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repórter

regional texto Piero Vergílio | fotos Arquivo pessoal

Flávia Santini está há


três anos na Europa.

O Natal pelo mundo


Este será o primeiro
Natal na já iluminada
Londres, pois todos os
outros ela passou na
Itália, onde morava.
Entre os italianos, não
pode faltar o presépio,
além - claro - das
árvores decoradas

Brasileiros que vivem


no exterior contam
como é passar o
Natal fora do país e
longe da família

“f eliz Natal”, “Merry Christmas”, “Buon Natale”, “Joyeux


Noël”, “Merii Kurisumasu”. Em 25 de dezembro, pessoas
estarão reunidas nos quatro cantos do mundo para celebrar
essa festa cristã, inclusive nos lugares em que esta tradição não
é tão forte. Mesmo que discretas, as
comemorações acontecem em todos os paí-
ses, principalmente se houver um brasileiro
morando por lá.
Vale ressaltar que não são poucos os que
Nome completo, idade e profissão:
Flavia Santini, 27, personal assistant
País / região em que vive atualmente:
fazem parte deste grupo. Segundo dados Londres, Reino Unido
Três
Há quantos Natais está fora do Brasil?
do Ministério das Relações Exteriores, cerca
de quatro milhões de brasileiros vivem no ião
exterior: destes, a maioria deixou o país Natal para mim é... “só mais uma ocas
em busca de melhores oportunidades. Esta para se cercar de tudo o que de melhor
dinâmica se incrementou a partir do início existir nesse mundo”
dos anos 90, gerando um fluxo migratório
crescente, em especial, para os EUA, Japão e
diversos países da Europa, como, por exemplo, o Reino Unido.
A terra da Rainha é o atual “lar, doce lar” da personal assistant
Flavia Santini. Três anos depois de ter decidido concretizar o desejo
de morar no “Velho Continente”, essa saltense de coração – que
nasceu em Indaiatuba – está matriculada na melhor faculdade de
Acupuntura daquela região. Para ela, o Natal é mais uma ocasião
para se cercar dos mais belos sentimentos e desejos, e, ao mesmo
tempo, celebrar aqueles que sempre estão ao teu lado.
Em Londres há apenas alguns meses, a estudante não esconde
seu deslumbramento com as luzes de Oxford Circus e relembra como
é a comemoração na Itália, país em que vivia até então. “Lá, eu
tinha na companhia de amigos e de uma lareira acesa que manti-
nha quentinhas maravilhosas fatias de pandoro. Apenas o cardápio
varia, conforme a região e as tradições locais; de resto, é tudo muito
semelhante ao Brasil: pessoas reunidas em torno da mesa mais linda e
farta que você pode presenciar durante todo o ano”.

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Lucas Varin viverá seu
primeiro Natal na França:
a Torre Eiffel ganha uma
iluminação diferente nesta
época e a Champs Elysées
fica impecável, começando
do Arco do Triunfo e
seguindo até o rio Sena

Nesse período, foram vários momentos


marcantes, “especialmente os mais complica-
dos”, como faz questão de frisar. Todos os outros
entrevistados desta reportagem são unânimes em
afirmar que os primeiros dias são sempre os mais
complicados, mas Flávia tem a receita para su-
perar as dificuldades. Ela brinca que, países, as-
sim como pessoas, deveriam vir com manual de Nome completo, idade e profissão:
uso, uma vez que até as coisas mais básicas podem ser completa- Lucas Leonardi Varin, 23, chef de cozinha
mente diferentes. Para aproveitar o máximo de cada experiência sempre acompanhadas por País / região em que vive atualmente:
é preciso aceitar o novo. “Só assim você pode descobrir algumas vinho tinto. À meia-noite, porém, Saint-Germain-en-Laye, França
facetas tuas que até então pareciam improváveis, e tonalidades bebe-se champagne. Existe ainda a Há quantos Natais está fora do Brasil?
que não existiam na tua caixinha de lápis de cor”, poetiza. tradição das 13 sobremesas – da-
No final das contas, o balanço é positivo. “Quando olho para masco e figo secos; castanhas, nozes, Este será o primeiro
trás, vejo o quão intensos foram esses três últimos anos. Contur- amêndoas, castanha de caju, uvas Natal para mim é... “Família, paz, amor,
bados ou não, foram preciosos a cada minuto e não quero nem passas, laranjas, bananas, brioche, confraternização e um belo banquete sem
desperdícios”
imaginar minha vida sem eles. O que conquistei foi o comecinho maçãs, crepes e o famoso Bûche de
de uma história tão bem ilustrada e tão cheia de personagens Noël (rocambole em formato de tron-
especiais que hoje amo dividir com meus pais e um dia vou ter co) – muito apreciadas naquele país.
muito orgulho de contar ao meu filho”, encerra. As palavras de Lucas podem passar a impressão de que ele está há
muito tempo fora, quando, na verdade, este será seu primeiro Natal em
Sem data para voltar terras estrangeiras. A Torre Eiffel ganha uma iluminação diferente a cada
Não são raros os casos em que a estadia, a princípio tempo- ano e a Champs Elysées – a avenida mais famosa de Paris – fica impecável,
rária, acaba se transformando em algo mais duradouro. Exemplo começando do Arco do Triunfo e seguindo até o rio Sena. “Nas casas, a
disso é o chef de cozinha Lucas Leonardi Varin – cuja trajetória tradição é pendurar as meias na chaminé e enfeitar a árvore de Natal com
você conheceu mais detalhadamente na edição de novembro da luzes, guirlandas e bolas de vidro. As crianças têm um calendário especial,
Regional – que foi para a França fazer um estágio que duraria uma espécie de pequeno gaveteiro, com os dias marcados até a festa”,
apenas nove meses. Ao ser contratado para trabalhar em um ho- revela Lucas.
tel Relais & Chateaux, que possui um roteiro de cursos ministra- Pessoas que, como ele, deixaram o Brasil em busca de seus sonhos, se
dos em vários países da Europa, ele suspendeu seu regresso por vêem obrigadas a não somente se adaptar às tradições sócio-culturais do
tempo indeterminado. país em que escolheram para viver, como também minimizar os obstáculos
Ele acredita que Natal é tempo de reflexão e, como não pode- com relação ao idioma e, principalmente, superar a ausência daqueles que

>>
ria deixar de ser, a época ideal para um belo banquete. O jovem ficaram. O chef conta que conhece o sobrinho recém-nascido apenas por
nos conta detalhes da ceia francesa, em que são servidas aves de fotos e, embora a internet seja uma grande aliada nessa hora, não tem jeito:
diversos tipos recheadas com legumes, frutas secas e especiarias; com esse clima de final de ano, a saudade aperta ainda mais.
Revista Regional 37
REPÓRTER REGIONAL

Jeitinho brasileiro
Mas tem gente que encontra um jeitinho para tornar
esse processo mais fácil. Quando o marido recebeu uma
proposta “irrecusável” para ser transferido para a Tai-
lândia, a advogada por formação e blogueira Renata C.
– ela prefere ser identificada dessa forma, pois alega que
o pseudônimo é seu “charme” – não teve dúvidas: con-
vidou a mãe e a irmã para lhe acompanhar no primeiro
mês. Renata, que tem três crianças pequenas, conta que
a família está muito feliz na nova terra.
Os segredos para uma adaptação tão satisfatória
num curto período de tempo – a mudança foi em abril
deste ano – ela faz questão de compartilhar. “Meus
filhos foram educados para o mundo e sempre viajaram
conosco: dormir em ambientes diferentes não lhes causa
estranheza. O mais importante é que o casal tenha um
forte laço; ‘nós apertados’, eu diria. Caso contrário é comum que
as esposas se sintam solitárias e entrem em depressão”, alerta
Renata, que mantém o blog “Uma Esposa Expatriada” (www.
umaesposaexpatriada.blogspot.com) para fazer novos amigos e
trocar experiências.
Com uma população predominantemente budista, não são
muitas às referências ao Natal. Mesmo assim, elas existem. No
início de novembro, durante um
passeio pelo maior e mais bonito Renata C. está na Tailândia,
shopping da cidade, com seis que por ter uma população
andares, a expatriada constatou predominantemente budista,
que apenas uma loja estrangeira não possui muitas referências
vendia alguns objetos de decoração ao Natal. Mesmo assim, elas
natalina – conforme a vendedora existem, principalmente nos
lhe informou, a clientela é compos- shoppings. Em 2008, Renata
ta por turistas – e um restaurante contratou um Papai Noel para
(japonês, diga-se de passagem) alegrar sua família
ostentava objetos decorados, com
algumas luzinhas... Perto do fim
do mês, no entanto, foram coloca-
dos enfeites e uma árvore gigantes-
ca na porta.
Quando foi convidada a
participar desta matéria, ela fez
uma espécie de pesquisa informal
com os tailandeses. Dentre todas Nome completo, idade e profissão:
as pessoas a quem perguntou, Renata C.; advogada e blogueira
apenas uma tinha algum conheci- País / região em que vive atualmente:
mento sobre o Natal. Esta é uma Tailândia, Ásia
das razões – a idade das crianças
também influenciou – pelas quais Renata e seus
Há quantos Natais está fora do Brasil?
filhos virão ao Brasil passar as festas. Foi uma decisão Desde abril de 2009
para
difícil, pois o marido não poderá acompanhá-los. Natal para mim é... “um bom momento
refletir acerca do que fizemos e de com o
Algum tempo antes de deixarem o país, no ano
passado, a família viveu um momento mágico, vivemos até ali...”
quando contratou o Papai Noel “de verdade” (olhos
azuis, velhinho, com barba e cabelos brancos), para ir
ao condomínio. “Ele estava atrasado; desci e fiquei esperando no portão,
debaixo de chuva. Quando passou um carro com um Papai Noel, eu gritei
feito uma louca achando que o bom velhinho estava perdido, mas não era
o meu... Depois o homem chegou e foi um sucesso”, relembra, aos risos.

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Ligia Moro vive hoje
na Nova Zelândia:
“Nós, brasileiros, nos
reunimos na véspera
e convidamos
as pessoas mais
próximas para
celebrar o Natal
conosco, sempre
com mesa farta e
muita alegria”

Nome completo, idade e profissão:


Ligia Moro, 27, estudante e ex-modelo
País / região em que vive atualmente:
Auckland, Nova Zelândia
Há quantos Natais está fora do Brasil?
Quatro
Natal para mim é... “confraternização;
estar com
Prova de fogo pessoas especiais e poder dizer ‘te amo’”.
Logo no seu
desembarque à Nova
Zelândia, a estudante e ex-modelo saltense Ligia Moro enfrentou sua
primeira prova de fogo. “Tinha combinado de me encontrar com o meu
marido (então namorado) no aeroporto. Só que devido ao fuso horário,
se perde um dia inteiro na viagem. Sendo assim, havia dito que viria
num dia, quando, na verdade, cheguei noutro. Naquele mesmo instante,
eu já estava com vontade de voltar”, recorda.
Mas, para a felicidade do casal, não foi bem assim que a história
aconteceu. Muito pelo contrário. Algum tempo depois, Ligia seria surpre-
endida por um romântico pedido de casamento na Sky Tower. Quatro
“Natais” depois, a estudante admite que sua vida – que descobriu não
ser tão complicada quanto pensava – tomou um rumo diferente do que
esperava. Mesmo assim, ela tem planos: em 2010, pretende se matricu-
lar no curso de Obstetrícia na Universidade de Auckland para, finalmen-
te, realizar seu sonho de ingressar numa faculdade.
Embora esteja na companhia de pessoas especiais e o marido
também seja brasileiro, Ligia sente falta de dar um abraço de Natal em
sua família; “o coração fica apertadinho no peito”. Todos os anos ela faz
questão de ligar para a mãe, que, do outro lado da linha, sempre brinca
que a estudante está sempre um passo à frente, pois vive no futuro (a
comemoração ocorre antes por lá). “Nós, brasileiros, nos reunimos na
véspera e convidamos as pessoas mais próximas para celebrar conosco,
sempre com mesa farta e muita alegria”, conta.
Os neozelandeses, por sua vez, comemoram no dia 25 com um almoço
em família, sempre muito formal. A tradição manda que, ao sentar à mesa,
você estoure um “Christmas Cracker” (espécie de pequeno tubo, em forma
de presente). Dentro dele, há uma mensagem – que deve ser lida em voz

>>
alta – e uma coroa de papel, para ser usada até o final da ceia, pois eles
acreditam que todos são reis e rainhas nesse dia especial.

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No Japão, o Natal é apenas


uma data comercial, por isso
os brasileiros vivem uma
comemoração mais discreta.
Rosemeire Nakamura está
há seis anos na Ásia e revela
que os enfeites natalinos
podem ser vistos em poucos
locais, como nos shoppings

Sabor oriental
Para finalizar essa nossa rápida volta
ao mundo, vamos aterrissar no Japão, onde
vive a nossa última personagem, a jornalis-
ta, fotógrafa e escritora Rosemeire Nakamu-
ra, que foi trabalhar no país para conseguir
a quantia necessária para custear uma
cirurgia pela qual precisava se submeter.
Depois de sete meses, ela conseguiu voltar
para realizar a operação e buscar o filho de
um ano, que havia ficado com a irmã.
A jornalista conta que sempre quis
morar em outro país; “não apenas passear e
sim provar o sabor”, participar das tradições
locais e vivenciar a cultura. O Japão tem
paisagens exuberantes e é uma terra em que as estações do ano são bem um pouco para que eles entendam o signifi-
acentuadas. “Adoro fotografar a natureza e postar essas imagens no meu cado”, opina.
blog (www.nihonterradosolnascente.blogspot.com). Um lugar onde não Rose lembra com carinho do último Nome completo, idade e profissão:
existem filas, as ruas são limpas e os parques bem tratados”, explica. Natal que passou com seus pais, há dez anos Rosemeire Nakamura, 40; jornalista,
Ao contrário das nações ocidentais, para as quais o nascimento de (ambos já faleceram): “Fiz todos os pratos fotógrafa e escritora
Cristo é cercado de simbolismos, no Japão o Natal é apenas uma data co- que eles gostavam. Estávamos muito felizes; País / região em que vive atualmente:
mercial, festejada discretamente. Nas escolas as crianças fazem trabalhos conversamos e rimos muito. Mas, de certa
escolares voltados para o tema. Alguns parques se enfeitam com luzes e os
Ota shi, Japão
forma, todos foram marcantes, até mesmo
shoppings ostentam a figura do Papai Noel, mas a grande maioria vê o 25 aquele que passei no avião vindo para o Há quantos Natais está fora do Brasil?
de dezembro como um dia comum. Japão, com meu filho. Meu coração estava Seis
Para eles, a comemoração mais importante do calendário é o ano cheio de esperança e eu tinha a certeza de Natal para mim é...
novo (oshougatsu). Não há reuniões familiares, tão pouco mudanças na que os dias que viriam me reservavam bons “tempo de paz e reflexão”
rotina de trabalho, pois não é considerado feriado. “Cumprimentamos momentos”. De fato, é o que todos, nessa
nossos colegas brasileiros com mais entusiasmo, mas é um dia normal. época ou em todas as outras, buscamos: dias
Devido às diferenças culturais e religiosas, acredito que ainda vai demorar melhores para sempre.

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