You are on page 1of 3

A Abolição da Escravidão

13 de maio tem sido uma data pouco comemorada e pouco analisada no calendário
nacional e escolar. Já foi feriado nacional e depois deixou de ser. Mas deveria ser uma
reivindicação da população que datas como 13 de maio e 20 de novembro fossem
cercadas por grandes manifestações, que tivéssemos na escola e na sociedade um
símbolo importante marcado por estas datas para refletirmos sobre a realidade brasileira,
sobre a nossa história e sobre as conquistas populares. Em todos os países da América
onde houve escravismo recente, a data da abolição é comemorada com grandes festas,
muitos discursos e uma ampla revisão histórica. Aqui no Brasil, pelo contrário, se quer
fazer esquecer o 13 de maio, pois uma parte da sociedade não quer ser considerada
culpada pela criminalidade do escravismo, enquanto outra parte perdeu o referencial do
que o 13 de maio representa para as lutas do povo brasileiro.
O primeiro fato importante que tem sido omitido da população brasileira sobre o 13 de
maio - me é daí que leva a não darmos importância a ele -, é o que permite uma parcela
da população fazer de conta que não tem importância o escravismo e o quanto foi
criminoso. Por outro lado, o 13 de maio tem sido omitido enquanto resultado de um longo
processo de lutas do negro brasileiro e da população consciente contra o regime
criminoso do escravismo.

O Escravismo foi Crime Contra a Humanidade

A maioria das pessoas tem vergonha de dizer que são descendentes de escravizados.
Isto porque existem informações errôneas e antiéticas sobre a história brasileira. Se
tivéssemos a informação correta, moral e ética, diríamos que o escravismo foi um regime
criminoso contra a humanidade, de leis e fatos, imorais, antiéticos, condenáveis em
qualquer sociedade que fizesse bom juízo dos fatos. Quem deveria ter vergonha, pois
roubou e matou, viveram na continuidade dos benefícios do roubo.
Algumas pessoas vão erradamente argumentar: mas era lei da época. Não justifica.
Vejamos como comparação o que ocorreu durante o nazismo na Alemanha. As leis da
época do nazismo permitiam a prisão e o massacre dos judeus. Passado o nazismo,
todos que governaram e se beneficiaram do regime foram julgados e condenados.
Tinham estabelecido lei de estado criminosos que atentavam contra a humanidade.
Portanto, crime é crime, com lei ou sem lei que os proteja. Assim deveria ter ocorrido com
o escravismo. Atualmente, apenas a Igreja Católica, através do Papa admitiu o erro,
demonstrou ter vergonha do erro, do regime. Deveria ser referencial para começar a
discutir o 13 de maio.O enfoque sobre o escravismo como crime contra a humanidade,
leva a uma possibilidade de discutir melhor o 13 de maio, como ele foi e não como é
pensado agora. O 13 de maio é o fim da criminalidade praticada pelo estado brasileiro e
por todos aqueles que se beneficiavam vergonhosamente do trabalho roubado da
população negra.Mas o que realmente ocorreu no 13 de maio?

Onda Negra Medo Branco

Azevedo (1987)¹ elucida parte do que provocou assinatura da abolição do escravismo em


13 de maio de 1888. Primeiro, boas parte da população africana e Afro-descendente que
vivia no Brasil já tinha conseguido reconstituir a liberdade perdida por diversas formas de
luta contra o escravismo. Entretanto, no 13 de maio 700.000 pessoas que ainda eram
mantidas injusta e criminosamente no regime de cativo readquirem a liberdade. Esta é,
portanto, a maior mudança constitucional do país. A população do país nesta época era
de 6.000.000 habitantes. Portanto, uma parcela considerável ascende à liberdade. O
dobro desta população já tinha a liberdade através das lutas de Quilombos e de outras
formas como a compra de alforrias, através de leis anteriores como a do ventre livre e a
dos sexagenários. Possivelmente, mais do dobro dos negros, africanos e descendentes já
estavam livres no momento do 13 de maio. Isto produzia, também, um medo dos brancos
poderosos de que a população negra, tanto livre como escrava produzisse uma revolução
total e conjunta, depusesse os brancos do poder como tinha ocorrido a quase um século
antes do Haiti.
No Brasil, as revoltas dos escravizados eram muito comuns. Os quilombos eram
numerosos em todas as partes do país e os brancos proprietários viviam em clima de
pavor contra possível reação da população livre escravizada. Mesmo porque, nem todos
os brancos apoiavam o regime criminoso do escravismo. Pelo contrário, muitos deles se
uniram aos negros para lutar contra o regime. Antes da guerra do Paraguai (terminada em
1872), o governo brasileiro usava o exército para controlar as revoltas da população
negra. Foi assim que Caxias e outros militares fizeram carreira, destruindo Quilombos,
eliminando revoltas populares. Mas a guerra do Paraguai trouxe nova consciência ao
exército ao exército nacional. Ficou evidente que a função do exército não era defender
os grandes proprietários e mantê-los no seu estado criminoso de beneficiados pelo
escravismo. O exército existia para defender a nação e manter a soberania nacional, não
para servir contra o povo. Depois da guerra do Paraguai o exército passou a se negar a
perseguir os negros revoltosos, ficando estes casos para a polícia e os militares locais.
Assim aumentou o medo branco, eles mesmos começaram a pensar na abolição como
forma de evitar uma revolta maior da população negra. Entretanto, a abolição foi discutida
num longo processo na sociedade brasileira. Negros ilustres como Luís Gama, Quintino
de Lacerda, José do patrocínio participaram ativamente destes debates. Daí que, a
Assembléia Nacional reunida no Rio de Janeiro em 1888 votou a abolição do escravismo.
Decidido o fim do escravismo, o Estado brasileiro saia da situação de criminalidade contra
a humanidade que se mantinha até então. Logo, em 13 de maio de 1888 a lei foi
assinada. Portanto, não foi princesa nenhuma que deu liberdade aos negros. A liberdade
foi uma conquista da população brasileira, uma vitória dos movimentos populares. Temos
assim, uma confirmação de que governantes estavam criminosamente errados e neste
dia, o erro foi abolido.
É neste sentido que a abolição foi comemorada pela população brasileira nos dias 13 e 14
de maio e deveria ser comemorada até o presente.

A lei existiu, mas não foi completa

Os poderosos capitularam, perderam, mas não se entregaram. A lei deveria ter sido
votada com um amplo apoio, indenização e reintegração dos escravizados à sociedade
brasileira. Entretanto, os poderosos omitiam a discussão do direito da população que
tinha sido escravizada. Fizeram um esforço e conseguiram que a sociedade nunca
discutisse o escravismo a luz dos valores éticos e morais. Fizeram uso dos meios de
propaganda para transformar pessoas criminosas em generosas. Generosas por terem
"dado" a liberdade aos negros. Isto foi e ainda é uma manipulação de informação
histórica. É a omissão dos culpados pelo crime e a manipulação de informação destes por
histórias deturpadas. Hoje chega a se dizer que o escravismo no Brasil foi brando, que os
chamados senhores foram bondosos, que até cruzarem com os negros. Escravidão é
crime, os escravistas foram criminosos, não existe nada que os isentem, a não ser o
nosso esquecimento da verdade ou a nossa inconsciência produzida pela informação
malévola.
A lei de 13 de maio foi incompleta, poderia ter resolvido problemas nacionais dos quais
até padecemos como é o caso da reforma agrária e do aceso das populações a terra.
Poderia ter promovido uma repartição da renda retornando aos ex-escravizados, através
de políticas o que nos seria de direito. Visto não ter sido feito, o país até hoje sofre destes
erros. Existe, portanto, mais motivos para festejarmos e realizarmos uma revisão ética da
nossa verdadeira história nacional nesta data. O 13 de maio é uma revolução nas datas
nacionais, é uma verdade para a população negra e brasileira. As classes escravistas
foram criminosas e a humanidade deve julgá-las.

O que ocorre depois da aula do 13 de Maio nas escolas

No enfoque tradicional do 13 de maio as alunas e alunos negros vivem um pesadelo.


Depois da são motivos de chacotas, gracinhas e xingamentos pelos estudantes que se
acham brancos, mesmo porque a aula sobre 13 de maio costuma ser duplamente falha. O
que temos é o reforço mais eloqüente de desinformações históricas e deseducativas
alinhadas aos esforços dos discursos racistas. As gracinhas e piadas não são inocentes,
não são coisas de crianças ou brincadeiras. Elas são manifestações de racismo e
preconceitos que tiveram suporte no processo deseducativo propiciado pela sala de aula
repetindo as formulações antigas e impensadas sobre o 13 de maio.
O que ocorre na aula dos educadores e educadoras desinformadas? Aqueles que não
passaram por uma reflexão nova, por uma visão renovada do 13 de maio? Eles repetem
as fórmulas da cultura do racismo e do preconceito. Não adianta dizer que os educadores
não são racistas e preconceituosos. São sim. Façam uma revisão de consciência sobre o
que elas e eles pensam sobre o negro, sobre o escravismo e sobre a África. Vejam se
existe alguma coisa de positivo é um forte sinal da presença do racismo nas próprias
idéias. Idéias que não são só suas, foram transmitidas continuamente nos processos do
cotidiano e nos processos educacionais. Vejam o que a sociedade no senso comum
repete: negro não presta, a negra fede, negro é preguiçoso. Repetem daí o que a escola
também fala: o negro foi escravo, os negros vêm de tribos africanas de homens nus. São
informações erradas. O que sai destes dois diálogos, o do cotidiano da rua com o da
escola? Saem apenas visões negativas sobre os africanos e os descendentes destes
fortalece a cultura do racismo. No 13 de maio estes discursos ficam eloqüentes, o escravo
é o negro coitadinho, humilhado. Os alunos que se pensam brancos reforçam as idéias de
inferioridade dos negros e aí expressam seus racismos através de piadas. Um exemplo:
hei negão, se não fosse a Isabel tu estarias apanhando! Isto é racismo.
Outro aspecto que a escola não foi capaz de trazer à realidade nacional em discussão
está na manutenção das idéias sobre raças e cores de pele. Não foi capaz de ver que a
maioria daqueles que estão ali na sala são descendentes de africanos escravizados no
Brasil. A escola não foi capaz de mostrar um horizonte mais amplo sobre a história da
humanidade. História, na qual, os portugueses, mesmo antes de 1500 já tinham forte
miscigenação com os africanos da mesma forma os italianos e os franceses. Não foi
capaz, também de trazer para a consciência dos alunos que os europeus tinham sido
escravizados muito antes da vinda para o Brasil, que houve na história da humanidade os
dias em que os europeus escravizaram europeus. Por isto, de uma maneira geral todos,
negros ou brancos são, de alguma maneira, descendentes de escravos. Apenas mudou o
período histórico e o lugar, ou seja, os negros no Brasil entre 1532 e 1888 foram
escravizados por criminosos brancos.

Henrique Cunha Júnior é professor da Universidade Federal do Ceará e colaborador do


Historianet

You might also like