente” 9, Alaby assevera que “a inabilidade para exercer o poder também


corrompe” 10. Sendo assim, não o poder, mas o mau uso dele é que corrompe.
É usando o poder que o ser humano organiza sua vida-em-comunidade, especifica
as metas da sociedade e distribui seus bens. [...] A ausência ou o mau uso do poder
11
desumaniza e ameaça a sobrevivência do ser humano.

Para Alaby aceitar incondicionalmente que o poder corrompe seria o mesmo que
dizer que Deus é corrupto. “Se fosse assim, o ‘Deus-Pai, Todo-Poderoso’ – que os cristãos
professam no Credo Apostólico – seria um Deus absolutamente corrompido e corruptor” 12.
Para Alaby, “o poder, como meio de serviço ao bem comum, é o objeto da liderança”
13
. Nota-se que poder, aqui, é qualificado como meio de serviço ao bem comum. Sob essa
perspectiva é que o poder assume “a forma de autoridade, dentro da qual o poder é
exercido por agências produtivas que, de certo modo, respondem às necessidades dos
cidadãos” 14. Desta maneira, poder e autoridade se tornam a mesma coisa quando o que se
tem em vista é o serviço responsável que se presta ao bem comum.
O poder, então, não deve ser tomado no sentido de domínio sobre alguém, porém
no sentido de potência, ou seja, a capacidade de fazer algo. Neste sentido, poder e
autoridade se harmonizam, uma vez que esta “é um crédito de competência que se dá a
quem merece, a quem se admira e respeita como pessoa competente, sábia, amorosa e
justa” 15. Entende-se, desta forma, que a legítima autoridade do líder advém do serviço que
ele presta aos seus liderados. Isto é o que Alaby chama de poder responsável, isto é, que
responde aos anseios dos liderados16.
Então, o problema não está no poder, mas no mau exercício dele. Liderar é exercer
poder com autoridade. A questão que se levanta é: como exercer correta e beneficamente o
poder, uma vez que o mesmo pode ser exercido corruptamente?
O que determinará o bom ou mau uso do poder é o tipo de liderança. Este, por sua
vez, será determinado pela bagagem ética do líder. Alaby fala de uma ambiguidade na qual o
homem, em suas relações, é simultaneamente anjo e demônio. Essa ambiguidade diz
respeito aos valores éticos incorporados ao indivíduo. É a relação poder/amor/justiça que
constitui a bagagem ética que determina o tipo de poder/liderança. Essa mesma relação
serve de critério para distinguir entre tipos de liderança. Alaby acredita “que o poder é

9
Barão Acton (1934-1902).
10
ALABY, 2006, p. 62.
11
Ibid., p. 62-63.
12
Ibid., p. 63.
13
Ibid., p. 61.
14
Ibid., p. 63.
15
Ibid., loc. cit.
16
Ibid., loc. cit.
Poder e autoridade 6

corolário essencial da liderança, e que o amor e a justiça constituem [...] dialeticamente os


elementos paradoxais de controle, limitação e expansão do ‘poder do poder’” 17.
Nota-se que a relação poder/amor/justiça é definida como dialética. Em certo
sentido porque para muitos é contraditória, pois há aqueles que acreditam que não podem
coexistir em uma mesma relação poder, amor e justiça. Para Hunter, por exemplo, o poder é
sempre coagente. Por outro lado, pode-se entender como relação dialética, o fato de poder,
amor e justiça, termos aparentemente contraditórios, terem como síntese um tipo de
liderança responsável e que serve ao bem comum.
De fato, não pode haver liderança sem poder e autoridade. Esta pressupõe aquele e
vice-versa. O líder que prescindir de um ou outro terá sua liderança comprometida a médio
ou longo prazo. Então, o que se espera de um líder é que use o poder que lhe foi conferido
com autoridade. Isto é possível quando se faz da liderança um serviço prestado aos
comandados.

17
ALABY, 2006, p. 48.
Poder e autoridade no ministério de Jesus 7

2 Poder e autoridade no ministério de Jesus

Hunter afirme ter em Jesus seu modelo de liderança e que, baseado neste modelo,
o poder deve ser preterido e a autoridade – influencia e persuasão – deve ser buscada. Para
Hunter, Jesus não tinha poder, apenas autoridade.
Jesus não usava o estilo de poder simplesmente porque não tinha poder. O rei
Herodes, Pôncio Pilatos, os romanos, toda aquela gente tinha poder. Mas Jesus
possuía muita influência, o que Simeão chama de autoridade, e é capaz de
influenciar pessoas até os dias de hoje. Ele nunca usou o poder, nunca forçou ou
18
coagiu ninguém a segui-lo .

Nota-se mais uma vez que para Hunter poder é coação. No pensamento dele o
poder corrói os relacionamentos, uma vez que obriga, pela força ou medo, as pessoas a
fazerem o que não querem. Consequentemente, em médio ou longo prazo haverá uma
rebelião19. É por entender poder como coação, que ele afirme que Jesus não tinha poder
e/ou não usava poder.
Todavia, Hunter não descarta totalmente o uso do poder. Este deve ser usado “Seja
para colocar limites em nossas casas ou para despedir um mau empregado” 20. No entanto,
deve haver cautela e reflexão para que se use o poder e, em sua opinião, o poder só deve
ser exercido quando a autoridade é quebrada ou inexistente:
O que estou dizendo é que, quando precisar exercer o poder, o líder deve refletir
sobre as razões que o obrigaram a recorrer a ele. Podemos concluir que tivemos
que recorrer ao poder porque nossa autoridade foi quebrada! Ou, pior ainda, talvez
21
não tivéssemos nenhuma autoridade .

Seguindo a linha de raciocínio de Hunter – que o poder deve ser exercido quando a
autoridade está comprometida ou quando esta não existe – podemos afirmar que para ele é
o poder que restaura ou estabelece a autoridade ou, pelo menos, que contribui para isso.
Por conseguinte, o que não se pode negar é que poder é necessário para que se estabeleça e
mantenha a autoridade.
Notadamente, as teorias de Hunter sobre o modelo de liderança usado por Jesus
ganharam grande repercussão no mundo corporativo e, também, no meio eclesiástico.
Pastores e outros líderes religiosos tem lançado mão do modelo de Jesus segundo Hunter,
invés de usarem o modelo de Jesus segundo a Bíblia, sobretudo no que se refere à relação
de poder/autoridade na liderança. Sendo assim, o objetivo deste capítulo é extrair da Bíblia
o modelo de liderança adotado por Jesus e a sua relação com o poder e com a autoridade.

18
HUNTER, 2004, p. 42.
19
Ibid., p. 17.
20
Ibid., p. 18.
21
Ibid., loc. cit.
Poder e autoridade no ministério de Jesus 8

2.1 PODER E AUTORIDADE NO NOVO TESTAMENTO (NT)

No NT, há várias palavras que servem para designar autoridade/poder, porém a


mais utilizada é evxousi,a. Sua tradução, a depender da versão adotada, pode ser tanto poder
quanto autoridade. Isso porque não há no NT uma distinção clara entre poder e autoridade.
Na verdade, para os escritores neotestamentários os conceitos de poder e autoridade estão
intimamente ligados e pressupostos um no outro.
Assevera-se, então, que pelo uso do termo evxousi,a não se pode dizer com certeza se
quem o utilizou tinha em mente fazer diferença entre autoridade e poder. É mais seguro
afirmar que, ao usar evxousi,a, o escritor tinha em seu pensamento ambos.
Ao olharmos o ministério terreno de Jesus podemos melhor notar como poder e
autoridade estão intrinsecamente ligados. A autoridade (evxousi,a) de Jesus era reconhecida
pelas pessoas por causa do que ele falava – ensino – e do que ele fazia – obra. Não se tratava
de mera capacidade de influenciar e persuadir pessoas, como pensa Hunter, mas de
autoridade por ser ele o Filho de Deus. Fato que era atestado pelas obras de poder que
realizava, tais que nunca foram vistas22.
2.2 EVXOUSI,A E O CARÁTER DE JESUS

A primeira distinção feita pelo povo entre Jesus e os demais mestres é que ele
ensinava com evxousi,a 23. Podemos afirmar que isso se deve a pelo menos duas coisas: o
próprio caráter de Jesus e a posição que ele ocupava como Filho de Deus.
O caráter de Jesus é o que confere autoridade ao seu ensino. Dizem-nos as
Escrituras que seus ouvintes “Maravilhavam-se da sua doutrina, porque os ensinava como
quem tem autoridade (evxousi,a) e não como os escribas” 24. Por que então o ensino de Jesus
tinha evxousi,a e o dos escribas não? Não era por causa do conteúdo, uma vez que o Mestre
usou a mesma fonte que os escribas e fariseus, a Lei e os profetas, ou seja, o Antigo
Testamento (AT). Ele mesmo diz: “Não penseis que vim revogar a Lei ou os Profetas; não vim
para revogar, vim para cumprir. Porque em verdade vos digo: até que o céu e a terra
passem, nem um i ou um til jamais passará da Lei, até que tudo se cumpra” 25. Lucas, em seu
evangelho, relata o seguinte:
Indo para Nazaré, onde fora criado, entrou, num sábado, na sinagoga, segundo o
seu costume, e levantou-se para ler. Então, lhe deram o livro do profeta Isaías, e,
abrindo o livro, achou o lugar onde estava escrito: O Espírito do Senhor está sobre
mim, pelo que me ungiu para evangelizar os pobres; enviou-me para proclamar
libertação aos cativos e restauração da vista aos cegos, para pôr em liberdade os
oprimidos, e apregoar o ano aceitável do Senhor. Tendo fechado o livro, devolveu-

22
Jo 9.32.
23
Mt 7.29; Mc 1.22.
24
Mc 1.22 cf. Mt 7.29; Lc 4.32.
25
Mt 5.17-18.
Poder e autoridade no ministério de Jesus 9

o ao assistente e sentou-se; e todos na sinagoga tinham os olhos fitos nele. Então,


passou Jesus a dizer-lhes: Hoje, se cumpriu a Escritura que acabais de ouvir. Todos
lhe davam testemunho, e se maravilhavam das palavras de graça que lhe saíam dos
26
lábios [...].

Fica claro que a evxousi,a do ensino de Jesus não estava ligada a uma nova
mensagem, a partir de um conteúdo diferente do que os escribas e fariseus usavam. Antes, a
questão, de fato, está ligada ao caráter de Jesus.
Jesus sempre acusou a hipocrisia dos escribas e fariseus. Assim como o Mestre,
escribas e fariseus ensinavam o povo a partir do AT, portanto o conteúdo era bom e
confiável, porém diferentemente de Jesus, eles não viviam o que ensinam. Eles contradiziam
em suas ações os ensinos que transmitiam com suas bocas. Eles eram hipócritas. O Senhor
Jesus adverte o povo: “Na cadeira de Moisés, se assentaram os escribas e os fariseus. Fazei e
guardai, pois, tudo quanto eles vos disserem, porém não os imiteis nas suas obras; porque
dizem e não fazem” 27. Vemos que o Mestre assegura que o ensino deles deve ser
observado, mas o caráter deve ser rejeitado “porque dizem e não fazem”.
Ao contrário dos escribas e fariseus, Jesus tinha verdadeiro prazer em obedecer e
cumprir a vontade do Pai28. Em Mateus 5.17-18, ele afirma que veio para cumprir a lei e a
cumpriria cabalmente. O apóstolo Paulo falando sobre a humilhação do Filho de Deus diz a
respeito deste: “a si mesmo se humilhou, tornando-se obediente até à morte e morte de
cruz” 29. Ao passo que dos escribas e fariseus ouvimos Jesus dizer: “Atam fardos pesados e
difíceis de carregar e os põem sobre os ombros dos homens; entretanto, eles mesmos nem
com o dedo querem movê-los” 30. Desta forma, não há dúvidas que fator evxousi,a no ensino
de Jesus está intimamente ligado ao seu caráter.
É interessante notar que, mesmo no meio secular, entende-se que para ser um
verdadeiro líder não basta apenas competência e carisma, mas também é necessário
caráter. Oliveira, por exemplo, faz a seguinte crítica ao conceito de liderança que deixa de
fora o caráter, uma vez que postula que um bom líder necessita apenas ser competente e
carismático:
Ser líder significa desenvolver, completamente, habilidades, competências e
talentos internos; ao contrário de muitos autores, os quais alegam que para ser
líder nos atuais moldes da sociedade é preciso ser simplesmente competente e
31
carismático. Pois esses líderes atuais decepcionam na dimensão do caráter.

Por certo competência não faltava aos escribas e fariseus. Eles eram mestres
zelosos do ensino que transmitiam e não poupavam esforços para fazer prosélitos 32. Afirmar

26
Lc 4.16-22.
27
Mt 23.2,3.
28
Jo 4.34.
29
Fp 2.8.
30
Mt 23.4.
31
OLIVEIRA, 2007, p. 2.
32
Mt 23.15
Poder e autoridade no ministério de Jesus 10

que eram carismáticos seria um exagero, mas não se pode negar que possuíam algum
carisma, principalmente se levarmos em consideração a definição dessa palavra. Segundo o
dicionário Houaiss, carisma é: “conjunto de habilidades e/ou poder de encantar, de seduzir,
que faz com que um indivíduo [...] desperte de imediato a aprovação e a simpatia das
massas” 33. Então, se tomarmos carisma como poder de sedução, podemos afirmar que
escribas e fariseus eram, de certa forma, carismáticos.
Para entendermos o tipo de carisma que possuíam os líderes judeus, merece
atenção o que explica Alaby a respeito de liderança e educação.
A palavra educar (do latim educare e/ou ducere) também significa conduzir, liderar.
Aliás, docente (de docere = ensinar) e discente (de discere = aprender) têm, no
latim, a mesma raiz (cere). Todas essas atividades se relacionam com conduzir,
liderar. Curiosamente, as palavras, induzir, produzir, seduzir, deduzir, todas elas
têm a mesma raiz (duco), e são os prefixos – in, pro, se, de – que justamente
podem indicar as diferenças entre lideranças e os desvios de lideranças: há líderes
34
que induzem e seduzem; e líderes que deduzem e produzem.

Portanto, sedução é, como afirma Alaby, um desvio de liderança. O sentido literal


de seduzir é: “afastar do caminho, desencaminhar, desviar” 35. Eram assim os escribas e
fariseus. Jesus lhes chama de guias cegos36. Faziam o povo errar o caminho. Sob a liderança
deles, os judeus preferiram Barrabás a Jesus37. Em Mateus 27.20 é usado o verbo “pei,qw” na
sua forma ativa, cujo significado é induzir alguém por meio de palavras à acreditar;
persuadir38. Isso nos mostra que havia grande poder de influência e persuasão na liderança
dos escribas e fariseus. Havia, sem dúvida, carisma nos lideres de Israel. Contudo, um
carisma usado em benefício próprio, com objetivos mesquinhos e invejosos e que fazia o
povo desviar da verdade.
Afirmarmos que os escribas e fariseus eram competentes e carismáticos, contudo,
isso não resultava em uma liderança benéfica, isso não fazia deles bons líderes. Por outro
lado, além de competência e carisma, Jesus, o Mestre, tinha caráter e este lhe dava uma
autoridade (evxousi,a) superior à dos escribas e fariseus. Daí as multidões se maravilharem
com ele a ponto de o seguirem por onde quer que fosse para ouvir os seus ensinos.
Se não houver caráter o líder inevitavelmente lançará mão de artifícios e enganos –
sedução – para se manter no poder. Shedd observa:
A liderança exige seguidores de confiança. A fé, no bom juízo e visão do cabeça de
uma organização, durará somente enquanto o líder estiver dando à seus
seguidores razões para nele confiar. A confiança tem suas raízes no caráter. É por
isso que o caráter é central na liderança efetiva. Os líderes que apresentam os mais

33
CARISMA. In: DICIONÁRIO eletrônico Houaiss. Versão 2.0a. Rio de Janeiro: Objetiva, 2007.
34
ALABY, 2007, p.48.
35
SEDUZIR. In: DICIONÁRIO, 2007.
36
Mt 23.16.
37
Mk 15.11; Mt 27.20.
38
THAYER’S GREEK LEXICON. In: BIBLE WORKS for Windows. Version 7.0.19j.4. Norfolk: BibleWorks, 2005. 1
DVD.
Poder e autoridade no ministério de Jesus 11

nobres traços de caráter não precisam se manter no poder por força bruta ou
39
engano.

O que vemos na liderança de Jesus é que evxousi,a tem a ver com caráter do líder e
não apenas com seu poder de influenciar pessoas. Hunter erra ao afirmar que influência é
autoridade40. Não é, pelo menos não do tipo que possuía Jesus.
A crítica de Oliveira a Hunter é esclarecedora no que diz respeito ao estilo de
liderança baseado na influência:
Segundo Hunter, a liderança é a habilidade de influenciar pessoas para trabalharem
entusiasticamente, visando a atingir os objetivos identificados como para um bem
comum. Questiono: bem comum para quem? E aproveito para criar um paralelo
reflexivo: Adolf Hitler foi um grande líder para Alemanha, influenciou toda uma
nação e conseguiu até mesmo alguns simpatizantes fora do seu próprio país, até
41
mesmo chefes de Estado [...], mas, na realidade, governou para quem?

Percebemos com o paralelo reflexivo de Oliveira que a influência pode ser


manipuladora e sedutora. Ela pode transformar objetivos pessoais e egoístas em “bem
comum”. Infelizmente, não faltam exemplos como o Hitler para provarem que isso é
verdade. Por isso, segundo Mañas, uma das áreas pela qual um líder necessariamente deve
transitar é a da ética42.
A ética pode ser interpretada como a dimensão da liderança que não pode ser
manipulada com técnicas de motivação, como prazer e medo. Entende-se que é
tudo uma questão de princípios individuais, utilizados em prol do grupo ao qual se
43
está ligado.

O que notamos nessa asserção de Mañas é que o instrumento de controle da


influência, seja ela carismática ou conseguida por meio de técnicas de motivação, é o caráter
do líder, o que Mañas chama de princípios individuais ou ética. Assim, autoridade pode ser
usurpada pela influência, mas somente pelo caráter esta se estabelece legitimamente.
Portanto, o modelo de liderança de Jesus se destaca por seu caráter, não apenas
por seu poder de persuasão ou influência. Não foi seu carisma que fez com que Pilatos
hesitasse em condená-lo, mas seu caráter. Pilatos quis assegurar-se de estar inocente do
sangue do Justo quando lavou suas mãos44.
Ao contrário dos fariseus e alguns líderes modernos, Jesus não usou sua influência
como fonte de lucro e vantagens45, mas, contam-nos as Escrituras Sagradas que Jesus “viu
[...] uma grande multidão e compadeceu-se deles, porque eram como ovelhas que não têm

39
SHEDD, Russel P. O líder que Deus usa. São Paulo: Vida Nova, 2000. p. 20.
40
HUNTER, 2004, p. 42.
41
OLIVEIRA, 2007, p. 4.
42
MAÑAS, Antônio Vico. Liderança: um caminho em construção. In: OLIVEIRA, 2007, p. 26.
43
Ibid., p. 27.
44
Mt 27.24.
45
1Tm 6.5.
Poder e autoridade no ministério de Jesus 12

pastor. E passou a ensinar-lhes muitas coisas” 46. Jesus liderou as multidões não porque
precisasse delas, mas porque elas precisavam de um líder como ele. Mais que um visionário
com grande poder de convencimento, as pessoas viram em Jesus alguém em quem podiam
confiar, alguém que sinceramente identificou-se com suas dores. Alguém com caráter,
portanto com autoridade para guiá-los.
Assim, o tipo de liderança que mais se aproxima do modelo exercido por Jesus é a
liderança servidora de Robert Greenleaf, que Nelson descreve nesses termos: “liderança que
lida com necessidades sociais com compaixão e um senso de servir com base na autoridade,
conquistada pelo exemplo e transparência, não pelo carisma ou briga pelo poder” 47.
2.3 EVXOUSI,A E A POSIÇÃO OCUPADA POR JESUS

Outra coisa sobre a qual se estabelece a evxousi,a de Jesus é o mandato do Pai, ou


seja, sua posição como o filho e enviado de Deus. Para melhor entendimento dessa questão
precisamos ver o que está contido no significado de evxousi,a.
[evxousi,a] denota o poder que pode ser mostrado nas áreas legal, política, social ou
de assuntos morais [...]. Por exemplo, está sempre ligada a uma posição particular
ou mandato; de forma que se refere ao direito de um rei, um pai, ou um
arrendatário de dispor de algo como desejar; ou a autorização de oficiais ou
mensageiros. [evxousi,a] é freqüentemente poder oficial (cf. Lat. Potestas) que não
48
necessariamente requer coação. [evxousi,a] pode ser delegada.

Evxousi,a, como descrito acima, está ligado a posição ou mandato. Ela pode se referir
ao possuidor da posição de autoridade ou ao um representante dele, um mensageiro.
Embora, como já visto anteriormente, Oliveira e Hunter concordem que para se ter
autoridade não é necessário cargo ou posição de poder, porém, o que notamos aqui é que o
tipo de autoridade que o NT atribui a Jesus está ligada a uma posição particular ou mandato.
Logo, a autoridade de Jesus estava intimamente ligada a sua posição como filho e enviado
Deus.
Jesus tem uma posição de autoridade por ser ele o Filho de Deus. Além do seu
caráter, havia algo que legitimava, a despeito de qualquer outra coisa, sua autoridade: a
posição que ele ocupa, Jesus é de fato o filho de Deus. Isto por si só não deixa uma dúvida
sequer a respeito da autoridade de Jesus sobre tudo e sobre todos. Ainda mais porque tal
posição não foi usurpada49 ou inventada pelo Mestre, tão pouco foi uma convenção criada
por seus primeiros seguidores. Invés disso o próprio Deus, o Pai, atesta esse fato.
O testemunho do Pai a cerca da autoridade do Filho é claro. As Escrituras Sagradas
relatam o seguinte diálogo entre Jesus e seus discípulos:

46
Mc 6.34.
47
NELSON, Donald. As estações na vida de um líder. In: OLIVEIRA, 2007, p. 161.
48
BROWN, Colin. New international dictionary of New Testament Theology. In: ZONDERVAN REFERENCE
Software. Version 2.7. Grand Rapids: Zondervan Corporation, 1999. 1 CD-ROM.
49
Fp 2.6.
Poder e autoridade no ministério de Jesus 13

Mas vós, continuou ele, quem dizeis que eu sou? Respondendo Simão Pedro, disse:
Tu és o Cristo, o Filho do Deus vivo. Então, Jesus lhe afirmou: Bem-aventurado és,
Simão Barjonas, porque não foi carne e sangue que to revelaram, mas meu Pai, que
50
está nos céus.

Nesta conversa entre o Mestre e seus seguidores mais próximos, vê-se Pedro
afirmar que Jesus é o Cristo (o ungido), mas não apenas isso, ele é também o Filho do Deus
vivo. O testemunho de Pedro, então, se torna ainda mais verdadeiro quando Jesus esclarece
que a afirmação daquele discípulo foi uma revelação do próprio Deus Pai e não uma
conclusão humana.
A posição de autoridade conferida a Jesus pelo fato de ser ele o Filho de Deus fica
ainda mais evidente no episódio da transfiguração. Na narrativa dos evangelhos, Elias e
Moisés conversam com Jesus no Monte das Oliveiras. Testemunham este fato Pedro, Tiago e
João. Estes ouvem uma voz vinda do céu, a exemplo do que aconteceu com João Batista
quando batizou Jesus, que lhes disse: “Este é o meu Filho amado; a ele ouvi” 51. O
evangelista Lucas ao invés de “amado” usa o a expressão “meu escolhido”. Jesus é o filho de
Deus e por isso deve ser ouvido.
O relato dessa passagem é importante para entendermos que a autoridade de Jesus
tem relação também com a posição que ele ocupa. No monte da transfiguração, estavam,
como vimos, além de Jesus e três dos seus discípulos, Elias e Moisés, duas das personagens
de maior autoridade para os hebreus. Elias o grande profeta e Moisés o maior de todos os
profetas – único com quem Deus falou face a face52 – além de ser o libertador de Israel e
aquele por intermédio de quem veio a Lei. Não obstante a tudo isso, Deus Pai aponta para
Jesus como aquele a quem se deve ouvir, pois este é o seu Filho amado, o seu escolhido.
Jesus, o Filho de Deus, tem maior autoridade que Moisés e Elias, portanto deve ser ouvido.
Da mesma forma, o escritor da carta aos Hebreus diz no início desta: “Havendo
Deus, outrora, falado, muitas vezes e de muitas maneiras, aos pais, pelos profetas, nestes
últimos dias, nos falou pelo Filho, a quem constituiu herdeiro de todas as coisas” 53. Este
texto elucida o que aconteceu na transfiguração. No passado Deus constituiu outras
autoridades através das quais falou – os patriarcas, os profetas, Elias, Moisés, etc. – mas
hoje ele fala pelo Filho. Ele é o herdeiro (klhrono,moj), os outros eram servos (dou/loj), como
ensinado pelo Senhor na parábola dos lavradores maus54. O herdeiro, o Filho, tem maior
autoridade que os servos. Se não respeitam os servos, o Filho certamente deve ser
respeitado, pois sua posição é mais alta que a daqueles. Desta maneira, a posição de Jesus,
como o Filho de Deus, por si só é suficiente para lhe dar autoridade.

50
Mt 16.15-17.
51
Mt 17.1-5; Mc 9.2-7; Lc 9.28,35.
52
Ex 33.11; Dt 30.10; Nm 12.8.
53
Hb 1.1,2.
54
Mt 21.33-46; Mc 12.1-12; Lc 20.9-19.
Poder e autoridade no ministério de Jesus 14

Então, mais uma vez, não é o caso aqui de Jesus ser um líder carismático, nem de
que sua liderança se baseava na influência e persuasão. Jesus tinha uma posição que lhe
conferia autoridade. Ele o filho de Deus, o herdeiro de todas as coisas. Ao contrário do que
pensa Hunter, Jesus considerava sua posição importante e necessária à sua autoridade.
Tanto assim que, no evangelho de João 5.19-47, ele defende sua autoridade com base em
sua posição como filho de Deus. Por exemplo, Jesus afirma: “o Pai a ninguém julga, mas ao
Filho confiou todo julgamento, a fim de que todos honrem o Filho do modo por que honram
o Pai. Quem não honra o Filho não honra o Pai que o enviou” 55. O Senhor Jesus está ciente
de que a honra do Pai também lhe é devida, pois ele é o Filho. Portanto, não se pode separar
a autoridade de Jesus de sua posição com Filho de Deus.
O ensino de Jesus e suas obras, que tanto atraíam as multidões, também estavam
ligados à sua posição de autoridade como filho de Deus. O que se pretende afirmar com isso
é: Jesus não ensinaria com autoridade admirável e não realizaria obras prodigiosas se ele
não fosse o Filho de Deus enviado ao mundo com a missão de ensinar aquilo que ouviu do
Pai e realizar as obras deste. João diz: “Na verdade, fez Jesus diante dos discípulos muitos
outros sinais que não estão escritos neste livro. Estes, porém, foram registrados para que
creiais que Jesus é o Cristo, o Filho de Deus, e para que, crendo, tenhais vida em seu nome”
56
. Em outras palavras, as obras de Jesus testificam a respeito de quem ele é, uma vez que só
o Filho de Deus poderia realizá-las. Sendo assim, a posição particular de Jesus é essencial
para o estabelecimento da sua autoridade.
Jesus esclarece a respeito de ensino dizendo:
eu não tenho falado por mim mesmo, mas o Pai, que me enviou, esse me tem
prescrito o que dizer e o que anunciar. E sei que o seu mandamento é a vida
57
eterna. As coisas, pois, que eu falo, como o Pai mo tem dito, assim falo.

Por conseguinte, não haveria um ensino maravilho e autorizado nas palavras de


Jesus se ele não fosse o Filho de Deus, se o Pai não o tivesse enviado com uma mensagem
maravilhosa a ser transmitida. A autoridade do ensino de Jesus está indissoluvelmente ligada
à sua posição como Filho de Deus.
Convém lembrar que os apóstolos, depois de Jesus, tiveram a mesma autoridade,
isto porque ele os autorizou enviando-os da mesma forma como o Pai tinha feito com ele58.
O Líder dos apóstolos se despede assim deles: “Jesus, aproximando-se, falou-lhes, dizendo:
Toda a autoridade (evxousi,a) me foi dada no céu e na terra. Ide, portanto, fazei discípulos de
todas as nações, batizando-os em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo” 59.

55
Jo 5.22,23.
56
Jo 20.30,31.
57
Jo 12.47-50.
58
Jo 20.21,22.
59
Mt 28.18,19.
Poder e autoridade no ministério de Jesus 15

Sendo assim, não é correto pensar que Jesus era um líder sem poder – posição,
cargo – como afirma Hunter. É justamente o contrário. A posição de Jesus como Filho de
Deus era o que lhe conferia poder (evxousi,a). Segundo a profecia de Isaías que Jesus aplicou a
si mesmo, Deus o Pai o enviou a pregar, curar e libertar60. Jesus tinha poder (evxousi,a) para
curar enfermos e perdoar pacados61. Nada disso seria possível não fosse por Jesus possuir a
posição de Filho e enviado de Deus.
O modelo de liderança de Jesus segundo a Bíblia não faz diferença entre poder e
autoridade, uma vez que estes se confundem e são interdependentes. Ainda segundo as
Escrituras, Jesus não baseou seu estilo de liderança em carisma e influência, mas em sua
autoridade (evxousi,a). Esta, por sua vez, lhe foi conferida por causa do seu caráter e devido à
posição que ocupa como o Filho de Deus. Desta forma, sua influência não era a causa, senão
consequência de sua autoridade.
Assim, o modelo de liderança que deve ser adotado no exercício pastoral é o que foi
praticado por Jesus como revelado na Palavra de Deus.

60
Is 61.1.
61
Mc 2.5-10; Lc 5.21-24.
Liderança pastoral e autoridade 16

3 Liderança pastoral e autoridade

O que se pretende postular neste capitulo é que, conforme o modelo de Jesus, a


autoridade da liderança pastoral é estabelecida por meio da posição que o pastor ocupa e é
reconhecida por meio do seu caráter.
3.1 O ESTABELECIMENTO DA AUTORIDADE

A autoridade do pastor-líder é estabelecida por sua posição particular na igreja.


Assim como não é correto fazer uso abusivo da posição, usando-a em benefício próprio sem
considerar os interesses dos liderados, também não é carreto ignorar ou tratar como coisa
de somenos a posição que se ocupa como pastor e líder de uma congregação. Isto se deve
ao fato irrefutável de que a posição confere autoridade. Esta afirmação pode parecer
inadequada e politicamente incorreta para os dias atuais, contudo, como vimos na liderança
de Jesus, a posição é fundamental para o estabelecimento da autoridade.
Portanto, o que vemos nas Escrituras Sagradas é o estabelecimento de autoridade
pela posição particular de uma pessoa. Por exemplo, o diálogo de Jesus com Pilatos –
procurador da Judéia – serve para nos mostrar como a autoridade deste foi estabelecida:
“Então, Pilatos o advertiu: Não me respondes? Não sabes que tenho autoridade (evxousi,a)
para te soltar e autoridade para te crucificar? Respondeu Jesus: Nenhuma autoridade
(evxousi,a) terias sobre mim, se de cima não te fosse dada” 62. A autoridade a que Pilatos se
refere é aquela conferida por seu cargo como representante do império romano na região
da Judéia. Na reposta de Jesus, observa-se que ele foi claro ao afirmar que a autoridade de
Pilatos veio do alto, uma referência a Deus. Compreende-se então, que Deus colocou Pilatos
na posição de procurador de Roma e, assim, lhe deu autoridade inclusive para ordenar a
crucificação de Jesus63.
Da mesma forma, o apóstolo Paulo ensina que se deve obediência aos que estão
em posição de autoridade. Diz o apóstolo:
Todo homem esteja sujeito às autoridades superiores; porque não há autoridade
que não proceda de Deus; e as autoridades que existem foram por ele instituídas.
De modo que aquele que se opõe à autoridade resiste à ordenação de Deus; e os
que resistem trarão sobre si mesmos condenação. Porque os magistrados não são
para temor, quando se faz o bem, e sim quando se faz o mal. Queres tu não temer
a autoridade? Faze o bem e terás louvor dela [...] Pagai a todos o que lhes é devido:
a quem tributo, tributo; a quem imposto, imposto; a quem respeito, respeito; a
64
quem honra, honra.

Mais uma vez, o que se observa é que Deus institui autoridades (evxousi,aij) –
governantes – dando-lhes cargos, funções e posições superiores as das demais pessoas. E,

62
Jo 19.10.
63
At 4.26-28.
64
Rm 13.1-3,7.
Liderança pastoral e autoridade 17

por causa de suas posições, a estes são devidas honra e obediência. Da mesma maneira, os
filhos devem honrar os seus pais porque são seus pais; a mulher deve submissão ao marido
porque ele é o seu marido; o servo deve obediência a seu senhor porque é seu senhor. A
Bíblia confere grande importância à posição de uma pessoa. A posição ocupada por alguém
é a fonte de sua autoridade. Portanto, o pastor não pode menosprezar sua posição como
presbítero da igreja sob pena de ter sua autoridade comprometida.
Contudo, não se pode pensar na autoridade conferida pela posição ocupada pelo
pastor como privilégio apenas, mas, sobretudo como responsabilidade. O apóstolo Paulo
ensina que a liderança pastoral é um trabalho (e;rgou), ou seja, algo com o que uma pessoa
se ocupa. Assim, quem deseja a posição deve também desejar o trabalho e as
responsabilidades inerentes à posição. Diz o apóstolo: “se alguém aspira ao episcopado,
excelente obra (e;rgou) almeja”65.
Hunter acerta em afirmar que um líder deve estar disposto ao serviço e ao
sacrifício. Ele diz: “A autoridade sempre se constrói sobre serviço e sacrifício” 66.
Indubitavelmente encontramos este princípio do modelo de liderança exercido por Jesus. Ele
não usurpou o ser igual a Deus, mas sacrificou por aqueles de quem ele era senhor 67. Jesus
não tomou sua posição de Filho enviado de Deus como um privilégio, mas antes assumiu
todas as implicações e responsabilidades inerentes à posição que lhe foi data. “Agora, está
angustiada a minha alma, e que direi eu? Pai, salva-me desta hora? Mas precisamente com
este propósito vim para esta hora” 68. Nestas palavras de Jesus, vemos quão comprometido
ele estava com o trabalho imposto por sua posição e quão responsável ele foi em cumpri-lo,
mesmo isso lhe custando a própria vida.
Da mesma forma, é trabalho e responsabilidade dos pais a educação dos filhos; é
trabalho e responsabilidade do marido amar sua esposa e sacrificar-se por ela; é trabalho e
responsabilidade do senhor tratar seus servos com dignidade69. Assim como é trabalho e
responsabilidade do pastor pastorear o rebanho com espontaneidade, boa vontade e
servindo-lhe de modelo70, como ensina o apóstolo Pedro.
Portanto, a posição por si só atribui a quem a ocupa autoridade, por isso não se
deve desprezá-la no exercício da liderança pastoral. Entretanto, a autoridade é reconhecida
pela forma como o pastor lida com o trabalho e as responsabilidades inerentes à posição
que ocupa como líder da igreja. Dito de outra forma, ainda que a posição confira autoridade
por si só, é o caráter do líder que faz com que essa autoridade seja reconhecida pelos
comandados.

65
1Tm 3.1.
66
HUNTER, 2004, p. 43.
67
Fp 2.6-8.
68
Mt 12.27.
69
Ef 5.21-6.9.
70
1Pe 5.1-3.
Liderança pastoral e autoridade 18

3.2 A IMPORTÂNCIA DO CARÁTER

“O que faz um homem digno de ser seguido? Certamente, alguns são líderes
somente por título ou posição. Mas, o tipo de homem que inspira outros a segui-lo é um
homem de virtude ou caráter” 71. O caráter é importante e, no caso da liderança pastoral,
imprescindível, essencial.
Vimos que no modelo de liderança de Jesus se destaca o seu caráter. Sua posição
era importante e por si só lhe conferia autoridade, mas o seu caráter valorizou ainda mais
sua posição e inspirou outros a segui-lo. Pessoas podem se sentir coagidas a seguir alguém
quando à posição não se associa o caráter, mas prazerosamente seguirão seu líder ou pastor
se estes forem dignos de confiança, por causa de um caráter aprovado. No caso de Jesus,
seu caráter se mostra na coerência entre suas palavras e suas ações, na glorificação de Deus
e no serviço ao próximo.
Nenhum cristão, sobretudo aqueles que são líderes cristãos, pode departamentizar
a vida. Há muitos que separam a vida ministerial da vida privada. Contudo, a liderança
pastoral exige integridade, ou seja, para exercer bem a liderança pastoral é necessário que
também se exerça bem a liderança de si mesmo e da família e ainda contar com uma boa
reputação por parte daqueles que não fazem parte da igreja72. É necessário que pastor-líder
seja irrepreensível dentro e fora da igreja. Crotts observa:
A despeito do fato que alguns líderes procuram menosprezar a importância do
caráter na “vida particular” de uma pessoa, certamente aquilo que um homem é
em sua privacidade afeta profundamente sua vida pública. Se um homem prova
sua integridade em cumprir obrigações básicas para com sua esposa e filhos, ele
provavelmente será confiável nos outros compromissos da vida [...] Liderança
começa em seu coração e em sua vida. Se você não consegue liderar a si mesmo,
73
não conseguirá liderar outros.

Uma das responsabilidades do trabalho de liderança pastoral é providenciar um


modelo para o povo. Este não deve ser outro senão o próprio pastor. É isto que Paulo diz a
Timóteo: “torna-te padrão dos fiéis, na palavra, no procedimento, no amor, na fé, na
pureza” 74. O mesmo diz Pedro aos presbíteros: “pastoreai o rebanho de Deus que há entre
vós [...] tornando-vos modelos do rebanho” 75. Novamente Paulo exorta: “Sede meus
imitadores, como também eu sou de Cristo” 76.
Sendo assim, é inerente à posição pastoral o trabalho e a responsabilidade de ser
modelo para os liderados. De fato, os crentes esperam que o pastor seja o tipo de cristão
que eles mesmos não pretendem ser. Mas, não importando quão negligentes eles sejam

71
CROTTS, John. Homens Fortes. São José dos Campos: Fiel, 2006. p. 11.
72
1Tm 3.1-7.
73
CROTTS, Op. cit., p. 12.
74
1Tm 4.12.
75
1Pe 5.1-3.
76
1Co 11.1.
Liderança pastoral e autoridade 19

com seu caráter, o pastor tem a obrigação de ser íntegro a ponto de constranger o povo pelo
exemplo.
Ao comentar o capítulo três de primeira Timóteo, Calvino escreve:
Ele [Paulo] quer que o bispo seja irrepreensível, ou, como expôs em Tito 1.7,
avne,gklhton [...] o significado de ambos os termos consiste em que o bispo não deve
ser estigmatizado por nenhuma infâmia que leve sua autoridade ao descrédito.
Portanto, para que os bispos não se vejam privados de autoridade, Paulo ordena
que se faça uma seleção daqueles que desfrutem de excelente reputação e sejam
77
eximidos de qualquer nódoa extraordinária.

Não se trata de não haver manchas, se trata de não ter “um nome carregado de
infâmia e manchado de alguma nódoa escandalosa” 78, explica Calvino. Nas palavras do
reformador de Genebra, a falta de caráter leva a autoridade ao descrédito. Além disso, a
própria posição que confere autoridade é vilipendiada.
Então, além da posição é preciso ter caráter para exercer a liderança pastoral. Entre
as responsabilidades daquele que é pastor, portando líder de uma congregação, é manter
um caráter integro a fim de constranger os irreverentes e não fazer desviar os fracos.
A liderança pastoral, portanto, deriva sua autoridade da posição que o pastor ocupa
como líder do rebanho e do caráter do mesmo. Sua posição lhe assegura autoridade e seu
caráter faz com esta seja reconhecida por seus seguidores.

77
CALVINO, João. As pastorais. São Paulo: Paracletos, 1998. p. 84.
78
Ibid., loc. cit.
Liderança pastoral e autoridade 20

Considerações Finais

Autoridade é o âmago da questão liderança. O que se constata nos vários


estudiosos do assunto é que uma liderança eficaz se baseia na autoridade. Ainda que
divirjam sobre o que é autoridade, todos estes teóricos buscam saber qual a fonte da
autoridade e como usá-la de maneira eficiente.
Os estilos ou modelos de lideranças desenvolvidos no decorrer das gerações
também têm como objetivo legitimar a autoridade do líder e fazer com que liderados se
sintam bem estando debaixo de tal autoridade.
No mundo corporativo e também na igreja muito se labora para se chegar a um tipo
de liderança eficiente – que produza resultados, pragmática. Neste afã, infelizmente, os
líderes religiosos têm buscado nas grandes corporações modelos para gerirem os “negócios”
do reino de Deus. O que certamente tem produzido resultados desastrosos para a igreja de
Cristo.
Contudo, encontramos no Mestre, o maior líder de todas as gerações, o modelo
ideal para aqueles que pretendem liderar pastoralmente. Quando se fala do modelo de
liderança de Jesus, faz-se referência àquele revelado nas Santas Escrituras, e não a modelos
seculares e pseudo-piedosos que não são totalmente corretos na leitura que fazem da
liderança de Jesus.
O modelo de liderança de Jesus revela que duas coisas merecem destaque no
exercício da liderança pastoral com autoridade: a posição ocupada pelo líder e o caráter
deste. Destas coisas depende a autoridade do líder. Jesus não teria autoridade para ensinar
maravilhosamente e para realizar obras portentosas se não ocupasse uma posição especial
como filho de Deus e se o próprio Deus não o tivesse enviado com autoridade para tanto.
Mas, certamente sua posição de autoridade seria comprometida se a Jesus faltasse caráter.
Foi o caráter integro de Jesus que fez com que as multidões reconhecessem sua autoridade
e o seguissem voluntariamente.
A liderança pastoral deve, portanto, ter como único modelo de liderança o de Jesus.
Jesus foi excelente em liderar pastoralmente. O pastor a frente de seu rebanho deve, então,
reconhecer a importância de sua posição como líder espiritual. Deve lembrar-se que, até que
se prove o contrário, a posição que ocupa lhe foi dada por chamado divino. Por isso, deve
estar atento também ao seu próprio caráter a fim de mantê-lo integro. Um mau caráter
pode manchar a vida e a própria posição que se ocupa, comprometendo, assim, a
autoridade. Mais do que líder espiritual, o pastor deve também guiar povo na ética e na
moral. Faz parte do trabalho e da responsabilidade do pastor servir como modelo para o
rebanho.
Liderança pastoral e autoridade 21

Referência Bibliográfica

BIBLE WORKS for Windows. Version 7.0.19j.4. Norfolk: BibleWorks, 2005. 1 DVD.

BROWN, Colin (Ed.). New international dictionary of New Testament Theology. In:
ZONDERVAN REFERENCE Software. Version 2.7. Grand Rapids: Zondervan Corporation, 1999.
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CALVINO, João. As pastorais. São Paulo: Paracletos, 1998. p. 379.

CROTTS, John. Homens Fortes. São José dos Campos: Fiel, 2006. p. 51.

DICIONÁRIO eletrônico Houaiss. Versão 2.0a. Rio de Janeiro: Objetiva, 2007.

HUNTER, James C. O monge e o executivo. Rio de Janeiro: Sextante, 2004. Disponível em:
<http://www.scribd.com/doc/13474/O-MONGE-E-O-EXECUTIVO>. Acessado em: 17 out.
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OLIVEIRA, Jair Figueiredo de. (Coord.). Profissão líder: desafios e perspectivas. São Paulo:
Saraiva, 2006. p. 345.

SHEDD, Russel P. O líder que Deus usa. São Paulo: Vida Nova, 2000. p. 68. Disponível em:
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O-lider-que-Deus-usa.doc>. Acessado em: 9 out. 2008, 18:22.

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