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TOTAL RECALL1 : REFLEXÕES Á MEMÓRIA, AOS

LIVROS E A BIBLIOTECA

Márcia Cristina de Miranda Lyra


Mestranda do Curso de Ciência da Informação
da Universidade Federal de Pernambuco

Resumo
O conhecimento hoje, se insere na chamada Sociedade da Informação, este texto sugere uma
reflexão para qual discurso disponibilizam-se o trabalho bibliotecário e os livros enquanto repositórios
de memórias, e como máquinas replicadoras das idéias e do pensamento humanos diante dos novos
desafios do século XXI como a expansão do cyberspaço e de fluxos informacionais digeridos pelo
consumo rápido e massificante dos meios de comunicação. Como também das mutantes leituras
construídas sobre novas formas do pensar que se constroem e evoluem sobre estruturas orgânicas e
híbridas para o homem.

Palavras-chave
Memória, Conhecimento, Sociedade da Informação

1. Introdução

Guardiões do conhecimento ao longo da história, livros e bibliotecas como


instrumentos depositários da memória se inserem na história da evolução do
pensamento humano. Memória esta, capaz de operar resignificações sociais e culturais
do saber que por ela se transporta e se mantém preservado ao longo do tempo no
interior dos livros e das bibliotecas, e que estes, por sua vez, se expressam, cada um,
em suas formas de se compor, de se tratarem e de contribuírem para a construção e
divulgação do conhecimento humano.

As bibliotecas resistem Não morrem jamais. Esta percepção vem simbolizar,


vincular e projetar a biblioteca na dimensão apocalíptica de Mário Quintana: onde a peste
tendo acabado com os homens, deixou, em compensação, ficarem as bibliotecas [...]. Esta
forte resistência insinua a capacidade heróica de manter viva a memória do passado, o

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A palavra RECALL, de origem inglesa, é utilizada no Brasil para indicar o procedimento, previsto em
lei, e a ser adotado pelos fornecedores como forma de alertar consumidores, indicando para a
necessidade de chamar de volta o consumidor, tendo em vista problemas verificados em produtos ou
serviços colocados no mercado de consumo evitando assim a ocorrência de um acidente de consumo.
Visa evitar prejuízos pela prevenção e reparação de danos. (Código de Defesa do Consumidor)
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presente e o futuro. Percebida através da história, a biblioteca organiza-se, permitindo, em


essência, a reconstituição de sua presença na sociedade. (VERRI, 1996)

O conhecimento hoje, se insere num grande tecido social que tem como meio
uma infinita rede comunicacional. Ele transita rápido num intenso fluxo circulante,
ininterrupto e comunicante de idéias, informações e pensamentos que se movimentam
pelo interior de um vasto rizoma numa dinâmica constante e de crescimento
exponencial. Sendo este o cenário da chamada Sociedade da Informação.

Qualquer ponto de um rizoma pode ser conectado a qualquer outro.[..] Num


rizoma, ao contrário, cada traço não remete necessariamente a um traço lingüístico: cadeias
semióticas de toda natureza são aí conectadas a modos de codificação muito diversos, cadeias
biológicas, políticas, econômicas, etc., colocando em jogo não somente regimes de signos
diferentes, mas também estatutos de estados de coisas. (DELEUZE, 1995)

A ação do trabalho bibliotecário que se inicia no interior do livro e estende-se


de livros para livros e destes para o mundo, é também partícipe na arquitetura das
leituras subjetivas no, e do homem, leituras estas que se tecem e se reinterpretam,
engendrando em seus usuários leitores, oportunidades ímpares de proporcionarem a si
próprios, novas formas de verem o mundo à sua volta e de até mesmo de enxergarem
o invisível, o virtual.

A acumulação de livros não é uma mecânica sem consequências. E a biblioteca


que os concentra está longe de ser um lugar inerte. Ela é exemplar desses lugares onde a
convergência das informações sobre o mundo, dados locais e parciais, fragmentos de saber e
de real, é produtora de efeitos intelectuais generalização, síntese, totalização etc...
(LAUFER,2000)

No mundo contemporâneo, novas formas do pensar replicam-se e expressam-se


através de mutantes demandas de leitura. Tais demandas compõem o fluxo
informacional e surgem quer para suporte às ações humanas como expressões
artísticas e culturais, como para a produção de novos conhecimentos, e são
importantes elementos na problematização de novos contextos do trabalho
bibliotecário e da função do livro na sociedade atual. Há que se conhecer os modos
como é percebido este fluxo, a forma como é divulgado e digerido pelo consumo
rápido e massificante dos meios de comunicação.
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A informação não é um signo, e sim uma relação estabelecida entre dois lugares, o primeiro,
que se torna uma periferia, e o segundo, que se torna um centro, sob a condição de que entre os dois
circule um veículo que denominamos muitas vezes forma [...] (LAUFER, 2000)

É neste mundo de signos móveis transportáveis de memórias, que necessitamos


de reflexões tecnicistas e estruturais para o trabalho nas bibliotecas e para o apoio a
novos sentidos para o livro, em que pese o uso que deles fazem a sociedade e a
compreensão que deles têm sobre o seu papel antagônico de preservador e divulgador
de memórias numa visão associada a estes novos fluxos informacionais. Posto que,
não importando a sua natureza, se memórias individuais, coletivas ou sociais,
memórias territoriais, da historia ou da imaginação, enfim, memórias do mundo, são
elas, memórias humanas por condição última de sua própria natureza, e que registradas
em suportes ou não, carregam idéias e informações, anunciando e chamando aquilo
que está a vir pelo ato humano da leitura: o conhecimento, elemento primordial à
evolução e sobrevivência humana.
Consideremos que os livros e as bibliotecas, enquanto suportes de memórias,
isto é, dos registros relacionais do homem com seus mundos físico e da alma, vistos
como artefatos tecnológicos em suas respectivas propriedades extraordinárias de
agirem como máquinas replicadoras que são, e que em si encerram e proliferam as
manifestações dos desejos e da inteligência humana (seus visionarismos, invenções,
sonhos, emoções, etc), se identificam e se reconhecem como produto a serviço da
humanidade e reconsideram a responder sobre suas respectivas finalidades, em meio a
suas disponibilidades sociais, culturais e tecnicistas para o homem contemporâneo.
Mas há que estabelecermos inicialmente elementos a esta validade, identificar
suas potencialidades, disponibilidades e sobretudo compatibilidades às finalidades que
a elas se destinam.
Os fenômenos comunicacionais estudados pelo campo da Ciência da
Informação, podem nos guiar em abordagens, sejam elas estruturais, pragmáticas ou
cognitivas dentre outras, que possam apontar o espaço no mundo contemporâneo,
onde é dado haver a existência do “Saber Bibliotecário”, no qual o livro e o trabalho
das bibliotecas se inserem, e que ao final, qualquer que seja a definição deste espaço,
não permaneça ele disassociado da consciência humana e da arte, como
subjetividades, e da ciência, em suas verdades relativas.
O “Saber Bibliotecário” ao encontrar seu espaço, deve atuar de forma a exergá-
lo como um espaço sinóptico: na perspectiva da totalidade. Que qualquer elemento
particular seja visto em seu todo e não em partes e considerar que a dinâmica de
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construção das idéias, do pensamento, e do conhecimento faz-se num corpo orgânico


estruturado, a sociedade humana.
Que devem agir num espaço de convergência dos valores da memória, do
homem e da sociedade contemporâneos, que trabalhe num contexto de apoiar futuros
a partir da existência de espaços vitais de reflexão: os espaços passados.
Num discurso humanizador das coisas, longe da compreensão de que a
memória guardada nos livros e nas bibliotecas, sejam relações construídas sob o
território da socialização e de que os guardiões da memória, no que pese seus
esforços de curadores dos espaços passados, reconheçam-se como cuidadores das
memórias do mundo, os desafios atuais do século XXI são grandes e repousam sobre
um território de incertezas, de fortes transformações culturais, científicas e sociais
permeadas sobretudo de espaços vazios.
Certo é que o pensamento do mundo no século XXI mudou completamente
desde o aparecimento do Cyberespaço, espaço virtual mediado pelos computadores,
definido como um território onde se estabelecem relações entre seres humanos e
sistemas computacionais (hardwares e softwares) e que, em seu conceito mais amplo,
pode ser entendido como uma linguagem, como um meio de expressão.
É um não-lugar imaginário, um espaço de emergência de novas sociabilidades,
composto por experiências que alteram o campo dos conceitos e fornece uma nova
forma de experienciar o tempo e o espaço como a exemplo dos simuladores
tridimensionais de realidade virtual e que desde sua expansão propõe ser um meio às
experimentações em nome do bem-estar da humanidade com seus discursos a uma
nova (Cyber)educação e a uma (Cyber)cultura.
Quanto mais a ela nos aproximamos e por ela somos mediados, mais nos
promete ser, pela sua possibilidade de expansão, um possível caminho à apreensão de
todo o conhecimento que nos possibilite evoluirmos mais rápido e alcançarmos a tão
almejada perfeição para o humano.
O raciocínio atual é o das formas de pensar e de gerar conhecimento numa
perspectiva da estética do simulacro, da evolução e dominação dos signos que não
mais cumprem a simples função de substituir objetos reais, mas sim de colaborar para
a promoção de representações cada vez mais complexas da realidade, segundo nos
observa um dos grandes pensadores da sociedade contemporânea, Jean Baudrillard: o
paradoxo é o mais importante que o discurso linear.
Em concurso a existência de novos discursos pela complexidade e função dos
signos transportáveis, R. Lafer, em O Poder das Bibliotecas, lança o olhar sobre o que
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de fato seja informação e por que a mesma precisa ser mediada pela escrita, pelo
desenho, enfim, pela existência de um veículo.
A informação permite-se justamente limitar-se à forma sem ter o embaraço da matéria.
[..] informacao não é uma “forma” no sentido platônico do termo e sim, uma relação muito
prática e muito material entre dois lugares[..] e à distancia, um lugar age sobre o outro
(LAFER,2000)

Portanto, uma nova arbordagem social vem se estabelecendo no trabalho nas


bibliotecas e nos diversos recursos aos livros para a construção de modelos, dinâmicas
e práticas culturais que melhor proporcionem condições de apoiar e instrumentalizar
os vários processos e etapas da geração do saber diante destas problemáticas.
Requer-se novas concepções de existir e atuar. Novos paradigmas, novas
dinâmicas, recursos e reflexões de tudo para todos e de todos para tudo, então, faz-se
necessário trilhar um caminho seguro e para si lançar um olhar mais vigoroso: o
“conhecer-te a ti mesmo” do oráculo de Delfos, popularizado por Sócrates, posto que
em meio ao excesso de estímulos visuais e informacionais de hoje, novas visões se
instalam com grande rapidez e que é preciso ter olhos de ver o que não se mostra.
Perceber o que não se manifesta mas que está por vir, realizar leituras
subterrâneas em meio a novos contratos sociais, dialogar com os EXCESSOS e as
AUSENCIAS. Particularmente a estas últimas condições, questionamos à nossa
própria consciência sobre a visão cultural da RESIGNIFICAÇÃO na qual o a estrutura
e abordagens de ação sobre as memórias registradas nos suportes livros e biblioteca,
tenham grande responsabilidades, pela amplificação da informação nelas contidas,e
pelo trato a elas imposto pelo “Saber Bibliotecário”, dirigindo-lhes novos caminhos a
sua ação, por critérios e escolhas sistemáticas apoiadas por recursos tecnológicos
influenciando julgamentos e escolhas sobre a disposição de se operar naquilo que é
capaz de tornar visível o invisível, e prover de presença aquilo que estava ausente,
dando-lhes luz, isto é, oferecendo o acesso a memória sob seu jugo, divulgando
conhecimento em novos fluxos de contextos culturais diversos.
Bem apontado em LAFER, 2000, no que registra “O que vivia disperso em
estados singulares do mundo se unifica, se universaliza sob olhares precisos” e no qual
completamos, sob os olhares de quem quer que os queira ver.
E nada é inerte, ou se passa incólume, sem conseqüências principalmente em
épocas de profundas transformações e de grandes saltos nos escuro, especialmente
quando em terrenos desconhecidos como os existentes no século XXI.
As memórias, dados, informações e conhecimentos circulam numa rede de
transformações, de deslocamentos, de traduções, de mudanças de níveis, de
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comparações, sob a perspectiva hipertextual de construção de pensamentos que se cria


sob pontos de conexões ad infinitum.
E para além de algumas outras questões, uma nova ordem já encontra-se
instalada: a criação de híbridas formas de vida para o homem como biomecanóides 2,
pós-orgânicos3, e homens intelorgânicos4 advindos com a evolução da genética, da
robótica, da inteligência artificial, da nanotecnologia que trazem impensados códigos
morais e bioéticas sociais. Desbravam-se caminhos ilimitados a realidades, já
instaladas na sociedade, como conseqüência de novos modelos de construção do
pensamento humano.
Portanto, insistimos que é tempo de refletir sobre novas formas de atuações,
julgamentos, escolhas, decisões, resultados e consequências no contexto de que há
uma finalidade de ação em meio a objetividades, subjetividades e construção de novas
dialéticas.
Por estas provocações, os desafios e os problemas inerentes aos livros e as
bibliotecas talvez instaurem-se não em que, os livros e o trabalho bibliotecário
queiram, pensem ou desejem SER e ATUAR e para o qual, ao longo de sua evolução
histórica tenham-lhe sidos despertados formas de diálogos universais no campo social
para a sua relação com os homens.
Também, e nem tão pouco, o que deles espera a sociedade e até mesmo seus
ávidos usuários-leitores, para que assim atuem e sejam.
Mas, lançando o olhar sobre para qual FINALIDADE eles devem existir, o
foco deva ser dirigido para o fluxo informacional das estruturas do pensamento que
repousam sobre as memórias guardadas pelo “Saber Bibliotecário” , postas como
constructos de novas idéias que manifestam-se, potencializam-se, e registram-se. É
talvez na finalidade deste fluxo que seja dado a existir as tecnologias dos livros e da
biblioteca em novas roupagens, despindo-se de antigas convicções e vestindo-se de
novas realidades.
É tempo de um novo RECALL.

2
Biomecanóides – em referência a biotecnologia e a simbiose de elementos orgânicos anatômicos humano (braços,
pernas, mãos, etc) com partes mecânicas e aparatos que se integram ao corpo humano.A exemplo do homem
biônico.

3
Em referência ao homem biotecnológico condenado a um upgrade constante tanto em informação como no seu
corpo. (SIBILIA,2002)

4
Transformação do homem, através do domínio do conhecimento, para uma nova espécie de ser pela suas
sucessivas mutações. Refere-se à Teoria filosófico científica da artista Ladjane Bandeira. (LYRA,2007)
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Referências

BAUDRILLAD, J. Simulacros e simulações. Lisboa: Relógio d’Água, 1991.


BLANCHOT, M. O livro por vir. Trad. Maria Regina Rego. Lisboa: Relógio d’Água,
1984
DELEUZE, G.; GUATTARI, F. 1995. Mil Platôs: capitalismo e esquizofrenia. Vol.1.
Rio de Janeiro: Ed. 34.
DELEUZE, G. Platão e o simulacro. In: Lógica do Sentido. São Paulo: Perspectiva,
Editora da Universidade de São Paulo, 1974.
LAUFER, R.. O poder das bibliotecas: a memória dos livros no Ocidente. Rio de
Janeiro: Editora da UFRJ, 2000.
LÉVY, P. A inteligência coletiva: por uma antropologia do ciberespaço. Tradução de
Luiz Paulo Rouanet. 3a. Ed. São Paulo: Loyola, 2000
LÉVY, P.. Cibercultura. São Paulo: Editora 34, 1999
MARTELETO, R. Ciência da informação, vol.16, n°2 (1987) . Informação: elemento
regulador dos sistemas, fator de mudança social ou fenômeno pós-moderno?
LYRA, M.C.M. A Biopaisagem de Ladjane Bandeira. 2007, 88f. Dissertação (Pós-
graduação em Cultura Pernambucana) – Faculdade Frassinetti do Recife, Recife, 2007.
SIBILIA, P. O homem pós-orgânico: : Corpo, subjetividade e tecnologias digitais. Rio
de Janeiro: Relume Dumará, 2002.
VERRI, G. M.W. Templários da ausência em bibliotecas populares. Recife: Ed.
Universitária da UFPE, 1996.

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