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O SENSO COMUM E A CIÊNCIA (I)

“A ciência nada mais é que o senso comum refinado e disciplinado” Gunnar Myrdal

Qual seria mesmo a diferença entre senso comum e ciência?

Rubem Alves questiona a imagem mental que temos quando pensamos em um


cientista, logo me veio à cabeça: aquele homem de jaleco ao lado de um microscópio
analisando células. O autor aborda a questão da confiabilidade que essa imagem nos
representa, neste sentido, se explica a questão da mídia que não é nada ingênua ao
optar por utilizar de cientistas para divulgarem produtos de consumo, cigarros,
remédios e etc.

Ele fala sobre o mito que o cientista se tornou, mito porque “induz comportamentos e
inibe questionamentos e pensamento” em analogia ao momento que os Deuses se
manifestavam através dos Reis, sacerdotes, poetas e que nada tinha a população que
questionar, era um mito, um dogma a ser seguido. Assim são os cientistas, eles mandam
e nós obedecemos, porque o pressuposto é de que eles têm o saber, a palavra divina,
têm o pensar. Perceber que a ciência apresenta um tom conotativo de mito, ela, que
sempre buscou ser a negação dessa forma de construir conhecimento, é bastante
interessante. O autor fala em acabar com um mito, o mito de achar que o cientista sabe
das coisas, como se uma pessoa que sabe pregar pregos obrigatoriamente também saiba
a melhor disposição para pendurar quadros ou como ficariam melhores na parede.

O autor aborda a questão do especialista, como o pianista que é músico e nem por isso
sabe tocar violão, fazendo analogia com o cientista, ele é um especialista, mas o autor
extrapola, diz que o cientista é um pianista especializado em Trinados (em uma técnica
só), não saberia tocar uma música. Achei bem interessante, limitou ainda mais o papel
do cientista e do seu fazer no mundo.

Concordo com o autor quando afirma: “a tendência da especialização é conhecer cada


vez mais de cada vez menos.” A crítica que me chamou atenção foi a que no “início
pensava-se que as especializações produziriam, milagrosamente, uma sinfonia”. Na
verdade isso não se concretizou, os cientistas de forma alguma sabem se unir com
outros de outras áreas para fazer uma orquestra, são “surdos para o que os outros estão
tocando”, não sabem convergir, mas divergir, não confluem, isso me lembra a formação
da estrutura do ensino e das especializações em que o conhecimento de uma área não
ajuda na outra. Entre uma área e outra há um abismo tão grande de quase impossível
trespasse.
A especialização não poderia ser vista como um novo órgão mas como uma melhoria
do órgão que que já temos, segundo Rubem Alves: “Ela é a hipertrofia da capacidade
que todos têm.” Seria inútil portanto um instrumento que ampliasse um sentido que
não temos (microscópio para cego). Essa visão desmistifica o mito do especialista, do
rei, do Deus, portador de algo que ninguém tem, e não, de um desenvolvimento de algo
que todos possuem.

Em continuação, Rubem Alves parte para a questão da aprendizagem da ciência como


um processo de desenvolvimento progressivo do senso comum, parte-se do senso comum que
o aprendiz dispõe. Nesse diapasão ele confirma que a ciência como especialização é
desenvolvimento de órgãos, parte-se de um a priori, se eu quero aprender música, parte-
se do pressuposto que tenho dedos para tocar o violão, força e coordenação motora, uns
mais, outros menos, daí as idiossincrasias.

Interessante saber que o que foi considerado ciência outrora é motivo de riso hoje, bem
como, o que hoje é considerado ciência, pode ter o mesmo fim no futuro. Rubem Alves
exemplifica com Francis Bacon que afirmou que “nos céus, há duas estrelas favoráveis,
duas desfavoráveis, dois luminares e Mercúrio, indeciso e indiferente”, fez essa
afirmação em analogia ao microcosmo do corpo humano que possui duas narinas, dois
olhos, dois ouvidos e uma boca. Isso parece muito mais crença do senso comum do que
qualquer outra coisa, no entanto, foi considerado ciência em uma época. Outra coisa, a
sociedade insiste em acreditar em magia, feitiçaria, em dar a possibilidade que o desejo
e as emoções alteram os fatos, ora, a ciência não acredita nisso, no entanto, a sociedade
continua a insistir e acreditar. Segundo Rubem Alves Freud disse que a crença é
fundamental por detrás do comportamento neurótico.

Finaliza então Rubem Alves afirmando que “o senso comum e a ciência são expressões
da mesma necessidade básica, a de compreender o mundo, sobreviver melhor.“ Se o
senso comum é inferior isso é bastante questionável, por milhares de anos o ser humano
sobreviveu sem ciência e de 4 séculos para cá, desde que surgiu, a ciência tem
apresentado sérias ameaças à nossa sobrevivência.

EM BUSCA DA ORDEM

“O místico crê num Deus desconhecido. O pensador e o cientista crêem numa ordem
desconhecida. É difícil dizer qual deles sobrepuja o outro em sua devoção não-
racional.” L. L. Whyte

Segundo o autor senso comum e ciência, ambos estão em busca da ordem. A busca pela
ordem é natural, buscamos para nos sentirmos estáveis, predizermos o futuro, e isso
não faz da ciência algo único, também buscamos a nossa própria ordem (subjetiva),
assim como o senso comum (de forma mais geral) e outras formas de buscar. A ordem
que criamos para nós mesmos no mundo, com todas sua lógica pessoal, cadências de
pensamento, emoções, em nenhum momento segue o ceticismo da ciência, se fosse
assim, não bateríamos 3 vezes na madeira ao falarmos algo pessimista, ou outros mil
padrões de comportamento muito mais voltados pra profecias e valores, que qualquer
outra coisa.

Aqui Rubem Alves faz uma reflexão sobre um período textual de John Dewey: “Temos
de reconhecer que a consciência ordinária do homem comum (...) é uma criatura de
desejos (aqui me lembra Freud) e não de estudo intelectual, investigação e
especulação.” “O homem vive num mundo de sonhos antes que de fatos, e um mundo
de sonhos organizado em torno de desejos cujo sucesso ou frustração constitui sua
própria essência.”

Segundo Alves: “o mundo de cada um é sempre lógico do seu ponto de vista.” (...) “é a
ciência e não o senso comum que parece ser o mais absurdo”. “As marés acontecem
porque a água é puxada pelo sol pela Lua.” Antes a verdade era uma, e a experiência
cotidiana a confirmava, a terra era o centro do universo, nenhum fato cotidiano
mostrava o contrário, mas “a Verdade científica é sempre um paradoxo (a água é
constituída de 2 gases altamente inflamáveis), se julgada pela experiência cotidiana, que
apenas capta a aparência efêmera das coisas.” (Marx)

Assim, Alves descreve o cientista como sendo um caçador do invisível. Vendo as razões
do porque ele fala isso e contrapõe com a imagem conhecida do cientista como
perscrutador de fatos e do mundo objetivo, o cientista crê em algo que o cotidiano não
oferece uma ordem desconhecida, vai à busca disso.

Citação em Alves: os cientistas só buscam os fatos que são decisivos para a


confirmação ou negação de suas teorias. Neste sentido, ele faz uma analogia com fatos
e testemunhas em um tribunal, estas, têm como única função confirmar ou negar as
alegações da promotoria ou da defesa, sendo disso que irá depender o réu, óbvio que
além de outros fatores. A ciência fala do que não vê, do invisível, e cria modelos
hipotéticos para ele, no entanto, não cabe dar o atributo de verdade a esses modelos,
eles não são fatos, são cópias do real, e não, o real. Uma declaração somente é
verdadeira se corresponder aos fatos, a declaração deve garantir acesso direto aos fatos
ou à realidade para poder ser verdadeira. Um modelo científico não pode ser
verdadeiro, ele não confere um acesso direto à realidade para sabermos. A verdade pra
ciência é o que funciona, e isso, é mais um ponto em comum que a ciência apresenta
com o senso comum. Uma tesoura é verdadeira? Não, uma tesoura funciona. A verdade
é o que funciona e o que ainda é válido, é verdadeira uma teoria desde quando ainda
seja útil para resolver determinado problema. Alves diz que é um faz-de-conta achar
que o modelo científico é verdadeiro, segue as palavras de Popper:

“A ciência não é um sistema de declarações certas e bem estabelecidas; nem tampouco


um sistema que avança para um estado final. Nossa ciência não é conhecimento
(episteme): ela nunca pode pretender haver atingido a verdade, nem mesmo substituto
para ela, como a probabilidade.”

Parafraseando Alfred Schuts: “Assim, podemos dizer corretamente que nossa atitude
natural para com o mundo é governada por um motivo pragmático.” Fala em relação ao
senso comum ser marcado por um motivo prático, para sobreviver temos a necessidade
de uma série de atos.

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