You are on page 1of 2

“Os Compadres”

Versão adaptada da história de Adolfo Coelho publicada em 1879

Há muito, muito tempo viveram dois homens que eram compadres. Um chamava-se
Egídio e era muito, muito rico. Já o outro era muito, muito pobre e chamava-se
Anacleto. Num certo dia de Inverno, mas solarengo, o compadre rico foi visitar o
compadre pobre e, logo que entrou em casa deste, perguntou:
- Olá compadre Anacleto a comadre está em casa? Queria falar-lhe acerca da
apanha dos míscaros deste ano…
- Mas não há problema. Eu encontro já uma maneira de a chamar – disse o
compadre pobre, pois tinha uma boa partida para lhe pregar. - Vou mandar-lhe um
coelhinho cá dos meus. Quando ela o vir, vai saber que é o sinal para voltar para
casa.
- E os cães? Se o vêem, comem-no! – Exclamou o compadre rico, muito espantado
com aquela solução absolutamente invulgar.
- Não se preocupe compadre Egídio. O coelho vai voltar inteirinho, sem uma única
arranhadela.
Na verdade, o compadre pobre tinha dois coelhos iguais. Soltou um e o outro ficou
bem guardado. E, além disso, a mulher dele estava escondida atrás da porta a
escutar a conversa…
Pouco depois, entra a comadre com um coelho ao colo. Sem acreditar naquilo que
os seus olhos viam, o compadre Egídio perguntou:
- Como é que o compadre Anacleto conseguiu de fazer isto?
- Sabe como é, treino-o todos os dias e tenho tido muita paciência.
- Compadre Anacleto venda-me esse coelho. Com os problemas que eu tenho para
chamar os meus criados… Peça o dinheiro que quiser!
- Sabe, se eu lho der vou sentir muita pena, muitas saudades do bichinho.
- Já lhe disse, homem. Peça o dinheiro que quiser!
E assim foi. O compadre rico pagou uma fortuna pelo animal, mas levou-o para
casa. No dia seguinte, soltou o coelho para ir chamar um dos seus criados, mas nem
um nem o outro apareceram. Muito aborrecido, resolveu ir a casa do compadre
Anacleto para lhe pedir explicações.
Mas ele já o esperava e já tinha preparado mais uma partida… Logo que entrou, o
compadre rico viu uma panela sobre o fogão, com água a ferver, mas sem lume para
a aquecer. Ao ver aquilo, esqueceu-se logo do que queria reclamar e já muito
interessado naquele fenómeno disse:
- Ó compadre Anacleto, venda-me essa panela.
- Não posso, faz-me muita falta cá em casa. Sabe, a minha mulher passava muito
tempo a fazer o comer, mas agora, deixa tudo temperado e quando volta está tudo
feito, mesmo sem lume. É um descanso.
- Pago o que me pedir, porque lá em cada tenho pouca lenha e é uma trabalheira
para a arranjar.
- Se tanto insiste… Mas só pode levá-la se me der todo o dinheiro que tem lá em
sua casa.
Sem pensar duas vezes, o compadre rico concordou e, com esta troca, o que era
rico ficou mais pobre e o que era pobre ficou rico. Desejoso de experimentar a
panela, logo que entrou em casa disse à mulher para temperar a comida e ir à horta
buscar uma alface fresquinha, porque quando voltasse, o almoço estaria pronto num
piscar de olhos. Sem perceber o que se estava a passar ela assim o fez, mas
quando voltou ainda estava tudo cru. Furioso por ter sido enganado mais uma vez,
compadre outrora rico, correu para a casa do compadre outrora pobre.
O compadre Anacleto era esperto, ainda por cima tinha ficado rico e já estava
entretido a preparar mais uma partida: encheu um saco com sangue, escondeu-o
debaixo da saia da mulher e, logo que viu o compadre com cara de poucos amigos a
chegar, fingiu que estavam a discutir e que matara a mulher.
- Então compadre Anacleto, matou a sua mulher?
- Não, nada disso compadre Egídio! Eu agora toco este pífaro e ela fica viva outra
vez.
Pipripii pipiripii… E assim foi, a mulher num ápice levantou-se e foi passar a ferro.
- Ó compadre Anacleto, venda-me esse pífaro. Assim, já posso discutir à vontade
com a minha mulher.
- Não vendo, porque assim posso discutir as vezes que quiser e tudo acaba bem.
Depois me muito insistir, o compadre Egídio conseguiu de levar o pífaro para casa.
Mal chegou a casa provocou uma discussão com a mulher, matou-a e tocou o pífaro
para ela voltar a viver. Mas ela não se levantou, nem se mexeu…
Ao perceber o que tinha feito e sentindo-se enganado mais uma vez, correu para
casa do compadre Anacleto.
- Ó compadre, desta vez tenho de o matar.
- Então como é que me vai matar compadre Egídio?
- Vou mete-lo dentro de uma saca e lançá-lo ao mar.
E assim foi. Quando o compadre Egídio chegou à beira de um penhasco, pousou a
saca com o compadre Anacleto lá dentro e foi procurar uma pedra para que o
compadre fosse ao fundo mais depressa.
Entretanto, passou por ali um pastor que estranhou ver uma saca abandonada
naquele lugar ermo. Tocou-lhe a medo e, ao ver que tinha alguma coisa que se
mexia, perguntou:
- Que é isto? Quem está aqui?
- Isto foi uma brincadeira de um amigo. Pode desatar o nó da saca para eu sair e
apanhar ar fresco? Disse o compadre Anacleto.
Logo que se apanhou cá fora, negociou com o pastor a compra de todo o rebanho.
Escolheu a ovelha mais pesada, amordaçou-a, colocou-a dentro da saca e foi-se
embora com o rebanho de ovelhas. Quando o compadre Egídio chegou, atou a
pedra à saca e atirou-a ao mar sem dizer uma única palavra.
No dia seguinte, já com um pouco de remorsos, o compadre Egídio foi visitar a
suposta viúva do seu compadre para saber se ela precisava de alguma coisa, mas
deu de caras com o compadre Anacleto.
- Então está vivo? Mas, eu atirei-o ao mar e você aparece outra vez?
- Ó compadre Egídio, eu até lhe quero agradecer. Lá no mar é que se consegue de
governar a vida. Até já comprei este rebanho.
Tonto e avarento como era, voltou a acreditar e disse com determinação:
- Verdade? Então amanhã, é você que me vai atirar ao mar.
Conforme combinado, de manhã bem cedo, o compadre Anacleto atirou o compadre
Egídio ao mar e foi-se embora sem sequer olhar para trás.
Por ter sido tonto e invejoso, o compadre que era rico ficou sem casa, sem dinheiro,
sem mulher e sem a vida!
Jorge Duque

You might also like