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SEMINÁRIO: A FUNÇÃO SOCIAL DO ESPORTE

27/11/07

O seminário A Função Social do Esporte – Reflexões e Perspectivas do Esporte


Educacional, realizado no dia 27 de novembro de 2007 na Câmara Americana de
Comércio de São Paulo (AMCHAM), cumpriu com o objetivo de discutir o esporte como
uma ferramenta imprescindível na formação de cidadãos. O evento, promovido pelo
Instituto Unilever e Programa Rexona-AdeS – Esporte Cidadão, com o apoio do Gife e
Instituto Esporte Educação, contou com a presença de importantes especialistas e
estudiosos do tema. O jornalista da TV Globo Regis Rosing, mestre-de-cerimônia do
seminário, convocou todos ao trabalho: “Não temos tempo a perder, ainda mais quando o
assunto é educação”. Fernando Nogueira, gerente de relacionamento institucional do
Gife, lembrou que os 109 maiores investidores sociais do Brasil investem apenas 15% em
esporte. “Precisamos reverter esse quadro com urgência”. A ex-atleta da seleção feminina
de vôlei e presidente do Instituto Esporte Educação, Ana Moser, também falou da
importância em se debater a questão do esporte educacional. “Muitos paradigmas serão
quebrados aqui. Hoje é um dia muito feliz para todos nós. Espero que haja envolvimento
geral com a questão para tornar a discussão o mais rica possível”.

Abertura – Manuel Sérgio Vieira

“O que esse filósofo, que não pratica esportes, tem a dizer?”, brincou o bem-
humorado Manuel Sérgio, professor licenciado em Filosofia pela Universidade Clássica de
Lisboa, referência em educação em Portugal, que reforçou a importância de se fomentar o
estudo da Motricidade Humana e, principalmente, de humanizar os cursos de Educação
Física. “Esporte não é apenas correr e pular. É preciso passar do físico ao humano. O
esporte é, sobretudo, a expressão corporal do desenvolvimento social de um povo”. Autor
de 37 livros, ex-deputado, ex-presidente do Belenenses, clube da primeira divisão de
Portugal, Manuel Sérgio falou de sua antiga amizade com o português José Mourinho, ex-
treinador do Chelsea da Inglaterra e uma das personalidades mais importantes do esporte
europeu. “Há 26 anos, quando o Mourinho era meu aluno, ele quis saber de mim o que
era preciso para ser um grande técnico de futebol. Eu disse apenas uma frase, que,
segundo ele próprio, mudou sua forma de enxergar o esporte: ‘Estude Ciências
Humanas’”.

O professor português lembrou que, quando começou seus estudos sobre


Motricidade Humana há 40 anos, o esporte só formava “bestas esplêndidas”, pessoas
preocupadas somente com seu físico e desempenho motor, e que esse cenário
infelizmente não mudou muito nos últimos anos. Mesmo assim, Manuel Sérgio está
otimista. “Reconhecer a fragilidade do nosso ensino na área esportiva já é um importante
passo para mudança. O ideal é algo que se persegue e nunca algo que se tem”, afirmou,
sabiamente.
Mesa 1 – Esporte Educacional
Debatedores: Alcides Scaglia (Unicamp) e Marcelo Jabú (Autor dos PCNs)
Mediador: Adriano Rosetto (Instituto Esporte Educação).
Case: EMEF Presidente Campos Salles (Braz Rodrigues Nogueira)

Mestre em Pedagogia do Esporte e doutor em Pedagogia do Movimento pela


Unicamp, Alcides Scaglia abriu os debates da Mesa 1 falando da importância de se
reforçar o espírito de jogo no ensino de educação esportiva no país. “É por meio dos
jogos que nós podemos conhecer e reconhecer uma sociedade. O jogo é palco das
representações humanas e precisa ser mais explorado na pedagogia esportiva”. Para
Scaglia, é preciso que não se confunda a prática de jogo com a competição a qualquer
custo. “Não se deve negar a idéia de competição, porque sem ela se anula a idéia de
esporte. Mas é preciso trabalhar com a competição na perspectiva pedagógica”. Scaglia
diz ser fundamental observar os quatro princípios pedagógicos do esporte, levantados no
livro “Pedagogia do Futebol”, de João Batista Freire, uma espécie de bíblia da pedagogia
esportiva. São eles: Inclusão (ensinar esporte a todos); Competência Pedagógica (ensinar
bem esporte a todos); Ética e Moral (ensinar mais do que futebol a todos) e Prazer
(ensinar a gostar de esportes).

Marcelo Jabú, colaborador da elaboração dos Parâmetros Curriculares Nacionais


da Educação Física, também fez uma dura crítica ao ensino de esporte nas escolas
brasileiras. Para ele, 80% das escolas públicas e particulares seguem o velho e
tradicional método de ensino de Educação Física. “É sempre a mesma metodologia. No
primeiro bimestre, futebol; no segundo, basquete; no terceiro, vôlei; no quarto, handebol”,
aponta Jabú. “Nós não temos apenas esses quatro esportes e sim uma riqueza cultural
que nos permite uma diversidade de linguagem e de modalidades. Jabú afirmou ser
fundamental pensar no aluno levando em conta aspectos importantes, como sua história
de vida, seu ritmo, seu corpo, sua relação com o espaço. Para Jabú, a padronização do
ensino elimina a idéia de conflito, que é fundamental no processo de aprendizado. “O
professor aprende na faculdade que uma boa aula não há conflito, quando é exatamente
o contrário. O conflito movimenta o pensamento para encontrar a solução do problema,
gerando, conseqüentemente, a aprendizagem”.

No case apresentado por Braz Rodrigues Nogueira, diretor da EMEF Presidente


Campos Salles, situada dentro da comunidade de Heliópolis com 120 mil habitantes, ficou
ainda mais clara a urgência de se romper com o atual modelo de ensino esportivo nas
escolas. “Nas escolas, o que impera é a velha mentalidade de classificar crianças e
adolescentes como seres incompetentes e que apenas a escola terá o papel de
preencher esse vazio. Todo ser humano porta o saber da cultura. Ele aprende a partir do
que já sabe”, afirma Nogueira. “Eu estou muito feliz por estar aqui. Estou aprendendo.
Sigo fielmente as palavras do professor Manuel Sérgio: o ideal é algo que se persegue,
nunca é algo que se tem. Portanto, por mais que a minha experiência em Heliópolis tenha
sido bem-sucedida no ponto de vista educacional, eu sei que tenho muito que aprender.
Eu concordo com o que os professores Alcides e Marcelo disseram há pouco: “É preciso
estimular a idéia de jogo, de conflito, de desafio. Esse é o caminho”.

Mesa 2 - Esporte e Política Pública


Debatedores: Dílson Martins (Paraná Esporte) e Andrew Martin (YST)
Mediador: Simone Coelho (IDECA)
Case: Instituto Compartilhar (IC)

A palestra sobre Incentivo Público e Estruturação do Esporte foi aberta pelo


educador inglês Andrew Martin, da Youth Sports Trust, organização não-governamental
criada em 1984 e que tem alcançado feitos importantes na área de educação esportiva na
Inglaterra. Martin lembrou que quando a instituição nasceu, o profissional de Educação
Física era completamente marginalizado nas escolas do país, mal preparado e sem
confiança. Hoje, graças à militância da YST, existem nas escolas primárias 18 mil
professores e voluntários devidamente preparados e treinados, com investimentos
massivos do governo, o que tem sido fundamental para a melhorar a saúde das crianças
britânicas (a Inglaterra é o segundo país mais obeso do mundo, perdendo apenas para os
EUA).

O trabalho da YST visa, sobretudo, melhorar a auto-estima dos jovens praticantes,


visando os Jogos Olímpicos de Londres em 2012. “É a mais bem-sucedida ação da
história da Educação Física na Inglaterra. Conseguimos que o governo inglês investisse
459 milhões de libras (quase 2 bilhões de reais) no departamento esportivo. Como
conseguimos? Primeiro, fizemos eles acreditarem que a idéia era deles. Segundo,
fizemos eles entenderem que um aluno fisicamente bem preparado tem mais condições
de tirar notas melhores em outras matérias”. O próximo objetivo da YST, explica Martin, é
chegar à marca de cinco horas por semana de aulas de Educação Física – atualmente,
86% das crianças têm duas horas de aula por semana.

Dílson Martins, responsável pela criação e implantação de políticas públicas no


Estado do Paraná, fez questão, assim como a maioria dos palestrantes do evento, de
relembrar as palavras do professor Manuel Sérgio na abertura do evento, ao reiterar a
importância da busca pela felicidade nas atividades esportivas e não só pela competição
a qualquer custo. Martins levantou um histórico de programas esportivos no Estado do
Paraná nas últimas décadas para reforçar sua tese de que eventos de competição são
mais duradouros e estáveis do que os eventos educacionais. E que é preciso mudar
urgentemente essa mentalidade.

“Os eventos esportivos, de competição, como os Jogos Colegiais e os Jogos


Abertos, ambos com mais de 50 anos de existência, e o Viva Verão, com quase vinte
anos, resistiram ao tempo, enquanto os projetos educacionais, como o Navegar, do Lars
Grael, durou apenas dois anos. A maioria dos projetos educacionais acaba com a
mudança de governo”, lamenta Martins. “Só uma união dos três setores – governo,
iniciativa privada e Ongs – será capaz de formular um projeto educacional regular e
consistente para a sociedade”. Martins terminou a palestra citando uma frase do célebre
filósofo americano John Rawls: “Uma sociedade justa não precisa garantir o sucesso a
todos seus integrantes, mas é garantir que tenham oportunidade”.

Máxima que foi compartilhada no case do Instituo Compartilhar (IC), apresentado


pela coordenadora, Dora Castanheira, ex-jogadora olímpica de vôlei, que relembrou as
conquistas do Instituto, criado em 2003, por Bernardinho, técnico da Seleção Brasileira de
Vôlei. O IC nasceu do sucesso do Programa Rexona-Ades, lançado em 1997, numa
parceria firmada entre a Unilever, o governo do Estado do Paraná e Bernadinho. Um dos
pontos altos da metodologia de ensino do IC foi a criação e expansão do Mini-Esporte,
baseada na experiência de dez anos de aplicação no Programa Rexona-AdeS, no
Paraná.

O método possibilita um melhor aprendizado sem que o aluno perca a motivação.


A partir de 2003, o IC passou a investir com força na inclusão social. Hoje, após dez anos
da criação do Programa Rexona-AdeS, as conquistas são grandes: 45 núcleos de ensino,
distribuídos entre Paraná, São Paulo e Rio de Janeiro, que oferecem cerca de 6.500
vagas. Uma pesquisa interna do Instituto, feita com 360 ex-participantes do Programa,
revelou que 84,4% dos egressos praticam alguma atividade física e, o mais importante,
incorporaram os valores (companheirismo, responsabilidade, amizade, respeito, trabalho
em equipe) assimilados no Programa.

Mesa 3 – Formação do Educador Esportivo


Debatedores: Wanderley Marchi Jr. E Jorge Dorfman Knijnik
Mediador: Dora Castanheira (IC)
Case: Instituto Esporte & Educação

Wanderley Marchi Jr., professor efetivo da Universidade Federal do Paraná e


doutor em Educação Física pela Universidade Estadual de Campinas, abriu a palestra
sobre a Formação do Educador Esportivo explicando a importância de se aplicar na
educação esportiva o conceito de polissemia, a idéia de que o esporte deve ser
interpretado por várias perspectivas. “A maioria dos educadores, infelizmente, perde de
vista o sentido de diversidade do esporte”, diz Wanderley, que abriu a palestra citando
uma frase de Armando Nogueira, no livro “A Ginga e o Jogo”:

“O esporte é uma das mais ricas manifestações da vida que eu conheço. Contém
todas as virtudes e todos os pecados da cultura humana, dos mais sublimes aos mais
subalternos”. Wanderley também defendeu a tese de que o esporte espetáculo visto por
estudiosos como uma espécie de vilão da educação esportiva, pode ser um instrumento
estimulador importante. “O esporte espetáculo não é culpado pela péssima política
educacional do país. Ele é, sim, um aliado, um fator motivador. Não são todos os atletas
que chegam ao topo, mas é preciso usar esse topo para atrair novos atletas”, afirmou.

Para aqueles que não acham possível aliar o esporte de alta competição com a
arte, uma velha discussão que permeia o futebol brasileiro, Jorge Dorfman, doutor em
Psicologia Social pela USP, abriu sua palestra exibindo um vídeo de Mané Garrincha e de
Fred Astaire, para ele, exemplos máximos de que o “esporte e arte nasceram juntos e que
são promotores da alegria e da busca da auto-estima”. Para Jorge, o esporte pode ser
nocivo ou maravilhoso. “Para ser maravilhoso, um promotor de alegria e de busca da
auto-estima é necessário que o educador conheça a fundo as técnicas humanizadoras e
não apenas as aprisionadoras”.

O case apresentado pelo professor Caio Martins Costa, graduado em Educação Física
pela USP, coordenador em formação continuada do Instituto Esporte & Educação,
também apontou, assim como no caso dos dois palestrantes, para a necessidade urgente
de se mudar a mentalidade tecnicista do ensino de Educação Física no Brasil e relacionar
teoria com prática a partir de uma concepção sócio-construtivista. Destacou que,
sobretudo, é necessário formar o aluno a partir de uma leitura crítica do mundo do
contexto educacional global das condições locais. “Os professores foram instruídos na
perspectiva do ensino e muito pouco do aprendizado. Para ensinar além do esporte, é
importante formar o professor para atuar a partir das respostas dos alunos, atuando como
agente transversal na comunidade”, reforçou Caio.

Mesa 4 – Avaliação de Resultados no Desenvolvimento Comunitário


Debatedores: Cléo Tibério Araújo (Instituto Ayrton Senna) e Simone Coelho (IDECA)
Mediador Ana Moser (Instituto Esporte & Educação)
Case: Instituto Sou da Paz

A advogada Cléo Araújo, coordenadora do Programa do Instituto Ayrton Senna,


iniciou o debate na Mesa 4 lembrando que o Brasil é o país dos contrastes, capaz de ser
a 12ª economia do mundo e ao, mesmo tempo, amargar o 63º lugar no IDH, Índice de
Desenvolvimento Humano. “Só há uma saída para diminuir essa dicotomia social: investir
pesado em educação”, afirmou Cléo, que lembrou os quatro pilares da educação,
formulados no relatório da Unesco pelo educador Jacques Delors: SER, CONVIVER,
CONHECER E FAZER.

“Nós, do Instituto Ayrton Senna, temos também a nossa máxima: “Avaliar não é
fiscalizar”. Cléo apresentou números do PEE, o Programa Educação pelo Esporte,
desenvolvido pelo Instituto a partir de 1996, em parceria com universidades. No
programa, professores universitários da área de Educação Física trabalham apoiados por
uma equipe de sub-coordenadores de outras áreas. “No PEE, o índice de aprovação
escolar é de 92%, contra 74% da média nacional. E, o mais importante: nenhuma criança
ou adolescente abandonou a escola em que o programa foi estabelecido. A média
nacional de abandono é de 5,4%”.

Simone Coelho, doutora em Ciência Política pela USP e diretora técnica do


Instituto de Desenvolvimento Educacional, Cultural e de Ação Comunitária (Ideca), autora
do livro “Terceiro Setor - Um Estudo Comparado entre Brasil e Estados Unidos" (Editora
Senac-SP, 2000) realçou a importância do uso da avaliação no processo pedagógico de
ensino. “Avaliar não é apenas se preocupar com o resultado final, é preciso ir além”,
afirmou. Para Simone, é preciso maior adequação do programa à realidade; ampliar o
grau de efetividade do programa; proporcionar maior integração dos atores. “Se a
comunidade que será beneficiada com o programa não for ouvida, ela não compra o
projeto. Os professores acham que basta apenas fazer, fazer, fazer. A pedagogia da
“fazeção” está tão embutida nas organizações de ensino que há uma dificuldade
tremenda em se desenhar objetivos, metas e estratégias”.

O case apresentado pelo psicólogo Marcos, coordenador da área de Adolescência


e Juventude do Instituto Sou da Paz, mostrou as conquistas do projeto “Praças da Paz
SulAmérica”, que revitalizou praças públicas em distritos com altos índices de
vulnerabilidade juvenil. Marcos lembrou que a melhoria na estrutura física desses
espaços, proporcionando práticas esportivas à comunidade carente, foi decisiva na queda
dos índices de violência. As praças revitalizadas pelo projeto estão localizadas nos
seguintes distritos: Brasilândia, Lajeado, Jardim Ângela e Chácara Sonho Azul.

Considerações finais – Manuel Sérgio


Escolhido para fazer as considerações finais, o mestre português Manuel Sérgio
enfatizou que, ao discutir a função social do esporte, todos os envolvidos no seminário
estavam, sobretudo, discutindo o papel do homem e seus desafios. E que a liberdade
deveria permear toda e qualquer discussão sobre educação no esporte. Poetas nas horas
vagas, Manuel Sérgio escolheu um poema de sua autoria para encerrar o evento: “Meu
amor é marinheiro/ Vive nas ondas do mar/ Quem nasceu para ser livre/ Não se deixa
acorrentar”.

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