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José Manuel Alves Palmeira

O que aprendi com o meu pai.

Desde criança tive o meu pai como referência de vida. Ele era o meu herói, o
meu professor e o meu amigo de brincadeiras.

Apesar da tenra idade, eu apercebia-me de que a vida não era fácil; tanto o
meu pai trabalhava e se esforçava para não faltar o básico em casa.

Muito do que eu sou, devo aos meus pais, mas o modelo sempre foi o meu
pai, que sempre foi um bom contador de histórias. Muitas vezes descobria
contos clássicos e reinventava o final, para parecer sempre que era uma
história nova.

Que saudade dos tempos em que eu sabia que o meu pai ia chegar do
trabalho e eu, na minha ânsia, perguntava à minha mãe quando é que ele
chegaria.

Das brincadeiras, às lições de vida, o meu pai sempre foi muito receptivo às
minhas perguntas e, quando não sabia responder, dizia: “vou descobrir e
depois eu explico-te”. Poderia demorar semanas, já que naquela época, não
tínhamos a tecnologia tão imediatista que temos hoje. Era preciso ir à biblioteca
pública e ter sorte para encontrar algo sobre o referido assunto.

Por vezes, eu até já me tinha esquecido da pergunta, mas o meu pai lá estava
para me relembrar.

Conforme eu ia crescendo, a minha curiosidade foi aumentando. Ouvia,


muitas vezes, o meu pai falar de uma terra muito longe, para além da praia que
nós frequentávamos. Dizia-me que era um local com castelos, reis e pelejas de
verdade. E, na minha, inocência eu perguntava: “Também há dragões?” O meu

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pai sorria e dizia-me: “Só nas bandeiras.”. E eu ria-me também, pois via o meu
pai feliz ao sorrir.

O meu pai trabalhava à noite, o que era muito desgastante, mas era através
deste emprego que se fazia o sustento do nosso lar. Apesar de ser uma casa
simples, vivíamos com o necessário. Mas tínhamos um lar e éramos muito
felizes com o que tínhamos.

Certo dia, eu vi o meu pai fazer montes com notas e perguntei-lhe qual era o
jogo que ele estava a fazer. Ele respondeu-me: “Filho, cada monte de notas
representa uma despesa. Ou seja: a renda da casa, a água, a electricidade,
compras e um extra para qualquer emergência que possa aparecer.” É
interessante que, à quase 40 anos atrás, o meu pai já aplicava o sistema do
tipo envelopes de despesas, tão utilizado hoje em dia.

Por volta dos meus 4/5 anos, fiquei encantado com as bandas desenhadas da
Walt Disney que o meu pai me comprava para me estimular a ler. Eu achava os
desenhos tão magníficos e os personagens tão encantadores que, sempre que
podia, pedia ao meu pai ou à minha mãe para me lerem uma história. Às
vezes, eu lia-lhes também uma história à minha maneira. Outras vezes,
memorizava uma página inteira, balão a balão, e contava-lhes.

Com o passar dos anos, o meu apetite pela leitura foi aumentando e, em
contra-partida, as minhas responsabilidades também. Não que isso fosse um
problema, pois eu já ajudava em algumas tarefas de casa.

Ainda me lembro de quando ia às compras com os meus pais, ao fim de


semana. Mesmo sem jeito e com vergonha, eu pedia ao meu pai se podia
comprar uma banda desenhada. Nem sempre eu recebia um «sim», mas como
fui educado, desde pequeno, a ser paciente e a compreender que não íamos
deixar de comer, para ler, nunca me lembro de ter feito birra. Muitas vezes,
apercebia-me que as condições financeiras não eram as melhores e nem
tocava no assunto.

O tempo foi passando e comecei a frequentar a escola. Já não havia os


miminhos da minha mãe. Por isso, sofri um pouco a adaptar-me, mas, quando
descobri que os meus colegas de turma liam também banda desenhada, os

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céus abriram-se. A maioria gostava de ler Walt Disney. Eu estava na fase dos
super-heróis.

Não os super-heróis de hoje, vingativos e com moral duvidosa, mas heróis


que passavam a mensagem ideal de comportamento. Eram autênticos
escuteiros, com roupas coloridas, sempre salvando alguém, ou colocando os
maus na prisão.

Bons tempos, em que se podia separar o preto do branco, bem diferente da


realidade cinza de hoje em dia, em que, infelizmente, olhamos para todas as
classes sociais e não vemos padrões de moral em parte nenhuma. Os maus
exemplos vêm da classe dominante, a classe dominada só os imita e distorce.

Mas a escola foi, e é ainda para mim, um lar onde podemos aprender,
conviver e brincar. Pena é que a maioria desperdiça essa oportunidade.

O meu pai, para evitar problemas, começou a ter mais atenção com as
minhas companhias e com o vocabulário que utilizava. Felizmente, toda a má
tendência foi suprimida.

O tempo foi passando e, com isso, comecei a olhar para os meus pais e via
que eles já não possuíam respostas para as minhas dúvidas e para as
mudanças do meu comportamento, principalmente, na adolescência, uma fase
de acnes e de alterações de comportamento.

Aproveitei o hábito que já tinha adquirido há muito tempo para transpor esta
fase, ou seja, ler.

Às vezes, a minha mãe nem sabia que eu estava em casa, devido ao facto de
estar quieto no sofá, a ler.

A leitura foi, muitas vezes, a minha tábua de salvação, principalmente, nas


alturas em que aconteciam os conflitos interiores.

Certo dia, o meu pai chamou-me para irmos dar uma volta. Eu estava
acostumado a conversar com ele e achei normal. Com muita naturalidade, o
meu pai disse-me como me estimava como filho e deu-me alguns conselhos
para eu reflectir sobre a sua importância na minha vida:

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1. Respeitar os outros para ser respeitado;

2. Valorizar sempre a família, ou seja, estimar os pais enquanto forem


vivos;
3. Ter atenção às companhias com as quais eu me relacionava;
4. Falar pouco mim e nada dos outros;
5. Saber poupar;
6. Nunca ter vergonha das minhas origens;
7. Por último, o meu pai disse-me que nunca se preocupou com o com o
facto de eu ser doutor, engenheiro ou advogado. A única coisa que o
preocupava, desde cedo, era saber se eu seria trabalhador, honesto e
sem vícios.

Claro que o meu pai, dentro das suas capacidades, sempre foi muito sábio,
devido ao que passou na vida, desde a tenra idade. Ele sempre me disse: “É
com as dificuldades que nós avançamos.”

Por isso, ele viu com bons olhos, quando eu lhe disse que iria à tropa. O meu
pai, que já tinha estado na guerra do ultramar, sempre disse: “a tropa nos torna
mais homens.”.

Foi um ano em que passei por muito. Sempre que podia, estava com os meus
pais, pois a facilidade e os miminhos tinham acabado.

Foi duro, mas valeu a pena. E para orgulho do meu pai, eu também tive, como
ele, o diploma de honra e mérito.

Depois de sair da tropa, fui trabalhar, para ajudar nas despesas familiares e
ganhar alguma independência.

O meu primeiro emprego foi no banco, como empregado de caixa/escriturário.


Foram mais-valias os conhecimentos adquiridos na tropa, além da postura e da
educação que recebi dos meus pais.

No segundo ano de trabalho no banco, o meu pai ficou desempregado e, com


a idade que tinha, ficou ainda mais difícil conseguir um emprego.

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Mas eu disse: “ os senhores cuidaram de mim quando eu era fraco e indefeso,
agora é a minha vez de cuidar de vocês.”.

Não foi fácil, nem para mim, nem para a auto-estima do meu pai.

E triste ver os parentes afastarem-se e evitar o contacto connosco. Foi uma


fase difícil que me fez crescer muito. Infelizmente, o meu pai nunca conseguiu
um emprego, mas, graças a Deus, nunca passámos fome.

Com o passar dos anos, consegui que o meu pai se reformasse.

Estas são as verdadeiras lições de vida que tiramos, quando passamos


dificuldades.

Estes desafios ou unem ou separam uma família. No meu caso, reforçou


ainda mais o que já sentia pelos meus pais e fez-me amadurecer ainda mais.

Felizmente, os meus pais ainda estão vivos e ainda tomo conta deles. E digo-
lhes sempre: “se sou o homem que sou hoje, devo-lhes quase tudo.”.

Fim

Autor: Monteiro Lobato

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