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Fórum – Desafios do Magistério

Alfabetização no Brasil
Questões e provocações da atualidade

Centro de Convenções da UNICAMP


15 de março de 2006

Alfabetização: o duelo dos métodos

Luiz Carlos Cagliari


UNESP - FCL-AR
Alfabetização: o duelo dos métodos
• Das cartas aos pacotes
• Um pouco de história
– Os antigos: quem inventou a escrita inventou como
ler e escrever. Todo sistema tem uma chave de
decifração e regras de codificação.
– Os portugueses e a catequese das colônias
– A cartinha de João de Barros junto com a gramática
(1540)
– A revolução francesa e as escolas do povo: 1 ano
para alfabetizar.
– Século XX: alfabetização em larga escala →
Alfabetização: o duelo dos métodos

– Século XX: alfabetização em larga escala


• Livros Didáticos
• Programas
• Problemas
• Soluções internas: método e professor – família
• Soluções externas: Governo, Universidades,
Profissionais
Alfabetização: o duelo dos métodos

• Os métodos antigos de alfabetização baseavam-se:


– No conhecimento das letras: decorar alfabeto
– No reconhecimento das letras: categorização gráfica
– Formação de unidades pequenas: sílabas
– Leitura de palavras
• Cópia como forma de escrita
• Ditado como forma de avaliação
• O texto era uma atividade depois da alfabetização
Alfabetização: o duelo dos métodos

• Até a Revolução Francesa (século XVIII), o processo de


alfabetização tinha um caráter individual.
• Depois da Revolução Francesa, o processo de
alfabetização passou a ser coletivo: sala de aula.
• Sala de aula exige programa: 1 ano para alfabetizar
• O método das cartilhas, baseado no alfabeto, tabelas de
sílabas, exemplos de palavras e textos de leitura eram
os modelos usados pelos professores
• Material didático: painel com exemplos, lousa individual
para exercícios, livro de leitura
Alfabetização: o duelo dos métodos
• Século XX:
– excesso de alunos para serem alfabetizados
– falta de professores
– falta de escolas
– falta de material adequado ao ensino e à
aprendizagem

– Mudanças políticas e econômicas no mundo


– Avanços das ciências
– Guerras

– Alfabetização como um problema mundial


– O grande problema dos países sub-desenvolvidos
Alfabetização: o duelo dos métodos
• Século XX:
– Alfabetização: problemas e desesperos
• A reação ao desespero
– Apelo aos métodos:
• Experiências pessoais viram livros didáticos
– Apelo aos livros didáticos (milhões)
• Os livros didáticos substituem a ação personalizada dos
professores
– Caminhos pré-determinados
– Expectativas de resultados
– Frustração
• A educação sem rumo, porque fora do controle do
professor
• O duelo dos métodos:
– Surgiu quando a ação dos professores passou para
os métodos
– Os métodos sempre foram frutos de uma experiência
pessoal bem sucedida:
• João de Barros
• Montessori
• Lourenço Filho
• Paulo Freire
• O livro de Lili
• Caminho Suave
• Cartilha Sodré
• Teberosky
• Cartilha Analítica, Pipoca, Abelhinha, Casinha Feliz...
Cartinha de João de Barros - 1539
Cartinha de João de Barros - 1539
Cartinha de João de Barros - 1539
Cartinha de João de Barros - 1539
Gramática de João de Barros (1540)
Gramática de João de Barros (1530)
Antônio Feliciano de Castilho
Método Português - 1850
Cartilha do Povo de Lourenço Filho
Cartilha Sodré
Cartilha Vamos Sorrir
Cartilha Vamos Sorrir
Cartilha Vamos Sorrir
Cartilha Caminho Suave
Cartilha Caminho Suave
Cartilha – método fônico
O meu livrinho de atividades, pág. 3
(a partir de 5 anos)
Maria da Glória Mariano Santos. Eu Gosto de Aprender: período
preparatório e cartilha – Livro do Mestre. Editora do Brasil, São Paulo.
sem data.
Maria da Glória Mariano Santos. Eu Gosto de Aprender: período
preparatório e cartilha – Livro do Mestre. Editora do Brasil, São Paulo.
sem data.
Louis Fidge - Literacy Support – English Basics – Key stage 1 – Ages 6-7
English made easy; parental guidance; supports the daily English lesson.
Letts Educational – Granada Media Group – London - first published 1999
contra-capa
Louis Fidge - Teaching and Learning – Key Stage 1 – Literacy Activity Book – Literacy – Year 2,
Term 2 - Letts Educational – Granada Media Group – London - first published 1998. p. 8
Derek Strange. Start Reading 1. Oxford: Oxford University Press. First published 1988 – p. 22
Angiolina Domanico Bragança, Isabella Pessoa de Melo Carpaneda, Regina Iára Moreira Nassur, Porta de Papel –
Língua Portuguesa 1 – Edição renovada. São Paulo: FTD, sem data, pág. 22.
• Ian Eyres. Developing
Subject Knowledge:
Primary English. London:
The Open University,
Paul Chapman Publishing
ltd, Sage Publications Inc.
2000
• (Subject knowledge for
Primary English – quality
support for trainees TTA)
• O duelo dos métodos:
– Surgiu quando a ação dos professores passou para
os métodos
– Os métodos sempre foram frutos de uma experiência
pessoal bem sucedida
– Os líderes da alfabetização quiseram explicar:
• Porque os métodos tinham sucesso
• Porque os métodos não produziam os resultados
esperados
• Os manuais do professor: golpe de misericórdia na
autonomia dos professores (e na competência).
• O duelo dos métodos:
– Surgiu quando a ação dos professores passou para os métodos
– Os métodos sempre foram frutos de uma experiência pessoal bem
sucedida
– Os líderes da alfabetização quiseram explicar
– As pesquisas universitárias entram no jogo:
• Método analítico contra o método sintético
• Método global contra o método da soletração
• Testes de deficiências de habilidades: Lourenço Filho (Teste
ABC)
• Teorias do déficit: mental, da atenção, da habilidade
manual...
• Surgem os períodos preparatórios
• Projeto Alfa: método behaviorista
• Métodos piagetianos
• Psicogênese da língua escrita
• Métodos lingüísticos
• Método fônico
• O duelo dos métodos:
– Surgiu quando a ação dos professores passou para os métodos
– Os métodos sempre foram frutos de uma experiência pessoal
bem sucedida
– Os líderes da alfabetização quiseram explicar
– As pesquisas universitárias entram no jogo
– A ação governamental:
• Lourenço Filho e a alfabetização a toque de caixa
• O MEC e os projetos federais
• Mobral e derivados
• A CENP e os projeto de São Paulo
• A cidade de São Paulo: Paulo Freire nas escolas
• O INEP e a ilusão da estatística
• “Ao tomar conhecimento sobre os dados estatísticos –
sempre alarmantes – em torno dos alunos que não
sabem ler e escrever temos a impressão de que não
avançamos nada em termos de pesquisas e ações que
possam contribuir para reverter este quadro. Isto é um
engano. Avançamos sim e, continuamos a avançar; o
que muda neste quadro é que nós estamos mais
intolerantes frente a esta situação”

• (Francisca Isabel Pereira Maciel – Alfabetização: didática(s) e


metodologia(s), in: Caderno do Professor. Belo Horizonte: Centro
de Referência do Professor, SEEMG, Nº 12, pág. 21-29, 2004.
Duelo de titãs:
método construtivista
vs
método fônico
Ou melhor:
construtivismo psicogenético
vs
método das cartilhas

Dois grandes equívocos: o segredo está em outro lugar !


O segredo está em outro lugar !

• Os estudos sobre o processo de alfabetização no Brasil


têm se baseado em trabalhos de psicólogos, quando a
questão é essencialmente lingüística. As facilidades e
dificuldades dos alunos estão no modo como lidam com
a linguagem. Os métodos baseados em idéias
psicológicas, como o construtivismo psicogenético e o
método fônico, das cartilhas, etc. desconhecem como a
linguagem é e como funciona. Por essa razão, esses
métodos não sabem o que fazer quando o professor
ensina e o aluno não aprende. Nestes casos, esses
métodos apenas repetem a lição ou a atividade até que
o aluno aprenda.
O segredo está em outro lugar

• A solução para os alunos que não aprendem


apesar de tudo está somente numa análise
lingüística das dificuldades desses alunos.
Infelizmente, a formação lingüística dos
alfabetizadores é pobre, nula ou equivocada.
Essa precariedade também é encontrada nos
PCNs, em livros didáticos e nos movimentos
antigos e recentes que dão um pacote
educacional para o país. O país precisa mesmo
é de alfabetizadores competentes,
conhecedores dos problemas lingüísticos da
própria atividade em sala de aula.
Luiz Carlos Cagliari (1989) Alfabetização e Lingüística.
São Paulo: Editora Scipione
Luiz Carlos Cagliari (1998) Alfabetizando sem o BaBeBiBoBu.
São Paulo: Editora Scipione
Gladis Massini-Cagliari e Luiz Carlos Cagliari (1999)
Diante das Letras: a escrita na alfabetização.
Campinas: Editora Mercado de Letras
Gladis Massini-Cagliari (2001) O Texto na Alfabetização: coesão e coerência.
Campinas: Editora Mercado de Letras
Evolução das estratégias de escrita

1 2 3

4 5 6

1 - Texto: diz que não 3 - Texto: só letras, sem 5 - “Feliz dia dos pais”
sabe ler porque não há rabiscos. L = Luiz, Uso de ícone.
letras. 4 - Escrita espontânea: 6 - “agora” já associa
2 - Texto: mistura de letras aleatórias. letra com som
letras com rabiscos
Júlia escreve o bilhete

• Júlia escreve palavras.


• Pergunta para a tia
com que letras deve
escrever. Consegue
ler uma ou outra coisa
de que se lembra.
• A tia não acompanha
o que Júlia faz.
Evolução das estratégias de escrita
• HOMEM DA LUA (da TV)
• O sublinhado é do jogo da
forca.
• As letras foram ditadas.
• Ele lê acompanhando com o
dedo e os olhos o que está
dizendo. Nota-se no
desenho, um foguete.
• O simples fato de alguém
ditar as letras e ele ler
ensinou-o a ler e a escrever.
• Tentativa de escrita espontânea de uma história.
Há várias letras escritas. A confusão mostra o
ponto de vista da criança diante da escrita. Já há
uma idéia, segundo a qual se escreve com letras.
• Escrita de um texto espontâneo. A confusão do
exemplo anterior já sumiu e deu lugar a uma
série de letras.
Exemplo de um ditado de Patrícia
Alguns conceitos básicos de lingüística

Linguagem oral:
1. O falante nativo e sua língua
2. Variação lingüística
3. Usos da linguagem: adequação
4. O certo, o errado e o diferente
5. Consciência lingüística do falante
6. As regras da linguagem
Alguns conceitos básicos de lingüística

Linguagem escrita: o texto


1. O texto escrito é uma representação da
linguagem oral
2. O texto escrito é um uso da linguagem
3. Ler é a apropriação de um enunciado produzido
a partir da mente de outro indivíduo.
4. O leitor tem que re-processar o texto em sua
mente: o texto da mente do escritor torna-se
texto da mente do leitor.
5. Ler e compreender são processos diferentes
Alguns conceitos básicos de lingüística

Sistema de escrita:
1. Sistema alfabético-ortográfico
2. Princípio alfabético: acrofônico
3. Letra é uma unidade abstrata
4. A ortografia organizando o sistema
5. Categorização gráfica
6. Categorização funcional
Algumas idéias sobre alfabetização

• Alfabetizar é ensinar a ler


• Ler é decifrar
• Compreender depende dos conhecimentos lingüísticos
dos falantes e de seus conhecimentos de mundo
• Explicações imprescindíveis:
– O que é a escrita
– O que é a ortografia
– Conhecimentos para se decifrar
– Variação lingüística
Algumas idéias sobre alfabetização

– Princípio acrofônico: nome das letras


– Categorização gráfica: unidade básica é a palavra
• Usar o alfabeto de letras de fôrma maiúsculas
• Não usar escrita cursiva no começo
– Categorização funcional:
• Diferença entre ler e escrever
• Ler é mais fácil do que escrever
– Pares mínimos para ensinar contrastes e contextos
• Fazer exercícios de reconhecimento de letras e de palavras
– Discutir o certo e o errado
– A progressão não é pré-determinada
Alguns problemas tradicionais

Problemas de leitura
• 1. Aluno escreve sem saber ler
• 2. Aluno não sabe reconhecer de que letra
se trata. Não sabe o nome das letras
• 3. Aluno não tem como meta a palavra
• 4. Aluno não sabe associar sons às letras
• 5. Aluno não sabe combinar sons em
sílabas e sílabas em palavras
Alguns problemas tradicionais

Problemas de escrita:
• 1. Uso da escrita cursiva
• 2. Confusão entre ortografia e variação
dialetal da pronúncia das palavras
• 3. Falta de condições de checar a
ortografia. Falta de incentivo para isto
• 4. Falta de cópia
• 5. Falta de discussão, de regras
Alguns problemas tradicionais
Algumas hipóteses problemáticas dos alunos:
1. Para ler é preciso figura de apoio
2. Ler é uma ação de adivinhação, não tem regras
3. Escreve-se fazendo rabisco
4. Escreve-se qualquer letra para qualquer som, para qualquer
palavra.
5. Princípio acrofônico é mais forte do que a categorização
funcional
6. Ortografia não tem nada a ver com leitura nem com escrita
(período de escrita livre)
7. Confusão entre os procedimentos de leitura (da escrita para a
fala) e de escrita (da fala para a leitura)
8. Problemas de segmentação
9. Passagem do texto oral para o texto escrito
10. Aprender a aprender. Aprender a corrigir
Algumas idéias sobre alfabetização

Qual é o melhor método?


• O melhor método é aquele no qual o professor
usa os conhecimentos técnicos para ensinar e
os alunos aprendem através de regras tiradas
dos conhecimentos técnicos lingüísticos
• Essa abordagem é contra o ensino vazio,
metafórico, e contra deixar o aluno descobrir por
si os conhecimentos de que necessita para
aprender a ler e a escrever
Algumas idéias sobre alfabetização
O que vale o método das cartilhas?
• É um método fônico silábico
• o método é um roteiro pronto
• Dá um modelo e evitar deixar o aluno pensar
• Idéia errada do que é fácil ou difícil: progressão
programada.
• Não sabe o que fazer quando o aluno erra
• Deixa de lado muitos conhecimentos
importantes
Algumas idéias sobre alfabetização

O que vale o método construtivista?


• A psicogêneses da língua escrita é um falso
caminho
• O ensino é tão importante quanto a
aprendizagem: cada qual tem seus personagens
• Deixa de lado conhecimentos lingüísticos
imprescindíveis
• A avaliação dos erros é teórica, não prática
• Se o aluno não aprende, não tem alternativas
Algumas idéias sobre alfabetização

O que vale o método fônico?


• O método fônico é baseado apenas no
princípio acrofônico
• Trata a escrita como se fosse uma
transcrição fonética (ou fonológica:
grafemas)
• Cria dificuldades com a escrita ortográfica
sem saber como resolver
• Se o aluno erra, não sabe como resolver
Algumas idéias sobre alfabetização

O que os métodos precisam resolver:


• Dar explicações corretas (questão
científica)
• Dosar ensino / aprendizagem de acordo
com as circunstâncias e os envolvidos
• Analisar, entender os erros (hipóteses)
• Propor soluções não repetitivas
Luiz Carlos Cagliari (1989)
Alfabetização e Lingüística. São Paulo: Editora Scipione
Luiz Carlos Cagliari (1998)
Alfabetizando sem o BaBeBiBoBu. São Paulo: Editora Scipione
Gladis Massini-Cagliari e Luiz Carlos Cagliari (1999)
Diante das Letras: a escrita na alfabetização. Campinas: Editora
Mercado de Letras
Gladis Massini-Cagliari (2001)
O Texto na Alfabetização: coesão e coerência. Campinas:
Editora Mercado de Letras

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