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UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA – UnB

CENTRO DE DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL – CDS


PÓS GRADUAÇÃO EM
DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL E DIREITO AMBIENTAL

SOBRE A FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE

POR NAJH YUSUF SALEH AHMAD

Inicialmente, vamos entender as definições e princípios da função da


propriedade.

Orlando Gomes: “O princípio da função social da propriedade atinge a


substancia do direito de propriedade, dando origem a uma nova concepção do
instituto”1
Fábio Konder Comparatto: “A chamada função social da propriedade
representa um poder-dever positivo, exercido no interesse da coletividade,
inconfundível,como tal, com as restrições tradicionais ao uso dos bens
próprios”2
“o principio da função social da propriedade, ao invés de
se revelar uma mera restrição ao direito de propriedade,
compõe o próprio desenho do instituto, de sorte que, a
partir de 05 de outubro de 1988, no Brasil, somente é
garantida a propriedade particular que cumpra com sua
função social”3

Tendo a função social parte integrante do conceito moderno


constitucional de propriedade e, os bens corpóreos e incorpóreos objetos do
direito de propriedade, por uma análise sistemática da Constituição, os
mesmos também tem que possuir uma função social.
Assim, temos que a função social da propriedade, é um bem de
consumo ao ser usado sem abuso na sua função para qual foi criado ou

1 GOMES,Orlando Gomes, Direitos Reais, 14. ed., Rio de Janeiro: Editora Forense, 1999

2 COMPARATO, Fábio Konder. Função social da propriedade dos bens de produção. In Revista de Direito Mercantil,
Industrial, Econômico e Financeiro (nova série). São Paulo, RT, n.º 63, jul-set/1986, p. 76

3 ARAÚJO LEONETTI, Carlos, Op. cit. p.78


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SOBRE A FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE

POR NAJH YUSUF SALEH AHMAD

destinado, o bem em tela, estaria exercendo sua função social, concorrendo de


forma secundária para o bem da sociedade.
A função social da propriedade não é limite para o direito de
propriedade, e sim, parte integrante e modeladora do mesmo, devemos
analisar as limitações aos caracteres clássicos da propriedade
tradicional, decorrentes da função social e do conceito moderno de
propriedade.
A função social da propriedade não pode ser confundida com os
sistemas de limitação de propriedade, ou seja, a afetação de seus
caracteres tradicionais (direito absoluto, exclusivo e perpétuo). Dizem sim
respeito ao exercício do direito, ao proprietário, e, não à estrutura interna do
direito à propriedade, estando sim subordinados à função social da
propriedade, como bem leciona José Afonso da Silva :
"(...) a função social da propriedade se modifica com as
mudanças na relação de produção. E toda vez que isso
ocorrera, houvera transformação na estrutura interna do
conceito de propriedade, surgindo nova concepção sobre
ela, de tal sorte que, ao estabelecer expressamente que a
propriedade atenderá a sua função, mas especialmente
quando o reputou princípio da ordem econômica, ou seja:
como um princípio informador da constituição econômica
brasileira com o fim de assegurar a todos existência
digna, conforme os ditames da justiça social (art. 170, II e
III), a Constituição não estava simplesmente
preordenando fundamentos às limitações, obrigações e
ônus relativamente à propriedade privada, princípio
também da ordem econômica, e, portanto, sujeita, só por
si, ao cumprimento daquele fim. Pois, limitações,
obrigações e ônus são externos ao direito de propriedade,
vinculando simplesmente a atividade do proprietário,
interferindo tão-só com o exercício do direito, os quais se
explicam pela simples atuação do poder de polícia"4
4 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 10ª ed., São Paulo: Malheiros, 1994: p. 294
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Os sistemas de limitação de propriedade, ou seja, de afetação de seus


caracteres tradicionais, são classificados em restrições, servidões,
desapropriações e usucapião.
Na exata manifestação do Prof. Robério Nunes dos Anjos Filho5:
“As restrições, limitam o caráter absoluto da propriedade,
condicionando sua faculdades de fruição, trans formação
ou alienação, como por exemplo o tombamento. As
servidões (e outras formas de utilização de propriedade
alheia), atingem o caráter exclusivo da propriedade, que
passa a servir também a outrem, como por exemplo o art.
5º, XXV. Já a desapropriações e os usucapiões afetam o
caráter perpétuo da propriedade. A desapropriação atinge
o caráter perpétuo da propriedade porque é o meio pelo
qual o poder Público determina a transferência
compulsória da propriedade particular especialmente para
o seu patrimônio ou de seus delegados, o que só poderá
verificar-se por necessidade ou utilidade pública, ou por
interesse social, mediante previa e justa indenização em
dinheiro, ressalvados os casos previstos na CF/88, que
são as desapropriações- sanção por não estarem as
propriedades urbanas ou rurais atendendo à sua função
social, quando então as indenizações se farão mediante
Títulos da divida pública ou divida agrária (art, 182,184, e
5º,XXIV)”

Função Social da Propriedade Rural


Ao analisar o art. 2º, § 1º do Estatuto da Terra (Lei no 4.504/64) e o art.
186 da Constituição Federal temos a identidade entre a redação de ambos;
enfatizando-se a necessidade de simultaneidade no cumprimento das medidas
ali elencadas para que se considere cumprida a função social da propriedade.

5 Procurador-Chefe da Procuradoria da República na Bahia, Membro do Conselho Estadual de Defesa dos Direitos
Humanos, Mestrando em Direito Econômico/UFBA
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Art. 186 da Constituição Federal de 1988:"A função social


é cumprida quando a propriedade rural atende,
simultaneamente, segundo critérios e graus de exigências
estabelecidas em lei, os seguintes requisitos:
I – aproveitamento racional e adequado;
II – utilização adequada dos recursos naturais disponíveis
e preservação do meio ambiente;
III – observância das disposições que regulam as
relações de trabalho;
IV – exploração que favoreça o bem-estar dos
proprietários e dos trabalhadores"

Portanto o art. 186 da CF/88 é o dispositivo constitucional que elenca os


requisitos (quatro) para que a propriedade rural tenha atendida sua função
social, ou seja para se configure o direito a propriedade, quais sejam:
aproveitamento racional e adequado; utilização adequada dos recursos
naturais existentes e preservação do meio ambiente; observância das
disposições que regulam as relações de trabalho e exploração da
propriedade, desde que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos que
nela trabalham.
Somente a propriedade que atenda a todos esses requisitos é que terá
atendido a sua função social. Assim, por exemplo, ainda que produtiva, a
propriedade rural não atenderá a sua função social se a sua produção estiver
baseada em violação das normas trabalhistas, não sendo portanto protegido o
seu direito constitucional de propriedade.
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Em suma, a produtividade da terra não pode se sobrepor ao


cumprimento dos demais requisitos norteadores da função social da
propriedade.
Todos requisitos citados devem ser atingidos concomitantemente.
A função social da propriedade é um instrumento capitalista, que entre
outras coisas preserva o direito de propriedade, bem como, a mesma não é um
artifício para a realização da Reforma Agrária. Este instituto é resultado do
processo civilizatório da humanidade, com o intuito de considerar a terra com
um bem básico e coletivo, embora particularmente apropriado segundo o
sistema econômico de cada cultura.
Além disso, a função ecológica da propriedade rural está
intimamente ligada à função social da mesma. Portanto a proteção da
flora e da fauna com a conseqüente vedação de práticas que coloquem
em risco a sua função ecológica projetam-se como formas instrumentais
destinadas a conferir efetividade ao direito a propriedade rural e sua
função social.
A necessidade de o seu titular utilizar adequadamente os recursos
naturais disponíveis e de fazer preservar o equilíbrio do meio ambiente, é
requisito indispensável para o exercício da função social em tela, sob
pena de, em descumprindo desses encargos, sofrer a desapropriação-
sanção a que se refere o art. 184 da Lei Fundamental.
O exercício do direito de propriedade está condicionado ao atendimento
da função social da propriedade rural, sujeitando seu infrator à sanção
expropriatória, conforme faculdade a ser exercida pelo Poder Público. Vale
ressaltar que, a pequena ou a média propriedade rural, definida pela lei
8629/93, desde que seja o único imóvel rural de que disponha o proprietário,
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não poderá ser desapropriada para fins de reforma agrária, mesmo quando não
cumpra a sua função social, ao contrário da grande propriedade, que não pode
ser desapropriada se for produtiva.
Cabendo ressaltar que “A lei 8629/93, embora específica para
regulamentar o art. 185, CF, que trata da desapropriação da fins de reforma
agrária, é aplicável ao art. 5º, XXVI, CF, pelo que o imóvel rural com até 4
módulos fiscais, não rurais, é considerado pequeno para fins de
impenhorabilidade. O fato ser pequeno o imóvel de até 4 módulos fiscais, não
basta para torná-lo imune à penhora, sendo essencial que a dívida seja
decorrente de atividade produtiva do devedor e que seja ele trabalhado pela
família, o que exclui a garantia quando se tratar de imóvel do tipo fim-de-
semana ou quando a dívida for de outra natureza; O art. 649, X, que também
cogita da impenhorabilidade do imóvel de até um módulo, embora não
especifique se fiscal ou rural, deve ser interpretado sistematicamente, como
uma unidade do sistema, pelo que aplica-se a primeira unidade de medida, isto
é, deve ser entendido como imóvel de até um módulo fiscal, por outro lado,
mesmo que se trate de imóvel de até um módulo fiscal, é certo que o art. 649,
X, CPC, não é a norma regulamentar do art. 5º, XXVI, CF, nem com ela é
incompatível, vigendo, pois, os dois, cada qual com um campo de alcance.
Para o art. 649, X, CPC, é impenhorável qualquer imóvel de até um módulo
fiscal, desde que seja o único de que disponha o devedor, qualquer que
seja a dívida, e seja ele explorado pela família, ou mesmo não explorado,
ressalvando-se apenas a hipoteca para fins de financiamento agropecuário,
enquanto que o art. 5º, XXVI, CF, protege apenas a propriedade pequena que,
explorada pela família, tenha contraído dívidas para sua própria atividade.
Enfim, a distinção básica entre o art. 649, X, CPC, e o art. 5º, XXVI, CF, é que
este especifica a dívida que não pode sujeitar o imóvel à penhora, desde que
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tenha até 4 módulos fiscais, embora não seja o único do proprietário, enquanto
que aquele exclui da penhora o imóvel de até um módulo fiscal, qualquer que
seja a dívida, desde que seja o único bem do devedor”. 6 (o grifo é nosso)
Quando necessário, o Poder Público pode efetivar a
desapropriação para o atendimento do interesse público. Esta
desapropriação não será uma sanção, cabendo a indenização ser prévia e
em dinheiro ( art. 5º, XXIV, CF/88). A desapropriação por desatendimento da
função social da propriedade rural difere da expropriação supracitada, pois esta
não é uma penalidade. A garantia constitucional não impede a desapropriação
de nenhum imóvel por necessidade ou utilidade pública, casos em que a
indenização deverá ser paga à vista, em valor de mercado e em dinheiro, ao
contrário do imóvel que for expropriado para fins de reforma agrária, quando a
indenização, a despeito de ser à vista e em valor de mercado, será feita em
títulos de dívida agrária, resgatáveis em até 20 anos, o que pode levar a até 22
anos, haja vista que o prazo tem início no segundo ano de sua emissão.
Art. 184, CF/88: "Compete a União desapropriar por interesse social,
para fins de reforma agrária, o imóvel que não esteja cumprindo sua função
social, mediante prévia e justa indenização em títulos da dívida agrária, com
cláusula de preservação do valor real, resgatáveis no prazo de vinte anos, a
partir do segundo ano de sua emissão, e cuja utilização será definida em lei".
O imóvel rural que descumprir com sua função social, de forma
analógica ao art.182, parágrafo 4º e seus incisos da CF, e com fulcro no
art.186 e 153, parágrafo 4º da CF, poderá ser sancionado de forma menos

6 QUEIROZ, Ari Ferreira de. Proteção constitucional da pequena propriedade rural . Jus Navigandi, Teresina, a. 4, n.
45, set. 2000. Disponível em: <http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=1676>. Acesso em:
document.write(capturado()); 29 de novembro de 2009
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gravosa que a desapropriação, com a progressividade do ITR. Imposto


sobre propriedade rural, de competência da União.
De certa forma a Constituição Federal de 1988, regulou de forma
implícita outra sanção pelo não cumprimento da função social da propriedade.
Ao incluir no art 5º o inciso XXIII, pois modelou o conceito de propriedade.
A função social passou a fazer parte do conceito de propriedade. O
não cumprimento da função social da mesma, levaria a inexistência do
direito à propriedade e conseqüentemente perderia todas as garantias
atinentes à mesma, constitucionalmente ou infraconstitucionalmente
constituídas.
Portanto, o proprietário do imóvel rural, que não atenda aos
requisitos constitucionalmente estabelecidos para atingir a função social
da mesma, não tem direito a utilização de ações possessórias ou
reivindicatórias.
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JURISPRUDÊNCIA

Referências

ARAÚJO LEONETTI, Carlos, Op. cit. p.78

COMPARATO, Fábio Konder. Função social da propriedade dos bens de


produção. In Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro
(nova série). São Paulo, RT, n.º 63, jul-set/1986, p. 76

DE ALMEIDA NETO, João Alves. Uma visão moderna da função social da


propriedade rural. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, 12, 28/02/2003 [Internet].
Disponível em http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?
n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=3507. Acesso em 29/11/2009.

GOMES,Orlando Gomes, Direitos Reais, 14. ed., Rio de Janeiro: Editora


Forense, 1999

QUEIROZ, Ari Ferreira de. Proteção constitucional da pequena propriedade


rural . Jus Navigandi, Teresina, a. 4, n. 45, set. 2000. Disponível em:
<http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=1676>. Acesso em:
document.write(capturado()); 29 de novembro de 2009

SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 10ª ed., São
Paulo: Malheiros, 1994: p. 294
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