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P rojeto

PERGUNTE
E
RESPONDEREMOS
ON-LINE

Apostolado Veritatis Spiendor


com autorizagáo de
Dom Estéváo Tavares Bettencourt, osb
(in memoriam)
APRESENTAQÁO
DA EDIQÁO ON-LINE
Diz Sao Pedro que devemos estar
preparados para dar a razáo da nossa
esperanca a todo aquele que no-la pedir
(1 Pedro 3,15).

Esta necessidade de darmos conta


da nossa esperanca e da nossa fé hoje é
mais premente do que outrora, visto que
somos bombardeados por numerosas
correntes filosóficas e religiosas contrarias á
fé católica. Somos assim incitados a procurar
consolidar nossa crenga católica mediante
um aprofundamento do nosso estudo.

Eis o que neste site Pergunte e


■ - Responderemos propóe aos seus leitores:
i aborda questoes da atualidade
'■; controvertidas, elucidando-as do ponto de
vista cristáo a fim de que as dúvidas se
i dissipem e a vivencia católica se fortaleca no
Brasil e no mundo. Queira Deus abengoar
este trabalho assim como a equipe de
Veritatis Splendor que se encarrega do
respectivo site.

Rio de Janeiro, 30 de julho de 2003.

Pe. Esteváo Bettencourt, OSB

NOTA DO APOSTOLADO VERITATIS SPLENDOR

Celebramos convenio com d. Esteváo Bettencourt e


passamos a disponibilizar nesta área, o excelente e sempre atual
conteúdo da revista teológico - filosófica "Pergunte e
Responderemos", que conta com mais de 40 anos de publicacáo.

A d. Estéváo Bettencourt agradecemos a confiaga depositada


em nosso trabalho, bem como pela generosidade e zelo pastoral
assim demonstrados.
Ano xlii Outubro 2001 47<:
Quando a Seguranca fracassa...

Como os Israelitas escreviam a historia?

Entre Judeus e Católicos diálogo suspenso

y// fS i O Batismo dos Mórmons

Embriáo tem Direitos?

Casamentos dissolvidos pela Igreja?

O Sacramento da Reconciliacáo: Por que assim?

Transubstanciacáo: Que é?

O caso Milingo
PERGUNTE E RESPONDEREMOS OUTUBRO2001
Publicacáo Mensal N°473

Diretor Responsável
SUMARIO
Estéváo Bettencourt OSB Ouando a Seguranca fracassa 433
Autor e Redator de toda a materia
Oriente Antigo:
publicada nesle periódico
Como os Israelitas escreviam
a Historia? 434
Diretor-Administrador:
D. Hildebrando P. Martins OSB Porqué?
Entre Judeus e Católicos diálogo
Administracáo e Distribuicáo: suspenso 440
Edicóes "Lumen Christi"
Nao a
Rúa Dom Gerardo. 40 - 5o andar - sala 501
O Batismo dos Mórmons 445
Tel.: (0XX21) 2291-7122
Fax (0XX21) 2263-5679 Muito oportuno:
Embriáo tem Direitos? 449
Endereco para Correspondencia:
Questáo Candente:
Ed. "Lumen Christi"
Casamentos dissolvidos pela Igreja? ... 453
Caixa Postal 2666
A Historia explica:
CEP 20001-970 - Rio de Janeiro - RJ
O Sacramento da Reconciliacáo: Por que
Visite o MOSTEIRO DE SAO BENTO assim? 460

e "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" Palavra estranha:


na INTERNET: http://www.osb.org.br Transubstanciacao: Que é? 475
e-mail: lumen@alfalink.com..br
O caso Milingo 480

IMPRESSAO

COM APROVACÁO ECLESIÁSTICA

GRÁFICA MARQUES SARAIYA


NO PRÓXIMO NÚMERO:

Os Números na Biblia. - Religiáo: opio do povo? - Perseguido Religiosa na China. - Por


que foram perseguidos os cristaos até 313? - Pessoa e Sociedade em Condito. - A Igreja
e o Racismo. - Bispo luterano se converte ao Catolicismo.

- Assinatura ano 2001 (Janeiro a dezembro) RS 40,00.


(13 remessa: Janeiro a outubro.
2- remessa: Novembro/dezembro).
- Número avulso RS 4,00.

- ENCADERNADO: Anos de 1997, 1998, 1999 e 2000, em percalina, com índice,


590 págs., cor verde, (cada colecáo) RS 70,00.

Observacáo:
- Número limitado.
- Pedido somente pelo Reembolso Postal.
- Nao mande pagamento antecipado.
- Entre em contato pelos nossos enderecos para consulta de estoque.
QUANDO A SEGURANZA FRACASSA...
A grande temática de nossos días é a catástrofe ocorrida em Nova
York e Washington e suas seqüelas. A ¡mprensa tem dado ampia cobertura
aos diversos aspectos da hecatombe. Dentre todos, há um que merece nos-
sa especial atencáo, a saber: o fato de que em todas as partes do mundo
homens e mulheres - até mesmo Chefes de Estado - se reuniram para rezar,
... rezar pelas vítimas e pela paz no mundo. Os jomáis tém mostrado fotogra
fías dessas assembléias de oracáo; a igreja de St. Patrick em Nova York nao
pode conter quantos nela quiseram entrar1. Estes fatos levam a pensar...
Há momentos na historia dos individuos e das sociedades em que o
homem é obrigado a deixar seus sonhos e ilusoes para tomar consciéncia
mais nítida da realidade: a criatura é frágil e incapaz de satisfazer a si mes-
ma; ela depende do Absoluto ou de Deus. É Ele a fonte de todo bem e a
única seguranca que nao fracassa. Por mais grandiosas que sejam as rea-
lizacóes do homem, elas nao se sustentam, se Deus nao as sustenta.

O recurso á oracáo pública e comunitaria é tanto mais significativo


quanto mais se diz que o homem moderno, principalmente no primeiro mun
do, dispensa a fé em Deus; afagado pelo progresso tecnológico, o cidadáo
de nossos tempos nao precisaría de Deus para sentir-se bem e satisfazer as
suas aspiracoes. Ao contrario, observa-se que, mesmo nos centros de mais
avanco científico, o homem é impelido pelo próprio curso da historia a expe
rimentar a sua dependencia e a professá-la pela oracáo.

Esta é urna licáo muito valiosa, transmitida pelo deplorável ato de ter
rorismo. Pode-se, portante, com razáo falar do "homem eterno": tanto o pri
mitivo das cavernas quanto o agente da eletrónica do século XXI revelam
senso religioso e oram a Deus. A marca do Transcendente ou do Criador
parece estar gravada no mais fundo do coracáo humano, dando fundamen
to as palavras orantes de Santo Agostinho (t 430): "Senhor, Tu nos fizeste
para Ti e inquieto é o nosso coracáo enquanto nao repousa em Ti" (Confis-
sóes 11).

Assim considerada, a historia é mestra de vida. Ela nao nos leva so-
mente a prantear irmáos vítimas e monumentos destruidos, mas desperta
nos homens o senso da VERDADE ou o senso de Deus. Por mais possan-
tes que sejam os artefatos dos homens, todos sao sombra e vacuo, se nao
vém preenchidos pela luz e a presenca do Eterno e Infinito. Tudo é pouco e
pequeño demais para quem foi criado para o Infinito. Em suma, toda realida
de visível nao tem sentido se nao é relacionada com o Invisível e
Transcendental.

Eis o que, entre outras coisas, nos diz a hora presente, marcada por
fatos altamente eloqüentes.
E.B.

Tenha-se em vista, o exemplo, o jornal O Globo, Caderno Especial de 15/09/01.

433
"PERGUNTE E RESPONDEREMOS"

Ano XLII - N2 473 - Outubro de 2001

Oriente Antigo:

COMO OS ISRAELITAS ESCREVIAM A HISTORIA?

Em síntese: O presente artigo refere as peculiaridades da


historiografía israelita, que era esmerada no Oriente antigo, mas seguía
padróes diferentes dos modernos criterios historíográficos.
* * *

Os antigos povos do Oriente, por muito elevado que fosse o seu


grau de cultura, pouco prezavam a historia... Era assaz generalizada a
tese de que os sáculos constituem ciclos fechados, os quais se repetem
regularmente; acontecimentos já verificados no pretérito se reproduziráo
em época futura; a sucessáo dos tempos jamáis conhecerá remate ou
coosumacáo final. Representavam esta concepcáo recorrendo á figura
de urna serpente enrolada, cuja cabeca vem a morder a própria cauda
(principio e fim coincidem no mesmo ponto; todo o movimento que se
registra entre os dois termos nada de novo acarreta!). Este circular conti
nuo e monótono da historia era dito "o ritmo do yin e do yang", "a aspira-
gao e a expiracáo de Brama", "a danca de Siva que produz e destrói
sucessivamente os mundos", "a incessante alternancia da Discordia e da
Amizade".1

Em conseqüéncia, a tendencia de muitos individuos era emanci-


par-se dos ciclos do mundo presente mediante a ascese, o esquecimen-
to e o repudio do corpo e do corpóreo, a fim de passarem a viver num
mundo transcendente.

1 Testemunhos ou vestigios desta concepgáo oriental encontram-se em: Empédocles,


Fragm. 30 e 115; Aristóteles, Meteor. 1. 1, c. 3; Da geragáo e da corrupgáo 1. 2, cap.
11; Séneca, Quaestiones naturajes 1. 3, caps. 28s; Censorino, De die natali 18: Stobeu,
Eclogae physicae 1. 1, c. 8; Cicero, Sonho de Cipiáo 7; Servio, Comentario da Quar-
ta Écloga de Virgilio, v. 4.

434
COMO OS ISRAELITAS ESCREVIAM A HISTORIA?

Isto explica que os antigos orientáis pouco se tenham preocupado


com historiografía, ou seja, com o relato continuo e fiel das fases suces-
sivas da evolucáo humana. Quando o faziam, visavam apenas episodios
restritos ou envolviam as narrativas dentro de concepcóes lendárias, mi
tológicas, de sorte que os relatos já nao transmitiam a noticia de fatos
ocorridos, mas eram, em grau maior ou menor, a expressáo da fantasía
popular ou de urna religiosidade politeísta, exuberante {nos diversos acer
vos de ruinas escavados no Oriente até hoje, nao se encontrou urna sín-
tese histórica dos tempos antigos; apenas se descobriram elementos -
¡nscricóes e documentos parcíais - para se reconstituir a historia da
Assíria, do Egito, etc.).

Ora nesse ambiente o povo de Israel se distingue por ter cultivado


a historia, e o ter feito com esmero tal que só foi superado pelos gregos,
mestres da historiografía ocidental. É o que reconhecem, nao sem admi-
racáo, os críticos modernos racionalistas:

"Dentre todos os povos asiáticos-europeus, somente Israel e a


Grecia possuem auténtica historiografía. Em Israel, que ocupa lugar pri
vilegiado entre todos os povos civilizados do Oriente, a historiografía se
originou em época táo remota que causa surpresa, e produziu logo de
inicio obras de importancia... Na Grecia surgiu mais tarde".1

Com efeito, na literatura dos hebreus, que coincide com os escritos


bíblicos, é delineada a historia do povo em tragos continuos e de modo
que pressupóe a pesquisa de fontes, a transcricáo de documentos dos
arquivos orientáis... Quando é possível controlar as afirmacóes dos cro
nistas de Israel á luz de textos profanos, aqueles se comprovam fiéis á
verdade, condizentes com o que referem outras fontes.2 A historia de
Israel assim descrita se desdobra uniformemente, sob a influencia de
urna concepcao monoteísta assaz forte para superar crises, aberracóes,
suscitadas entre os hebreus pela idolatría dos povos vízinhos.

E como se explica que os rudes judeus, ultrapassando as categorí


as culturáis do seu ambiente, tenham com tanto esmero cultivado a
historiografía?

1 E. Meyer, Geschichte des AHertums 14 1. 1921, 227.


Pío XII chamava a atencáo para tal fenómeno em sua Encíclica Divino afilante
Spiritu:
"As pesquisas comprovaram claramente que o povo israelita, entre as demais na-
cóes antigás do Oriente, se distinguía singularmente na arte de escrevera historia, e
isto tanto pela fidelidade como pela antigüidade das narrativas" (Ibid., 315).
2 Dentre as varias obras que nos últimos tempos tém proposto o confronto e a con
cordia entre os dados da Biblia e documentos de arqueología, paleontología,
assiriologia, egiptología, etc. particularmente interessante é a de W. Keller, Und die
Bibel hat doch Recht! (Duesseldor, 1954).

435
"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 473/2001

A razáo do fenómeno está na religiosidade de Israel, inconfundível


com a das outras nacóes do Oriente. Longe de professar que a slicessáo
dos tempos carece de sentido, os hebreus julgavam-na toda perpassada
por um plano divino, que nela se vai atuando e tende á consumacao no
fim dos séculos; viam, pois, nos grandes acontecimentos da historia co-
municacóes, ora mais claras ora mais veladas, de Deus; o passado Ihes
aparecía qual mensagem divina a prenunciar realizacoes futuras ou a
admoestar a melhor conduta de vida.1 Entende-se, pois, que, movidos
por tal concepcáo, os escritores de Israel se tenham preocupado com a
redacáo de suas crónicas, dando-lhes adequado desenvolvimento e
realce.

Nao seria justo, porém, af¡rmar-se apenas esta nota da historiografía


em Israel. Outras observacóes se devem acrescentar á precedente, a fim
de se poderem interpretar com exatídáo as crónicas existentes na Sagra
da Escritura. Tenham-se em vista, portanto, ainda os seguintes itens:

a) a historiografía israelita é toda pragmática-religiosa, ou seja, pro


cura realfar o sentido religioso dos acontecimentos; sempre que possí-
vel, o historiador deduz a licáo contida nos fatos. Alias, entre os próprios
pagaos, a historia era geralmente considerada qual "mestra da vida",2
devendo as narrativas de feitos pretéritos servir de escola as geracóes
futuras. Os israelitas tiveram consciéncia particularmente viva deste prin
cipio, pois, por revelacáo divina, sabiam que, de fato, Deus fala e age
pelos acontecimentos. Em conseqüéncia, ninguém estranhará, em algu-
mas passagens historiográficas da Sagrada Escritura, a escassez de por
menores que se diriam de ordem meramente profana, valiosos, sim, para
o erudito, mas destituidos de importancia para a salvacáo dos fiéis.

Muito ¡nteressante a este propósito é confrontar os livros de Sa


muel e dos Reis com os das Crónicas. Sao, em grande parte, paralelos
entre si; nota-se, porém, justamente ñas secóes paralelas que o autor de
Crónicas, posterior aos de Sm e Rs, selecionou os dados da historia,
omitindo uns, acrescentando outros na trama anteriormente redigida, a
fim de melhor por em evidencia o significado religioso dos episodios. Por
exemplo, a historia do reino cismático do Norte (Samaría), referida em

1 Muito claramente se afirma esta concepgáo nos escritos dos Profetas. Estes, que-
rendo predizer a futura Redengáo messiánica e a instauragáo visivel do reino de
Deus, descreviam-nas com os tragos característicos de duas "redengóes" anteriores
de Israel, ou seja, evocando os acontecimentos do éxodo do Egito e os do egresso
após o cativeiro babilónico (c(. Is 35, 1-10; 40, 1-5; 44, 26-45, 4; Jr31, 15-17.31-36;
Os 2, 16-19; 11, 8s).
2 Cicero tem a historia na conta de "lux veritatis..., magistra vitae-luz da verdade...,
mestra da vida" (De Oratore 2, 9).

436
COMO OS ISRAELITAS ESCREVIAM A HISTORIA?

Rs, é silenciada em Cr, pois nao interessa á linhagem messiánica, que


passa pela Casa de Davi no reino meridional; quanto a Davi, é exaltado
em Cr com títulos que até entáo só eram atribuidos a Moisés ("homem de
Deus"; cf. 2Cr 8,14; "servo de Deus", cf. 1 Cr 17,4); o reino de Judá é dito
"o reino de Javé" (cf. 2Cr 13, 8), o trono de Salomáo é chamado "o trono
de Javé" (cf. 1Cr 29, 23; 2Cr 9, 8). Em 2Cr 35, 21 s, o cronista, ao referir
urna admoestacio do Faraó Necao ao rei Josias, de Judá, faz questáo
de notar que pelo monarca pagáo era o Senhor quem exortava á pruden
cia; o relato paralelo falta em 2Rs 23, 28-30 (onde se poderia esperar).

Algo de semelhante se verifica ao se compararem entre si as se-


cóes paralelas do primeiro e do segundo livro dos Macabeus. No segun
do, as intervencóes de Deus em favor dos seus fiéis sao muito mais fre-
qüentes e vivamente inculcadas: notem-se 1Mc 6, 1-16 (narrativa sobria
da morte do rei Antioco Epifanes, perseguidor do povo de Deus) e 2Mc 9,
1-28 (descriQáo muito mais longa e calorosa, cheia de entusiasmo religi
oso); 1 Me 5, 31 -43 e 2Mc 10, 29. O autor de 2Mc nao hesita mesmo em
interromper o fio da historia para tecer reflexóes teológicas em torno des-
te ou daquele episodio (cf. 2Mc3,1; 4,15-17; 5,17-20; 6,12-17; 9, 5; 12,
43; 13,7; 15,7-10).

Em conseqüéncia do seu pragmatismo, a cronografía bíblica é por


exegetas modernos chamada "historia profética". Esta designacáo talvez
pareca paradoxal, pois a historia se refere ao passado, enquanto a profe
cía ao futuro. Note-se, porém, que a historia bíblica foi escrita por ho-
mens que tudo viam á luz de Deus; ora o Altíssimo nao permitiu fizessem
a descricáo do pretérito como se fosse algo de fechado em si; ao contra
rio, fez que redigissem as suas narrativas de modo a conterem alusóes
ao futuro, constituindo o esquema ou prenuncio de realidades maiores
vindouras - o que justamente é profecía. O que ¡nteressava aos autores
bíblicos nao era nem simplesmente contar o passado, nem perscrutar o
futuro, mas mostrar os tragos de um grande designio divino que, imutável
em si, se vai desdobrando em fases simétricas, adaptadas ao desenvol-
vimento moral e intelectual do género humano;

b) o senso de propriedade literaria, de "direitos autorais", era muito


exiguo no Oriente antigo; ao ensinamento por escrito ou á atividade lite
raria se atribuía pouco valor, quando comparados com o magisterio de
viva voz. Em conseqüéncia, os historiadores semitas, os nossos
hagiógrafos inclusive, se permitiam transcrever documentos alheios sem
indicar as respectivas fontes; praticavam assim o que se chama "cita-
gdes implícitas". É bem possível que nao tivessem a intencao de garantir
a veracidade das passagens assim transcritas, embora nada fizessem
para se distinguir do autor de tais ditos.

437
"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 473/2001

Tal proceder redacional tem repercussáo nos métodos de exegese:


em presenca de urna noticia de historia aparentemente errónea na Sa
grada Escritura, pode-se supor seja devida a citagáo implícita ou a um
autor anónimo, a cujos dizeres o hagiógrafo nao intencionava subscre-
ver; em tal caso o erro nao teria sido endossado pelo historiador sagrado
e nao afetaria a inerrancia da Escritura. Contudo, para que se admita
urna citacáo implícita em determinada passagem da Biblia, é preciso
conste com certeza implícita em determinada passagem da Biblia, é pre
ciso conste com certeza que (1) o hagiógrafo, de tato, transcreveu um
documento alheio (2) sem ter a intencáo de o aprovar ou de garantir a
sua veracidade.1 Dado que o cumprimento destas duas condicóes difícil
mente se pode averiguar, torna-se raro o recurso á hipotese de citagáo
implícita para a solucao de algum problema exegético;

c) visto que o senso de propriedade literaria nao suscitava escrú


pulos, autores posteriores se permitiam retocar, ampliar, "modernizar"obra
dos antigos, sem denunciar explícitamente o seu trabalho de remodela-
gao. Tal caso é freqüente na Tora (Lei), onde se encontram colecóes de
leis que, embora justapostas, supóem circunstancias e fases diversas da
historia de Israel, assim como o trabalho de máos sucessivas;

d) nao se dava grande importancia a pormenores tais como os do


acabamento literario de urna obra. Podia, pois, um autor transcrever dois
ou mais relatos do mesmo fato provenientes de fontes diversas sem se
preocupar com a fusao harmoniosa do mesmo numa só peca literaria
bem trabalhada. Ao leitor ficava a tarefa de fazer a síntese de dados as
vezes aparentemente contraditórios entre si, tendo, para isto, que
reconstituir o ponto de vista próprio do autor de cada um dos documen
tos.

É o caso, por exemplo, de Gn 1,1-3, 24, onde se encontram duas


narrativas da criacáo do mundo (Gn 1,1-2, 4a e Gn 2,4b-3, 24) redigidas
independentemente urna da outra. Em Gn 6-9 tém-se dois relatos do
diluvio justapostos com seus pormenores próprios, um tanto desconexos
entre si e destituidos de explicacáo que guie o leitor. Em 1Mc 6, 1-16;
2Mc 1, 11-17; 9, 1-29 ocorrem tres versóes da morte do rei Antioco IV
Epifanes, as quais, á primeira vista, divergem entre si, embora possam
bem ser conciliadas pelo exegeta atento;

e) muitas vezes, ao referir ditos alheios, o historiador usava do dis


curso direto de preferencia ao indireto. Esta tendencia se explica pela
dificuldade de abstrair, que caracterizava os hebreus. Em tais casos po-

1 Cf. o decreto da Pontificia Comissáo Bíblica de 13 de fevereiro de 1905 (Denziger,


Enchiridion Symbolorum, 1909).

438
COMO OS ISRAELITAS ESCREVIAM A HISTORIA?

dia acontecer que o hagiógrafo nao julgasse necessário reproduzir ver-


balmente o discurso; redigia entáo com suas palavras próprias o teor da
ora9§o, que ele colocava nos labios de outrem, como se tora proferida tal
qual figurava no texto;1

f) o historiador semita também nao se preocupava muito com a


exata cronología e topografía dos acontecimentos. Freqüentemente indi-
cava as localidades e contava os tempos de maneira vaga. Podia servir
se também de cronología esquemática; assim no livro dos Juízes o perí
odo de quarenta anos (duracáo media de urna geracáo) costuma desig
nar acontecimentos rematados, acarretando lógicamente os períodos de
vinte e oitenta anos (cf. Jz 3,11.30; 4,3; 5,32; 8, 28; 13,1; 15,20; 16,31).

Ás vezes os números de días, meses ou anos nao indicam, em


absoluto, duracáo, mas, sím, qualidades dos individuos a quem sao atri
buidos; tenham-se na memoria, por exemplo, as listas genealógicas dos
setitas e dos semitas, em Gn 4, 17-24 e 5, 1-32.

Também o auténtico grau de cultura e civilizacáo dos quadros e


personagens bíblicos parecía neglígenciável aos historiadores sagrados.
Para tornar mais significativos os episodios antigos, o hagiógrafo nao
raro os descreve anacrónicamente, projetando no passado os dados da
cultura do seu tempo, mais aptos a transmitir determinada mensagem
aos destinatarios do livro. É o que se dá na "pré-história bíblica" (Gn 1-
11).

g) em particular, os onze primeiros capítulos do Génesis perten-


cem a género literario próprío; nao sería lícito, de um lado, interpretá-los
táo segura e rígidamente como as demais secóes de historiografía da
Biblia, nem, por outro lado, entram na categoría de mitología ou fábula.
Referem, sem dúvída, acontecimentos ocorridos no pretérito, transmiti
dos, porém, mediante vocabulario e estilo muíto dependentes de textos
profanos; aiudem provaveimente a certos tópicos das cosmogonias e da
historia das origens de outros povos.

Eís os principáis traeos da historiografía bíblica. Quem os conhece,


nao concebe problemas que, á primeira vista, o texto sagrado suscita.

1 Os comentadores apontam como exemplos - naturalmente sujeitos a dúvidas - os


textos de Gn 49, 2-27 (béngáo de Jaco moribundo sobre os seus filhos), Dt 33, 2-29
(béncáo de Moisés sobre as tribos de Israel). Cf. Lagrange, em Revue biblique, 1898,
539; J. Chaine, Genése, 489; A. Clamer, "Genése", em La Sainte Bible de Pirot-
Clamer I. (París 1953), 494; "Deutéronome", ibid., II, 740.

439
Por qué?

ENTRE JUDEUS E CATÓLICOS


DIÁLOGO SUSPENSO

A Comíssao mista judeo-católíca encarregada de estudar a atítude


do Papa Pío XII frente ao nazismo e á perseguicáo dos judeus interrom-
peu seu diálogo. Devidamente credenciado pela Santa Sé, o Pe. Peter
Gumpei S.J. expós, em L'OSSERVATORE ROMANO, edicáo diaria de
8/8/2001, as razóes do fracasso: alguns membros da Comissáo formula-
ram á Santa Sé exigencias despropositadas; além do qué, espalharam
noticias distorcidas agressivas á Igreja Católica.

Eis o texto do Pe. Gumpei em traducáo portuguesa:

VATICANO E SHOAH: ESCLARECIMENTO

"Nos últimos dias se desencadeou novamente um violento ataque


contra a Igreja Católica. Esta campanha difamatoria foi ocasionada pela
decisáo, do grupo de pesquisa judeo-católico, de suspender a sua ativi-
dade.

Este grupo de estudos misto foi constituido em 1999 com a finali-


dade precisa de examinar os 12 volumes da obra "Actes et Documents
du Saint-Siége relatifs á la seconde guerre mondiale", obra na qual estáo
coletados todos os documentos do arquivo da Santa Sé durante a Se
gunda Guerra Mundial. Tal iniciativa era louvável e favorável ao aprofun-
damento da verdade histórica relativa as atividades do Sumo Pontífice
Pió XII durante a Segunda Guerra Mundial, com especial referencia a
sua obra de assisténcia aos judeus perseguidos. Quem quer que tenha
lido essa obra, pode tomar consciéncia de como o Sumo Pontífice de-
senvolveu todos os esforcos possíveis para salvar o maior número de
vidas sem discriminacáo alguma.

Infelizmente este aspecto nao foi suficientemente valorizado e con


siderado pelo mencionado grupo. Ao contrario, desde o inicio dos traba-
Ihos alguns - nao todos - membros da parte judaica da comissáo difun-
diram publicamente a suspeita de que a Santa Sé tendía a esconder
documentos que, a juízo deles, seriam comprometedores. Depois disso,
essas pessoas propagaram repetidamente noticias distorcídas e tenden
ciosas, que elas comunicaram á imprensa internacional.

A Santa Sé, embora consciente dessa conduta abertamente deso-


nesta, continuou a alimentar o diálogo, ainda que tivesse a possibilidade

440
ENTRE JUDEUS E CATÓLICOS DIÁLOGO SUSPENSO 9

e o direito de retirar sua participacáo nessa comissáo. Na verdade, no


decorrer de um diálogo académico o mínimo que se pode esperar dos
participantes é uma atitude de respeito mutuo e confianca recíproca a
respeito da honestidade dos participantes.

Apesar da plena disponibilidade da Santa Sé para continuar o tra-


balho de pesquisa histórica, tivemos que constatar que nem todos os
componentes da comissáo - ou talvez nenhum - leram todos os 12 volu-
mes que haviam de ser examinados.

Cada membro da comissáo examinou dois volumes e, para cada


um desses, devia ter redigido um relatório. No fim deste trabalho prelimi
nar a disparidade de opinióes era tal que Eugene Fisher, coordenador da
comissáo, declarou: "Eram táo diversas quanto á forma e á substancia
que um relatório sintético comum difícilmente poderia ser redigido".

Nesse momento a comissáo decidiu formular e transmitir á Santa


Sé uma lista de 47 perguntas. A comissáo pedia também a possibilidade
de examinar todos os documentos conservados no Arquivo do Vaticano
e aínda nao publicados.

Em outubro de 2000 a comissáo de pesquisa veio a Roma e teve


encontros com o Cardeal Edward I. Cassidy, o Cardeal Pío Laghi, Mons.
Jorge María Mejía - atualmente Cardeal - e com o abaixo-assinado na
qualidade de perito designado pelo Cardeal Cassidy. A finalidade dos
encontros era ter respostas para as perguntas formuladas e esclarecer
os fatos históricos.

Aos 24 de outubro de 2000 encontrei a mencionada comissáo após


ter preparado 47 documéntanos para responder de maneira específica e
minuciosa a cada pergunta que me fora transmitida 15 dias antes.

Com vivo desappntamento pude verificar que a leitura dos volumes


em foco fora feíta de maneira aproximada, com interpretacoes de datas e
de fatos que em alguns pontos estavam totalmente desfigurados. Diante
das minhas explicacóes e da documentagáo anexa os membros da co
missáo nada tíveram que observar. No final do encontró, durante o qual
pudemos tratar apenas 12 das 47 questoes, afirmei minha plena disponi-
bilídade para continuar o diálogo.

Infelizmente esta proposta nao foi aceita, também porque, em con-


seqüéncía de uma nova grave propagacáo de noticias, das quais era
responsável um membro judeu da comissáo, o tempo disponível foi apro-
veitado para procurar sanar questoes de crise interna. Em conseqüéncia
dessa situacáo foi cancelada também a consulta de dois membros do
grupo ao historiador Pe. Pierre Blet.

441
10 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 473/2001

É por ¡sto desconcertante que nos meses seguintes alguns mem-


bros judeus da comissáo tenham sistemáticamente afirmado que nunca
receberam a resposta para as suas perguntas. Além disto, até hoje o
grupo jamáis apresentou um relatorio definitivo dos seus trabalhos e por
isto falharam na tarefa que Ihes foi confiada.

Ao contrario, decidiram suspender os trabalhos, alegando, como


motivo, que nao Ihes foi permitido o acesso ilimitado aos Arquivos do
Vaticano.

A tal propósito observa-se que o Arquivista da Santa Sé, Cardeal


Jorge Maria Mejía, explicou minuciosamente á comissáo a impossibilida-
de técnica de examinar os documentos posteriores a 1922, visto que se
trata de material vastíssimo (além de tres milhóes de folhas), material,
alias, ainda nao catalogado. Todo pesquisador sabe naturalmente que
nenhum arquivo pode ser consultado se os documentos nao estáo cata
logados e classificados.

Nestes recentes ataques á Santa Sé, afirmou-se que o Vaticano


nao tenciona abrir os seus arquivos. Tal noticia é clamorosamente falsa,
porque - como foi claramente dito aos membros da comissáo - logo que
possível, nao somente ao grupo, mas a todos os estudiosos será posto á
disposicáo todo o material relativo ao pontificado de Pío XII.

A Santa Sé nao está impondo algum tipo de restricáo, como, alias,


isto foi feito até hoje por outros arquivos, como o norte-americano, o in
glés e outros. A este propósito posso testemunhar que alguns colabora
dores meus, e historiadores de fama, puderam consultar os menciona
dos arquivos, verificando que exatamente aqueles documentos que havi-
am solicitado foram removidos, ou estavam sob embargo. Tal fato foi
confirmado de viva voz por um membro do grupo durante o encontró
realizado em Roma. Este pesquisador referiu a todos sua experiencia
pessoal na pesquisa efetuada nos arquivos norte-americanos.

A esta altura é evidente que as noticias tendenciosamente difundi


das nestes últimos días carecem de fundamento e tém a clara finalidade
de prejudicar a Santa Sé. A iniciativa projetada para melhorar as rela-
cóes entre a Igreja Católica e a Comunidade Judaica falhou em conseqü-
éncia da direta responsabilidade daqueles que, violando as mais ele
mentares normas académicas e humanas, se tomaram culpados de com-
portamentos irresponsáveis".

Pe. Peter Gumpel, em L'Osservatore Romano, 8 de agosto de 2001.

442
COMPLEMENTANDO...

Em complemento á declaracáo do Pe. Gumpel, o Cardeal Walter


Kasper, Presidente da Comissáo para as RelagÓes Religiosas da Santa
Sé com o Judaismo, emitiu um comunicado na data de 24 de agosto de
2001. Após a devida introducáo, refere o seguinte:

«A Comissáo para as Reiacóes Religiosas com o Judaismo tomou


conhecimento, com pesar, da decisáo, do grupo de peritos, de suspen
der suas pesquisas em julho passado. Ao mesmo tempo mostrou-se gra
ta aos membros desse grupo, e em particular aos representantes católi
cos, por sua contribuicáo e pela disponibilidade de que deram pravas.
Desde o inicio tornou-se claro que, dentro dos limites da missáo confiada
ao grupo, nao seria possível responder a todas as perguntas. Isto só
seria viável mediante a consulta de fontes aínda nao disponíveis ou atra-
vés de um estudo complementar. Julgava-se, porém, que os resultados
poderiam estimular um debate objetivo.

Os peritos do grupo aceitaram a sua difícil tarefa. Em momento


algum foi-lhes dito que poderiam ter acesso aos documentos dos arqui-
vos secretos do Vaticano posteriores a 1922.

Em outubro de 2000 o grupo de peritos apresentou um Relatório


Preliminar, que compreendia 47 questSes, documento este que foi causa
de polémicas por parte de outros historiadores. A possibilidade de conti
nuar a pesquisa foi amplamente examinada durante o encontró da Co
missáo Internacional de Liames Católicos e Judaicos em New York de 1o
a 4 de maio de 2000. Ao cabo desse exame, firmou-se a vontade, das
duas partes, de continuar a pesquisa e de chegar a apresentacáo de um
Relatório Final.

Na verdade, porém, foi preciso verificar a impossibilidade de supe


rar as diferencas de interpretacóes dadas á missáo e ao objetivo do gru
po. Além disto, atitudes indiscretas e escritos polémicos provenientes da
parte judaica contribuíram para suscitar um sentimento de desconfianza.
Tudo isto tornava praticamente impossível a prossecucao de urna pes
quisa comum.

Tal trabalho científico só pode ser realizado na base de urna con-


duta correta, no respeito e na confianza recíproca daqueles que o empre-
endem. Essa condicáo indispensável nao pode ser atingida por causa da
polémica ocorrida após a suspensáo do trabalho de pesquisa e as sus-

443
12 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 473/2001

peitas injuriosas que acompanharam esta suspensáo. Os membros cató


licos do grupo isentaram-se publicamente de tais interpretares e avali-
acóes polémicas. Por conseguinte, no atual estado de coisas, nao pare
ce possível prever a retomada do trabalho em comum.

A Comissao para as Relacóes Religiosas com o Judaismo faz vo


tos para que seja dissipada toda dúvida no tocante ao caráter irreversível
das negociacóes empreendidas em vista da boa compreensáo entre ju-
deus e cristáos, caminho este que deve ser percorrido no interesse recí
proco das duas partes. Um tal procedimento, lancado após o Concilio, foi
continuado pelo Papa Joáo Paulo II. Representantes de alto nivel do Ju
daismo nos deram a saber que também nao desejam tal polémica aberta
e lembraram sua vontade de continuar a aprofundar o diálogo sobre as
questóes religiosas.

Por certo, a compreensáo entre judeus e cristáos requer urna pes


quisa histórica. Por conseguinte, o acesso a todas as fontes históricas
relativas a esta pesquisa vem a ser urna exigencia natural desse estudo.
O desejo, dos historiadores, de dispor do fundo de arquivos referentes
aos pontificados de Pió XI (1922-1939) e de Pió XII (1939-1958) é com-
preensível e legítimo. No respeito á verdade, a Santa Sé está pronta a
permitir o acesso aos arquivos do Vaticano táo logo estejam concluidos
os trabalhos de organizacáo e classificacáo dos arquivos em foco.

A Comissao para as Relacóes Religiosas com o Judaismo fará


todo o possível, no decorrerdos próximos meses, para encontrar os meios
de retomar a pesquisa sobre novas bases, na esperanca de que seja
possível chegar ao esclarecimento comum das questóes levantadas. A
Comissao realiza isto tudo, na certeza de que a Igreja Católica nao tem
medo da verdade histórica.

Cidade do Vaticano, 24 de agosto de 2001


Walter Card. KASPER
Presidente da Comissao para as
Relacóes Religisas com o Judaismo»

444
Nao a

O BATISMO DOS MÓRMONS

Em síntese: Aos 5/6/01 a Congregagáo para a Doutrína da Fé de-


clarou que a Igreja Católica nao reconhece o Batismo ministrado pelos
Mórmons ou pela Igreja dos Santos do Último Dia. As razóes para tanto
depreendem-se da materia e da forma de tal Batismo bem como da inten-
gáo do ministro celebrante e das disposigóes da pessoa que é assim
ba tizada.

Aos 5 de junho de 2001 a Congregagáo para a Doutrina da Fé, por


ordem do S. Padre Joáo Paulo II, declarou que a Igreja Católica nao
reconhece o Batismo conferido pelos Mórmons.

Na verdade, a Igreja Católica reconhece o Batismo ministrado tora


do Catolicismo quando se preenchem as seguintes condicóes:

a) aplique-se agua natural;


b) profira-se a fórmula: "Eu te batizo em nome do Pai, do Filho e do
Espirito Santo";
c) tenha o{a) ministro(a) a intencáo de fazer o que Cristo, mediante
a Igreja, faz ao batizar;
d) o sujeito do Batismo esteja devidamente disposto.

O teólogo Pe. Luis Ladaria S.J., em L'Osservatore Romano, ed.


portuguesa de 28/8/01, p. 9 e 10, expóe as razóes da recusa da Congre-
gacao para a Doutrina da Fé, derivadas de nao cumprimento das condi
cóes ácima. - Eis a parte principal do respectivo texto:

EIS AS RAZÓES
"Que motivos impelem a esta posicáo negativa, em relacáo á Igreja
de Jesús Cristo dos Santos do último dia, que parece estar em contraste
com a atitude da Igreja Católica ao longo dos séculos?

Segundo a doutrina tradicional da Igreja Católica, existem quatro


requisitos para fazer com que o sacramento do batismo seja validamente
administrado: a materia, a forma, a intencáo do ministro e a reta intencáo
do individuo. Examinemos brevemente cada um dos quatro elementos
na doutrina e na praxe dos Mórmones.

I. A materia. Nao se apresenta qualquer problema no que diz res-


peito a este ponto. Trata-se da agua. Os Mórmones praticam o batismo

445
14 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 473/2001

por imersao, que é uma das formas da celebracáo do batismo (aplicacáo


da materia), que também a Igreja Católica aceita.

U.A forma. Vimos que nos textos magisteriais sobre o batismo existe
uma referencia á invocacáo da Trindade. A fórmula trinitaria é necessaria
para a validade do sacramento.10 Á primeira vista, a fórmula utilizada pe
los Mórmones poderia parecer uma fórmula trinitaria. De fato, diz textual
mente: "Tendo sido interpelado por Jesús Cristo, eu batizo-te em nome
do Pai, e do Filho e do Espirito Santo"." Ainda á primeira vista, as seme-
Ihangas com a fórmula utilizada pela Igreja Católica sao evidentes, mas
na realidade sao apenas aparentes. Com efeito, nao existe uma coinci
dencia doutrinal fundamental! Nao há uma verdadeira invocacáo da Trin
dade porque, segundo a Igreja de Jesús Cristo dos Santos do último dia,
o Pai, o Filho e o Espirito Santo nao sao as tres Pessoas em que subsiste
a única divindade, mas tres deuses que formam uma divindade. Cada
um deles é diferente dos outros, embora existam em harmonía perfeita.12
O próprio termo divindade possui um conteúdo apenas operativo, nao
substancial, porque a divindade teve origem quando os tres deuses deci-
diram unir-se e formar, precisamente, a divindade para realizar a salva-
cáo do homem.13 Esta divindade e o homem compartilham a mesma na-
tureza e sao substancialmente iguais. Deus Pai é um homem exaltado,
oriundo de outro planeta, que adquiriu a sua condicáo divina através de
uma morte semelhante á humana, caminho necessário para a
divinizacáo.14 Deus Pai tinha parentes, e isto explica-se com a doutrina
da regressáo infinita dos deuses, que inicialmente eram mortais.15 Deus
Pai tem uma esposa, a Máe celestial, com quem compartilha a responsa-
bilidade da criacáo. Juntos, procriam filhos no mundo espiritual. O seu
primogénito é Jesús Cristo, igual a todos os homens, que adquiriu a sua
divindade numa existencia pré-mortal. Também o Espirito Santo é filho
de pais celestiais. O Filho e o Espirito Santo foram gerados depois do
inicio da criacáo do mundo que nos nao conhecemos.16 Quatro deuses
sao diretamente responsáveis pelo universo; tres deles estabeleceram
uma alianca e deste modo formam a divindade.

Como se vé fácilmente, á coincidencia dos nomes nao corresponde


de maneira alguma um conteúdo doutrinal que possa conduzir-nos para
a doutrina crista sobre a Trindade. Para os Mórmones, as palavras Pai,
Filho e Espirito tém um significado completamente diferente do cristáo.
As diversidades sao táo grandes que nao se pode sequer dizer que esta
doutrina é uma heresia nascida da falsa compreensáo da doutrina crista.
O ensinamento dos Mórmones possui uma matriz completamente diver
sa. Portanto, nao nos encontramos diante do caso da validade do batis
mo administrado pelos hereges, afirmada já a partir dos primeiros sécu-
los cristáos, nem do batismo conferido no seio das comunidades eclesiais
nao católicas, contemplado pelo can. 869 § 2.

446
O BATISMO DOS MÓRMONS 15

III. A intengao do ministro celebrante. Esta diversidade doutrinal,


que diz respeito á própria noció de Deus, impede que o ministro da Igre
ja de Jesús Cristo dos Santos do último dia tenha a intencáo de fazer o
que a Igreja Católica realiza quando confere o batismo, ou seja, de fazer
aquilo que Cristo quis, quando ¡nstituiu e ordenou o sacramento do batis
mo. Isto torna-se ainda mais evidente, se se pensa que, na sua opiniáo,
o batismo nao foi instituido por Cristo, mas por Deus, tendo comecado
por Adáo.17 Cristo simplesmente ordenou a prática deste rito; mas nao se
trata de urna novidade. É obvio que a intencáo da Igreja, ao conferir o
batismo, é certamente a de cumprir o mandato de Cristo (cf. Mt 28, 19)
mas, ao mesmo tempo, de conferir o sacramento que o próprio Cristo
instituiu. Em conformidade com o Novo Testamento, existe urna diferen-
9a essencial entre o batismo de Joáo e o batismo cristáo. O batismo da
Igreja de Jesús Cristo dos Santos do último dia, que teria a sua origem
nao em Cristo, mas já desde o inicio da criacáo,18 nao é o batismo cris
táo; pelo contrario, ele nega a sua novidade. O ministro mórmon, que
deve ser necessariamente o "sacerdote",19 e portanto formado de manei-
ra rigorosa na sua própria doutrina, nao pode ter outra intencáo, senáo a
de realizar o que faz a Igreja de Jesús Cristo dos Santos do último dia,
que é muito diferente em relacáo ao que pretende levar a cabo a Igreja
Católica quando batiza, isto é, a administracáo do sacramento do batis
mo instituido por Jesús Cristo, que significa a participacáo na sua morte
e na sua ressurreicáo (cf. Rm 6, 3-11; Cl 2, 12-13).

Podemos observar outras duas diferencas, nao táo fundamentáis


como a precedente, mas que também tém a sua importancia.

A) Segundo a Igreja Católica, o batismo apaga nao apenas os pe


cados pessoais, mas inclusivamente o pecado original, e por isso tam
bém as enancas sao batizadas para a remissáo dos pecados (cf. os tex
tos essenciais do Concilio de Trento, DH, 1513-1515). Esta remissáo do
pecado original nao é aceita pela Igreja de Jesús Cristo dos Santos do
último dia, que nega a existencia deste pecado e, portanto, batiza so-
mente as pessoas que tenham o uso da razáo, que tenham pelo menos
oito anos de idade, e excluí os portadores de deficiencias mentáis.20 Efe-
tivamente, a prática da Igreja Católica, de conferir o batismo ás enancas,
é um dos principáis motivos pelos quais os Mórmones dizem que a Igreja
apostatou nos primeiros sáculos e que, portanto, todos os sacramentos
nela celebrados sao inválidos.

B) Se um fiel batizado na Igreja de Jesús Cristo dos Santos do


último dia, depois de renegar a sua fé ou após ter sido excomungado,
desejar voltar, deve ser novamente batizado.21

Também no que diz respeito a estes últimos elementos, é portanto


obvio que nao se pode considerar válido o batismo dos Mórmones; dado

447
16 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 473/2001

que nao é um batismo cristáo, o ministro nao pode ter a ¡ntencáo de


realizar o que faz a Igreja Católica.

IV. A disposigao do sujeito. O batizando, que já tenha o uso da


razáo, é instruido com regras muito severas, em conformidade com a
doutrina e a fé da Igreja de Jesús Cristo dos Santos do último día. Por
conseguinte, deve considerar-se que ele nao pode pensar que o batismo
recebido é algo diverso daquilo que Ihe foi ensinado. Assim, nao parece
possível que tenha urna disposicáo equivalente á que a Igreja Católica
exige para a administracáo do batismo aos adultos.

Resumindo, podemos dizer: o batismo da Igreja Católica e o batis


mo da igreja de Jesús Cristo dos Santos do último dia diferenciam-se
essencialmente, quer no que se refere á fé no Pai, no Filho e no Espirito
Santo, em cujo nome o batismo é conferido, quer no que diz respeito á
referencia a Cristo, que o instituiu. Por todos estes motivos, compreen-
de-se que a Igreja Católica deve considerar inválido, ou seja, que nao
pode considerar um verdadeiro batismo, aquele rito assim denominado
pela Igreja de Jesús Cristo dos Santos do último dia.

É igualmente necessário realcar que a decisao da Congregagáo


para a Doutrina da Fé é urna resposta a urna questáo particular, relativa
á doutrina sobre o batismo dos Mórmones, e obviamente nao implica em
juízo sobre as pessoas que aderem á Igreja de Jesús Cristo dos Santos
do último dia. Além disso, Católicos e Mórmones tém, com freqüéncia,
trabalhado em conjunto na abordagem de urna serie de problemas rela
tivos ao bem comum de toda a humanidade. Portanto, pode esperar-se
que através de estudos ulteriores, do diálogo e da boa vontade, será
possível progredir na compreensáo recíproca e no respeito mutuo.

NOTAS

10 Aos textos já mencionados, podem acrescentar-se também o Concilio Lateranense


IV (DH, 802).
11 Cf. D&C, 20, 73.
12 JOSEPH SMITH, ed. Teachings of the Prophet Joseph Smith [TPJS], Salt Lake
CHy, Desert Book, 1976, pág. 372.
13 Encycbpaedia of Mormonism [EM], Nova lorque, Macmilian, 1992, cf. Vol. 2, pág.
552.
"Cf. TPJS, pp. 345-346.
15 Cf. TPJS, pág. 373.
16 Cf. EM, Vol. 2, pág. 961.
17Cf. BookofMoses, 6, 64.
18 JAMES E. TALMAGE, Articles of Faith [AFJ, Salt Lake CHy, Desert Book, 1990, cf.
pp. 110-111.
19 Cf. D&C, 20, 38-58.107, 13-14.20.
2»Cf. AF, pp. 113-116.
21Cf. AF, pp. 129-131».

448
Milito oportuno:

EMBRIÁO TEM DIREITOS?

Em síntese: O Dr. Ernesto Lopes Passeri expoe características


transcendentais do ser humano, que fundamentam os direitos do em-
bríao (auténtico ser humano em formagáo) á vida e a dignas condigoes
de desenvolvimento.

Em vista da crescente onda de noticias referentes á manipulacáo


de embrióes humanos para fins científicos e terapéuticos (o que pode
gerar nova forma de escravidáo), o Dr. Ernesto Lopes Passeri (CRM-RJ-
52-06642-4), médico católico de grande saber e dedicacáo, enviou o pre
sente artigo a PR. - A Redacáo da nossa revista agradece vivamente ao
Dr. Passeri a valiosa colaboracáo, redigida em defesa da vida e dos direi
tos do ser humano indefeso e manipulado.

OS DIREITOS DO EMBRIÁO

Nao é possível edificar urna sabedoria das ciencias da vida, urna


ética ou moral sem que se tenha urna concepcáo previa do que é o ho-
mem, e ai, nesta questáo, a filosofía e a religiáo tém um papel fundamen
tal.

É, também, ¡mpossível nao se pronunciar sobre a própria esséncia


do homem, sobre aquilo que torna o homem diferente dos animáis, defi-
nicáo essa que fundamentará, guiará, e condicionará nossa atuacáo so
bre esse ser humano desde a sua concepcáo e mesmo antes, na mani
pulacáo de suas células reprodutoras (introducáo e/ou retirada de gene/
genes).

Ao estudarmos o homem, vemos que ele explícita ou manifesta


duas categorías de fenómenos: fenómenos materíais, quantítativos, mé
tricamente mensuráveis, e também fenómenos qualitatívos (pensamen-
tos, vontade) que sao avaliáveis, aprecíáveís, porém, impossíveis de se-
rem métricamente mensuráveís.

A inteligencia e a vontade, ao reconhecerem e aspirarem á perfei-


cao e á felicidade do seu ser, atestam a sua imaterialidade, a sua espiri-
tualidade, já que nenhum ser aspira áquilo que ultrapassa essencialmen-
te a sua natureza tanto quanto um cristal nao deseja pensar e um pássa-
ro nao sonha com a eternidade.

449
18 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 473/2001

Daí se concluí, na criatura humana, a realidade de um corpo e urna


alma espiritual; esta, a alma, sendo principio vital daquele corpo e fonte
desses fenómenos nao mensuráveis.

Urna breve reflexáo sobre um fato tao diario, táo penosamente co-
mum para nos, médicos, nos obriga e nos impele a refletir sobre esta
verdade absolutamente real e profunda.

Refiro-me á morte. Qual a diferenca que se estabelece entre um


homem que minutos antes falava, pensava, que¡xava-se, chorava (!) e
agora um corpo inerte, um cadáver?

Certamente nao foram só moléculas que se exalaram abandonan


do o corpo.

Vamos didaticamente reduzir o tempo: dissemos minutos, talemos


porém em segundos e, novamente, talemos em centesimos ou milési
mos de segundo que fazem a enorme, gigantesca diferenga entre um ser
pensante e um cadáver.

Que havia em um e agora falta ao outro?

Falta-lhe o principio animador, vivificador, também principio de uni-


dade e ¡ntegracáo: A ALMA. Sem a alma, deixou de haver vida humana,
sem a alma nao há vida humana, ou, onde houver vida humana, lá exis
tirá urna alma como fonte e sustentacáo da vida.

Para muitos, entre os quais os cristáos, nao apenas urna alma,


mas urna alma única {indivisa - número e idéntica - tempo), espiritual e
¡mortal.

Lá onde urna vida humana se inicia, há urna alma espiritual e ¡mor


tal já plena, dirigindo e aguardando o desenvolvimento corporal somente
para exteriorizar suas capacidades.

Esta alma espiritual, infundida por Deus e sede da razáo e da von-


tade, confere ao individuo os elementos essenciais do ser humano, da
pessoa humana; ela apenas acompanha a evolucáo de suas condicdes
orgánicas para chegar á plenitude de suas manifestacóes.

O embriáo humano se revela pela sua coordenacáo interna, pela


continuidade e graduacáo do processo de desenvolvimento, que é a pes
soa EM ATO, desde o momento da fecundacáo, evoluindo, por etapas,
em virtude de um programa interno próprio, para a plenitude de seu ser
integral (felicidade eterna prometida a todos).

A corporeidade humana procede e é organizada pelo principio es


piritual; o embriáo em sua corporeidade já é humano. O corpo nao é

450
EMBRIÁO TEM DIREITOS? 19

sonriente parte integrante do ser humano desde o principio, mas é parte


de sua esséncia. O ser humano é corporal e espiritual e o é desde o seu
estado embrionario.

Afirmava o professor Jéróme Lejeune:

Todos os cientistas, já outrora, estariam de acordó em dizer que,


se viessem a existir bebés de proveta, eles evidenciariam a autonomía
do concepto; a proveta nao possuiria nenhum título de propriedade sobre
eles. Ora, dizia ele, os bebés de proveta já existem.

Dizemos agora nos: a menina Luiza Brown dos Dr. Edwards e Dr.
Steptoe (1978/23 anos) e a menina Amandine do Hospital Antoine Belcere
em Clamart (Paris) teráo ensinado a todos que já eram Luiza e Amandine
desde a sua concepcáo. Todos os determinantes de sua pessoa já esta-
vam inseridos, impressos nelas. O embriáo e a crianca sao "adultos em
potencial", mas embriao, feto ou enanca, nao sao "seres humanos em
potencial", e o fato de nao poderem reagir ou lutar nao obscurece a gra-
vidade da violacáo de seu direito á vida; antes, acentúa a falta de nobre-
za em decidir e executar a sua extincáo.

Aínda que esta concepcáo (corpo e alma) da criatura humana pos-


sa ser alcancada e fundamentar-se na leitura e análíse do homem ape
nas á luz da reta razáo, fiel á leí natural, ela evidentemente se adorna e
se enriquece com elementos transcendentais da revelacáo crista - O
HOMEM CRIADO Á IMAGEM E SEMELHANQA DE DEUS - e também
proporciona as bases para urna CARTA DOS DIREITOS DO EMBRIÁO,
já delineada em outros Centros e que procura traduzir nao apenas o pen-
samento católico, mas também instrumentalizar a acáo de todos aqueles
que desejam dar UMA VOZ ao embriáo, assegurando a tutela da justica
e da lei sobre seüs auténticos direitos humanos.

Sao direitos do embriáo:

1) O embriáo tem direito a ter pais (pai e máe), a ser fruto do amor
dessas pessoas e a ser promovido á plenitude pela educacáo na familia.
Esse direito o prepara para gozar tanto de adequadas condicoes físicas
quanto de um equilibrio psíquico que brota da estabilidade afetiva,
estruturada desde a mais tenra infancia e, sabe-se hoje, desde muito
precoce fase intrauterina. Como corolario, os pais, e a máe em particular,
devem ser atendidos no que for essencial ao cuidado com o filho.

2) O embriáo tem direito á vida e a urna vida humana desde o


primeiro momento de sua concepcáo. Ninguém pode condená-lo a mor-
rer, porque convenha a outras pessoas ou porque ele se constituí em
peso para a sociedade ou porque isto interessa ao progresso da ciencia
e da técnica.

451
20 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 473/2001

3) Tem o direito ao reconhecimento de sua individualidade huma


na. Como ser humano, dotado de um patrimonio genético que assegura
sua identidade, ele é senhor de urna dignidade sem par, nao podendo ser
submetido ao arbitrio de outros homens, que disponham arbitrariamente
de sua existencia. Jamáis pode ser rebaixado á condicáo de coisa, obje
to e mercadoria.

4) O embriáo humano tem direito a manter seu patrimonio genético


Nao manipulado por razóes utilitarias ou meramente eficientistas. Tem,
contudo, direito pleno á saúde, também entendida no sentido ampio de
prevencao de enfermidades que, nesse período, podem ter maior reper-
cussáo, mediante procedimentos que o livrem, quando possível, das ta
ras de urna heranca defeituosa.

Esses direitos humanos do embriáo proibem moralmente nao só o


aborto, mas tornam reprováveis todas as práticas de manipulacáo
descompromissada com a vida, ou com a individualidade ou integridade
desse embriao, tais como congelamento de embrioes, sua destruigáo,
fertilizacáo in vitro, selecáo de sexo, clonagem humana e tantas quantas
firam a dignidade destes minúsculos, silenciosos e impotentes seres caren
tes da nossa protecáo e necessitados de defesa e amparo pela sociedade.

Vale a pena lutar por este milagre táo diario, mas táo admirável: o
milagre da VIDA.

Sabedoria em Parábolas, pelo Prof. Felipe Aquino. - Ed. Cléofas,


Lorena2001, 179 pp.

O Professor Felipe Aquino oferece ao público mais um de seus


valiosos livros, apresentando a sabedoria em quase duzentas historietas
reais ou ficticias. Ajuda assim o leitora compreender melhor o auténtico
comportamento do crístáo ñas horas difíceis da vida. Á guisa de
espécimen, vai aquí transcrita a última dessas historias.

«Umjovem piloto inglés experímentava o seu frágil aviáo monomotor.


Pouco depois de levantar vóo de um pequeño aeródromo da india, ouviu
um estranho ruido que vinha de tras de seu assento. Percebeu logo que
havia um rato a bordo, o qualpoderla roerá cobertura de lona e destruir
o seu frágil aviáo. Poderia voltar ao aeroporto para se livrar de seu incó
modo passageiro. Lembrou-se contudo de que os ratos nao resistem a
grandes alturas. Pós-se entao a voar mais alto e, pouco a pouco, cessa-
ram os ruidos que punham em perigo a sua viagem.

Se o ameagarem destruir por inveja, calúnia ou maledicencia, voe


mais alto!
Se o criticarem, voe mais alto!
Se fizerem injustigas a vocé, voe mais alto...!
Lembre-se sempre: os ratos nao resistem as alturas!»

452
Questao candente:

CASAMENTOS DISSOLVIDOS PELA IGREJA?

Em síntese: O matrimonio sacramental validamente contraído e


carnalmente consumado é indissolúvel. A Igreja o afirma em fidelidade
ao Evangelho. Todavía o matrimonio nao sacramental é dissolvido em
favor do matrimonio sacramental (privilegio paulino e privilegio petrino).
Também o matrimonio nao consumado carnalmente pode ser dissolvido.
- É o que vem explanado ñas páginas subseqüentes.
* * *

Nem sempre é claro ao público o concertó de indissolubilidade do


matrimonio sacramental. Apontam-se casos que parecem constituir ex-
cecóes. Daí o propósito das consideracóes deste artigo.

1. Indissolubilidade e Divorcio

A indissolubilidade da uniáo conjugal nao se fundamenta apenas


no Evangelho, mas se deriva da própria lei natural. Com efeito; a uniáo
conjugal é táo íntima e plena que ela nao admite restricóes; doar-se a
alguém "para constituir urna só carne" com reservas é incoeréncia, que o
próprio bom senso rejeita. O que se pode e deve desejar, é que a uniáo
matrimonial só seja contraída após a devida preparacáo e com a possí-
vel maturidade; naturalmente ela implicará sempre um risco, como tudo
o que é grande implica risco; é ¡mpossível, porém, fugir ao risco se al
guém quer crescer e auto-realizar-se.

O Evangelho corrobora a lei natural, como se verá a seguir.

1.1. A doutrina do Novo Testamento

Sao quatro os textos do Novo Testamento que tratam do matrimo


nio e da sua indissolubilidade:

Me 10,11 s: "Todo aquele que repudiar sua mulher e esposar outra,


comete adulterio contra a primeira; e, se essa repudiar o seu marido,
comete adulterio".

Le 16,18: "Todo aquele que repudiar a sua mulher e esposar ou


tra, comete adulterio, e quem esposar urna repudiada por seu marido
comete adulterio".

1Cor 7,10s: "Quanto aqueles que estáo casados, ordeno nao eu,
mas o Senhor: a mulher nao se separe do marido; se, porém, se separar,

453
22 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 473/2001

nao se case de novo, ou reconcilíese com o marido; e o marido nao


repudie a esposa".

Mt 5,31 s: "Bu vos digo: todo aquele que repudia sua mulher, a nao
ser por motivo de pornéia, faz que ela adultere, e aquele que se casa
com a repudiada, comete adulterio". O mesmo ocorre em Mt 19, 9.

Como se vé, em Me, Le e 1Cor a recusa de segundas nupcias é


peremptória; nao se admite excecáo nem mesmo em favor da parte re
pudiada, que pode ser vítima inocente; as razóes pessoais, subjetivas e
sentimentais nao vém ao caso. Trata-se de impossibilidade objetiva, de
rivada da ordem dos valores, independente de culpa ou nao culpa dos
contraentes. Com outras palavras: essa indissolubiiidade nao está ligada
ao comportamento de esposo e esposa, comportamento para o qual se
poderia pleitear misericordia e perdáo. O matrimonio, por sua índole
mesma, é ¡ndissolúvel; quem o contrai, deve sabé-lo de antemáo; Jesús
mesmo diz: "O que Deus uniu, o homem nao o deve separar" (Mt 19, 6).
Acontece, porém, que no texto de Mt 5,32s e Mt 19, 9 Jesús pare
ce admitir uma excecáo, a saben... no caso em que haja pornéia. Como
entender esta palavra?

- Notemos que os textos de Me, Le e 1 Cor sao peremptórios e,


além disto, sao anteriores ao de Mateus (Mateus grego que hoje temos,
deve datar de 80 aproximadamente, o que é posterior a Me, Le e 1Cor);
disto se segué que é pouco provávei que os tres tenham eliminado uma
cláusula restritiva de Jesús; é mais verossímil que o tradutor do Evange-
Iho de Mateus aramaico para o grego tenha acrescentado a cláusula...
Ele o terá feito em vista de uma problemática oriunda em comunidades
de maioria judeo-cristá (como eram as comunidades as quais se destina-
va o Evangelho segundo Mateus).

Qual terá sido essa problemática?

- Deve-se depreender do sentido da palavra grega pornéia.


1) Há quem a traduza por fornicacáo ou adulterio; em conseqü-
éncia estaría dissolvido o casamento desde que uma das duas partes
incorresse em adulterio. É assim que pensam e ensinam as comunida
des cristas ortodoxas orientáis e as protestantes. Todavia observe-se que
fornicacáo ou adulterio suporia, em grego, moichéia e nao pornéia.
2) Mais acertado é dizer que pornéia corresponde ao aramaico
zenut, que tinha o sentido de prostituicáo ou uniáo ilegítima. Os rabi
nos chamavam zenut todo tipo de uniáo incestuosa devida a um grau de
parentesco tornado ilícito pela Lei de Moisés. Com efeito, o capítulo 18
do Levítico enumera, entre outros, os seguintes impedimentos matrimo
niáis:

454
CASAMENTOS DISSOLVIDOS PELA IGREJA? 23

"Nao descubrirás a nudez da mulher do teu irmáo, pois é a própria


nudez de teu irmáo" (Lv 18, 16). Isto é: o viúvo nao se case com urna
cunhada solteira.

"Nao descobrírás a nudez de urna mulher e de sua filha, nao toma


rás a filha do seu filho, nem a filha de sua filha, para Ihes descobrir a
nudez. Elas sao a tua própria carne; isto seria um incesto" (Lv 18, 17).

Uni5es desse tipo e outras enumeradas em Lv 18 podiam ser le-


galmente contraídas entre pagaos anteriormente á sua conversao ao
Cristianismo. Urna vez feitos cristáos, tais fiéis de origem grega deviam
suscitar dificuldades aos judeo-cristáos legalistas de suas comunidades
cristas. Daí a cláusula de Mt 5, 32s e 19, 9, que permitía dissolver tais
unióes que a Lei de Moisés considerava ilegítimas. Essa cláusula terá
correspondido a urna decisáo de comunidades compostas, em maioria,
por judeo-cristáos, a fim de preservar a boa paz entre eles e os cristáos
provenientes do paganismo. Deve ter tido vigencia geográfica e cronoló
gicamente limitada (enquanto houvesse tais judeo-cristáos legalistas na
Igreja); assemelha-se as cláusulas de Tiago adotadas em caráter provi
sorio pelo Concilio de Jerusalém em 49; cf. At 15, 23-29.

Esta explicacáo de Mt 5, 32s e 19, 9, como se vé, nao afeta o


caráter indissoiúvel do matrimonio tal como proposto por Jesús em Me,
Le e 1 Cor.

1.2. A atual praxe da Igreja


É, pois, indissoiúvel o matrimonio sacramental validamente contra
ído e carnalmente consumado. No caso de seria problemática na vida
conjugal, a Igreja admite que se faca urna revisáo do processo matrimo
nial para averiguar se houve, na raiz do casamento, algum impedimento
(falta de sanidade mental, erro de pessoa, pressáo física ou moral...) que
tenha tornado nulo o matrimonio; desde que se possa concluir que de
fato o matrimonio fo¡ contraído em condicoes de nulidade, a Igreja o de
clara; ela nao anula o matrimonio. Mas declara que ele sempre foi nulo.
As duas partes interessadas sao tidas como solteiras.
A lista de impedimentos que tornam nulo o casamento, encontra
se em PR 373/1993, pp. 294ss.

2. Dispensa do Vínculo Natural

Há casos em que o matrimonio validamente contraído no plano


natural é dissolvido pela Igreja em favor de um matrimonio sacramental.
Examinemo-los. Com outras palavras: a Igreja nao tem o poder de dis
solver um casamento sacramental validamente contraído e consumado.
Quando, porém, o matrimonio nao é sacramental (é sustentado pelo víncu-

455
24 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 473/2001

lo natural apenas), a Igreja, em casos raros, pode d¡ssolvé-lo etn vista da


fé ou de urna vivencia matrimonial sacramental.

2.1. O Privilegio Paulino (cánones 1143-47)

Em 1 Cor 7,15 Sao Paulo considera o caso de dois pagaos unidos


pelo vínculo natural; se um deles se converte á fé católica e o(a) consorte
pagá(o) fhe torna difícil a vida conjugal, o Apostólo autoriza a parte cató
lica a separar-se para contrair novas nupcias, contanto que o faca com
um irmáo ou urna irmá na fé. Antes, porém, da separacáo, é necessário
interpelar a parte nao batizada, perguntando-lhe se quer receber o Batis-
mo ou se, pelo menos, aceita coabitar pacificamente com a parte batiza
da, sem ofensas ao Criador. Isto se explica pelo fato de que, para o fiel
católico, o matrimonio sacramental é obrigatório; ou ele o contrai com o
cónjuge pagáo ou, se este nao o propicia, contrai-o com urna pessoa
católica. Cf. cánones 1143-47.

2.2. O Privilegio Petrino (privilegio da fé); cf. cañones 1148-


1150

O privilegio da fé é como que urna extensáo do anterior. Como dito,


a Igreja nao pode dissolver um casamento sacramental validamente con
traído e consumado. Há, porém, unióes matrimoniáis nao sacramentáis
entre pessoas nao batizadas. Suponhamos que alguma dessas unióes
fracasse: em conseqüéncia, urna das duas partes (convertida ao Catoli
cismo ou nao) quer contrair novas nupcias com urna pessoa católica,
habilitada a receber o sacramento do matrimonio. Esta pessoa católica
pode entáo recorrer á Santa Sé e pedir a dissolucao do vínculo natural
do(a) seu(sua) pretenderte, assim como a eventual dispensa do impedi
mento de disparidade de culto (caso se trate de um judeu, um muculma-
no, um budista...); realiza-se entáo a cerimónia do casamento católico.
Está claro, porém, que os cónjuges que se separam, deveráo prover á
subsistencia e á educacáo (católica, se possível) dos respectivos filhos.

O privilegio petrino ou da fé tem especial aplicacao nos países em


que vigora a poligamia. Se o homem nao batizado que tenha simultáne
amente varias esposas nao batizadas, receber o Batismo na Igreja Cató
lica, poderá escolher a mulher que preferir, e deverá casar-se com ela na
Igreja (observadas as prescricóes relativas a matrimonio de disparidade
de culto, se for o caso). O mesmo vale para a mulher nao batizada que
tenha simultáneamente varios maridos nao batizados. É evidente, porém,
que o homem que se converte, tem que prover as necessidades das espo
sas afastadas, segundo as normas da justica e da caridade; cf. canon 1148.

Diz-se que a dissolucáo do vínculo natural em favor de um casa


mento sacramental se faz para o bem da fé (in bonum fidei), isto é, para

456
CASAMENTOS DISSOLVIDOS PELA IGREJA? 25

permitir que ao menos um dos cónjuges (a parte católica) se possa casar


de acordó com a sua fé ou na Igreja.

3. Dissolucáo do matrimonio nao consumado (canon 1142)


Diz o canon 1142:

"O matrimonio nao consumado entre batizados ou entre urna parte


batizada e outra nao batizada pode ser dissolvido pelo Romano Pontífice
por justa causa, a pedido de ambas as partes ou de urna délas, mesmo
que a outra se oponha".

Este caso pode ocorrer; todavía nao é fácil comprovar que nao houve
consumacáo carnal do matrimonio. O canon n° 1061 observa que a con-
sumacao do matrimonio deve ser praticada humano modo, isto é, de
modo livre e normal; na hipótese contraria, nao se pode falar de consu
macáo. A exigencia de modo humano é muito oportuna, pois excluí os
casos de inseminacáo artificial (mesmo que desta nasca urna críanca);
excluí também os casos em que a esposa é constrangida ou colhida num
momento de transtorno mental provisorio. Outrora julgava-se que o ma
trimonio estaría consumado e feito indissoiúvel mesmo que a esposa,
recusando por medo iniciar a vida sexual, fosse violentada.

Como se vé, a temática matrimonio é muito complexa. O que há


de novo na legislacáo da Igreja datada de 1983, é a compreensáo mais
apurada do psiquismo humano e das suas potencialidades, como tam
bém dos seus límites. Este fator é importantíssimo, poís nao se pode
julgar o comportamento de alguém únicamente pelo seu foro externo. É
decisivo o foro interno, que nem sempre transparece. Em conseqüéncia,
verifica-se que muitos matrimonios outrora tidos como válidos hoje po-
dem ser considerados nulos, porque faltaram ao(s) nubente(s) as condi-
coes psicológicas para contrair as obrigacóes matrimoniáis.

4. Divorciados Recasados e Eucaristía

Tem-se colocado com insistencia a questáo: um casal de divorcia


dos unidos apenas por um contrato civil nao poderia receber os sacra
mentos, especialmente a Comunháo Eucarística? Multiplicam-se tais
casos; as nupcias civis parecem levar dois interessados á harmonía de
um auténtico casal vinculado por amor sincero. Por que Ihes negar o
acesso aos sacramentos?

Tal questionamento toca um ponto delicado da Moral Católica. Com


efeito; o sacramento do matrimonio é indíssolúvel; por isto qualquer nova
uniáo contraída por um dos cónjuges enquanto o outro ainda vive é tida
como violacáo ¡lícita do vínculo sacramental, violacáo que gera um esta
do de vida contrario á Leí de Deus e, por isto, nao habilitado para receber
a Eucaristía.

457
26 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 473/2001

Para renovar a consciéncia desta doutrina frente á problemática


contemporánea, a Congregacáo para a Doutrina da Fé publicou aos
14 de setembro de 1994 urna "Carta dirigida aos Bispos da Igreja Católi
ca a respeito da recepcáo da Comunháo Eucarística por parte de fiéis
divorciados novamente casados". Deste documento extraímos o seguin-
te trecho:

"Face as novas propostas pastorais ácima mencionadas, esta Con-


gregagáo considera, pois, seu dever reafirmara doutrina e a disciplina da
Igreja nesta materia. Por fidelidade a palavra de Jesús Cristo,1 a Igreja
sustenta que nao pode reconhecer como válida urna nova uniáo, se o
primeiro matrimonio foi válido. Se os divorciados se casam civilmente,
ficam numa situagáo objetivamente contraria a lei de Deus. Por isso, nao
podem aproximarse da Comunháo Eucarística, enquanto persiste tal si
tuagáo.

Esta norma nao tem, de forma alguma, um caráter punitivo ou


discriminatorio para com os divorciados novamente casados, mas expri
me antes urna situagáo objetiva que, por si, torna impossível o acesso á
Comunháo Eucarística. Nao podem ser admitidos, já que o seu estado e
condigóes de vida contradizem objetivamente áquela uniáo de amor en
tre Cristo e a Igreja, significada e atuada na Eucaristía. Há, além disso,
um outro peculiar motivo pastoral: se se admitissem estas pessoas á
Eucaristía, os fiéis seriam induzidos em erro e confusáo acerca da doutri
na da igreja sobre a indissolubilidade do matrimonio.

Para os fiéis que permanecem em tal situagáo matrimonial, o aces


so á Comunháo Eucarística é aberto únicamente pela absolvigáo sacra
mental, que pode ser dada só aqueles que, arrependidos de ter violado o
sinal da Alianga e da fidelidade a Cristo, estáo sinceramente dispostos a
urna forma de vida nao mais em contradigáo com a indissolubilidade do
matrimonio. Isto tem como conseqüéncia, concretamente, que, quando o
homem e a mulher, por motivos serios - como, por exemplo, a educagáo
dos filhos - nao se podem separar, assumem a obrigagáo de viver em
plena continencia, isto é, de abster-se dos atos próprios dos cónjuges.
Neste caso podem aproximarse da Comunháo Eucarística, permane-
cendo firme todavía a obrigagáo de evitar o escándalo".

Com outras palavras: os divorciados que vivem nova uniáo nao


sacramental, podem ter acesso aos sacramentos, inclusive á Eucaristía,
caso se disponham a viver sob o mesmo teto como ¡rmáo e irmá ou abs-
tendo-se de relacoes sexuais. Desde que cumpram esta condicáo, pro-

1 Me 10, 11-12: "Quem repudia sua mulher e casa com outra, comete adulterio em
reiacáo á primeira, e, se urna mulher repudia seu marido e casa com outro, comete
adulterio".

458
CASAMENTOS DISSOLVIDOS PELA IGREJA? 27

curem os sacramentos numa ¡greja em que nao sao conhecidos a fim de


evitar mal-entendidos e escándalos por parte dos fiéis.

Em sua Exortacáo Apostólica Familiaris Consortio n° 84, o Papa


Joáo Paulo II, em tom muito pastoral, refere-se á problemática:

"Juntamente com o Sínodo exorto vivamente os pastores e a inteira


comunidade dos fiéis a ajudar os divorciados, promovendo com caridade
solicita que eles nao se considerem separados da igreja, podendo, e
melhor devendo, enquanto batizados, participar na sua vida. Sejam exor-
tados a ouvir a Palavra de Deus, a freqüentar o Sacrificio da Missa, a
perseverar na oragáo, a incrementaras obras de caridade e as iniciativas
da comunidade em favor de justiga, a educar os filhos na fé crista, a
cultivar o espirito e as obras de penitencia para assim implorarem, día a
dia, a graga de Deus. Reze por eles a Igreja, encoraje-os, mostre-se máe
misericordiosa e sustente-os na fé e na esperanga".

A Igreja tem consciéncia de que a sua legislacáo relativa ao matri


monio é exigente; mas ela também sabe que, assim procedendo, ela
está guardando fidelidade a Cristo e contribuindo para o bem da humani-
dade, já que a Ética nao se decide pelo comportamento da maioria, mas
tem principios perenes, que garantem a dignidade e o verdadeiro bem-
estar da humanidade.

Casamentos e Bodas no Senhor, pelo Pe. Nadir José Brun. - Ed.


EST, Porto Alegre 2001, 156 pp.

O autor é o pároco da igreja Nossa Senhora do Brasil em Sao Pau


lo. Tem-se dedicado a pregagao da Palavra de Deus com grande éxito.
Após escrever urna coletánea de esquemas de homilía para ritos fúne
bres, o Pe. Nadir oferece aos leitores um repertorio de historias que po-
dem inspirar a pregagao em festas de casamento e bodas.

Diz o Bispo auxiliar de Sao Paulo, Dom Gil Antonio Moreira, na


Apresentagáo do livro: "Apresento, aconselho, sugiro e indico a boa e
agradável obra do Pe. Nadir... como excelente subsidio para preparagáo
de prédicas a todos quantos tém o ministerio de abengoar, em nome da
Igreja, os casamentos ou presidir a celebragao de bodas. O leitor há de
encontrar ai, ao mesmo tempo, instrugáo e sá doutrina, exortagáo e amo
roso impulso aos primeiros movimentos da fé na familia iniciante, além de
urna boa dose de simpatía, ternura e poesía, como requer o momento da
celebragao do amor conjugal tornado sacramento pelo Senhor" (p. 8).

459
A historia explica:

O SACRAMENTO DA RECONCILIAQÁO:
POR QUE ASSIM?

Em síntese: O sacramento da Reconciliacáo foi até o século VI


ministrado de maneira muito rigorosa, que aos poucos foi sendo abran-
dada até assumira forma atualno século XIII. Exerceram influencia nes-
sa historia os monges irlandeses, que no comego do século VI se estabe-
leceram no continente europeu. No fim deste artigo é abordada a ques-
táo da validade da confissáo a um leigo.
* * *

Para entender a atual forma de celebracáo do sacramento da Re


conciliacáo ou Penitencia, é indispensável breve percurso histórico, que
¡lustre as diversas fases por que passou o rito deste sacramento. O ritual
exprime as concepcoes teológicas respectivas.

A administracáo do sacramento da Reconciliacáo foi assumindo


diversas formas até o século XIII, quando se fixou ñas modalidades do
rito atual. Principalmente nos primeiros sáculos a documentacáo relativa
á Penitencia era esporádica ou nao sistemática - o que dificulta ao histo
riador a tarefa de reconstituir a historia. Como quer que seja, podem-se,
com seguranca distinguir tres fases nessa evolucáo; 1) até o século VI, a
penitencia irrepetível, dita "pública"; 2) do século Vil ao século XIII, a
penitencia dita "tarifada", administrada segundo tres modalidades; 3) do
século XIII aos nossos días, a penitencia estritamente secreta.

1. Até o século VI
1.1. Que pecados?

Os antigos distinguiam bem entre pecados graves, "que separam


do Corpo de Cristo" (S. Agostinho) e pecados leves. Dos testemunhos
existentes pode-se depreender a seguinte lista de pecados graves ou
moríais:

Apostasia, homicidio, adulterio, concubinato, fornicacáo, espeta-


culos lascivos ou cruentos, furto, aborto, falso testemunho, perjurio, em
briaguez habitual, odio tenaz...

Os pecados leves seriam: maledicencia, dureza para com o próxi


mo, má acolhida aos mendicantes1... Para expiar tais pecados, eram
' ¿preciso notar que todo pecado é pecado de urna determinada pessoa e assume,
a partir das características dessa pessoa, a nota de gravidade ou nao gravidade, de

460
O SACRAMENTO DA RECONCIUACÁO: POR QUE ASSIM? 29

suficientes a contricáo sincera, a prática da caridade e das boas obras e


a penitencia pessoal ou privada.

A distincáo entre pecados graves e pecados leves em alguns ca


sos era, e ainda é, um tanto frouxa, visto que cada ato pode ser grave em
grau maior ou menor, de acordó com a conviccáo e a intensidade com
que alguém o comete.

Parece que em alguns lugares (Espanha, Franca, Norte da África)


ficavam excluidos da penitencia sacramental nos sáculos II-IV a tríade
de "adulterio, homicidio e apostasia". Este rigorismo tinha em vista acen
tuar o caráter totalmente extraordinario e estranho do pecado grave na
vida de um cristáo. O mesmo se entende ainda melhor se se leva em
conta que grande número de cristáos eram batizados em idade adulta ou
provecta, depois de haver renunciado a urna vida devassa; a recaída ñas
faltas graves parecía inconcebível á comunidade eclesial.
1.2. As etapas da Reconciliacáo sacramental ou canónica
1) Ingresso na ordem dos penitentes

O cristáo que tivesse consciéncia de haver cometido alguma culpa


grave, ¡a procurar o bispo ou o presbítero e Ihe abría a consciéncia. Por
conseguínte, era secreta a confissáo, e nao pública.1 O ministro julgava
se tal pecado devia ser submetido á Penitencia sacramental. Quando se
tratava de delitos públicos, a iniciativa de fazer penitencia podia ser to
mada pelo bispo; se o pecador recusasse fazer penitencia, o bispo podia
excomungá-lo.

O pecador, depois de confessar suas faltas, era, segundo o juízo


do bispo e as normas vigentes na comunidade local, agregado á catego
ría dos penitentes: o próprio bispo impunha-lhe as máos, revestia-o de
cilicio e o expulsava simbólicamente da igreja; na Gália, os penitentes
raspavam a cabeca (com freqüéncia isto acontecía no decurso do pró
prio rito); na Espanha, ao contrario, os penitentes eram obrigados a nao
cortar os cábelos e a barba. Entrementes a comunidade se dispunha a
acompanhar os irmáos penitentes pela oracio e o zelo fraterno.

2) A prática da Penitencia pública

Ao introduzír o pecador na categoría dos penitentes, o bispo ¡mpu-


nha-lhe urna satisfacáo "justa e congrua", ou seja, um período de obras

maior gravidade ou menor gravidade. Urna coisa é fazer um catálogo abstrato de


pecados, outra coisa é avadar um pecado na sua realidade concreta; a intensidade
com que alguém se dá ao pecado, o conhecimento de causa, a vontade mais ou
menos deliberada sao fatores pessoais que devem ser levados em conta.
1 Sao Leáo Magno (f 461), Papa, proibiu explícitamente a confissáo pública de peca
dos secretos.

461
30 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 473/2001

penitenciáis que o ajudassem a mobilizar todo o seu amor a Deus e ex


tinguir em si todo amor pecaminoso ou desregrado. Tal período era pro
porcional á gravidade das faltas cometidas e tinha finalidade medicinal.
A satisfacáo constava dos seguintes elementos:

Obriga$6es gerais: jejum até o por do sol e abstinencia de carne,


por vezes pousada noturna em grosseiro leito de palha salpicado de cin-
zas; por vezes também abstinencia de banho e prática de esmola.

Obrigacóes rituais: os presbíteros impunham as máos aos peni


tentes; estes rezavam de joelhos em certos dias; transportavam os de-
funtos á igreja e Ihes davam sepultura.

Interditos: aos penitentes era proibido nao só durante o tempo de


expiacáo, mas por todo o resto da vida, exercer cargos públicos e ativida-
des comerciáis, apresentar-se ao tribunal civil, prestar servico militar, re-
ceber as Ordens sacras. Quem fosse casado(a), nao poderia viver mari-
talmente com o(a) consorte, mesmo depois da reconciliacáo sacramen
tal obtida; o penitente que se tornasse viúvo, nao podía contrair novo
matrimonio nem após a reconciliacáo...

Havia graus ou classes de penitentes:

- os tientes {os que choravam) ficavam á porta da igreja, vestidos


de cilicio e cinzas, pedindo com lágrimas que os irmáos orassem por
eles;

- os audientes (ouvintes) ingressavam na igreja para ouvir a Pala-


vra de Deus, mas eram despedidos antes que comecasse a celebracáo
eucarística;

- os substrati (prostrados) assistiam á celebracao eucarística de


joelhos e prostrados;

- os consistentes assistiam á celebracao eucarística em pé, mas


nao participavam nem da oferta nem da Comunháo sacramental.
A duracáo do período expiatorio variava, como dito, segundo a gra
vidade das culpas. A Didascalia Apostolorum (século IV), na Siria, fala
de duas até sete semanas. Contudo a duracáo podia ser bem mais lon-
ga; Orígenes de Alexandria (t 255) dizia que devia estender-se mais do
que o catecumenato, ou seja, aproximadamente tres anos. Sao Basilio
Magno (t 379) estabeleceu que, para o homicidio, o tempo penitencial
seria de vinte anos repartidos em quatro segmentos: quatro anos na or-
dem dos flentes; cinco na dos audientes, sete entre os substrati; e
quatro entre os consistentes. A partir do século V, quando foram intro-
duzidos os interditos que atingiram os penitentes também após a recon
ciliacáo, a duracáo do tempo expiatorio foi diminuida. Era o bispo quem a

462
O SACRAMENTO DA RECONCILIACÁO: POR QUE ASSIM? 31^

estipulava, nao a seu arbitrio, mas segundo os cánones dos diversos


Concilios regionais. Em Roma tornou-se praxe fazer da Quaresma o tempo
penitencial ordinario; na quarta-feira de cinzas, os penitentes recebiam
as cinzas e o cilicio, e na quinta-feira santa eram reconciliados.

Os penitentes que abandonassem o seu estado, eram excomun-


gados de maneira definitiva, pois tal apostasia era tida como gravíssima.

3) A reconciliacáo ou absolvicáo

Era realizada em rito litúrgico acompanhado por toda a comunida-


de. O bispo ¡mpunha as máos sobre os penitentes e proferia a oracáo
sacerdotal, assim como urna homilía. Celebrava-se, a seguir, a Eucaris
tía, durante a qual os reconciliados comungavam. - Julgava-se que a
absolvicáo apagava a culpa e encontrava o penitente isento de tendenci
as desregradas, poís o amor a Deus longamente exercitado pelas renun
cias anteriores tería extinto qualquer cobica desregrada. Por isto também
o sacramento da Penitencia era chamado "Segundo Batismo" ou "Batís-
mo laborioso", visto que era comparado ao primeiro Batismo pelo fato de
purificar o pecador de qualquer resquicio de pecado (assim ao menos se
presumía); a Igreja antiga era muito ciosa de pureza e santidade!

A reconciliagáo com a Igreja implicava a reconciliacáo com o pró-


prio Deus. Este se comunica ao homem por via sacramental, como ensi-
na o próprio Cristo: "Tudo o que desligares (absolveres) na térra, será
desligado no céu" (Mt 16, 19).1

1.3. Urna vez so...!

A Igreja antiga só ministrava urna vez a Penitencia sacramental a


quem déla precisasse. A recaída após táo rigorosa reconciliacáo era con
siderada como sinal de ánimo fraco, que nao aproveitaria de nova opor-
tunidade. A Igreja, porém, nao abandonava os relapsos: orava por eles,
deixava-os retornar á classe dos penitentes, mas nao Ihes concedía a
reconciliacáo nem mesmo em caso de morte; as vezes, principalmente
se o pecador tivesse dado provas de verdadeiro arrependimento, os bis-
pos permitiam que se Ihes levasse a Comunháo Eucarística como viático
em artigo de morte.

Tais normas tinham caráter disciplinar; tencionavam evitar a


"banalizacáo" do pecado e da penitencia. A Igreja recomendava ao peca
dor relapso que prestasse expiacáo por conta próprla, na presenca de

1 S. Agostinho (f 430) escreve: "A carídade da Igreja, derramada em nossos cora-


goes pelo Espirito Santo, perdoa os pecados daqueles que participam déla, enquan-
to sao retidos os daqueles que nao participam da Igreja" (In Jo 121, 4).
"A paz da Igreja perdoa os pecados, enquanto a separagáo déla os retém" (De
Baptismo contra Donatistas III, 18, 23).

463
32 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 473/2001

Deus, que certamente vería o fundo do seu corac/áo e Ihe daría direta-
mente o perdáo.

Para entender tal severidade da disciplina antiga, deve-se levar em


conta o que foi observado atrás: o Batismo era conferido em idade adulta
ou provecta, depois de madura reflexáo do catecúmeno e acompanha-
mento por parte da Igreja; devia significar profunda metanoia ou conver-
sáo. A recaída no tipo de vida pré-batismal parecía sinal de resistencia
ao Espirito Santo e pouca abertura para nova graca sacramental.

1.4. Conseqüéncias imprevistas

O rigor penitencial e a sua náo-iterabilidade levavam muitos peca


dores a adiar a Penitencia sacramental até o fim da vida. Poucos eram os
que a ela recorriam no vigor dos seus anos. Alguns bispos, alias, eram
cónscios de que poucos cristaos, principalmente se ainda jovens, seriam
capazes de se abster do matrimonio após a reconciliacáo e levar urna
vida quase monacal. Por isto houve bispos e Concilios regionais que
desaconselharam os jovens e as pessoas casadas de se submeterem á
Penitencia canónica, especialmente se estes últimos nao tivessem o ple
no consentimento do(a) consorte. Eis alguns testemunhos significativos:

S. Ambrosio (t 397): "A penitencia (pública) seja prestada quando


decresce o ardor da luxúria" (Sobre a Penitencia I111).

Concilio de Agdes {t 506): "Aos jovens nao se permita fácilmente


a penitencia (sacramental) por causa da fragilidade da idade".

Sao Cesário, bispo de Arles (503-542), explica mais amplamente


a disciplina:

"Talvez, enquanto exortamos em geral todos á penitencia, alguém


pense dentro de si: eu sou ainda homem jovem, tenho esposa, como
poderia cortar os cábelos e tomar o hábito de penitente? Mas, nem mes-
mo nos, irmáos caríssimos, queremos dizeristo: nao dizemos que as pes
soas ainda jovens unidas em matrimonio devam mudar as vestes; antes,
dizemos que devem mudar a vida. E que daño poderia haver a um ho
mem casado se corrigisse seu modo de viver dissoluto e conduzisse vida
digna e honesta, se procurasse curar as feridas causadas pelos peca
dos, fazendo esmolas, jejuando e orando? Urna conversáo sincera, mes-
mo sem mudar as vestes, basta por si; as vestes do penitente, por si só,
nao só nao constituem remedio, mas provocarlo o justo juízo de Deus.
Convertamo-nos, pois, ao bem porque os meios de fazé-lo estao á nossa
disposigáo. De urna parte, evitaremos a morte (eterna) morrendo aos
nossos pecados; da outra, adquiriremos, com nossos méritos, a vida eter
na, com a graga de Nosso Senhor Jesús Cristo" (Sermáo 55, 4).

464
O SACRAMENTO DA RECONCILIAQÁO: POR QUE ASSIM? 33

Acrescente-se que os clérigos e os monges nao eram admitidos á


Penitencia eclesiástica. Os clérigos que tivessem cometido pecados gra
ves, eram depostos e, se se mostrassem verdadeiramente arrependidos,
eram admitidos á Comunháo Eucarística como leigos. Eis alguns depoi-
mentos a propósito:

S. Leáo Magno: "É contrario aos costumes da Igreja que os cléri


gos ordinarios, sacerdotes ou diáconos, possam receber o remedio da
penitencia por seus pecados com a imposigáo das máos; esta regra tem
origem, sem alguma dúvida, na tradigáo apostólica, pois está escrito: 'Se
o sacerdote pecou, quem intercederá por ele?' (Lv 5).

Os clérigos pecadores, para merecerem a misericordia de Deus,


devem pedir que sejam admitidos a se retirarem na solidáo; lá sua expia-
gáo, se foradequada as suas culpas, será útil..." (Epístola 167, 2 a Rús
tico, bispo de Narbonne).

Concilio de Epaóne (517): "Se um sacerdote ou um diácono co


mete pecado mortal, seja deposto de seu encargo e fechado num con
vento; ai, por todo o resto de sua vida, receberá só a Comunháo".

O rigor da disciplina penitencial antiga fez que, no fim do sécuio VI,


a situacáo se tornasse insustentável: a Penitencia sacramental era ina-
cessível precisamente para os que déla mais necessitavam, isto é, as
pessoas adultas e cheias de vida. A categoría dos penitentes ficava re
servada a andaos, viúvos e celibatários. A solucao para quem pecasse
gravemente, era procurar doravante viver retamente e preparar-se para
receber a Penitencia no fim da vida ou táo-somente a absolvicáo no leito
de morte ...! Embora nao absolvidos de seus pecados, tais cristáos pro-
curavam e recebiam o sacramento da Eucaristía, baseando-se no valor
expiatorio de sua penitencia privada. Nao poucos o faziam levianamente,
sem se preocupar muito com os seus vicios. Isto levava os bispos a ex-
comungar os mais indignos e a pedir aos outros que se abstivessem
temporariamente da Eucaristía.

Podia acontecer também que um pecador, em vez de se submeter


á Reconciliacáo canónica, entrasse para um mosteiro e ai professasse a
vida monacal, sinceramente arrependido de suas faltas. A profissáo mo
nástica perpetua e a vivencia daí decorrente eram tidas como equivalen
tes ao processo da Penitencia eclesial, de modo que tal pessoa podia
receber a Comunháo Eucarística. É o que se lé num texto do sáculo VI,
atribuido ao bispo Fausto de Riez:

"Dése a penitencia aos seculares, que estáo ainda sob o jugo do


mundo; mega-se o tempo da penitencia segundo a gravidade do delito
cometido por aquele que vive ainda no sécuio! Mas, quando se trata do

465
34 TERGUNTE E RESPONDEREMOS" 473/2001

monge, que renunciou ao mundo e ao seu servigo, e prometeu servir


sempre a Deus, por que se Ihe deveria impor a Penitencia?... Portanto,
para o monge a penitencia pública é inútil, porque, emendado de seus
pecados, ele chora e concluí um pacto eterno com Deus. As culpas que
cometeu no mundo, foram canceladas no dia em que ele prometeu a
Deus viver doravante segundo a fustiga. Depois do pacto escrito por sua
máo, com o qual promete cumprirseus deveres com toda a sua fé - mes-
mo que depois do batismo tenha pecado no mundo - o monge, depois da
sua segunda renuncia (sua profissáo religiosa), nao hesitará em receber
o Corpo do Senhor, pormedo de que, por causa de excessiva humildade,
nao permanega muito distante do Corpo e do Sangue daquele ao qual se
uniu para nao formar senáo um só Corpo. Nao deixe, pois, a Comunháo
aquele que deixou de pecar, mas nao peque^mais para o futuro" (Ti/Iigne
Latino 58, 875s).

2. Do século Vil ao sáculo XIII

2.1. A transigió

A difícil situacao de fins do século VI foi dando ocasiáo a que, aos


poucos, se fosse mudando a praxe penitencial. O primeiro testemunho
disto é o canon 11 do Concilio regional de Toledo (Espanha, maio de
589). Os bispos condenaram o costume ¡novador de conceder repetida
mente a absolvicáo sacramental:

"Urna vez que temos conhecimento de que em algumas igrejas da


Espanha os homens fazem penitencia por seus pecados nao segundo os
cánones, mas de modo de todo indigno (foedissime), assim que cada
vez que pecam pedem ao sacerdote serem reconciliados, a fim de dece-
par esta execranda presungao fica estabeiecido pelo santo Concilio que
a Penitencia seja dada segundo a forma canónica dos antigos, isto é,
que aquele que se arrepende dos próprios pecados seja, antes de tudo,
suspenso da Comunháo e se submeta á imposigáo das máos juntamente
com os outros penitentes; concluido, pois, o tempo da satisfagáo, seja
restituido á Comunháo segundo a oportunidade estabelecida pelo sacer
dote. Aqueles, pois, que, ou durante a Penitencia ou depois da Reconci-
liagáo, recaírem nos primitivos pecados, pela norma da antiga severida-
de dos cánones sejam excomungados" (Mansi VI 708).

A censura dos bispos em Toledo teve que ceder paulatinamente á


nova praxe, que se foi propagando. Entre 647 e 653 o Concilio regional
de Chalon-sur-Saóne a aprovou:

"No que diz respeito á Penitencia, que é a medicina da alma, ere


mos que seja da máxima utilidade a todos os homens; assim como todos
os sacerdotes estao de acordó em afirmar que aos penitentes, cada vez
que tenham feito a confissáo, Ihes seja dada a Penitencia" (canon 8).

466
O SACRAMENTO DA RECONCILIACÁO: POR QUE ASSIM? 35

O incremento do novo costume deve-se inegavelmente á influen


cia dos monges provenientes da Grá-Bretanha e da Irlanda para o conti
nente europeu desde a primeira metade do sáculo VI. Ao que parece, os
cristáos daquelas ilhas nao conheceram a Penitencia pública. A organi-
zacáo eclesiástica lá se fazia em torno dos mosteiros, ao menos a partir
do século V. Ora nos mosteiros os monges praticavam a abertura de
consciéncia, revelando ao pai espiritual dificuldades e falhas da vida es
piritual; faziam-no tantas vezes quantas julgassem necessárias. Esse tipo
de confissáo, relativa a pequeños defeitos moráis, deve ter sido transfe
rido para o foro sacramental, de sorte que também os pecados graves
foram sendo confessados aos sacerdotes, que Ihes davam, a seguir, a
absolvicáo.

Assim quebrou-se a nao reiterabilidade do sacramento. Isto nao


quer dizer que o tipo de satisfacáo fosse abrandado. Continuava, sim,
rigoroso ou medicinal. Os monges irlandeses trouxeram para o continen
te os seus Livros Penitenciáis, em que se estipulava a penitencia corres
pondente a cada tipo de pecado; era a penitencia "tarifada", que supunha
o seguinte rito:

O pecador era doente ou morava longe e a estacao do ano era


inclemente ou, ainda (segundo os termos de certos Penitenciáis), quan-
do o pecador era de tal modo rude e grosseiro que nao compreendia..., o
confessor, depois de ouvir a confissáo, recitava ¡mediatamente as preces
de absolvicáo com a imposicáo das máos. - Seja observado, porém,
que, a partir do século IX, a absolvicáo se seguía ¡mediatamente á acu-
sacáo dos pecados. A penitencia seria cumprida depois desta.

A Penitencia "tarifada" nao comportava as obrigacóes e os interdi-


tos que na disciplina antiga marcavam o pecador por toda a vida.

Por estas razóes a nova forma penitencial estava aberta também


aos clérigos e aos monges. Comecaram a ser parte da acusacáo tam
bém os pecados menos graves e mais numerosos. Visto que o sacra
mento se tornou mais usual, o ministro ficou sendo o presbítero quase
exclusivamente, enquanto o bispo reservava a si a reconciliacáo solene
de varios penitentes ñas grandes festas e a organizacáo da Penitencia
canónica, que, em certa medida, continuou a existir até o século XIII.

Pergunta-se agora:

2.2. Em que consistiam as penitencias "tarifadas"?

Do conjunto dos Livros Penitenciáis depreende-se que a Peni


tencia tarifada conservava, em grau notável, o rigor das antigás obras
satisfatórias: tratava-se de mortificagóes corporais (jejum de alimentos e

467
36 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 473/2001

abstinencia de carne), vigilias prolongadas, recitacáo de salmos, priva-


cao de relacóes conjugáis durante certo tempo, peregrinacáo a um santu
ario ou a um túmulo de Santo, doacáo de esmola a urna igreja ou a um
mosteiro... A duracáo do jejum (as vezes, a pao e agua) era variável,
podendo ser de dias, meses e também anos. Eis alguns espécimens das
tabelas:

O Paenitentiale Columbani prescrevia:

"3. Se alguém cometeu atos como homicidio ou sodomía, fará dez


anos de jejum. Se um monge fornicou só urna vez, tres anos de peniten
cia; se o fez mais freqüentemente, sete anos de penitencia. Se um mon
ge abandonou (o estado monacal) e transgride seus votos, mas retorna
em breve, jejuará durante tres Quaresmas; se retorna apenas depois de
longos anos, fará penitencia por tres anos...

4. Se alguém tiver roubado, fará penitencia (jejuando) por sete


anos...

11. O monge que calunia seu irmao ou ouve voluntariamente os


caluniadores, fará tres dias de jejum prolongado; se calunia seu superior,
jejuará durante urna semana...

27. O homicida jejuará por tres anos a pao e agua, sem levar ar
mas, e vivera no exilio. Depois destes tres anos, retornará para a sua
patria e se pora a servigo dos parentes da vítima, substituindo aquele
que matou.' Assim poderá ser readmitido na Comunháo, segundo ojufzo
do seu confessor.

28. Se um leigo tiver filho com a mulher de outro, isto é, tiver come
tido adulterio, fará penitencia por tres anos, abstendo-se de alimentos
gordurosos e do uso do matrimonio, retribuindo, além disso, o prego da
desonra ao marido da mulher violada.2

29. Se um leigo fornicou de modo sodomítico, fará penitencia por


sete anos; os primeiros tres, nutrindo-se somente de pao, agua, sal e
legumes secos; nos outros quatro, abstenha-se de vinho e das carnes.
Assim seu pecado será perdoado e o confessor orará por ele o readmitirá
á Comunháo".

2.3. As comutacóes

O tabelamento assim proposto dava origem a situacóes imprevis


tas: o número e a gravidade dos pecados acusados podia implicar urna
soma de penitencia cuja duracáo ultrapassava a extensáo da vida do

' Nótese o caráter medicinal da penitencia assim infligida (Nota do Redator).


2 Note-se o caráter medicinal da penitencia (N. d. R.).

468
O SACRAMENTO DA RECONCILIAgÁO: POR QUE ASSIM? 37

pecador... Para remediar ao impasse, os próprios Livros Penitenciáis


tinham em anexo tabelas especiáis para se fazer a comutacao, a com-
pensacáo ou a redencáo das penas demasiado longas: estas eram
trocadas por outras mais breves, que, porém, podiam ser mais rígidas.
Eis alguns exemplos:

Os Cánones Hibernenses (Irlandeses), do sáculo VI, assim re-


zam:

"2. Comutagáo porjejum de tres dias: ficar em pé um día e urna


noite sem dormir (ou muito pouco) ou a recitagáo de 50 salmos com os
cánticos correspondentes, ou a recitagáo do Oficio de 12 Horas, com
doze inclinagóes profundas cada Hora com as máos levantadas.

3. Comutagáo porjejum de um ano: passar tres dias no túmulo de


um Santo, sem beber e sem comer, sem dormir e sem tirar as vestes;
durante este tempo cantará salmos ou recitará o Oficio das Horas segun
do o jui'zo do sacerdote (que impós a penitencia).

4. Outra comutagáo porjejum de ano: passar tres dias numa igreja,


sem beber nem comer nem dormir, sem se sentar; durante este tempo o
pecador cantará salmos com os cánticos e recitará o Oficio coral. Duran
te esta oragáo, fará doze genuflexdes - tudo isso depois de ter confessa-
do seus pecados diante do sacerdote e diante do povo".

O jejum, as vigilias noturnas e as peregrinacóes podiam ser comu-


tados por esmolas, caso o penitente nao tivesse condicóes físicas para
atuar tao rigorosas penas corporais. Supunha-se que a esmola repre-
sentasse urna renuncia e provocasse o amor a Deus (e ao próximo),
amor que seria o antídoto das cobicas pecaminosas do penitente. Alias,
como dito, as mortificacóes rigorosas dos antigos medievais tinham em
vista únicamente excitar e fortalecer o amor a Deus e extinguir o amor
desregrado existente no ser humano e causador do pecado. Somente o
amor a Deus muito vigoroso ¡sentaría o individuo do gosto de pecar.

Os medievais, na sua boa fé, ¡maginavam que, se alguém nao con-


seguisse cumprir a penitencia devida, outra pessoa, solicitada por ele, o
poderia fazer em seu lugar: o pecador daria, em troca, urna esmola aos
pobres. Eis o que se lé na Paenitentiale Commeani:

"O penitente que nao sabe recitar os salmos e nao pode jejuar,
escolha um monge que faga penitencia em seu lugar; quanto ao peniten
te, por cada dia de jejum, dé um dinheiro justo aos pobres".

Verifica-se, porém, que a prática das comutacóes assim concebi


das dava ocasiáo a abusos. Muitos prestavam tanta atencao as obras
penitenciáis que já nao levavam na devida conta o espirito ou as condi-

469
38 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 473/2001

coes da alma que as devia inspirar e sustentar: a materialidade do jejum,


das peregrinacóes ou das vigilias podia parecer suficiente para tranquili
zar as consciéncias, quando, na verdade, as boas obras só tém valor na
medida em que traduzem horror ao pecado e profundo amor a Deus; o
ser humano é psicossomático, de modo que nunca se pode contentar
com a materialidade de obras corporais, mas também nunca se pode
limitar a ter sentimentos interiores sem expressóes corpóreas.

Varios Concilios reagiram contra abusos ocorrentes na prática da


penitencia tarifada e das comutacoes. Assim, o de Cloveshoe em 747; o
de Ruáo em 1048; o de York em 1195; o de Londres em 1200...

Tais abusos provocaram o desaparecimento da penitencia tarifada


na Alta Idade Media. A intencio pastoral e medicinal que a inspirara, era
válida, mas os inconvenientes que ocasionou, fizeram-na cair em desuso.

2.4. Tres formas de Penitencia eclesiástica na Alta Idade Media

A importancia dada ao cumprimento das obras penitenciáis fez que,


a partir do século XIII, houvesse na Igreja tres formas de Penitencia ade-
quadas a diversos tipos de pecador:

1) a Penitencia pública e solene, irrepetível, heranca da antigüida-


de, reservada a pecados graves públicos como o homicidio, a luxúria
escandalosa, o adulterio, o sacrilegio... Costumava durar desde a quar-
ta-feira de cinzas até a quinta-feira santa;

2) a Penitencia privada, oriunda da praxe dos monges irlandeses,


implicando satisfacáo ainda rigorosa (pois destinada a ser medicinal);

3) a Penitencia pública nao solene ou peregrinacáo penitencial.


Aqui está a novidade. O confessor convocava os penitentes para a porta
da igreja local, entregava-lhes as insignias de peregrinos (alforje e bas-
táo) e enviava-os a determinado santuario (tinham preferencia os túmulos
dos Apostólos Sao Pedro e Sao Paulo em Roma). Chegados ao santua
rio, os penitentes podiam-se julgar absolvidos de seus crimes. Participa-
vam dessas peregrinacóes homens e mulheres cujos pecados públicos
nao fossem considerados altamente escandalosos. Todavía essas mi-
gracóes se ressentiram do desregramento ou falta de espirito penitencial
dos seus membros, dando lugar a diversos males e escándalos. As leis
da Igreja e os regulamentos civis tentaram sanear esses inconvenientes,
mas nao o conseguiram plenamente. - Tal forma de Penitencia desapa-
receu, pois fugia as linhas teológicas do sacramento.

Ainda é de notar que a grande estima atribuida á acáo penitencial


fez que, entre os sáculos VIII e XIV, se praticasse confissáo aos leigos.
Na falta do ministro ordenado, os próprios teólogos e pastores recomen-

470
O SACRAMENTO DA RECONCILIAgÁO: POR QUE ASSIM? 39

davam aos fiéis que acusassem os seus pecados a amigos, companhei-


ros de viagem e vizinhos; alguns documentos medievais afirmam que o
diácono tinha o poder de ouvir confissoes, nao, porém, o de absolver os
pecados. Os teólogos justificavam esta praxe pelo fato de que confessar
os pecados implica humilhar-se e penitenciar-se - o que podia obter o
perdáo da parte de Deus. Sao Tomás de Aquino (t 1274) considerava
necessária a confissáo aos leigos em perigo de morte e na ausénica de
ministro próprio; cf. Suma Teológica, Suplemento 8, 2 ad 1 e ad 2; 8,4
ad 5; 9, 3 ad 3 (o S. Doutor parece supor que se trata de doutrina comum
na sua época).

Foi o franciscano Joáo Duns Scotus que comecou a impugnar essa


prática, por nao ter valor de sacramento e, por conseguinte, nao poder
ser imposta como obrigatória.

É de notar que, precisamente no século XIII, o Concilio do Latráo


IV (1215) houve por bem prescrever urna confissáo anual ao menos, pois
a freqüentacáo do sacramento era desleixada ou confundida pelos fiéis,
nao por falta de fervor, mas porque as linhas da piedade católica esta-
vam em fase de estruturacáo.

3. Conclusáo

Foi no século XIII que finalmente terminou a evolucáo do rito do


sacramento da Penitencia, assumindo a forma que ele hoje tem. O nome
de sacramento "da Confissáo" prevaleceu sobre os demais, visto que no
século XIII muito se enfatizou o caráter penitencial da acusacáo (confis
sáo) dos pecados.1 As obras satisfatórias no decorrer dos séculos se-
guintes foram sendo mais e mais atenuadas, a fim de nao afugentar nin-
guém do sacramento ou a fim de permitir que pessoas afastadas da prá
tica religiosa nao se intimidassem pela perspectiva de rigorosos jejuns e
vigilias.2

1 Atualmente, prefere-se falar do sacramento da Reconciliagáo; ver 2Cor 5, 20.


2 Alias, o Rito da Penitencia, Introdugáo n9 6c, observa e prescreve:
"A verdadeira conversáo se completa pela satisfagáo das culpas, pela mudanga da
vida e pela reparacáo do daño causado. As obras e a medida da satisfagáo devem
adaptarse a cada penitente, para que cada um restaure a ordem que lesou e possa
curarse com o remedio adequado. É necessário, por conseguinte, que a satisfagáo
seja realmente remedio para o pecado e de algum modo renovagáo de vida. Assim,
o penitente, esquecendo o que passou (Fl 3, 13), ¡ntegrarse-á de novo no misterio
da satvagáo, langando-se para a frente".
Considérese também o canon 981 do Código de Direito Canónico:
"Canon 991 - De acordó com a gravidade e o número dos pecados, levando em
conta, porém, a condigáo do penitente, o confessor imponha salutares e convenien
tes satisfagóes, que o penitente em pessoa tem obrigagáo de cumprir".
Vése que persiste a intengáo de imporsempre urna satisfagáo medicinal, adequa-
da, porém, ás condigoes de saúde do penitente.

471
40 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 473/2001

A purificacáo dos afetos íntimos (= raízes do pecado) que o peni


tente nao realiza por imposicáo do confessor, terá que ser efetuada es
pontáneamente pelo penitente após a reconciliacáo sacramental, medi
ante a virtude da penitencia; é imprescindível essa tarefa de eliminar do
coracáo todo sentimento desregrado, para que o cristáo possa ver a Deus
face-á-face quando o Pai Celeste o chamar a Si. Caso a pessoa nao
consiga (com a graca divina) efetuar essa purificacáo na vida presente,
terá de fazé-lo após a morte, no purgatorio postumo; este é urna conces-
sao da Misericordia Divina á criatura cujo amor ainda é contraditado por
tendencias desordenadas. A existencia do purgatorio postumo nao so-
mente é atestada pelas Escrituras (cf. 2Mc 12, 39-45; 1Cor 3, 10-15),
mas é muito lógica, dadas as premissas atrás apontadas.

O conhecimento da historia do sacramento da Reconciliacáo des


de os tempos bíblicos até o século XIII permite compreender melhor o
significado deste sacramento em nossos dias, quando o simbolismo do
rito está reduzido a poucos traeos. Apesar da simplificacáo do Ritual (que
a remodelacáo pós-conciliar enriqueceu um pouco), o cristáo desejoso
de frutuosa recepcáo do sacramento nao pode esquecer que ele implica

- a consciéncia da hediondez do pecado, táo viva na mente dos


antigos cristáos. O pecado grave deve ser urna excecáo - e excecáo
cada vez mais rara a ponto de desaparecer - na vida do discípulo de
Cristo. Ninguém é chamado á mediocridade, mas todos sao chamados á
santidade {cf. Lumen Gentium, capítulo IV). Por isto o cristáo nao se
pode "consolar" com a consciéncia de que o pecado é comum a todos os
homens e, por isto, é sina inevitável. É preciso emergir para fora do mun
do do "meio-termo" ou do "mais ou menos" para tender cada vez mais,
com a graca de Deus, á perfeicáo que está na linha mesma do Batismo
que cada um recebeu;

- a consciéncia da necessidade da Penitencia, entendida ora


como sacramento, ora como virtude (a virtude é conseqüéncia da graca
sacramental). A penitencia nao é finalidade em si mesma, mas é reme
dio; é instrumento indispensável para exercitar o amor a Deus e extinguir
os amores desordenados existentes no cristáo. Nao há como a evitar;
embora hoje, por motivos diversos, nao possa ser praticada como outro-
ra era praticada (meses ou anos de jejum, cilicio, peregrinacóes...). A
generosidade atlética dos antigos cristáos, com suas expressóes surpre-
endentes, deve lembrar aos contemporáneos que sao filhos dos Santos
e nao podem trair a sua linhagem. É esta a grande Hcáo que a historia do
sacramento da Penitencia transmite ao povo de Deus hoje, licáo que
deve ser reavivada constantemente a fim de se sacudir a rotina e desper
tar os cristáos para urna vida sempre mais coerente.

472
O SACRAMENTO DA RECONCILIACÁO: POR QUE ASSIM? 41_

4. Tres modalidades de celebracáo

O sacramento da Reconciliacáo pode ser ministrado de tres ma-


neiras:

4.1. Celebracáo meramente individual

É a forma usual nos últimos séculos; há um diálogo secreto entre o


penitente e o confessor, diálogo que consta de acolhida, acusacáo, exor-
tacáo, imposicáo de satisfagáo, absolvicáo, despedida.

4.2. Moldura comunitaria. Acusacáo e absolvicáo individuáis

Esta segunda modalidade póe mais em relevo a índole eclesial do


sacramento, pois supóe urna assembléia de fiéis reunidos para celébra
lo. Requer-se também um número de sacerdotes disponíveis para ouvir
as confissóes individuáis.

Consta de preparacáo comunitaria, efetuada de acordó com ritual


próprio. A acusacáo e a absolvicáo sao individuáis. A absolvicáo nao é
coletiva para nao causar confusáo nos fiéis, pois poderiam entender que
todos sao absolvidos comunitariamente.

Quem nao pratica a confissáo individual, nao recebe o sacramento


nem o perdáo dos pecados graves, mas pode receber o perdáo dos pe
cados leves1 se participou contrita e sinceramente da paraliturgia
penitencial.

4.3. Confissáo e Absolvigáo Gerais

Somente aqui, e nao no caso anterior, temos o que freqüentemen-


te se chama "confissáo comunitaria".

As duas últimas guerras mundiais (1914-1918 e 1939-1945) susci-


taram o perigo de morte para militares e civis, impossibüitados entáo de
recorrer a um sacerdote para receber individualmente o sacramento da
Reconciliacáo: embarque para a frente de guerra, bombardeios, incendi
os, naufragios... levaram assim a Santa Sé a conceder que um sacerdote
presente á multidáo ameacada Ihe desse a absolvigáo coletiva. Temos,
entre outras ¡nstrucóes a propósito, as normas da S. Penitenciaria data
das de 25/03/1944.

Com o passar do tempo, a penuria de sacerdotes e outros motivos


levaram a S. Igreja a definir urna legislagáo minuciosa sobre tal prática;
ver Código de Direito Canónico, cánones 960-963:

1 Pecados graves ou moríais sao aqueles que tiram a vida da graca santificante e
impedem de receber a Comunháo Eucarística. Os pecados leves ou veníais nao
impedem de comungar; sao aqueles aos quais feita urna das tres condigóes para que
haja pecado grave: 1) materia grave; 2) conhecimento de causa; 3) vontade deliberada.

473
42 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 473/2001

1) É lícito absolver, de modo geral, varios penitentes sem previa


confissáo individual:

a) em iminente perigo de morte, quando nao há tempo para que


os sacerdotes oucam a confissáo de cada um dos interessados;

b) em caso de grave necessidade, isto é, quando há grande nú


mero de penitentes e nao existe número suficiente de confessores para
atendé-los pessoalmente dentro de um espaco de tempo razoável; se
forem despedidos sem o sacramento, tais pessoas deveráo ficar muito
tempo sem a reconciliacáo e sem a Comunháo Eucarística.

Compete ao Bispo diocesano, de comum acordó com os outros


membros da sua Conferencia Episcopal, estipular se tal caso de grave
necessidade ocorre na sua diocese, e, eventualmente, em que ocasióes
ocorre (Natal? Semana Santa? Finados?...). Nao é lícito ao sacerdote
tomar a iniciativa da absolvicáo coletiva por conta própria.

2) Para que a absolvicáo coletiva seja válida, requer-se nao só que


o fiel esteja devidamente disposto, mas também que tenha o propósito
de confessar individualmente dentro do tempo devido (ou quanto antes)
os pecados graves que no momento ele nao pode confessar. A Igreja
nao pode dispensar da obrigacáo da confissáo, pois esta é instituida pelo
próprio Cristo (cf. Jo 20, 22s); a Igreja apenas desloca os elementos
constitutivos do sacramento da Reconciliacáo: Contricáo, Confissáo,
Satisfacáo, Absolvicáo (vimos como a seqüéncia foi oscilante no decor-
rer dos sáculos).

3) Para se dar a absolvicáo coletiva, nao bastam grande número


de penitentes e exiguo número de confessores, como acontece nos ca
sos de peregrinacáo ou de festividade. Requer-se, além disto, que os
fiéis estejam ameacados de ficar, sem culpa própria e por muito tempo
(um mes, como estipulou a Conferencia dos Bispos do Brasil), sem rece-
ber os sacramentos. Ora isto nao costuma acontecer ñas cidades, onde
há paróquias com sacerdotes estáveis: quem nao se pode confessar em
determinado dia festivo, pode fazé-lo em outro dia próximo. A Santa Sé
(e, com ela, a Conferencia dos Bispos do Brasil) insiste muito em que os
sacerdotes facilitem o acesso dos fiéis á Confissáo individual, estabele-
cendo horarios favoráveis, fixos e freqüentes, de atendimento.

Tanto em perigo de morte como fora dele, os fiéis devem ser instru
idos, tanto quanto possível, sobre as condicóes para a recepcáo válida e
lícita da absolvicáo coletiva.

474
Palavra estranha:

TRANSUBSTANCIAQÁO: QUE É?

Em síntese: A palavra "transubstanciagáo" exprime a conversao


da substancia ou da realidade íntima do pao e do vinho no corpo e no
sangue de Cristo. A verdade assim formulada está nos escritos do Novo
Testamento (cf. Mt 26, 26-28 e paralelos), foi aprofundada na teología
posterior, que recorreu a um termo próprio para significar o misterio da fé.
- O artigo subseqüente explana a historia e o sentido do vocábulo
"transubstancia gao".
* * *

Frente a cristáos que rejeitam o vocábulo "transubstanciagáo", o


presente artigo expóe o significado desta palavra após esbocar o seu
histórico.

A presenca real do Senhor na Eucaristía é professada como con-


seqüéncia da transubstanciagáo do pao e do vinho, ou seja, conseqüén-
cia da conversao da substancia do pao e do vinho no corpo e no san
gue de Cristo.

O termo transubstanciacao, na linguagem teológica, só se tornou


corrente a partir do séc. XII, embora a realidade por ele expressa já fosse
professada pela S. Escritura e pelas subseqüentes geracóes cristas. Esse
vocábulo representa todo o esforco de inteligencia crista que, procuran
do no decorrer dos tempos urna ilustracáo racional do depósito revelado
ou do misterio da fé, finalmente a encontrou, e encontrou muito profunda
e harmoniosa.

1. Um pouco de historia

No séc. XI um concilio regional de Roma (1079), recolhendo os


dados da tradicáo teológica anterior, redigiu a seguinte profissáo de fé:

«Intimamente creio e abertamente confesso que o pao e o vinho


colocados sobre o altar, mediante o misterio da oragáo sagrada e as pa-
lavras do nosso Redentor, se convertem substancialmente (subs-
tantialiter convertí) na verdadeira, própria e vivifica carne e no sangue
de Nosso Senhor Jesús Cristo; e... que, depois da consagragao, há o
verdadeiro corpo de Cristo, o qual nasceu da Virgem, foi oferecido para a
salvagao do mundo, pendurado a cruz e ora está assentado á direita do
Pai; há também o verdadeiro sangue de Cristo, quejorrou do seu lado,...

475
44 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 473/2001

na propriedade da sua natureza e na realidade da sua substancia»


(DS 700).

No séc. XIII o Concilio do Latráo IV (1215), retomando a constante


doutrina da Igreja, expr¡m¡u-a com a palavra que se achava esbogada
pelos textos anteriores: transubstanciacáo.

Os subseqüentes Concilios de Constanca (1415-1417) e Florenca


(1438-1444) repetiram, em suas definicóes, o termo que assim se torna
ra clássico na teología.

S. Agostinho (t 430) observa:

"O que vedes, caríssimos, na mesa do Senhor, é pao e vinho; mas


essepáo e esse vinho, acrescentando-se-lhes a palavra, tornam-se corpo
e sangue de Cristo... Tira a palavra, e tens pao e vinho; acrescenta a
palavra, ejá tens outra coisa. E essa outra coisa que é? Corpo e sangue
de Cristo. Tira a palavra, e tens pao e vinho; acrescenta a palavra, e tens
um sacramento. A isso tudo vos dizeis: 'Amém'. Dizer 'Amém' é subscre-
ver. 'Amém' em latim significa: 'É verdade'" (Sermáo 6, 3).
O Concilio de Trento em 1551 professou:

"Urna vez que Cristo nosso Redentor disse que aquilo que oferecia
sob a especie de pao era verdaderamente o seu corpo (Mt26,26; Me 14,
22; Le 22, 19; ICor 11, 24), sempre houve, na Igreja de Deus, esta mes-
ma persuasáo que agora este Santo Concilio passa a declarar: pela con-
sagragao do pao e do vinho efetua-se a conversáo de toda a substancia
do pao na substancia do corpo de Cristo Nosso Senhor, e de toda a subs
tancia do vinho na substancia do seu sangue. Esta conversáo foi com
muito acertó e propriedade chamada pela Igreja Católica
transubstanciacáo" (DS 1642; cf. DS 1652).

Pergunta-se agora: como entender o vocábulo-chave?

2. Explanacáo sistemática

Quais as idéias que se prendem ao termo transubstanciacáo?

Partamos das nocoes de substancia e acidentes tais como o bom


senso nó-las sugere. Em todo ser há fundamento para distinguir entre
um conjunto de notas contingentes, mutáveis, tais como o tamanho, a
cor, o peso, o sabor, etc., e um substrato.permanente que, conservan-
do-se sempre o mesmo, dá unidade e coesáo ao sujeito manifestado por
suas notas sucessivas e variadas, ou seja, por seus acidentes. Esse
substrato é, em Filosofía, chamado substancia (= o que sub-está, o que
suporta). Em qualquer pedaco de pao, por conseguinte, há um conjunto
de notas acídentais, como a cor, as dimensóes, o sabor, a posicáo no

476
TRANSUBSTANCIAQÁO: QUE É? 45

espago, notas que podem sobrevir, mudar-se e desaparecer numa subs


tancia que as sustenta; esta substancia, ninguém a vé como tal, pois só
pode ser apreendida através das notas acidentais que dáo a configura-
gao externa a tal pedaco de pao; a substancia, porém, é urna realidade
cuja existencia se impóe ao raciocinio.

Pois bem, a fé ensina que, quando as palavras da consagracáo


sao pronunciadas sobre o pao, a substancia deste se muda ou converte
totalmente em substancia do corpo humano de Jesús (donde o nome
"transubstanciagáo"), ficando, porém, os acidentes ou as notas externas
do pao; sendo assim, sem mudar de aparéncia, o pao consagrado já nao
é pao, mas é substancialmente o corpo de Cristo. Análogo fenómeno se
dá com o vinho; ao serem pronunciadas sobre ele as palavras da consa
gracáo; sua substancia se converte na do sangue do Senhor. - Nao há
dúvida, é este um caso de ¡ntervencáo da Onipoténcia divina que nao
tem par em toda a ordem da natureza. Vé-se, porém, que, embora único,
o fenómeno da transubstanciacáo nao é absurdo; antes, tem seus pon
tos de contato com as categorías da filosofía e da inteligencia humanas.

A concepcáo ácima explica muito bem como o corpo de Cristo pos-


sa simultáneamente estar presente em diversas hostias consagradas e
em regióes múltiplas. Com efeito, Jesús nao está presente na Eucaristía
segundo as suas notas acidentais (entre as quais se enumera o ubi ou a
localizagáo no espago); o ubi do corpo eucarístico de Cristo é-lhe dado
pelo pao (isto é, pelo acídente ubi do pao). Ora, já que os fragmentos de
pao se multiplícam com o seu ubi ou a sua localizagáo própria no espa
go, vé-se que, onde quer que haja um pedago de pao consagrado, ai
pode estar, e de fato está, o corpo eucarístico de Cristo.

Em línguagem precisa, d¡r-se-á: a presenga de Cristo eucarístíco é


presenga no espago, mas nao é presenga espacial ou local: é pre
senga no espago, porque, nao há dúvida, o Cristo eucarístíco entra nos
nossos espagos, mas mediatamente, isto é, mediante o espago que o
pao ocupa.

Nao é presenga espacial ou local, porque Cristo na Eucaristía só


existe como substancia da qual os acídentes «quantidade» e «localiza
gáo no espago», por disposígáo da Onipoténcia divina, nao exercem seu
efeito próprio. A substancia, enquanto substancia, é um puro principio de
ser; como tal, ela nao implica localizagáo; ela só entra em relagáo com o
lugar ou o espago mediante o acídente chamado «quantidade», que Ihe
dá sua extensáo e as suas dimensóes próprias.

Isto faz que a presenga do Cristo eucarístico se possa multiplicar


(sem que o corpo de Cristo se multiplique), desde que se multipliquem os
fragmentos de pao consagrados ñas mais diversas térras do globo. Nao

477
46 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 473/2001

há bilocacáo nem multilocacáo do corpo de Cristo, porque simples-


mente nao há locacáo do mesmo, mas apenas locacáo e multilocacáo
do pao consagrado.

As idéias ácima também explicam que o corpo de Cristo nao se


parta nem se divida quando se divide a hostia consagrada. O corpo de
Cristo sob os acidentes do pao nao tem extensáo nem quantidade própri-
as; por conseguinte, nao se pode dizer que a tal fragmento da hostia
corresponda tal parte do corpo de Cristo (é obvio que as dimensoes de
urna hostia pequenina nao seriam comensuráveis com as do corpo do
Senhor). Por conseguinte, quando o pao consagrado é partido, só se
parte a quantidade do pao, nao o corpo mesmo de Jesús.

Assim muitas hostias e muitos fragmentos de hostia nao constitu-


em muitos Cristos - o que seria absurdo -, mas muitas "presencas" de
um só e mesmo Cristo. Análogamente a multiplicacáo dos espeihos nao
multiplica o objeto original, mas multiplica a presenca desse objeto; tam
bém a multiplicacáo dos ouvintes de urna sinfonía nao multiplica essa
sinfonía, mas apenas a presenca da mesma.

Á luz de quanto acaba de ser dito, entende-se outrossim que, quando


se deteriora o pao eucarístico por efeito do tempo, dos sucos digestivos
ou de um agente corruptor, o que se estraga sao apenas os acidentes do
pao: quantidade, cor, figura... (estes acidentes é que evidentemente sao
atingidos pela deterioracáo); quanto ao corpo de Cristo, simplesmente
deixa de estar presente sob os véus eucarísticos desde que estes sofram
alteracao tal que, segundo o bom senso, nao possam mais ser identifica
dos como tais; foi as especies ou as aparéncias de pao e vinho, nao as
de algum outro corpo, que Cristo quis assegurar a sua presenca sacra
mental.

3. Transubstanciacáo e Física moderna

A doutrina exposta nao sofre contestacáo por parte da Física mo


derna.

Na verdade, a linguagem e a conceítuacáo desta nao ¡nterferem na


linguagem e na conceítuacáo da Filosofía e da Teología. Ao falar de subs
tancia e materia, por exemplo, o físico nao tem em mira a mesma reali-
dade que o filósofo e o teólogo. O físico descreve substancia, materia e,
em geral, os corpos (a massa) de acordó com as reacóes dos mesmos
ou os fenómenos que ele pode observar com os sentidos. O filósofo, ao
contrario, entende por substancia das coisas materiais urna entidade muíto
real, mas só perceptível pela inteligencia. Os fenómenos, objeto único de
que se ocupa o físico, sao, para o filósofo, acídentes da substancia; por
conseguínte, as teorías da Física moderna, com as suas grandes inova-

478
TRANSUBSTANCIAQÁO: QUE É? 47

coes, se referem áquilo que em Filosofía se chama "acidentes", ao passo


que a doutrina eucarística tem por objeto a substancia, elemento de que
as ciencias naturais nao tratam, porque nao é objeto ¡mediato de obser-
vacáo empírica.

Note-se, porém, que o magisterio da Igreja, professando repetida


mente a doutrina da transubstanciacáo, de modo nenhum associou o
dogma a determinada escola filosófica. Embora os conceitos de subs
tancia e acídente tenham sido filosóficamente elaborados pelo Aristote-
lismo, é no seu sentido obvio, acessível ao senso comum, que a Igreja
entende estes dois vocábulos. Com efeito, mesmo a gente simples apre-
ende o que é urna substancia: a realidade que faz que um corpo seja e
permaneca tal sob as mudancas de superficie {ou acidentais) que Ihe
possam ocorrer. Assim como o comum dos homens compreende o que
se quer dizer quando se afirma que um corpo permanece substancial-
mente o mesmo sob as variacóes acidentais que se Ihe possam infligir,
assim entende também o que se quer asseverar quando se diz que, na
Eucaristía, há mudanca de substancia, enquanto as aparéncias aciden-
tais permanecem invariadas.

Estas consideracóes de índole especulativa devem ser completa


das pela observacáo seguinte:

A fé professa urna conversáo total e absoluta da substancia do pao


na do corpo de Cristo de tal modo que o Concilio de Trento rejeitou a
doutrina de Lutero, que admitía a «empanacao» de Cristo: empanacáo,
segundo a qual permaneceriam a substancia do pao e a do vinho junto
com a do corpo e a do sangue de Cristo; o pao continuaría a ser real
mente pao (e nao apenas segundo as aparéncias), o vinho continuaría
a ser realmente vinho (e nao apenas segundo as aparéncias), de tal
sorte que o corpo de Cristo estaría como que «revestido» de pao e vinho.
Para o Concilio de Trento e, conseqüentemente, para a fé católica, esse
tipo de presenca de Cristo na Eucaristía é insuficiente; é preciso dizer que o
pao e o vinho, em sua realídade íntima (substancia), deixam de ser pao e
vinho para se tornar a realidade mesma do corpo e do sangue de Cristo.

Como na críacáo há a producáo de todo o ser («productio totius


entis»), assim na Eucaristía há a conversio de todo o ser («conversio
totius entis»). Ora «conversáo de todo o ser» é «conversáo de toda a
substancia» ou «conversáo substancial» ou «transubstanciacáo».

Paralelamente, assim como só Deus pode criar, só Deus pode


«transubstanciar»; urna e outra atividade supoem o poder infinito do
Altíssimo, que pode fazer do «nao ser» o «ser». As criaturas só podem
de "tal ser" fazer "tal outro ser"; elas nao abrangem o ser como tal, mas
apenas aspectos do ser.

479
48 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 473/2001

O CASO DE DOM MILINGO

Dom Emmanuel Milingo foi arcebispo de Lusaka (Zámbia-África).


Foi afastado do cargo por praticar ritos de exorcismo e curas de caráter
ambiguo. Chamado a Roma, continuou a exercer as mesmas práticas
pela Italia, causando assim preocupacao as autoridaes eclesiásticas. Fi
nalmente, aos 73 anos de idade, em julho de 2001, resolveu casar-se
com urna médica coreana chamada Maria Sung. No dia 7 de agosto se
encontrou com o Santo Padre, que o exortou a voltar á Igreja Católica. O
casamento ocorreu na seita do reverendo coreano Sun Myung Moon,
sem que os dois nubentes se conhecessem previamente; a cerimónia se
realizou em New York juntamente com o enlace macico de outros pares
que nao se conheciam mutuamente antes do matrimonio. Após o encon
tró com o Papa aos 11 de agosto de 2001, Dom Milingo escreveu urna
carta de próprio punho a Maria Sung, nos seguintes termos:

"Á minha irmá Maria Sung, paz em Cristo.


Minha Máe a Igreja Católica me chamou para regressar ao seu
aprisco. Alguns prelados me falaram em nome de Jesús Cristo para me
ajudara entenderá grande responsabilidade que me toca na Igreja Cató
lica. Há muitas pessoas que me buscam e esperam. O mesmo fazem as
Congregagoes que eu próprio fundei e que esperam minha orientacáo
espiritual. As palavras do Santo Padre me comoveram: 'Em nome de Je
sús Cristo volte á Igreja Católica'; por conseguinte meu ardente désejo é
obedecer ao Santo Padre e submeter-me as leis da Santa Madre Igreja.
Eu te amo como irmá. Continuarei rezando por ti durante toda a minha
vida. O Senhor te abengoe".

Esta carta foi lida perante os microfones da Televisáo Italiana aos


24 de agosto, de modo que a Senhora Maria Sung (que estava em greve
de fome havia 14 dias por causa da rejeicáo de Dom Milingo á pretensa
esposa) ouviu a mensagem pela televisáo e com energía replicou: "Nao
creio que seja verdade. Ele foi drogado. Continuarei o jejum".

Dom Milingo renunciou também ao relacionamento que ele manti-


nha com a seita Moon.

Entrevistado por um jornalista, Dom Milingo foi interrogado:


"Como chegou a dar um passo tao surpreendente?

- Durante 30 anos sempre trabalheijunto aos carentes e enfermos,


apesar de muitas dificuldades. Ás vezes fui tachado de bruxo e supersti
cioso. Eu me sentía sozinho. Depois, pouco a pouco, aproximou-se de mim

480
a Igreja da Unif¡cacao de Sun Myung Moon, que prega o amor verdadeiro no casamen
to. E eu fui embora com eles. Mais tarde, porém, compreendi que havia cometido um
erro gravíssimo. Arrependi-me, e por isto solicitei ao Santo Padre regressar a Igreja".

Em outras declarares aos repórteres, o arcebispo denunciou que já nos


Estados Unidos, após a cerimónia do matrimonio, a seita Moon o mantinha segre
gado e nao o deixava falar com nenhum de seus amigos.

Dom Milingo acrescentou que a seita Moon também nao o deixava falar com
Maria Sung e afirmou: "Estou fazendo todo o possível para me encontrar com Ma-
ria, de modo que possamos falar do nosso futuro. Se Maria pudesse ler a carta que
Ihe escrevi, certamente teria compreendido. Mas ¡mpediram que a carta chegasse
as suas máos."

Na verdade, Maria Sung ouviu a leitura da carta pela televisáo no hotel de


Roma onde se encontrava. Posteriormente reconheceu a decisáo de Dom Milingo e
conformou-se a ela, desistindo de procurá-lo como marido.

Como se vé, o caso é muito complexo e revela evidente disturbio mental da


parte de Dom Milingo. O seu comportamento, desde os tempos de arcebispo de
Lusaka, foi contraditório e produto de debilidade mental. Queira Deus que a aven
tura esteja encerrada definitivamente!

Fonte: Agencia Católica de Noticias Zenit, 26 de agosto de 2001.

Estéváo Bettencourt O.S.B.

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do movimento monástico de Lérins, tem aquí um sermáo panegírico, proferido por Hilario,
seu discípulo e sucessor, no primeiro aniversario de seu falecimento. Um monge e sa
cerdote descreve os primeiros sete anos da historia do mosteiro do Condato e a vida dos
tres pais do Jura, de modo preciso e concreto. 122 págs RS 9,00.
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Enout, em um fascículo de 100 páginas, mostra a profunda sintonía de Sao Bento com
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sioes? Esta pergunta levou o peregrino a descobrir a "oracáo de Jesús", compreendendo
claramente o que significa "orar sem cessar". 2- ed. 26 págs RS 2,50.
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Visa á aplicacao da Regra de Sao Bento na vida cotidiana de todos os cristáos e cristas,
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implantacáo do Reino de Deus, que é o Reino de Paz, e Justica, Esperanca e Fraternidade,
"nada antepondo ao amor de Cristo". 224 págs '...'. RS 19,00.

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eremitas egipcios dirigiram aos seus discípulos palavras de sabedoriá das quais muitas
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nheira, OSB. Dedicado aos noviciados dos mosteiros que seguem a Regra de S3o Bento,
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