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Conjuntura

ANO X • Nº 39 • julho/setembro de 2009

Revista de
Publicação do Conselho Regional de Economia do Distrito Federal

ARTIGOS
Sobre olimpíadas, pré-sal
e cisnes negros: desafios e
oportunidades para mudança
das instituições orçamentárias
Paulo Carlos Du Pin Calmon
Carlos Leonardo Klein

Opção por crescer menos


Raul Wagner dos Reis Velloso

Fundo soberano
Arthur Oscar Guimarães

Agenda pré-sal: roteiro de


questões para equacionar o
projeto brasileiro de longo prazo
Sebastião Soares

Aspectos da evolução
econômica da China e a
integração com os Países
O pré-sal no
de Língua Portuguesa no
âmbito do Fórum de Macau ponto de vista
econômico
Elder Linton Alves de Araujo

Análise econômica da crise


financeira no Brasil: o caso da
indústria automobilística
Marcel Stanlei Monteiro
Ronaldo Augusto da Silva Fernandes

ENTREVISTA
Flávio Versiani fala sobre a
economia brasileira, os impactos Graças às reservas descobertas no pré-sal, o Brasil é
ISSN 1677-0668

na industrialização e sobre o Brasil apontado como um dos grandes produtores mundiais


ser uma potência mundial em razão de petróleo. Mas especialistas alertam sobre os
do seu potencial de produção de
alimentos e bioenergia.
impactos econômicos e sociais no País.
BRASÍLIA50ANOS
Em 2010, Brasília completará 50 anos.
Para homenagear a capital federal no seu cinqüentenário o Corecon/DF
lançou três projetos:

• O banco de artigos, monografias e teses sobre a economia do DF;


• O fórum “Brasília 50 anos”; e
• A coletânea “Brasília 50 anos”, a ser publicada em abril de 2010.

Para a coletânea de artigos sobre a economia do DF, o Corecon/DF


selecionará trabalhos que abordem temas como: história econômica
do DF; estrutura econômica; indústria e agricultura; constituição e
desenvolvimento dos segmentos do setor serviços (públicos e privados);
infraestrutura econômica; Brasília como pólo de desenvolvimento regional;
expansão do entorno e das áreas de influência do DF; dificuldades
e potencialidades da economia do DF; problemas e soluções para o
transporte; ordenamento territorial; entre outros temas relacionados à
economia do DF.

Os trabalhos poderão ser enviados até o dia 30 de novembro de 2009 para


o e-mail: brasilia50anos@corecondf.org.br

Todos os trabalhos recebidos estarão disponíveis na página do Corecon/DF,


no “banco de artigos sobre a economia do DF”.

Os melhores trabalhos serão publicados na coletânea “Brasília 50 anos”. A


seleção dos trabalhos será realizada por comissões temáticas formada por
professores, considerando a qualidade técnica do trabalho e a adequação e
contribuição para a temática abordada.

Conselho Regional de Economia da 11ª Região-DF


SCS Qd. 04, Ed. Embaixador, Sala 202
CEP 70300-907 - Brasília -DF
Tels: (61) 3225-9242 / 3223-1429
3964-8366 / 3964-8368
Fax: (61) 3964-8364
E-mail: corecondf@corecondf.org.br
Site: www.corecondf.org.br
Nesta edição ecidnÍ
7 Conjuntura
Revista de

Sobre olimpíadas, pré-sal e


Publicação do Conselho Regional de
cisnes negros: desafios e Economia do Distrito Federal
oportunidades para mudança das
instituições orçamentárias ANO X • Nº 39 • julho/setembro de 2009
Paulo Carlos Du Pin Calmon
Carlos Leonardo Klein

14 2 editorial
Opção por crescer menos 3 entrevista
Raul Wagner dos Reis Velloso
Flávio Versiani
23
Fundo soberano
Arthur Oscar Guimarães 28 capa
O pré-sal no ponto
33 de vista econômico
Agenda pré-sal: roteiro de

Agência Petrobras de Notícias


questões para equacionar o
projeto brasileiro de longo prazo
Sebastião Soares

41
Aspectos da evolução econômica
da China e a integração com os
Países de Língua Portuguesa no
âmbito do Fórum de Macau
Elder Linton Alves de Araujo

48
Análise econômica da crise
financeira no Brasil: o caso da
indústria automobilística
Marcel Stanlei Monteiro
Ronaldo Augusto da Silva Fernandes
A assinatura da Revista de Conjuntura pode ser efetuada
contactando o Corecon/DF. O valor da assinatura é de
R$ 80,00 anual, o que equivale a quatro edições da revista.
Conjuntura
Revista de

Publicação do Conselho Regional


de Economia do Distrito Federal
Editorial lairotidE
A exploração das reservas de petróleo da camada do pré-sal apresenta
Editor responsável
José Luiz Pagnussat grandes oportunidades econômicas para o Brasil, mas os riscos econômi-
Conselho editorial
Humberto Vendelino Richter
cos não são desprezíveis. A experiência internacional mostra que os países
José Fernando Cosentino Tavares grandes produtores de petróleo não transformaram os resultados do setor
José Roberto Novaes de Almeida
Júlio Flávio Gameiro Miragaya em desenvolvimento econômico, pelo contrário sucumbiram a maldição do
Mário Sérgio Fernandez Sallorenzo
Maurício Barata de Paula Pinto petróleo e a chamada doença holandesa.
Jornalista responsável O desafio do Brasil é evitar que as exportações do petróleo do pré-sal
Daniela Lima (Reg. DRT/DF: 4926)
Redação provoquem a desvalorização do dólar e inviabilizem os setores produtivos
Daniela Lima
nacionais, tanto de exportação, pela perda de competitividade, como os vol-
Revisão
Marluce Moreira Salgado tados para o mercado interno, que passariam a enfrentar produtos importa-
Editoração eletrônica dos baratos, em razão da defasagem cambial. A conseqüência é a desindus-
www.arsventura.com.br
CTP, impressão e acabamento trialização e a inviabilização da agricultura comercial moderna. A economia
Teixeira Gráfica e Editora voltaria ao período colonial quando o Brasil tinha apenas um setor moderno
Tiragem: 4.000
Periodicidade: trimestral e rico, o exportador (exemplo da cana no século XVII e café no final do século
As matérias assinadas por colaboradores XIX), e os demais setores pobres, de subsistência. Ou seja, teremos uma nova
não refletem, necessariamente, a posição da
entidade. É permitida a reprodução total ou versão dos “dois Brasis”, o Brasil rico do petróleo e o Brasil pobre dos brasilei-
parcial dos artigos desta edição, desde que
citada a fonte. ros, englobando todos os demais setores da economia.
CONSELHO REGIONAL DE ECONOMIA
Felizmente, o debate tem alertado para os riscos econômicos da explora-
DA 11ª REGIÃO - DF ção do pré-sal e o governo tem reforçado a preocupação.
Presidente
José Luiz Pagnussat Por outro lado, as oportunidades proporcionadas pelo pré-sal são mui-
Vice-presidente tas, com destaque para o desenvolvimento de toda a Cadeia Produtiva do
Jusçanio Umbelino de Souza
Petróleo, que engloba, além da indústria do petróleo, os setores a montante,
Conselheiros efetivos
Mário Sérgio Fernandez Sallorenzo indústria nacional que fornece equipamentos e serviços, indústria naval, a
Roberto Bocaccio Piscitelli
Max Leno de Almeida área de pesquisa, de desenvolvimento de novas tecnologias, softwares etc.; e
Mônica Beraldo Fabrício da Silva
Maurício Barata de Paula Pinto os setores a jusante, que inclui um enorme conjunto de atividades industriais
Homero Gustavo Reginaldo Lima
José Luiz Pagnussat
e de prestação de serviços, como a indústria química e petroquímica e os se-
Jusçanio Umbelino de Souza tores industriais que utilizam insumos petroquímicos, tais como fertilizantes,
Humberto Vendelino Richter
Conselheiros suplentes plásticos e outros.
Paulo Luiz Figueiredo de Oliveira Esta expansão setorial pode ser transformada em vetor de desenvolvi-
Miguel Rendy
Andre Nunes mento para o país, se forem adotadas algumas diretrizes, entre elas: a prote-
Guilherme Costa Delgado
Newton Ferreira da Silva Marques ção à industria nacional, com a maior parte das encomendas dos bens e ser-
Victor José Hohl
Érton Birk Teixeira viços adquiridos das empresas brasileiras, de forma a fortalecer a indústria a
Diones Alves Cerqueira
Ronalde Silva Lins montante; maximizar a agregação de valor ao produto, garantindo a geração
Conselheiro Federal pelo DF de empregos e a expansão da indústria a jusante; uma política de desenvol-
Júlio Miragaya
Gerente Executivo
vimento tecnológico nacional, que beneficie toda a grande cadeia produtiva
Ismar Marques Teixeira do setor e as áreas prestadoras de serviços; a maximização das sinergias com
Equipe do Corecon
Angeilton Francisco Lima Faleiro os outros setores produtivos, como o caso do agronegócio etc. Enfim, ações
Iraci da Costa Lopes
Jamildo Cezário Gomes
do Estado que propiciem a ampliação das sinergias entre os setores produti-
Maria Aparecida Carneiro vos, resultantes da expansão da produção do petróleo.
Michele Cantuária Soares
Estagiário O pré-sal representa ainda uma oportunidade para acelerar a redução da
Tyago Belarmino de Lira (ensino médio)
pobreza e das desigualdades regionais no Brasil. Fortalece, também, o papel
End.: SCS Qd. 04, Ed. Embaixador, Sala 202
CEP 70300-907 – Brasília/DF econômico e geopolítico do Brasil no cenário internacional.
Tel: (61) 3225-9242 / 3223-1429
3964-8366 / 3964-8368
Fax: (61) 3964-8364
E-mail: corecondf@corecondf.org.br
Site: www.corecondf.org.br
Horário de funcionamento:
das 8h às 18h (sem intervalo)
ENTREVISTA

julho / setembro / 2009


Flávio Versiani

Cláudio Reis/ UnB Agência


Um profissional 3

experiente
num mundo em
transformação

Flávio Versiani, o mais antigo professor de economia Associação de Centros de Pós-Graduação em Economia
da Universidade de Brasília (UnB) conta, em entrevista - ANPEC, que tem tido papel central no intercâmbio en-
para a Revista de Conjuntura do Corecon-DF, sobre a tre pesquisadores da área. Foi uma fase movimentada,
sua trajetória e experiência profissional. O economista em que se procurava de certa forma compensar, com
fala também sobre o cenário econômico do País, os im- o desenvolvimento da análise da economia brasileira e
pactos na industrialização brasileira e sobre o Brasil ser do pensamento crítico na academia, o fechamento que
uma potência mundial a médio prazo em razão do seu o regime militar impunha à sociedade.
potencial de produção de alimentos e bioenergia. Com um interregno de dois anos na direção do
IPEA, em Brasília - uma experiência interessante e ins-
Conjuntura – Nos conte um pouco da sua trajetória trutiva -, e um período equivalente em universidades
como professor da UnB? Sua produção acadêmica? E no exterior, permaneci deste então ligado ao Departa-
outras experiências profissionais? mento de Economia da UnB, em tempo integral. Nessas
Flávio Versiani – Nos anos setenta, um grupo de três décadas, é claro, muitas coisas mudaram e evoluí-
jovens economistas, com doutorado recém obtido no ram, na Universidade (outras involuíram). Destaco uma
exterior, transferiu-se para Brasília e “ocupou” o Depar- evolução positiva: o interesse crescente demonstrado
tamento de Economia da UnB. Fiz parte desse grupo, por nossos estudantes de graduação em participar de
junto com Edmar Bacha, Charles Mueller, Francisco Lo- atividades de pesquisa e de ensino. Em minha área de
pes, Ricardo Lima e outros mais. Houve, nesse período, pesquisa, por exemplo, História Econômica, tem havido
expansão significativa do ensino e da pesquisa em Eco- uma grande procura de estudantes em participar dos
nomia, no País, e o Departamento esteve na vanguarda projetos que coordeno, não só como bolsistas do Pro-
desse processo. Nosso mestrado foi dos primeiros a se- grama de Iniciação à Pesquisa, patrocinado pelo CNPq,
rem criados; formou-se aqui o primeiro programa “PET” mas também como voluntários, sem qualquer remune-
de Economia do Brasil, no curso de graduação; e o De- ração, senão a que decorre do gosto da pesquisa e da
partamento participou ativamente da criação, então, da descoberta. Outro exemplo gratificante é a disposição
‘‘
Cláudio Reis/ UnB Agência
A retomada do crescimento na economia
brasileira e mundial, que muitos prevêem para o
próximo ano, deverá refletir-se favoravelmente
em nossa indústria; mas dificilmente se atingirá
um nível alto e sustentado de expansão da
produção industrial sem que prossiga o processo
de transformação estrutural dessa atividade.

Flávio Versiani

mostrada por alunos/as em participar do curso de In- além de analisar e relatar esses documentos para o
trodução à Economia, oferecido pelo Departamento, Conselho. Foi, ao cabo, uma experiência compensadora,
como monitores, assumindo, com entusiasmo e dedi- já que foi possível, ao longo desse período, aperfeiçoar
cação, várias tarefas auxiliares – e dessa forma contri- um sistema eficaz de acompanhamento, tanto das re-
buindo para aumentar, de forma muito significativa, a ceitas e gastos da Universidade, como das realizações
eficiência do ensino da disciplina. E contribuindo tam- resultantes desses gastos, em termos das atividades-
bém, evidentemente, para o aperfeiçoamento de sua fim da instituição. Uma importante ferramenta de pla-
formação profissional. nejamento e gestão.
Penso, aliás, que a Universidade não responde de
forma suficiente a esse interesse e disposição mostra- Conjuntura – A conjuntura atual é de crise. Na sua
dos pelos alunos. Os estudantes frequentemente são avaliação quais são os principais impactos na industria-
vistos como simples objeto passivo do processo de lização brasileira atual?
aprendizagem, quando poderiam, com muita vanta- Flávio Versiani – A indústria brasileira, depois
gem para si próprios e para a Universidade, ser mobili- de ter sido o carro-chefe da economia por um longo
zados para uma participação mais ativa nas atividades período­, perdeu impulso nas últimas três décadas: o
de ensino e pesquisa. Seria muito desejável que a ad- crescimento anual da indústria de transformação, que
ministração das áreas acadêmicas desenvolvesse me- havia atingido a média impressionante de quase 9% ao
canismos para facilitar essa participação. ano, entre 1947 e 1980, caiu verticalmente, descendo
No que toca à administração universitária, tive uma abaixo de 1,5%, de 1980 a 2007. Não há consenso quan-
experiência desafiadora: fui, durante quase 15 anos, to à importância relativa dos fatores que contribuíram
membro do Conselho Diretor da Fundação Universida- para provocar essa guinada, mas entre eles ressalta a
de de Brasília. O maior desafio desse colegiado, no perí- baixa eficiência produtiva de setores que surgiram e se
4 odo, foi o desenvolvimento de instrumentos de gestão desenvolveram ao abrigo da concorrência internacio-
financeira e planejamento apropriados a uma univer- nal, devido a políticas governamentais protecionistas –
Conjuntura

sidade, como a UnB, que cobre a maior parte de seus como é o caso de grande parte de nossa indústria. Com
gastos de manutenção e custeio com recursos pró- o processo de abertura da economia, a partir do final
prios, originários da venda de serviços à sociedade e de dos anos oitenta, esses setores não puderam competir
seu patrimônio imobiliário. Como único economista no com a produção estrangeira, e perderam mercado.
Conselho, coube-me, ao longo desse período, colaborar É verdade que, em contrapartida, outros ramos da
na implantação de uma sistemática de relatórios tri- indústria nacional já atingiram bons níveis de compe-
mestrais, orçamentário-financeiros e de planejamento, titividade externa, de que é testemunho o crescimento
Revista de
julho / setembro / 2009
apreciável das exportações de produtos manufatura- – para importar máquinas e equipamentos, visando a
dos, nos últimos anos. Mas a crise atingiu pesadamente modernização de suas fábricas, e o conseqüente au-
esses setores mais competitivos, dada a queda brusca mento de produtividade e de competitividade. Esse é
de demanda internacional (como foi o caso de auto- o melhor caminho: em lugar de seguir reclamando do
móveis e aviões), o que contribuiu para a violenta redu- baixo preço do dólar, e demandar uma improvável ação
ção da atividade industrial observada em 2008: entre o do governo para reverter tal tendência, como fazem
primeiro trimestre de 2009 e o trimestre corresponden- alguns, é bem preferível valer-se do aspecto positivo
te do ano anterior, a produção da indústria de transfor- dessa conjuntura para dar um salto à frente, um salto
mação experimentou uma baixa real de quase 13%. de produtividade. Na realidade, não há alternativa: é 5
A retomada do crescimento na economia brasileira e modernizar-se e tornar-se competitivo, ou perecer.
mundial, que muitos prevêem para o próximo ano, deve-
rá refletir-se favoravelmente em nossa indústria; mas difi- Conjuntura – Quais os efeitos da escravidão con-
cilmente se atingirá um nível alto e sustentado de expan- temporânea (por dívida) no Brasil na atual conjuntura
são da produção industrial sem que prossiga o processo econômica? A negação dos direitos trabalhistas e so-
de transformação estrutural dessa atividade. Ou seja, ciais interfere na competitividade dos mercados?
sem que siga aumentando o peso relativo de empresas Flávio Versiani – A escravidão deixou muitas mar-
e setores que possam competir num mundo globalizado. cas em nossa sociedade, e de certa maneira sobrevive
Uma das chaves dessa competitividade, como vários es- em manifestações contemporâneas – e não apenas sob
tudos comprovam, é a capacidade de absorção de novas a forma de trabalhadores forçados a permanecer em
tecnologias de produção, visando maior produtividade, e propriedades rurais, presos por supostas dívidas com o
de desenvolvimento de novas linhas de produção. Numa patrão, como às vezes a imprensa noticia. Em certos ca-
palavra, uma busca constante de inovações. sos, relações de trabalho envolvendo trabalhadores de
Um cenário favorável pode desenhar-se, na situa- baixa qualificação, e não organizados (como é o caso
ção atual, caso os industriais brasileiros aproveitem a de empregadas domésticas), mostram aspectos que se
tendência ora observada à valorização do real – que, aproximam da escravidão: não é raro, por exemplo, que,
por um lado, tem efeito negativo, reduzindo os preços em regiões do País onde há muito desemprego, jovens
da produção estrangeira que concorre com a nacional empregadas domésticas recebam salário muito abaixo
do mínimo, ou mesmo não recebam salário algum de atentar, também, para o fato de que exigências traba-
seus patrões. lhistas são, muitas vezes, uma forma disfarçada de pro-
O autoritarismo excessivo no trato de empregados tecionismo; nesse caso, são inaceitáveis.
– a atitude de “senhor de engenho”, comum em certos
meios - é também, pode-se supor, um resquício do tipo Conjuntura – Alguns economistas internacionais
de relação prevalecente entre senhores e escravos. São projetam o Brasil como uma potência mundial a mé-
traços culturais negativos, que cumpre extirpar de nos- dio prazo em razão do seu potencial de produção de
sa sociedade. Quanto à relação entre observância de alimentos e bioenergia (além de petróleo com o pré-
direitos trabalhistas e competitividade, é verdade que sal), o senhor concorda com esse cenário?
consumidores mais conscientizados, especialmente Flávio Versiani – Sem dúvida, o Brasil foi bem agra-
na Europa e na América do Norte, costumam resistir à ciado na “loteria” de distribuição de recursos naturais
compra de artigos cuja produção possa ter envolvido, entre países, no que se refere a terras agricultáveis, o
de alguma forma, mau tratamento de trabalhadores, que faz do País um fornecedor importante de produtos
reduzindo a competitividade de tais artigos. Isso deu alimentares e de álcool, no mercado internacional. E há
origem à idéia de uma certificação de origem, atestan- perspectivas de expansão da produção, pois ainda há
do que as relações de trabalho são corretas naquela terras a serem incorporadas, e têm-se obtido ganhos
produção, analogamente à certificação ambiental. O expressivos de produtividade, inclusive pela atuação
que pode, certamente, ter uma influência positiva, in- da EMBRAPA. Mas há obstáculos do lado da demanda,
duzindo práticas trabalhistas mais justas. Mas é preciso dados principalmente pelo protecionismo, muito arrai-
gado em vários países que são grandes consumidores
– e não apenas países mais desenvolvidos: a resistência
da Índia, preocupada em resguardar sua agricultura de
pequena escala da concorrência de produtores mais
eficientes, foi um dos principais entraves a um acordo,
nas últimas negociações da Rodada de Doha. Cabe à
diplomacia um papel crucial, nesse aspecto. No caso do
álcool, um crescimento expressivo do consumo, a pon-
to de transformar o produto em commodity de peso no
comércio internacional, dependerá também da garan-
tia de um suprimento regular para os consumidores, o
que provavelmente demandaria maior difusão geográ-
fica de sua produção. O pré-sal é ainda uma promessa,
enquanto não se equacionam os problemas técnicos, e
principalmente financeiros, de sua extração. Mas uma
promessa plena de perspectivas favoráveis: pode ser
um novo bilhete premiado, em nossa história econô-

6 mica, como o foram o açúcar, no início da colonização,


e mais tarde o café. Em suma, o País tem, certamente,
grandes possibilidades econômicas, a médio e longo
Conjuntura

prazo. Mas – como mostra nossa história econômica


– transformar bilhetes premiados em crescimento sus-
tentado exige políticas corretas; e mais ainda se quer
que os benefícios desse crescimento cheguem a toda
a população, e não apenas a uma camada minoritá-
ria, como no passado. Também nesse ponto podemos
aprender com a História.
Revista de
ARTIGO

julho / setembro / 2009


Sobre olimpíadas, pré-sal e
cisnes negros: desafios e 7
oportunidades para mudança
das instituições orçamentárias
Paulo Carlos Du Pin Calmon
Carlos Leonardo Klein

Possivelmente, o ano de 2009 será lembrado como No fundo, o que está sendo realmente questionado
um dos mais auspiciosos do século. Repleto de boas são as bases institucionais pelas quais se operam as polí-
novas, o calendário deste ano confirmou a presença de ticas públicas no País. No âmago dessa questão, desafia-
vastas reservas de petróleo na camada do pré-sal da se a capacidade de governança das finanças públicas.
costa brasileira, apontou a retomada do nível da ativida- O problema é que, embora não seja novo esse de-
de econômica e, mais recentemente, registrou a escolha bate continua a avançar de forma muito fragmentada,
do Rio de Janeiro como a sede da olimpíada de 2016. e em arenas quase desconexas. De um lado, prevalece a
Na mesma proporção da importância desses fatos, perspectiva que privilegia análises sobre o impacto das
surge uma desconfiança a respeito dos seus reais des- contas públicas na política macroeconômica. Em para-
dobramentos. Mais especificamente, há dúvidas pro- lelo, discutem-se as condicionantes da produtividade
fundas sobre a capacidade do governo em capitalizar do gasto público e os efeitos distributivos das finanças
adequadamente esses ativos. Há incertezas quanto ao governamentais. Por fim, há ainda uma terceira verten-
retorno dos investimentos necessários à exploração te importante – e que tem crescido muito nos últimos
das novas riquezas, e quanto à trajetória futura das anos – fundada na demanda por maior transparência
contas públicas, já estremecidas pela política fiscal an- e participação sistemática da sociedade nas escolhas
ticíclica. Analogamente, há quem duvide da oportuni- orçamentárias.
dade e da conveniência de realizar um evento de porte A conseqüência mais clara desse fracionamento
global, como é o caso dos Jogos Olímpicos. equivocado da questão é o retardamento de sua com-
Tal cepticismo, todavia, não se baseia apenas em preensão. É embaraçoso perceber como dificuldades de
agouro. De fato, boa parte dessas preocupações se jus- consciêncitização dos problemas nacionais impedem
tifica em algumas das páginas recentes da história do o aproveitamento de oportunidades de transformação
País, manchadas por diversos escândalos envolvendo institucional, tão necessárias e raras em nações em de-
incompetência, desperdícios e desvios na destinação senvolvimento. Diante disso, o principal propósito des-
dos recursos públicos. te texto é resgatar certas conexões inalienáveis a esse
debate. Em primeiro lugar, argumenta-se que essas três tendência natural é a realização de ajustes meramente
perspectivas precisam ser integradas para que se com- pontuais, mantendo-se estáveis as bases institucionais
preenda melhor seu objeto de análise. Por exemplo, não existentes. A continuidade dessa estratégia de ajuste se
parece razoável estabelecer uma trajetória sustentável constitui em grave erro. É necessário e urgente, apesar de
para a dívida pública sem que se considerem os aspectos todos os obstáculos, repensar e transformar as institui-
relacionados ao impacto do gasto público ou à gover- ções que moldam a infraestrutura orçamentária do País.
nança democrática. Na verdade, o eixo estruturador do
debate sobre gasto público deveria ser a adequação das Avaliando as instituições orçamentárias
instituições orçamentárias existentes e não as dimensões
específicas da gestão das finanças públicas. Ao longo da história, cidades, feudos, impérios e de-
Um segundo ponto, talvez mais importante, diz res- mocracias estabeleceram instituições para lidarem com
peito à inadequação das instituições orçamentárias bra- questões relacionadas às finanças públicas. Essas institui-
sileiras e sobre as dificuldades de modificá-las. Como ções têm um papel importante na história desses esta-

‘‘
conseqüência, diante da necessidade de mudanças, a dos. Como bem afirmou Joseph Schumpeter, O espírito de
um povo, seu nível cultural, sua estrutura social, o resultado
das suas políticas – tudo isso e muito mais está refletido em
sua história fiscal, desnudada de todas as frases. Aquele que
consegue ouvir sua mensagem é também capaz de discer-
O conjunto de instituições nir, com maior clareza, os trovões da história.1
que regem as decisões O conjunto de instituições que regem as decisões
sobre finanças públicas sobre finanças públicas contituem as “regras do jogo
orçamentário”. Ela orienta a interação estratégica en-
contituem as ‘regras do jogo
tre inúmeros atores, dentro e fora do governo, da qual
orçamentário’. Ela orienta a resulta um determinado nível e perfil das receitas e
interação estratégica entre despesas do governo. Nesse sentido, ela condiciona as
inúmeros atores, dentro e fora relações econômicas, sociais e políticas entre atores en-
volvidos nas políticas públicas.
do governo, da qual resulta As regras do jogo orçamentário podem ter tanto um
um determinado nível e caráter formal, como leis, decretos e outras normas ex-
perfil das receitas e despesas pressamente estabelecidas, como podem ser também
de natureza informal, estabelecendo crenças, valores e
do governo. Nesse sentido,

8
ela condiciona as relações
econômicas, sociais e políticas
entre atores envolvidos nas
políticas públicas.
‘‘ prinícipios para interpretar e implementar as regras for-
mais.2 Essa densa rede de normas formais e informais
estabelece a infraestrutura institucional subjacente ao
processo decisório que determina a alocação de recur-
sos públicos no País. Vale destacar que ela envolve e
influencia cada uma das fases do ciclo de alocação de
recursos: a formulação, a implementação, a avaliação e o
controle do orçamento.
Conjuntura

1
SCHUMPETER, J.A. 1918. The crisis of the tax state. In: SWEDBERG R.A. (Ed.) Joseph A. Schumpeter: the economics and sociology of capitalism.
Princeton, NJ: Princeton University Press. 1991.

2
NORTH, D.C at alli. Violence and social orders: a conceptual framework for interpreting recorded human history. Cambridge: Cambridge
University Press, 2009.
Revista de
‘‘

julho / setembro / 2009


A infraestrutura orçamentária pode ser avaliada de
diferentes formas. Talvez a maneira mais simples e didá-
tica seja uma analogia com as “três funções” propostas
por Richard Musgrave3: a função alocativa, a função es-
Há uma rápida expansão
tabilizadora e a função distributiva. A essas três funções do setor público, com um
podemos acrescentar mais duas: a função regulatória e aumento considerável do
a função legitimadora.
número de organizações
A existência de 3+2 critérios avaliativos permite
formular uma série de questões interessantes como,
e de pessoas. Esse 9
por exemplo: ponto é importante e
• Em que medida as instituições orçamentárias exis- gera alguma confusão.
tentes promovem uma melhor seleção e análise de pro-
gramas e projetos, fomentando a eficiência alocativa, o
Embora a parcela do
crescimento e o aumento da produtividade? setor público no PIB
• Até que ponto a infraestrutura orçamentária estimu- possa oscilar, em termos
absolutos, o setor
la a efetividade e sustentação das iniciativas voltadas
para redução das disparidades de riqueza, renda e opor-
tunidades e a promoção da justiça distributiva no País?
• Em que medida o processo orçamentário contribui
para uma política fiscal consistente com o objetivo de
estabilidade macroeconômica?
público cresce de forma
consistente ao longo das
últimas décadas.
‘‘
• Em que proporção as regras do jogo orçamentário
regulam e fomentam a comunicação, a coordenação e
a cooperação necessárias à sinergia entre agentes eco-
nômicos, públicos e privados? analisar como um país acomoda os conflitos existentes
• Até onde o processo decisório sobre as fontes de entre esses critérios, adaptando-os às transformações
financiamento e destinação dos gastos públicos contri- políticas e sociais.
bui para a governança democrática do País? Ao longo das últimas décadas, essas transformações
Não raro, propostas de mudanças geram inten- vêm se acelerando, especialmente no contexto brasilei-
sos conflitos entre esses cinco critérios. Por exemplo, ro. Três mudanças importantes merecem ser destaca-
mudanças nas metas fiscais com o fito de assegurar a das. Primeiramente, há uma rápida expansão do setor
estabilidade macroeconômica podem impactar ne- público, com um aumento considerável do número de
gativamente nas políticas voltadas para promoção da organizações e de pessoas. Esse ponto é importante e
justiça distributiva, como da mesma forma que o afã de gera alguma confusão. Embora a parcela do setor pú-
reduzir o oportunismo e regular as relações econômi- blico no PIB possa oscilar, em termos absolutos, o setor
cas entre diferentes atores, dentro e fora do governo, público cresce de forma consistente ao longo das últi-
pode criar distorções alocativas importantes. mas décadas.
Além de maior, o setor público se tornou mais com-
As transformações no setor público e nas políti- plexo. O equilíbrio vertical (entre os três poderes) e
cas públicas horizontal (entre diferentes unidades da federação) se
tornou consideravelmente instável. Há hoje fronteiras
Um dos mais interessantes aspectos do campo de difusas delimitando competências e autoridade. Além
estudos orçamentários e da história fiscal situa-se em disso, novos atores passaram a ter grande influência nas

3
MUSGRAVE, R.A. Teoria das finanças públicas. São Paulo: Editora Atlas, 1973.
‘‘
A inadequação da infraestrutura institucional
existente

Em relação à sustentação No caso brasileiro, o equilíbrio do jogo orçamentá-


de uma trajetória rio é estabelecido a partir de regras fundamentadas em
quatro pilares: (i) A Lei 4.320, de 1964, que estabeleceu
consistente da dívida
normas gerais para o orçamento e controle da União,
pública, há um sistema Estados e Municípios; (ii) a Constituição de 1988 que es-
de metas fiscais tabeleceu a tríade da programação orçamentária LDO,
razoavelmente funcional, LOA e PPA e as bases do controle interno e, (iii) a Lei
Complementar nº 101 (LRF) de 2000 e (iv) um conjunto
mas que carece de de normas, orientações e interpretações estabelecidas
credibilidade em função da pelas organizações inseridas na “função controle” do
ausência de instrumentos governo (TCU, CGU, MP etc).
Como se percebe, a infraestrutura orçamentária do
que permitam firmar
País é estabelecida de maneira fragmentada, através de
acordos intertemporais diferentes marcos legais que foram sendo concebidos ao
críveis e estabelecer uma
programação orçamentária
de médio prazo que seja
consistente.
‘‘ longo dos últimos 50 anos. É interessante notar que esse
processo de mudança institucional vai ocorrendo “em ca-
madas”, ou seja, novas regras e normas vão se sobrepon-
do ao longo do tempo, mas as normas antigas são man-
tidas. O resultado é um conjunto de normas e princípios
diversos e, muitas vezes, incompatíveis entre si.
Embora essa não seja a ocasião para realizar uma
avaliação das instituições orçamentárias, com base nos
critérios avaliativos propostos anteriormente, verifica-
se que há espaço considerável para aperfeiçoamentos.
decisões de políticas públicas, muitas vezes com poder Do ponto de vista da promoção da eficiência alo-
de veto. Considere, por exemplo, a crescente influência cativa e da efetividade distributiva, há lacunas im-
de grupos sociais organizados e de entidades interna- portantes, como por exemplo, a ausência de práticas
cionais nas decisões sobre políticas públicas no País. avaliativas institucionalizadas, que permitam aferir
Uma terceira mudança importante ocorre no âmbi- adequadamente a gestão e o impacto dos programas
to das políticas públicas. Além de grande e complexo, governamentais, estimulando o aprendizado.
o governo passou a formular políticas públicas que Em relação à sustentação de uma trajetória consis-
possuem um alto grau de complexidade. As políticas tente da dívida pública, há um sistema de metas fiscais
passaram a ser gerenciadas de forma transversal, en- razoavelmente funcional, mas que carece de credibili-

10 volvendo um grande número de atores dentro e fora


do governo, e multifuncionais, ou seja, a buscar vários
dade em função da ausência de instrumentos que per-
mitam firmar acordos intertemporais críveis e estabe-
objetivos simultaneamente. lecer uma programação orçamentária de médio prazo
Conjuntura

Formular, gerir e avaliar políticas públicas tem se tor- que seja consistente.
nado tarefa muito mais complexa. Nesse novo contexto, Já o marco regulatório hoje existente, é impreci-
cabe indagar: como as regras do jogo orçamentário se so, instável e, muitas vezes, predatório. Há uma su-
adéquam a essa nova situação? Seriam elas apropriadas perdosagem de controle em determinadas áreas,
ao enfrentamento dos desafios decorrentes das boas submetendo programas e projetos a um sistema de
notícias surgidas ao longo desses últimos meses? múltiplas chibatas, onde diferentes reguladores atuam
Revista de
julho / setembro / 2009
simultaneamente sobre as mesmas dimensões opera- idéias, quase sempre incompatíveis entre si e dificultam
cionais do programa. Por outor lado, há pouca ênfase a formação de consenso sobre o tema.
na avaliação da performace ou na análise de resultados b) As dificuldades na percepção dos benefícios das
e impactos. Esse modelo regulatório gera custos tran- mudanças. Os efeitos de alterações nas instituições or-
sacionais altíssimos e obstaculariza a inovação e o em- çamentárias podem gerar ganhos de produtividade no
preendedorismo nas políticas públicas. setor público, maior transparência, marcos regulatórios
Finalmente, quanto à governança democrática, é claros e redução de incerteza na relação entre atores
notória a escassez de mecanismos que permitam o dentro e fora do governo. Esses efeitos têm o potencial
controle social, bem como é inegável a carência de are- de gerar ganhadores e perdedores e, se são difíceis de 11
nas decisórias estruturadas para permitir a efetiva par- serem mensurados, podem resultar na falta de apoio
ticipação popular. ou mesmo em resistências às mudanças.
É importante ressaltar que ao apontar espaços de c) Os altos custos transacionais das mudanças nas re-
aperfeiçoamento não significa negar a importância gras do jogo orçamentário. A área orçamentária é mar-
dos avanços ocorridos no passado. Muito pelo contrá- cada por regras de “alta densidade” e grande interrelação
rio. Desde a Lei nº 4.320 foram feitos avanços impor- técnica com outras normas e princípios. Há também altos
tantes, os quais devem ser valorizados e reconhecidos. custos de instalação e sérios problemas de ação coletiva,
A crítica aqui formulada se origina da percepção de visto que essas mudanças afetam diferentes entidades
que as regras do jogo orçamentário hoje existente não dentro e fora do setor público.
atendem adequadamente aos cinco critérios acima
mencionados. Esse parece ser hoje o consenso entre Em função de tais dificuldades e diante dos novos

‘‘
especialistas, analistas e gestores. desafios que surgem, a tendência é a manutenção da

As dificuldades de mudança

Se há consenso sobre a inadequação da infraestrutu-


ra orçamentária existente, porque não se estabelece um Se há consenso sobre a
novo marco institucional para o processo orçamentário inadequação da infraestrutura
brasileiro? Se o país teve relativo sucesso na instalação
de um novo regime monetário no país, inclusive com a
orçamentária existente, porque
instalação do regime de metas inflacionárias, por que não se estabelece um novo
não estrutura um novo conjunto de instituições para marco institucional para o
lidar com o regime orçamentário? O que está faltando?
processo orçamentário brasileiro?
Essas perguntas são importantes. Há vários fatores
que obstacularizam essas mudanças. Se o país teve relativo sucesso na
a) O efeito “Torre de Babel” ou a ausência de uma co- instalação de um novo regime
munidade epistêmica homogênea. Ao contrário do monetário no país, inclusive
que ocorre com a política monetária, participam dos
com a instalação do regime de
debates sobre política orçamentária profissionais com
diferentes formações, diferentes retóricas e diferentes
referenciais teóricos. Economistas que trabalham com
questões fiscais e instituições têm que compartilhar
suas idéias com contadores, administradores, especialis-
tas em direito público e cientistas políticos de diferentes
metas inflacionárias, por que
não estrutura um novo conjunto
de instituições para lidar com o
regime orçamentário?
‘‘
orientações conceituais e filosóficas. As propostas sobre
orçamento acabam formando um mosaico disforme de
infraestrutura orçamentária básica inalterada e realizar internacional: “Como ninguém previu o surgimento
mudanças localizadas e específicas, perpetuando um dessa crise?”. Com bom humor e um certo tom de picar-
processo de transformação em camadas. Grande parte dia, Skidelsky propõe um diálogo fictício entre a rainha
das iniciativas hoje em discussão aponta nessa direção. e seu conselheiro para assunto econômicos. Nesse diá-
Em um primeiro momento, essa parece ser uma solução logo, o conselheiro econômico afirmava que “não havia
cômoda: emendar pontualmente o modelo atual e man- espaço para tais eventos em nossos modelos econômi-
ter a essência da infraestrutura orçamentária existente. cos e, consequentemente, o que não podemos mode-
Não obstante, essa estratégia incremental poderá se lar, não irá acontecer”.
constituir em grave erro, na medida em que adia refor- Diante dessa resposta a rainha indaga: “Mas como
mas promissoras ao desenvolvimento nacional. isso veio a ocorrer?“. O conselheiro respondeu, um
tanto envergonhado, que “cisnes negros, sempre em
O ataque dos cisnes negros formação, têm a péssima prática de atacar sistemati-
camente nossos modelos e crenças sobre o funciona-
Robert Skidelsky, o mais famoso biógrafo de Key- mento da economia.”4
nes, em debate promovido pelo jornal inglês “The Obviamente, Skidelsky se referia ao argumento
Guardian” procurou responder a pergunta da rainha Eli- apresentado no livro de Nassim Taleb,“A lógica do cisne
zabeth sobre o recente colapso do sistema financeiro negro: o impacto do altamente improvável”5, e a análise

‘‘
sobre os princípios de causalidade e inferência feita por
Hume, Mill e Popper. Há semelhanças entre a análise de
Taleb e de Keynes, e Skidelsky percebeu isso com clare-
za. Em função disso, Skidelsky desafia os economistas
Os investimentos a “construir modelos que sejam robustos o suficiente
para resistir ataques dos cisnes negros”.
requeridos serão grandes, A olimpíada e as descobertas no pré-sal são exce-
complexos e envolverão lentes notícias para o País. Mas embora os nossos mo-
políticas públicas a serem delos de gestão macroeconômica e de investimentos,
assim como o conjunto de instituições orçamentárias
formuladas e implementadas
hoje existentes não tenham espaço para previsão des-
transversalmente e com ses riscos, eles são reais e importantes.
foco multidimensional. Há Os investimentos requeridos serão grandes, com-
problemas de ação coletiva plexos e envolverão políticas públicas a serem formu-
ladas e implementadas transversalmente e com foco
importantes a serem superados

12
que demandarão grande
esforço para gerar cooperação,
coordenação e comunicação
entre os atores envolvidos.
‘‘ multidimensional. Há problemas de ação coletiva im-
portantes a serem superados que demandarão grande
esforço para gerar cooperação, coordenação e comu-
nicação entre os atores envolvidos. Há riscos externos
também, em função de mudanças no cenário econômi-
co e político internacional.
O desafio agora é estabelecer modelos de análise
Conjuntura

e gestão de políticas e programas que sejam, entre

4
O vídeo da apresentação de Robert Skidelsky está disponível no site http://www.guardian.co.uk/commentisfree/video/2009/feb/26/robert-
skidelsky-capitalism-crisis em 01/10/2009

5
TALEB, N.N. A lógica do cisne negro: o impacto do altamente improvável. Rio de janeiro: Editora Best Seller, 2009.
Revista de
julho / setembro / 2009
outras coisas, capazes de resistir aos inevitáveis ata- e municipal, e estabelecimento de “regimes simplifica-
ques dos cisnes negros. dos” de execução e prestação de contas.
Assim como os investimentos preconizados na olim- • Integração dos instrumentos de acompanhamento e
píada e no pré-sal poderão gerar benefícios duradou- gestão de informação, classificações, sistemas e procedi-
ros para a infraestrutura física do País, metamorfoses mentos técnicos. A divisão entre planejamento, orçamen-
na infraestrutura institucional e, mais especificamente, to, contabilidade e controle é um obstáculo importante
nas instituições orçamentárias,tendem a ser o mais im- para a programação orçamentária. A heterogeneidade
portante dos legados a ser deixado para as gerações das práticas entre entes federativos precisa ser reduzida.
futuras. Portanto, a medida do sucesso da olimpíada de • Mudança no modelo regulatório das finanças públi- 13
2016 talvez não seja o número de medalhas conquista- cas com melhor coordenação entre as agências envolvi-
das pela delegação brasileira, e nem mesmo a quanti- das e consolidação das ações fiscalizatórias. A presença
dade de turistas visitando nosso País, mas sim as trans- de multiprincipais e múltiplas chibatas da forma como
formações duradouras e necessárias às instituições que se apresenta no País viola grande parte das lições sobre
regem o jogo orçamentário. Essa pode ser a “janela de incentivos e efetividade da regulação.
oportunidade” para que essas mudanças, tão difíceis de • Estabelecimento de uma agência independente
ocorrer, possam ser finalmente implementadas. para fixação de normas orçamentárias e de certificação
Embora o objetivo desse artigo seja tão somente re- de pessoas e de sistemas no setor público, especialmen-
fletir sobre a necessidade e a urgência de mudanças nas te no âmbito dos investimentos públicos. Nesse sentido,
instituições orçamentárias, e se creia que essas sugestões há muito a ser aprendido com os sistemas de certifica-
devam ser construídas a partir de um processo de reflexão ção já existentes na área de investimentos privados.
coletiva, cabe apontar, mesmo correndo o risco da super- • Apoiar iniciativas para o estabelecimento do mer-
ficialidade, algumas medidas e caminhos como sugestão: cado de títulos públicos estaduais e municipais para
• Promover, de forma integrada, o debate sobre as- financiamento de investimentos de infraestrutura, com
pectos macroeconômicos e microeconômicos do setor normas que privilegiem a transparência e a aprovação
público. da emissão de títulos a partir de plebiscitos.
• Incentivar a simplificação de normas e procedimen- • Estabelecer normas de conduta precisas para todas
tos orçamentários. as entidades prestadoras de serviço aos governos, esta-
• Implementar instrumentos que permitam a contrata- belecendo isonomia com as entidades públicas no que
ção de resultados e a flexibilização do controle dos gastos. se refere à transparência, prestação de contas e com-
• Incentivar o desenvolvimento de instrumentos que promisso com o interesse público.
favoreçam a aferição de desempenho e não o controle • Fortalecer a transparência das contas públicas, de-
administrativo ou de insumos. Há iniciativas já em an- terminando a divulgação imediata e detalhada pela
damento no setor público brasileiro nessa direção que Internet de todos os gastos acima de R$ 25 mil reais.
precisam ser sustentadas e disseminadas. • Dar ampla transparência, inclusive disponibilizando
• Incentivar a implementação de sistemas avaliativos pela Internet, de todos os convênios, contratos e outros
que gerem informações úteis e que possam subsidiar o arranjos que impliquem em venda de patrimônio ou
processo decisório referente às políticas públicas, espe- transferência de recursos entre entidades federativas e
cialmente o processo orçamentário. em pagamentos para o setor privado.
• Estabelecer um novo quadro de referência para
a programação de médio prazo, melhor integrado ao
Carlos Leonardo Klein
orçamento e que dê credibilidade e transparência aos
acordos intertemporais, especialmente na área de in-
Paulo Carlos Du Pin Calmon
vestimentos estratégicos. Economista pela Universidade de Brasília,
• Reconhecimento da heterogeneidade das organi- mestre em Economia - Vanderbilt University e
doutor em Políticas Públicas - University of Texas at Austin.
zações no setor público, inclusive no âmbito estadual
ARTIGO Opção por crescer menos
Raul Wagner dos Reis Velloso

Desde a promulgação da Constituição de 1988 o consumo. Juntando a esses os gastos com assistência
Brasil vem pondo em prática um modelo fiscal que visa médica e saúde pública, além das demais despesas cor-
à expansão e sustentação da demanda agregada oriun- rentes, onde os gastos têm crescido um pouco menos,
da de certos segmentos, com base em gastos diretos chega-se à parcela majoritária de 95% do orçamento
de pessoal e transferências do orçamento da União. público ou 16,3% do PIB (2008). Com exceção de anos
Trata-se dos segmentos contemplados exatamente pe- de crise aguda, e conforme atesta o gráfico 1, essa par-
los itens de maior peso no gasto: previdência, pessoal cela vem crescendo sistematicamente acima do PIB há
e assistência social, e correspondendo basicamente vários anos, cabendo notar que há bem pouco tempo,
a funcionários públicos, aposentados e pensionistas, em dezembro de 2003, ela representava bem menos –
além de beneficiários de programas de transferências 14,8% do PIB, ou seja, cerca de 1,5 ponto percentual do
de renda, onde os gastos se destinam basicamente a PIB (ou R$ 43 bilhões) a menos do que atualmente.

Gráfico 1
Tx.Cresc.% Real da Desp.Não Fin.Corrente da União e do PIB (ult.12 meses), dez03 a ago09

14
Conjuntura
Revista de
‘‘

julho / setembro / 2009


A outra preocupação relevante das autoridades fe-
derais tem sido o combate à inflação. Investimento e
crescimento da economia passaram a ser variáveis que
se determinam endogenamente. Diante de juros reais tão
Resumidamente, com o advento do bem sucedido
altos, a economia crescia
Plano Real (1994-1995), o Brasil se livrou da inflação
crônica, e, em 1999, a taxa de câmbio passou a flutuar pouco. Os superávits fiscais
sem repique da inflação endêmica. Por essa altura, o País primários aumentavam
começava a gerar superávits fiscais elevados, inclusive pelo esforço de aumento 15
nas administrações estaduais e municipais, median-
te a aplicação, pelo Tesouro Nacional, de uma pesada
da arrecadação e pela forte
camisa-de-força financeira sobre esses entes. Na União, contenção dos investimentos,
com exceção dos momentos de crise aguda, a geração mas eram insuficientes para
desses superávits se deu sem prejudicar a implementa-
contrabalançar o efeito
ção do modelo acima descrito. Nessas crises (como em
1998-1999 e 2002-2003), o governo não apenas bus-
expansionista sobre a razão
cava aumentar a arrecadação, mas também fazia uma dívida/PIB de juros reais altos,
contenção especial dos gastos em geral. Fora desses câmbio alto e crescimento baixo
momentos, contudo, o ajuste fiscal vem sendo feito ba-
do PIB. Isso tudo contribuía,
sicamente pelo aumento da arrecadação, em primeiro
lugar, e pela contenção dos investimentos, em segundo.
Em que pese os resultados favoráveis associados à
primeira fase pós Plano Real, por volta de 2002 a polí-
tica macroeconômica se situava diante de um impasse
complicado, pois a combinação de um mundo cheio
além do mais, para reduzir os
investimentos privados e a
capacidade de crescimento da
economia brasileira.
‘‘
de crises (especialmente nos países emergentes) com
certas condições macroeconômicas ainda precárias
faziam com que a razão dívida/PIB viesse subindo sis-
tematicamente desde 1996, mesmo na presença de su- subia mais que o PIB) e pela forte contenção dos inves-
perávits fiscais relativamente elevados. timentos, mas eram insuficientes para contrabalançar
Que condições eram essas? Por um lado, as reservas o efeito expansionista sobre a razão dívida/PIB de ju-
internacionais eram baixas e era alto o peso da parcela ros reais altos, câmbio alto e crescimento baixo do PIB
externa na dívida pública. Diante de crises, havia fuga (cerca de 2,3% ao ano, em média). Isso tudo contribuía,
de capitais, aumento das taxas de risco (Risco-Brasil) e além do mais, para reduzir os investimentos privados
da taxa de câmbio, e finalmente subida da taxa Selic e a capacidade de crescimento da economia brasileira.
para combater a inflação resultante. Em conseqüência, Mantidas essas condições, a principal saída imaginá-
subia a dívida pública. Isso ocorria tanto pelo aumento vel era “dobrar a aposta” na mesma política de aumento
da taxa de câmbio como da taxa Selic, já que esta era o de superávits, mas agora revertendo a velha política de
principal componente do custo real implícito da dívi- aumento dos gastos correntes, em face do virtual esgo-
da pública líquida global, custo esse que, por volta de tamento das vias tradicionais do esforço de ajuste – au-
2000, se situava ao redor de 11% ao ano acima do IPCA, mento da arrecadação e corte de investimentos. Só que o
um dos maiores do mundo. esforço de ajuste teria de ser de tal ordem, que logo pas-
Diante de juros reais tão altos, a economia crescia sasse a viabilizar a redução da razão dívida/PIB, quebran-
pouco. Os superávits fiscais primários aumentavam do o círculo vicioso em vigor, antes que uma nova crise se
pelo esforço de aumento da arrecadação (que inclusive abatesse sobre o País e pusesse tudo por terra.
Lidar com esses problemas na transição entre o se- qualquer forma, se situava ainda abaixo do crescimento
gundo governo FHC e o primeiro governo Lula (2002- da receita. Mas como o impasse macroeconômico conti-
2003) era algo obviamente muito complexo, pois, dado nuava vivo, surgiu a dúvida sobre o passo seguinte a ser
o impasse, o temor era de que o novo governo preferis- dado pelo governo: adotar-se-ia finalmente uma políti-
se tratar do assunto por caminhos heterodoxos. Nessas ca de contenção dos gastos correntes?
condições, acabou estourando nova crise, com fuga de Na prática, o governo Lula acabou não precisando
capitais e a repetição de todos os efeitos nocivos à eco- enfrentar essa difícil questão do ponto de vista político,
nomia das crises anteriores. Diante de mais uma crise porque o cenário externo passou a melhorar conside-
aguda, o novo governo seguiu estratégia semelhante à ravelmente, diante da exacerbação da curiosa sinergia
de 1998-1999 num primeiro momento, sem mexer no sino-americana, em que os chineses (sem falar nos ha-
sistema de metas de inflação. Nesse ano, enquanto a bitantes de outros países asiáticos, como o Japão, ou da
receita líquida da União crescia 12,3%, em termos no- Europa, como a Alemanha) poupavam muito, enquanto
minais, os gastos com outros custeios e capital caíram os americanos consumiam ao máximo. Isso levou a um
13,3%, enquanto os com pessoal cresciam à taxa de maior crescimento do comércio mundial e a um forte
6,7%, bem abaixo da receita. Já o item mais rígido, be- choque externo favorável para o Brasil, mediante a dis-
nefícios do INSS, cresceu nada menos do que 21,7%. Ao parada dos preços de nossas commodities de exporta-

‘‘
final, o total dos gastos cresceu 10,8%, taxa essa que, de ção, que, em várias seqüências de subidas, alcançaram
níveis historicamente muito elevados até um pouco
antes da crise de 2008.
A liquidez mundial passou a se expandir considera-
velmente, aumentando fortemente os movimentos de
A liquidez mundial capitais, sob várias modalidades, particularmente para o
Brasil. Em conseqüência, as taxas de risco passaram a cair,
passou a se expandir o mesmo sucedendo com as taxas de câmbio e as taxas
consideravelmente, de juros, expandindo-se o crédito interno e os prazos de
aumentando fortemente financiamento. Subiram aceleradamente as reservas in-
ternacionais, e a dívida externa pública não apenas ze-
os movimentos
rou, como hoje se transformou em crédito líquido.
de capitais, sob Ao lado disso, as importações de bens de capital e
várias modalidades, os investimentos privados subiram bastante. Os inves-
particularmente para o timentos públicos também subiram porque, mesmo
se mantendo a política de geração de altos superávits
Brasil. Em conseqüência, as fiscais, a arrecadação de tributos passou, sob a influên-
taxas de risco passaram a cia do boom mundial, a crescer até acima do próprio
cair, o mesmo sucedendo crescimento da economia (veja gráfico 2). Ao final, a
fase 2002-2008 acabou testemunhando uma expressi-
com as taxas de câmbio
16 e as taxas de juros,
expandindo-se o crédito ‘‘ va redução da razão dívida/PIB, graças, ainda, a maiores
taxas de crescimento da economia, quebrando-se o cír-
culo vicioso sem mudar a política de gastos. Do pico
Conjuntura

interno e os prazos de observado pela razão dívida/PIB em setembro de 2002


(52,9% do PIB) ao nível mais baixo observado recente-
financiamento. mente, em novembro de 2008, quando chegou a 37,7%
do PIB, após vários meses de queda contínua, o indi-
cador básico do grau de solvência pública do País caiu
sistematicamente na recente fase de bonança externa.
Revista de
‘‘

julho / setembro / 2009


Em resumo, antes de a crise atual estourar por aqui,
em decorrência da chamada bolha imobiliária, o Brasil
parecia ter encaminhado, num grau bastante satisfató-
rio, o equacionamento do problema macroeconômico
básico dos anos precedentes, o de insolvência pública, Antes de a crise atual
e sem precisar abrir mão do modelo de expansão dos estourar por aqui, em
gastos correntes acima referido. Por trás, o PIB poten-
decorrência da chamada
cial crescia a taxa entre 4,5 e 5% ao ano, mesmo sem
existir um esforço maior direcionado para a remoção bolha imobiliária, 17
de entraves que impediam uma retomada mais firme o Brasil parecia ter
dos investimentos. encaminhado, num grau
Só que, em contraste com o que se passava à época
em que abundavam crises oriundas de países emer-
bastante satisfatório,
gentes (quando a Selic subia para fazer face a pressões o equacionamento
inflacionárias oriundas de choques cambiais, mas não do problema
por excesso de demanda), o Banco Central acabou ten-
macroeconômico básico
do, entre 2007 e 2008, de subir a taxa básica de juros,
dos anos precedentes, o
por conta da constatação de excesso de demanda agre-
gada sobre a produção doméstica, brecando a escalada
ascendente da economia. Isso se deu mesmo com a ra-
zão dívida/PIB em processo de declínio (o que reduz o
risco-Brasil e aumenta o ingresso de dólares no País, le-
vando à apreciação da taxa de câmbio), e mesmo com
de insolvência pública, e
sem precisar abrir mão do
modelo de expansão dos
gastos correntes
‘‘
a taxa de câmbio em forte queda, por esse e por outros
motivos (o que ameniza as pressões inflacionárias).
E foi exatamente o que sucedeu a partir da reunião
do COPOM de 17.10.07, quando, interrompendo longo
período de queda contínua da Selic, o BC, diante de ex- que cresciam em conjunto), produzir um excesso de
pectativas inflacionárias desfavoráveis, resolveu man- demanda sobre a produção doméstica em montante
tê-la constante em 11,25%, situação que não se alterou capaz de gerar pressões inflacionárias acima do tolerá-
até a reunião de 5.03.08. A partir daí, a Selic aumentou vel pela política de metas de inflação, além de uma pio-
em todas as reuniões que se seguiram, até a de 10.09.08, ra nas contas externas. No tocante aos gastos da União,
quando chegou à marca de 13,75%, e ficou constante quando medidos, por exemplo, para os últimos dozes
nesse nível até a reunião de 10.12.08. Enquanto isso, a meses, no período de dezembro de 2003 a outubro de
taxa de câmbio se reduzia de R$ 1,81 (17.10.07) para o 2007, as despesas correntes totais (que representavam
ponto mínimo de R$ 1,56, em 30.07.08. cerca de 95% do gasto total no final do ano passado)
A Selic teve de subir porque, diante de uma capaci- subiram à taxa média anualizada de 14,4%, o que reve-
dade de produção agregada que tem crescido relativa- la expressivo crescimento real (já que a variação média
mente pouco desde os anos setenta (em vista de baixas anual do IPCA, medido nos últimos doze meses, entre
e declinantes taxas de investimento), os gastos públi- esses mesmos meses, se situou em 5,5%).
cos não financeiros vinham subindo a taxas excessivas Subindo a Selic, cairiam, em seguida, tanto a taxa de
há muito tempo, como se exemplificou para o período crescimento do consumo como, e especialmente, dos
contido no gráfico 1. E esse tempo era suficientemente investimentos privados, demonstrando que um teto de
longo para, em conjunto com a expansão dos gastos crescimento da economia havia sido atingido naque-
privados (tanto de consumo como de investimento, la altura, mesmo sem os efeitos da crise do mercado
imobiliário americano, e a despeito de se saber que a de momentos de crise aguda, vigorava há muitos anos.
trajetória da razão dívida/PIB tenderia a continuar de- Nesses termos, fazia-se a opção por o PIB crescer me-
clinante (ou seja, que a estratégia de equacionamento nos, em vez de pagar o preço político de mudar o mo-
progressivo do risco de insolvência pública poderia se- delo de expansão dos gastos públicos correntes.
guir inalterada). A partir de novembro de 2008 fizeram-se sentir os
Claro estava, então, que a taxa de crescimento do efeitos da crise internacional sobre o Brasil, crise essa
PIB no terceiro trimestre de 2008 não se repetiria nos de natureza completamente diversa em relação às an-
trimestres seguintes, mesmo sem a crise. Essa taxa era teriores. Em vez de enfrentar pressões inflacionárias de-
de 1,3% ante o trimestre precedente ou 5,4% em ter- correntes de um novo choque cambial, mas diante da
mos anualizados. O PIB do terceiro trimestre de 2008 queda da demanda externa e da contração do crédito
registrava, em adição, crescimento real de 6,7% em tanto externo como interno que se seguiu, e a exem-
relação ao do terceiro trimestre de 2007, taxas essas plo do que sucedeu em outros países, houve drástica
todas acima da média mundial, de 4,5% ao ano, obser- desabada da produção industrial, tendo o valor absolu-
vada em 2008. to das taxas negativas, nas comparações mês contra o
Por trás de tudo, mais uma vez o governo havia dei- mesmo mês do ano precedente, se situado nos maiores
xado de emitir qualquer sinal de que mudaria a políti- níveis observados desde os anos noventa.1 Dessa for-
ca de expansão de gastos correntes que, com exceção ma, mesmo tendo a taxa de câmbio subido de forma

Gráfico 2
Tx.Cresc.% Real da Rec. Liq. da União, do Ind.de Prod. Indl. e do PIB (ult.12 meses), dez03 a ago09

18
Conjuntura

(Obs. A série relativa à produção industrial termina em julho de 2009).

1
Confronte-se, a propósito, a queda de 15,8% do índice de produção industrial do IBGE, em dezembro de 2008, contra idêntico mesmo do ano
precedente, com a segunda maior queda na série contemplando o período de 1992 a 2009, de 11,9%, em agosto de 1992.
Revista de
julho / setembro / 2009
Gráfico 3
Tx.Cresc.% Real da Rec. Liq. da União e da Desp. Não Financ. Corrente da União (ult.12
meses), dez03 a ago09

19

significativa logo no início da crise, eventuais pressões taxa de crescimento da receita líquida real da União
inflacionárias se dissiparam rapidamente dentro do passou, após a crise, a se situar entre aquelas duas.
quadro recessivo que se formou. Em conseqüência, e Na reação à crise, além de o BC ativar a política mo-
também sob o impacto das desonerações fiscais apro- netária, seja pela redução da taxa Selic (que caiu de
vadas pelo governo para o setor automobilístico e ou- 13,75 para 12,75% na reunião de 21.01.09, e continuou
tros, houve forte queda também da arrecadação de caindo até atingir 8,75% na reunião de 22.07.09), seja
impostos (ver gráfico 2). pela liberação de depósitos compulsórios, entre outras
Como se vê, para os últimos doze meses termina- medidas de alívio monetário, o governo resolveu deter-
dos em julho último e a partir do final do ano passado, minar aos bancos oficiais que expandissem suas opera-
a taxa de crescimento da receita líquida real da União ções de crédito, para tentar compensar o encolhimento
(com base no deflator implícito do PIB), que, desde de- que vinha ocorrendo no âmbito das instituições finan-
zembro de 2003, crescia sistematicamente tanto acima ceiras privadas. Além disso, decidiu também atuar no
do índice de produção industrial como do PIB, passa, lado fiscal, aumentando especialmente os gastos cor-
então, a cair. Até julho último, essa queda fica abaixo rentes. Isso pode ser discutido com a ajuda do gráfico­3.
da queda do índice de produção industrial (-2,8 con- Como se vê, em agosto último os gastos correntes
tra -8,0% deste), mas é bem mais forte do que a queda subiam 6,3%, para os últimos doze meses terminados
da taxa de crescimento do PIB real (taxa essa que ficou nesse mês, enquanto a receita caía 3,1%, no mesmo
em 0,5% nos últimos doze meses terminados em julho). tipo de comparação.
Registra-se que, em agosto, a taxa de crescimento da A maior subida dos gastos correntes da União pode
arrecadação cai mais um pouco (de -2,8 para -3,1%), na também ser ilustrada pelo exame das taxas de cresci-
esteira da nova queda da taxa relativa ao PIB real (es- mento nominal de itens de peso nessa categoria, e tam-
timada de 0,5 para 0,0%). Em síntese, depois de vários bém pela comparação dessas taxas com a evolução da
anos se situando tanto acima da taxa de crescimento receita e dos investimentos. Para valores acumulados
da produção industrial como da taxa relativa ao PIB, a nos doze meses precedentes, verificam-se as seguintes
taxas entre novembro de 2008 e agosto de 2009: recei- área de serviços até se expandiu, diante do desempe-
ta líquida (-0,4%); despesa de pessoal (14,4%); benefí- nho favorável desse setor, e, assim, não houve a queda
cios do INSS (6,6%); benefícios assistenciais LOAS/RMV da massa salarial que se temia. Nesses termos, a reces-
(9,0%); investimentos (1,6%). são acabou durando apenas dois trimestres, conforme
Em conseqüência, e conforme dados divulgados acaba de divulgar o IBGE. Segundo esse órgão, e com
recentemente pelo BC, o superávit primário da União base em dados dessazonalizados, depois de cair, em
vem caindo de forma expressiva de novembro de 2008 termos reais, 3,4% no último trimestre de 2008, em re-
para cá, de 2,9% para 0,7% do PIB, em agosto último, lação ao trimestre precedente, e cair 1,0% no primeiro
uma queda inédita para os últimos anos. E a razão dí- trimestre de 2009, nesse mesmo tipo de comparação, o
vida/PIB global acabou subindo de 37,7% para 44% do PIB trimestral brasileiro subiu 1,9% no segundo trimes-
PIB, nesse mesmo interregno. tre deste ano. Assim, se o PIB crescer, a partir do terceiro
Outra informação importante é que, graças aos es- trimestre de 2009, 1,1% ao trimestre até o final de 2010
tímulos fiscais e monetários, e ao fato de o setor indus- (que implica taxa anualizada de 4,5%), projeção essa de
trial, que emprega apenas 25% do contingente empre- difícil contestação entre especialistas no assunto, a taxa
gado pelo setor de serviços, ter sido o mais afetado pela de crescimento média anual do PIB será de -0,3% este
crise, a economia como um todo reagiu rápida e em ano e 4,7% no ano de 2010.2

‘‘
intensidade surpreendente. Com efeito, o emprego na Em resumo, depois de longo período em que o
atual governo parecia ter como objetivo uma drástica
redução da inserção do setor público no financiamento
da economia brasileira (a julgar pela intenção, aparente
nos procedimentos anteriores, de continuar reduzindo
Graças aos estímulos fiscais progressivamente a razão dívida/PIB sem nenhuma
e monetários, e ao fato de o meta explícita à frente), embora não parecesse decidi-
setor industrial, que emprega do a mudar o modelo de crescimento dos gastos cor-
rentes (o que limitava as possibilidades de crescimento
apenas 25% do contingente do País), duas decisões parecem ter sido tomadas dian-
empregado pelo setor de te da crise internacional.
serviços, ter sido o mais A primeira foi a de fazer com que os gastos públicos
correntes crescessem até mais do que estava anterior-
afetado pela crise, a economia
mente programado, para tentar reativar a economia da
como um todo reagiu rápida e forma mais rápida possível, deixando de lado qualquer
em intensidade surpreendente. preocupação com pressão inflacionária futura. Nesse
Com efeito, o emprego na área sentido, fez-se uma reafirmação do modelo de expan-
são dos gastos correntes. Já a segunda foi a de aban-
de serviços até se expandiu,

20
diante do desempenho
favorável desse setor, e, assim,
não houve a queda da massa
‘‘ donar momentaneamente qualquer preocupação com
insolvência pública, argumentando, em várias ocasiões,
que, mesmo a relação dívida/PIB voltando a se mostrar
crescente por algum tempo, terminaria havendo rever-
são da nova trajetória ascendente dessa razão mais à
Conjuntura

salarial que se temia. frente, quando a arrecadação voltasse aos níveis an-
teriores à crise e sua progressão, a partir daí, voltasse
à normalidade. Afinal de contas, o mundo todo não

2
Confrontem-se essas taxas com a mediana das expectativas de mercado coletadas em 25/09/09 pelo BC: 0% e 4,5%, respectivamente.
Revista de
‘‘

julho / setembro / 2009


estava fazendo o mesmo com suas respectivas razões
dívidas/PIB (ou seja, deixando-as subirem à vontade)?
Na verdade, o procedimento mais adequado teria
sido, primeiro, conferir primazia total à política mone-
tária na ação anticíclica, principalmente no caso brasi-
quanto mais crescerem os
leiro, em que as taxas básicas de juros estavam entre as gastos públicos correntes
mais altas do mundo. Nada obstante, tomada a decisão rígidos na resposta à crise,
de ativar a política fiscal do lado do gasto, dever-se-iam
maior a probabilidade 21
aumentar gastos apenas de forma temporária, pois,
mais adiante, tanto a demanda externa, como o consu- de o BC rapidamente
mo e os investimentos privados internos, se expandirão voltar a aumentar a Selic,
naturalmente. Ou seja, quanto mais crescerem os gas- para combater pressões
tos públicos correntes rígidos na resposta à crise, maior
a probabilidade de o BC rapidamente voltar a aumen-
inflacionárias que
tar a Selic, para combater pressões inflacionárias que certamente aparecerão
certamente aparecerão até meados do ano que vem, até meados do ano que
quando se der mais um congestionamento de gastos
vem, quando se der mais
públicos e privados frente à limitada capacidade de
um congestionamento de
produção interna. O próprio BC acaba de anunciar que
parou de reduzir a taxa Selic, porque espera pressões
inflacionárias decorrentes de gastos públicos excessi-
vos logo à frente.
O governo poderia ter aproveitado a ocasião propí-
cia, conferida pelo ambiente de crise, para fazer ajustes
gastos públicos e privados
frente à limitada capacidade
de produção interna.
‘‘
no modelo de expansão dos gastos correntes, levando
em conta que sua manutenção, mesmo sem a crise, e
devido às pressões inflacionárias decorrentes de exces-
so de demanda, estava levando à obtenção de taxas de rapidez da resposta à crise no caso brasileiro, como en-
crescimento do PIB relativamente baixas, conforme se xergariam na ação governamental um maior compro-
viu anteriormente nesta nota. Nesses termos, ao sair da metimento com o objetivo de crescimento econômico
crise, dificilmente as taxas de crescimento da economia mais rápido.
brasileira ultrapassarão a média mundial,3 e muito me- Segundo declarações oficiais mais recentes, as isen-
nos a média observada nos países emergentes. Nesse ções tributárias deverão ser eventualmente removi-
contexto, admitindo que os investimentos respondes- das, mas a meta de superávit primário global de 2009
sem muito lentamente em vista de vários entraves hoje acaba, uma vez mais, de ser reduzida (desta feita para
existentes, qualquer aumento de gasto corrente teria 1,5% do PIB), a fim de conciliar a manutenção do mo-
de ser feito sob a forma de abono, de forma que esse delo de expansão dos gastos com um desempenho
dispêndio extra pudesse ser retirado mais adiante à da arrecadação menos favorável em face do desaque-
medida que se acumulassem novas pressões inflacio- cimento da economia. Reafirmou-se, assim, o compro-
nárias. Nesse caso, os mercados não apenas louvariam a misso com o modelo de gastos e explicitou-se a falta

3
Registre-se que a taxa de crescimento média do PIB brasileiro que, nos anos setenta, era mais do dobro da média mundial, passou a se situar
em apenas metade daquela nos anos oitenta, e, apesar de vir subindo gradativamente desde os anos noventa relativamente à média global, não
chegou a superá-la nem na fase de bonança de 2002 a 2008.
‘‘
feito sentir com maior força em todos os anos recentes,
em relação a tudo o mais.
Faz parte também do discurso oficial a busca de
O Brasil vem tentando, desde taxas de crescimento do PIB (e, portanto, do emprego)
1988, implementar um modelo cada vez maiores, embora, na prática, as variáveis investi-
de sustentação e expansão mento e crescimento do PIB venham sendo determina-
das endogenamente. Em conseqüência disso tudo, ficou
dos gastos (basicamente claro que, mesmo sob condições externas altamente
de consumo) de certos favoráveis, como em 2002-2008, e diante dos gargalos
segmentos, ao mesmo tempo setoriais existentes e da própria capacidade de produ-
em que procura manter a ção que se erigiu com taxas de investimento baixas e
declinantes desde os anos setenta, é impossível conciliar
inflação dentro de um certo taxas de crescimento acima da média mundial com uma
“intervalo de metas”. Nesse forte expansão dos gastos públicos correntes, como se
último contexto, tem havido vem tentando no Brasil. Em relativamente pouco tempo,
os gastos agregados passam a superar a produção do-
uma batalha tenaz contra
o problema da insolvência
pública (ou da tendência
ascendente da razão dívida
pública/PIB).
‘‘ méstica numa intensidade excessiva, levando a pressões
inflacionárias indevidas e a déficits externos de peso, só
restando ao Banco Central subir as taxas de juros.
Diante da crise do mercado imobiliário americano,
que diferiu das anteriores pelo forte impacto recessivo
que trouxe consigo, o governo basicamente dobrou a
aposta na implementação do modelo de expansão dos
gastos correntes rígidos, em vez de esperar uma maior
flexibilização da política monetária ou de fazer apenas
de compromisso com metas de superávit primário e, aumentos temporários de despesas. Além disso, está
portanto, com a evolução descendente da razão dívi- fazendo vista grossa à retomada do problema de insol-
da pública/PIB. Em adição, conforme também afirmou vência pública, que resulta da queda da arrecadação.
o ministro do Planejamento à imprensa, a meta fixada Nesse sentido, ao colocar “o carro adiante dos bois”, o
anteriormente para o superávit de 2010 (3,3% do PIB) País está optando por crescer mais a curtíssimo prazo,
não será atingida a qualquer custo, mas apenas se as mas certamente menos a médio e longo.
condições econômicas permitirem (ou seja, se a econo-
mia – e, portanto, a arrecadação de impostos – se recu- Raul Wagner dos Reis Velloso
perarem rapidamente). Economista formado pela Faculdade de Ciências Econômicas
da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Master of Arts e PhD
Em resumo, o Brasil vem tentando, desde 1988, em economia pela Yale University –EUA. Mestre pela Escola
implementar um modelo de sustentação e expansão de Pós-Graduação em Economia da Fundação Getúlio
Vargas, RJ. Ex-secretário para assuntos econômicos do
dos gastos (basicamente de consumo) de certos seg-
22 mentos, ao mesmo tempo em que procura manter a
Ministério do Planejamento.

inflação dentro de um certo “intervalo de metas”. Nesse


Conjuntura

último contexto, tem havido uma batalha tenaz contra


o problema da insolvência pública (ou da tendência
ascendente da razão dívida pública/PIB). Contudo, à ex-
ceção dos momentos de crise aguda originadas em pa-
íses emergentes, e apenas por períodos bem curtos, a
prioridade à implementação do citado modelo tem-se
Revista de
ARTIGO

julho / setembro / 2009


Fundo soberano1
Arthur Oscar Guimarães 23

Em 2008, um interessante debate foi travado por descoberta do pré-sal, mesmo não sendo este o escopo
diversos economistas e especialistas que se dividiram deste artigo.
em relação à validade e importância da constituição ou Entre os mais importantes fundos soberanos exis-
não de um fundo soberano pelo Brasil. Parte deste de- tentes figuram os de Dubai, Noruega, Qatar, Cingapura
bate encerrou-se com a promulgação da lei Nº 11.887, e China, este último criado em 2007 com aporte de 200
de 24 de dezembro de 2008, que Cria o Fundo Soberano bilhões de dólares. Essa modalidade de investimen-
do Brasil - FSB, dispõe sobre sua estrutura, fontes de recur- to estatal está crescendo de forma assustadora e vem
sos e aplicações. sendo utilizada, na maioria das vezes, para adquirir
Como pressuposto básico para o que se pretende participações em empresas estrangeiras, com obje-
aqui explicitar, leva-se em consideração o teor do Art. tivos financeiros e estratégicos. Os países mais indus-
1º da referida lei, que define o FSB como um fundo trializados (Alemanha, Canadá, Estados Unidos, França,
especial de natureza contábil e financeira, vinculado ao Grã-Bretanha, Itália e Japão), reunidos no G7, pediram
Ministério da Fazenda, com as finalidades de promover o estabelecimento de um código de boas práticas para
investimentos em ativos no Brasil e no exterior, formar estes fundos, a fim de fortalecer principalmente sua
poupança pública, mitigar os efeitos dos ciclos econômi- “transparência e previsibilidade”. Para o Fundo Mone-
cos e fomentar projetos de interesse estratégico do País tário Internacional, o aumento em tamanho e em nú-
localizados no exterior. mero desses fundos merece atenção reforçada, diante
A conceituação prévia do que é fundo soberano é das conseqüências potenciais que poderão ter sobre
básico neste debate. Considerando que um fundo é os mercados financeiros e os investimentos.
um conjunto de recursos com a finalidade de desenvolver Como já mencionado, no final de 2007 o debate
ou consolidar, através de financiamento ou negociação, sobre a constituição de um “fundo soberano” brasileiro
uma atividade pública específica (Fonte: Banco Central se fazia presente na mídia (BNDES vai dispor de fundo
e Tesouro Nacional), os fundos soberanos são aqueles soberano de US$ 10 bi, diz Mantega - 22/11/2007). Na-
em que se administram as imensas reservas de divisas quele momento a falta de consenso quanto ao papel
dos países exportadores de bens manufaturados, parti- destinado a um fundo desta natureza já se explicitava
cularmente daqueles que tiveram suas receitas multi- no seio do governo e mesmo entre outros especialis-
plicadas de maneira formidável nos últimos anos. É ine- tas. Para alguns membros do governo o acúmulo de
gável, então, que o debate vincula-se umbilicalmente à reservas internacionais com tendência crescente seria

1
Fundo soberano ou Fundo de Riqueza Soberana (em inglês, Sovereign Wealth Funds - SWF) é um instrumento financeiro adotado por alguns
países que utilizam parte de suas reservas internacionais. (Fonte: Wikipedia).
‘‘
fundo soberano de investimentos. É uma entidade que
visa fazer investimentos, mas investimentos de conteúdo
estratégico, não apenas de liquidez.” (grifamos)
Em maio de 2008, Em maio de 2008, ganhava relevo a criação de um
ganhava relevo a criação fundo de poupança fiscal, denominação então utilizada
pelo ministro da Fazenda para o fundo soberano brasi-
de um fundo de poupança leiro, cujos recursos, aplicados em dólar, seriam usados
fiscal, denominação então para financiar, a taxas subsidiadas, empresas brasileiras
utilizada pelo ministro com atuação no exterior. A proposta do ministro Guido
Mantega estava praticamente formatada e aprovada,
da Fazenda para o fundo
faltando fechar uma questão importante: quem iria ad-
soberano brasileiro, cujos ministrar esse fundo, se a Fazenda ou o Banco Central.
recursos, aplicados em A mídia noticiava que o BC permanecia não muito en-
dólar, seriam usados tusiasmado com a proposta, particularmente porque
temia influências indevidas na formação da taxa de
para financiar, a taxas
subsidiadas, empresas
brasileiras com atuação
no exterior.
‘‘ câmbio. Por isso, no caso de criação do fundo, defendia
que a administração ficasse com a diretoria da autori-
dade monetária.
A decisão então tomada seria a de criação de um fun-
do soberano de US$ 10 bilhões para atender à demanda
de financiamento do BNDES para 2008. Tratava-se, por-
tanto, de um fundo que seria alimentado pela “aquisição
de dólares que estão sobrando no mercado”. Afirmou-se,
de pronto, que não seriam usadas as reservas interna-
usado (essa era a expectativa de então) na criação de cionais. O BNDES tinha a intenção de captar pelo menos
um fundo soberano, que serviria para o governo inves- R$ 25 bilhões, metade dos recursos já disponíveis. A esse
tir recursos na eventualidade de uma crise financeira respeito afirmou o ministro Mantega: “Não precisamos
de grandes proporções. usar as reservas existentes. Essas reservas serão manti-
Entretanto, a falta de consenso alcançava até mesmo das e continuarão aumentando. Vamos criar um fundo
o objetivo do fundo. O presidente do Banco Central, Hen- de reservas. O BNDES poderá se beneficiar das aplicações
rique Meirelles, refutava a idéia de que o fundo poderia que esse fundo de reserva fará, porque ele vai comprar títu-
fazer um uso alternativo das reservas do país. Afirmava, los, fazer operações financeiras. E o BNDES é um forte can-
então: “Em primeiro lugar, é importante mencionar que os didato a apresentar os seus títulos externos para que sejam
conceitos são diferentes entre as reservas internacionais do comprados desse fundo”. (grifamos)
Brasil que, por lei são gerenciadas pelo Banco Central, fa- Nesse caso, o ministro da Fazenda parece ter acerta-
zem parte dos ativos do banco e que visam oferecer uma do em sua previsão, segundo se pode verificar na ten-
proteção financeira ao país.” E mais: “Um outro conceito
24 que começou a ser desenvolvido por outros países é o de
dência de formação de nossas reservas internacionais
nos últimos anos. Os dados falam por si:
Conjuntura

(US$ milhões) Dez/06 Dez/07 Dez/08 Out/092/

Ativos de Reserva Oficiais 1/ 85.839 180.334 193.783 224.194

Fonte: BACEN (http://www.bcb.gov.br/pec/sdds/port/templ1p.shtm). Adaptado pelo autor.


1/
Valores marcados a mercado desde novembro de 2000.
2/
Posição em 01 de outubro de 2009.
Revista de
julho / setembro / 2009
O aspecto central de qualquer fundo são suas fon- interna. Em resumo, de alguma maneira seria o alinha-
tes. A mídia de 12.05.2008 trazia a notícia de que “uma mento da política fiscal com o esforço anti-inflacionário­,
parte do esforço fiscal adicional pretendido pela equipe na tentativa de evitar uma redução nos níveis da produ-
econômica será utilizada para compor os recursos do fun- ção e do emprego em razão da elevação dos juros e de
do soberano. Segundo um assessor do presidente, o novo uma taxa de câmbio desfavorável ao setor exportador.
fundo será anunciado dentro de um mês - para ser cria- Essa posição não é acompanhada, todavia, por ou-
do, ele necessitará da aprovação do Congresso Nacional. tros economistas. Alexandre Schwartsman, economis-
O governo quer usar os recursos do fundo para financiar ta-chefe para América Latina do ABN Amro e ex-diretor
projetos de investimento de empresas brasileiras no exte- de Assuntos Internacionais do Banco Central, afirma 25
rior.” (Valor Econômico - 12/5/2008) que “a proposta não tem pé, não tem cabeça e não tem
No momento em que se falou na hipótese de cria- sentido”. Segundo ele, em face de o que foi adianta-
ção de um fundo soberano, foi fundamental, para os do até o momento pelo Ministério da Fazenda sobre
que eram contra, assim como para os que se encontra- as características do novo fundo, ele “certamente” não
vam em posição favorável ao FSB, incorporar as refle- será um fundo soberano como o mundo já conhece.
xões presentes na experiência internacional. Mas neste Nessa mesma linha, o economista Paulo Rabello de
debate cabia, de um lado, relacionar tais análises ao pa- Castro, da RC Consultores, afirma que “o que o governo
pel do Estado brasileiro como receptor de investimen- quer fazer para ajudar as empresas lá fora não precisa de

‘‘
tos dos fundos soberanos e como protagonista de In- fundo soberano”. Para ele o que se pretende fazer “fere o
vestimento Estrangeiro Direto por meio de seu próprio
fundo soberano, sem nos esquecermos dos problemas
internos de nossa economia, mas de outro, era impor-
tante não desconsiderar a capacidade de intervenção
do governo brasileiro na economia, o que ficou evi- A conjuntura em que o fundo
denciado na crise internacional cujos principais efeitos
chegaram ao Brasil por volta de setembro de 2008, an-
soberano estava sendo
tes da criação do FSB. discutido (final de 2008),
Assim, cumpre considerar que a conjuntura em com uma possível elevação
que o fundo soberano estava sendo discutido (final de
da taxa de superávit fiscal,
2008), com uma possível elevação da taxa de superávit
fiscal, de 3,8% para 4,5 ou mesmo 5,0%, somava-se aos
de 3,8% para 4,5 ou mesmo
receios do resultado de mais uma reunião do Banco 5,0%, somava-se aos receios
Central (COPOM), que aconteceria na primeira semana do resultado de mais uma
de junho. A taxa básica, a Selic, estava em 11,75% e hoje
é de 8,75%, ainda exageradamente alta, mas não impe-
reunião do Banco Central
ditiva à criação do fundo. (COPOM), que aconteceria na
Segundo parte da mídia, a intenção do presidente primeira semana de junho.
Lula seria a de elevar o aperto fiscal para combater o A taxa básica, a Selic, estava
risco de inflação, tentar amenizar a alta dos juros e fi-
nanciar investimentos brasileiros no exterior. Os recur-
sos que excederem os 3,8% do PIB seriam usados para
financiar o fundo soberano (instrumento sob controle
da Fazenda para comprar dólares e financiar projetos de
investimento privado e público do Brasil no exterior). Esse
em 11,75% e hoje é de 8,75%,
ainda exageradamente alta,
mas não impeditiva à
criação do fundo.
‘‘
formato poderia ser bem visto ao menos por parte do
mercado, pois não aqueceria ainda mais a economia
Maiores fundos soberanos do mundo

Ativos Data de Valor por


País  Nome Origem 
(em bilhões)  fundação  cidadão

ADIA – Abu Dhabi


 Abu Dhabi $875[1] 1976 Petróleo $1,000,000
Investment Authority

GPF – The Government


 Noruega $350[2] 1990 Petróleo $74,500
Pension Fund of Norway

GIC – Government of Singapore


 Singapura (Cingapura) $330[3] 1981 Diversos $100,000
Investment Corporation

Arábia Saudita Diversos $300 n/a Petróleo $15,000

KIA – Kuwait Investment


Kuwait $250 1953 Petróleo $80,000
Authority

CIC – China Investment


 China $200 2007.09.28 Diversos $151
Corporation

 Singapura (Cingapura) Temasek Holdings $159.2[3] 1974 Diversos $35,400

SFRF – Stabilization Fund


 Rússia $158[4] 2004.01.01 Petróleo $1,180
of the Russian Federation

 Canadá CPP – CPP Investment Board $119.4 1999 Petróleo $12,800

FFMA – Australian
 Austrália $61.3[5] 2004 Diversos $2,900
Government Future Fund

QIA – Qatar Investment


 Qatar $50[6] 2000 Petróleo $250,000
Authority
 Estados Unidos
APFC – Alaska Permanent Fund $40.1 1976 Petróleo $61,000
(Alaska)

Líbia - $40 2007 Petróleo $7,200

Brunei BIA – Brunei Investment Agency $30 1983 Petróleo $90,100

KIC – Korea Investment


 Coréia do Sul $20 2005 Diversos $417
Corporation

Malásia KN – Khazanah Nasional $18.3 1993 Diversos $658

KNF – Kazakhstan
Cazaquistão $17.8 2000 Petróleo $1170
National Fund

26  República da China
NSF – National
$15 2000 Diversos $652
Stabilisation Fund
Conjuntura

OSF – Petróleo
 Irã $12.9 1999 Petróleo $174
Stabilisation Fund

 Dubai Istithmar n/a 2003 Petróleo n/a

Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Fundo_Soberano
Revista de
julho / setembro / 2009
conceito de fundo soberano escolher áreas de incentivo experimentando níveis de inflação ainda mais baixos,
e de estímulo”, lembrando que, em geral, o critério das particularmente para os segmentos de menor renda,
aplicações dos fundos já existentes é a rentabilidade de tendo obtido de mais uma agência o chamado invest-
longo prazo. O governo estaria prometendo adotar um ment grade e passando à situação de credor do Fundo
instrumento típico de países que têm superávits fiscais Monetário Internacional, permitindo inferir que as críti-
elevados para financiar despesas que denunciam exa- cas à decisão governamental relativa ao FSB parecem
tamente a falta de poupança fiscal do próprio governo. cada vez mais distantes.
“É uma contradição.” Portanto, qualquer posicionamento definitivo so-
Algumas das ponderações feitas por Paulo Noguei- bre o erro ou acerto a respeito da criação do FSB, pare- 27
ra Batista ao jornal O Globo (1/12/2007), em seu artigo ce hoje precipitado, mas a título de conclusão ficamos
“Pajelança financeira?”, que naquela data já afirmara com a afirmação do próprio Paulo Nogueira Batista:
sobre o fundo soberano: “Por que então o barulho na imprensa e a indignação da
“Os fundos soberanos surgem quando um país come- turma da bufunfa? Arrisco uma hipótese: a criação de um
ça a acumular reservas internacionais excedentes, isto é, fundo soberano com parte das reservas, ou com reservas
superiores aos níveis considerados necessários para fi- adicionais a serem adquiridas no mercado pelo Tesouro,
nanciar eventuais emergências de balanço de pagamen- resultaria em uma certa redistribuição de poder dentro do
tos ou para administrar com segurança a taxa de câmbio. governo. Perderia o Banco Central, ganhariam o Tesouro
Nessa situação, existe a oportunidade de criar um fundo e o BNDES.”
à parte, onde os ativos externos pertencentes ao governo
possam ser aplicados com mais rentabilidade. As reser-
vas tradicionais, administradas normalmente pelo
Banco Central, são sempre aplicadas de forma muito
Arthur Oscar Guimarães
conservadora, em papéis líquidos e sem risco (títulos
governamentais de países desenvolvidos, por exemplo). Doutor em Sociologia, na Área de C&T e Sociedade, pelo Departa-
mento de Sociologia da UnB. Pesquisador Associado do Centro
Elas têm que estar prontamente disponíveis para cobrir de Desenvolvimento Sustentável (CDS/UnB). Mestrado em
desequilíbrios de balanço de pagamentos e intervir no Engenharia de Produção, na Área de Política de C&T pela COPPE/
UFRJ. Graduado em Ciências Econômicas pela UnB. Atualmente
mercado de câmbio. Em contrapartida, a sua rentabili- é Consultor Legislativo concursado da Câmara Legislativa do DF
(CLDF), cedido ao Senado Federal (SF) desde 1999, onde ocupa a
dade é muito modesta. Já os fundos soberanos têm mais
função de Assessor Técnico.
liberdade para aplicar. Podem fazer investimentos de pra-
zo mais longo, comprar títulos privados, ações e até as-
sumir o controle de empresas em outros países. No caso
brasileiro, por exemplo, cogita-se financiar as ativi-
dades do BNDES no exterior, mediante a aquisição
de papéis do banco. Em suma, são investimentos de
maior risco e menos liquidez, mas com rentabilidade
mais atraente. Administrados de forma profissional, es-
ses fundos podem gerar rendimentos consideravelmente
superiores às reservas tradicionais.” (grifamos)

Entretanto, hoje, pouco tempo depois das afir-


mações e posicionamentos acima, parece mais ade-
quado considerar neste debate o fato de o País ter
enfrentado uma crise com demonstração inequívoca
de grande capacidade de gestão, com o Brasil sendo
apontado como um dos primeiros países a sair da crise,
O pré-sal no
ponto de vista
econômico
por Daniela Lima

Intitular o Brasil como um dos grandes produtores de petróleo graças às reservas desco-
bertas no pré-sal não deixa de ser considerada, principalmente por parte dos governistas,
mais uma ascensão do País. Mas a grande preocupação de especialistas na área econômica
é com relação aos efeitos do pré-sal na economia brasileira. O que inclui diversos aspectos,
tais como o modelo empresarial de exploração a ser adotado, a doença holandesa; a redução
do câmbio com a excessiva oferta de dólar; a conseqüente desestruturação do setor expor-
tador; o crescimento das importação; a partilha dos royalties e a maneira como os recursos
provenientes do petróleo podem afetar as questões sociais do País.

Localizado numa faixa situada entre os estados do industrial e tecnológico brasileiro, agregando valor às
Espírito Santo e Santa Catarina, os depósitos de petró- outras cadeias produtivas já existentes. Portanto, se as
leo ocupam uma área de 160 bilhões de m², em pro- ações de regulamentação e coordenação dos proces-
fundidades de até sete mil metros. As reservas dessa sos forem devidamente observadas, o Brasil terá mo-
província estão estimadas entre 40 e 80 bilhões de bar- tivos para comemorar, futuramente”, diz a economista.
ris. Se forem confirmadas, o Brasil vai fazer parte do se- O pré-sal pode ser considerado mais uma riqueza
leto grupo dos maiores produtores mundiais do setor. ao patrimônio da Nação, uma vez conhecida a proba-
28 A economista e conselheira do Conselho Regional do bilidade de sucesso da exploração. Entretanto, existem
Espírito Santo, Martha Ferreira, acredita que se forem incertezas geológicas, tecnológica e, principalmente,
Conjuntura

implementadas políticas bem feitas, esse petróleo vai de custos, é o que pensa Felipe Ohana, economista e
trazer uma excelente oportunidade para a inserção da consultor sócio da OF Consultoria Econômica. Para
economia brasileira, em termos internacionais. Em seu ele, o novo estoque de riqueza – na forma de óleo e
ponto de vista, o Brasil possui uma estrutura industrial gás – deve assumir a forma de equipamentos e servi-
bastante diversificada e não gravita apenas em torno ços públicos. “Uma simples troca, mas que gera efeitos
do setor de petróleo e gás. “A exploração desse setor reais sobre a produtividade dos fatores de produção.
abrirá novas oportunidades para o desenvolvimento Ao conjunto dos efeitos decorrentes da troca de óleo
Revista de
julho / setembro / 2009
por equipamento e serviço públicos denominamos a sociedade brasileira (equipamentos, serviços públi-
rendimentos. Os rendimentos (capitalizados e trazidos cos, pesquisas etc)”, afirma Ohana.
a valor presente) são a medida do impacto econômi-
co do pré-sal - aumento da competitividade do parque Os efeitos negativos na economia
produtivo nacional. Desnecessário dizer, esses rendi-
mentos dependem da gestão desse estoque de rique- Os prejuízos para a economia brasileira vêm por
za. Portanto, temos aí um significativo elemento para meio da valorização real do câmbio, por uma política fis-
agravar a incerteza do pré-sal”. cal excessivamente expansionista ou pela formação de
Preocupados em analisar os impactos ou não na expectativas negativas ao investimento (ameaçado pela 29
economia brasileira, os especialistas acreditam tratar-se importação competitiva), a economia pode entrar num
de um efeito permanente de riqueza e as consequên- ritmo de sucesso mercantilista, com reduzida perspecti-
cias dependerão da forma como esse impacto vier a ser va de desenvolvimento sustentado no tempo. Mas, con-
administrado. Felipe Ohana ressalva as possibilidades siderando o conhecimento acumulado, a sofisticação do
de complicações a partir de efeitos cambiais e da polí- setor produtivo no País e o permanente debate que esse
tica fiscal, se o Estado julgar que pode “financiar”, com a tema enseja, não se deve esperar desvios permanentes
totalidade dos recursos do óleo, a expansão da deman- de rota, na administração do recursos do pré-sal.
da agregada. “Uma boa administração implica adquirir Felipe Ohana estranha o formato ideológico do de-
ativos, mundo a fora, e internalizar parte dos rendimen- bate sobre o modelo de negócio para explorar o pré-
tos, a exemplo do que fazem os países com superávit sal. E acrescenta que essa escolha deve depender – des-
crônico na balança de pagamentos. A partir daí, tem-se de a perspectiva do proprietário do óleo – dos riscos
um financiamento consistente (não implica exigibilida- envolvidos na extração.“Na Arábia Saudita, a chance de
des) e permanente das benfeitorias para a economia e sucesso de qualquer perfuração é quase de 100%, com

Agência Petrobras de Notícias / Juarez Cavalcanti


custos conhecidos. Por essa razão, o modelo é de con- A distribuição dos royalties do pré-sal
trato de serviço. No pré-sal, a ideologia pulou na fren-
te e definiu que o modelo será de partilha, como, por De acordo com a Agência Nacional do Pe-
exemplo, na Angola, Egito e Líbia”. tróleo (ANP), royalties são uma compensação finan-
Para a economista Martha Ferreira os estados e mu- ceira devida ao Estado pelas empresas concessionárias
nicípios produtores, e sua região de influência, sofrem produtoras de petróleo e gás natural no território brasilei-
muito mais com os impactos da exploração do petró- ro e são distribuídos aos estados, municípios, ao Coman-
leo, especialmente aqueles que não possuem econo- do da Marinha, ao Ministério da Ciência e Tecnologia e ao
mia diversificada ou base industrial consolidada. Nes- Fundo Especial administrado pelo Ministério da Fazenda,
tes, existe o perigo real de se verificar o “efeito Macaé”. que repassa aos estados e municípios de acordo com os
“É preciso uma atenção especial para evitar, também, critérios definidos em legislação específica.
a ‘doença holandesa’, que dizima a indústria local ou a A Constituição diz que os estados e municípios pos-
‘maldição do petróleo’, que aumenta o nível de desi- suidores de áreas petrolíferas produtoras são beneficia-
gualdades e pobreza”, ressalta.“Mas, o impacto mais ne- dos com os royalties por serem afetados pela explora-
gativo sobre a economia brasileira será o descaso se a ção do petróleo. O atual modelo calcula que 50% dos
aplicação dos recursos para desenvolvimento do setor, royalties e as participações especiais sejam recolhidas
planejamento e execução das obras infraestruturantes para a União (40% para o Ministério de Minas e Energia
e distribuição de royalties não forem seriamente fisca- e 10% para o do Meio Ambiente), 40% aos estados pro-
lizados e a corrupção punida, exemplarmente, quando dutores e 10% aos municípios.
acontecer. Os olhos do mundo estão voltados para o Essa discussão não traz consenso entre as opiniões­
Brasil e um deslize, nesse sentido, terá resultados catas- de especialistas e o governo. Para Martha Ferreira, os
tróficos sobre a credibilidade do País, com efeito direto estados e municípios produtores, e sua região de in-
sobre os investidores”, explica a economista. fluência, sofrem muito mais com os impactos da ex-
ploração do petróleo. Também demandam por muito
Etanol versus pré-sal mais recursos para investir em infraestrutura social e
econômica, e para preservar o meio ambiente. Segun-
A descoberta das reservas do pré-sal traz dúvidas do ela, Espírito Santo, Rio de Janeiro e São Paulo são
com relação ao etanol e a possível perda de espaço no os principais críticos dos projetos.“Eles não abrem mão
mercado e visibilidade internacional, principalmente de continuar recebendo percentuais maiores de com-
em um momento de luta para transformá-lo em um pro- pensação financeira, os royalties; e nem aceitam que os
duto de exportação. Na análise de Ohana, os produtos projetos de regulamentação do pré-sal sejam votados
são escolhidos pela sua eficiência relativa (menor custo às pressas. Então, o governo retrocedeu: manteve o mo-
para gerar o mesmo benefício), como em qualquer con- delo de concessão para os blocos já licitados e o atual
corrência. “No caso do etanol, há o componente ecoló- sistema de distribuição de royalties; e mandou retirar a
gico que  ‘reduz’ o seu preço (custo para quem compra), urgência na votação do pré-sal”, explica.
na forma de honra ao mérito por poluir menos.  Nada

30 obstante, tenho dificuldade para acreditar em regimes


sustentados de negócio em que a eficiência não seja o
As implicações de um novo marco regulatório

principal elemento de determinação. Se o pré-sal trou- O governo começou a discutir um novo marco regu-
Conjuntura

xer a justificativa para o governo federal diminuir qual- latório, ou seja, um outro modelo de exploração, que será
quer eventual subsídio ao etanol, entendo que essa é aplicado nessa área, e enviou quatro Projetos de Lei ao
uma consequência positiva. Seguindo essa suposição, o Congresso Nacional. O primeiro discute o regime de ex-
núcleo de negócios do etanol terá que investir em pro- ploração, que passa do modelo de concessão para o de
dutividade (tornar-se mais eficiente), o que  viria a ser partilha da produção. No modelo de concessão, as em-
uma outra consequência positiva do pré-sal”. presas disputam em leilão público a compra do direito
Revista de
julho / setembro / 2009
de explorar as áreas oferecidas pela Agência Nacional que, parte das receitas desses investimentos, retornará à
do Petróleo. A Petrobras concorre em pé de igualdade, União, para serem aplicados em programas de comba-
com outras empresas do setor, e não há garantia de par- te à pobreza, em inovação científica e tecnológica e em
ticipação mínima para ela. É o modelo usado pelos EUA, educação; e o quarto trata da capitalização da Petrobras.
Canadá, Inglaterra e Noruega. No contrato de partilha, Para Martha Ferreira a oposição e a iniciativa priva-
o Estado e as empresas dividem entre si a produção do da acreditam que haverá: desconfiança no mercado, se
petróleo, permitindo à União capturar a maior parte da houver mudança no modelo de exploração e se ele for
riqueza gerada. O governo poderá contratar a Petrobras imposto aos blocos já licitados; aparelhamento político
para produzir no pré-sal e em áreas estratégicas ou con- partidário, se implantada uma nova estatal; desvio de 31
tratar empresas privadas, por meio de licitação, mas as- recursos e corrupção, facilitados pela criação do fundo
segurando à estatal uma fatia mínima de 30% em cada social; e que a capitalização da Petrobras não vem num
bloco. Além disso, a Petrobras será a operadora de todos bom momento, em decorrência da crise financeira mun-
os novos campos. Esse é o modelo usado pela China, Irã, dial. “Desde a abertura do setor petroleiro para o capital
Angola e Venezuela. externo, em 1997, o Brasil tem gozado de boa reputação,
O segundo projeto cria uma nova estatal, para geren- como mercado estável e transparente, e os críticos da
ciar as atividades no pré-sal; o terceiro destina os recur- nova proposta apenas temem que a concentração estatal
sos obtidos com a renda do petróleo a um fundo social, venha a reverter esse histórico. Todo brasileiro tem a obri-
que realizará investimentos no Brasil e no exterior, sendo gação de participar desse debate”, conclui a economista.

As tabelas 1 e 2 apresentam as alíquotas e os beneficiários da distribuição dos royalties, conforme estabele-


cido na legislação pertinente

Tabela 1
Parcela de 5% – lei nº 7.990/89 e  decreto nº 01/91
70% Estados produtores
Lavra
20% Municípios produtores
em terra
10% Municípios com instalações de embarque e desembarque de petróleo e gás natural
30% Estados confrontantes com poços

Lavra na 30% Municípios confrontantes com poços e respectivas áreas geoeconômicas


plataforma 20% Comando da Marinha
continental 10% Fundo Especial (estados e municípios)
10% Municípios com instalações de embarque e desembarque de petróleo e gás natural

Tabela 2
Parcela acima de 5% – lei nº 9.478/97  e  decreto nº 2.705/98
52,5% Estados produtores
Lavra 25% Ministério da Ciência e Tecnologia
em terra 15% Municípios Produtores
7,5% Municípios afetados por operações nas instalações de embarque e desembarque de petróleo e gás natural
25% Ministério da Ciência e Tecnologia
22,5% Estados confrontantes com campos
Lavra na
22,5% Municípios confrontantes com campos
plataforma
15% Comando da Marinha
continental
7,5% Fundo Especial (estados e municípios)
7,5% Municípios afetados por operações nas instalações de embarque e desembarque de petróleo e gás natural
Fonte: Agencia Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustiveis - ANP
Estimativa de Produção no Pré-sal concedido (Mil barris por dia)

Nos próximos anos o Brasil produzirá,


somente no pré-sal já concedido,
quase o mesmo volume produzido
atualmente no país.

Produção total média no 1º semestre


de 2009: 1.936.000 barris/dia

Fonte: governo federal


Fonte: governo federal
1997 2009
PAÍS PAÍS
• Instabilidade macroeconômica; • Estabilidade macroeconômica;
• Blocos exploratórios de baixa • Descoberta de uma províncias
rentabilidade e risco elevado; petrolíferas do mundo;
• Importador de Petróleo; • Parque industrial diversificado;
• Escassez de recursos para • Perspectiva de aumento da
investimentos. capacidade de exportação.

PETROBRAS PETROBRAS
• Insuficiência de capital para • Elevada capacidade tecnológica;
realizar investimentos; • Maior capacidade de captação
• Dificuldade de captação externa; de recursos;
• Elevados custos de capital. • Robusta carteira de investimento.

PREÇO DO PETRÓLEO PREÇO DO PETRÓ


• US$ 19/barril. • Preço oscilando em torno de
US$ 65/barril.

32
Conjuntura
Revista de
ARTIGO

julho / setembro / 2009


Agenda pré-sal
Roteiro de questões para equacionar 33
o projeto brasileiro de longo prazo
Sebastião Soares

Visão de longo prazo demonstra a impossibilidade de que isso possa ocorrer


exclusivamente por meio dos mecanismos usuais de
Um país democrático e coeso, no qual a iniquidade foi mercado. São também imprescindíveis órgãos e insti-
superada, todas as brasileiras e todos os brasileiros têm tuições de Estado, políticas públicas e instrumentos pe-
plena capacidade de exercer sua cidadania, a paz social culiares e adequados ao enfrentamento desse desafio.
e a segurança pública foram alcançadas, o desenvolvi- Alem desses atores relevantes no equacionamento
mento sustentado e sustentável encontrou o seu curso, dessas questões, a sociedade civil e seus movimentos e
a diversidade, em particular a cultural, é valorizada. Uma organizações, são também indispensáveis, participan-
nação respeitada e que se insere soberanamente no ce- do dessas discussões e da formulação das soluções,
nário internacional, comprometida com a paz mundial e bem como no acompanhamento e no controle social
a união entre os povos. das respectivas implementações.
(Agenda Nacional de Desenvolvimento – CDES)
Pré-sal e cenários de desenvolvimento com re-
distribuição de renda
A exploração das reservas de petróleo do pré–sal
apresenta muitas oportunidades que, adequadamente A dinâmica do crescimento por consumo de mas-
aproveitadas, podem conformar e viabilizar durante a sa tem sido bem sucedida em países com mercado de
primeira metade do Século XXI, o mais importante pro- grande dimensão, tanto pelo contingente populacio-
jeto para o Brasil. É a construção de uma grande Na- nal quanto pela propensão ao consumo da população.
ção que seja democrática, justa e soberana, bem como Como se sabe, tal estratégia motiva o aparecimento
social, ambiental e economicamente desenvolvida. O no tecido econômico e social do País, de um círculo
território brasileiro constituindo um espaço que aco- virtuoso que pode ser, de modo expedito, assim enun-
lha, abrigue e integre uma sociedade aberta e plural, ciado: a ampliação da demanda popular a setores
diversificada e pacífica, sem desequilíbrios, exclusões e modernos engendra a realização de investimentos em
discriminações de quaisquer naturezas. bens de capital e em inovação, que propiciam ganhos
No entanto, a implementação desse projeto, em de produtividade e de competitividade na economia,
suas vertentes econômica e social, mediante o aprovei- os quais, sendo apropriados por toda a população, na
tamento da abundância petroleira implica, essencial- forma de aumento do rendimento das famílias traba-
mente, promover uma ampla realocação distributiva lhadoras, resultam em renovado estímulo ao consumo
de encargos e benefícios. E nossa experiência histórica popular de bens modernos, e assim por diante.
‘‘
macroeconômicas para o desenvolvimento nacional, em
bases sustentadas. Assim, no período 2004-2007 ocorreu
a retomada do crescimento econômico, associado à re-
A retomada do desenvolvimento dução da desigualdade de renda entre os brasileiros (PPA
apoiou-se inicialmente na 2004/2007). Os dados a seguir ilustram esses fatos.
expansão do consumo das Entre 2004 e 2007 o PIB cresceu em média 4,5% ao
ano, o que corresponde, praticamente, ao dobro da mé-
famílias, especialmente o Bolsa
dia observada nos 20 anos anteriores – média de 2,3%
Família e os aumentos reais ao ano entre 1982 e 2003. Tal resultado, embora ainda
do salário mínimo. No período inferior àquele alcançado em período anterior (média
2004-2007, alem da geração de de 7,7% ao ano entre 1966 e 1981), já configura um
novo padrão de crescimento, em patamar mais elevado.
empregos formais na economia, Essa assertiva fica tão mais clara quanto se considerar-
houve também aumento real mos que no último trimestre de 2007 e até que a crise
do salário dos trabalhadores, econômico-financeira mundial alcançasse e repercutisse
o que se sobrepõe ao efeito
das políticas sociais e também
amplia o consumo das famílias e
sustenta o crescimento.
‘‘ na economia brasileira. No segundo semestre de 2008,
a taxa de crescimento já se situava acima de 6% ao ano.
Nesse período houve uma geração líquida de 5,6 mi-
lhões de empregos formais e a inflação que em 2003 havia
sido de 9,3%, recuou gradativamente (PPA 2004/2007),
alcançando 5,2% na média de 2004 a 2007 e, hoje, se
encontra praticamente no centro da faixa definida para
a meta da inflação (4,5%).
Obviamente, não constitui uma questão trivial o O desempenho exportador reduziu a vulnerabili-
estabelecimento e a sustentação dessa dinâmica, mas, dade externa e permitiu superar o déficit estrutural, há
entre nós, esse modelo é conhecido e vem sendo im- muito observado nas transações correntes, e acumular
plementado de forma crescentemente ordenada e arti- reservas internacionais, que alcançaram mais de US$
culada. Suas bases conceituais podem ser encontradas 200 bilhões em 2008.
em trabalhos de importantes economistas e professo- A retomada do desenvolvimento apoiou-se inicial-
res cabendo mencionar, dentre outros, Celso Furtado e mente na expansão do consumo das famílias, graças às
Maria da Conceição Tavares em estudos e publicações políticas sociais adotadas a partir de 2003, especialmen-
das décadas de 1950/1960 e, mais recentemente, Anto- te o Bolsa Família e os aumentos reais do salário mínimo.
nio Barros de Castro e Ricardo Bielschowisky. No período 2004-2007, alem da geração de empregos
Na realidade, sem muito alarde e de modo pouco formais na economia, houve também aumento real do
sistemático e ainda não totalmente consistente, desde salário dos trabalhadores, o que se sobrepõe ao efeito
2003 o governo do presidente Lula vem promovendo o das políticas sociais e também amplia o consumo das

34 desenvolvimento por consumo de massa. A estratégia famílias e sustenta o crescimento. No final do primeiro
semestre de 2008 já se observava que, há cerca de um
do modelo, de forma explícita e integral, orienta e con-
forma os dois Planos Plurianuais brasileiros elaborados ano, os investimentos vinham crescendo 2,5 vezes mais
Conjuntura

desde então (PPAs 2004-2007 e 2008-2011), e os resul- rápido que o PIB, e a taxa de investimento alcançava cer-
tados obtidos têm sido muito satisfatórios. ca de 18% dessa referência (TORRES, 2008).
Vencido o primeiro momento, de controle da infla- Todos esses fatos são evidências que o processo
ção, de reequilíbrio das contas públicas, de equaciona- de crescimento com redistribuição de renda ocorre no
mentos para a superação da vulnerabilidade externa Brasil e o círculo virtuoso, inicialmente referido, do mo-
da economia brasileira, consolidaram-se as condições delo de consumo de massa, instalou-se na economia
Revista de
julho / setembro / 2009
brasileira. A crise econômico-financeira internacional, e terceira gerações. A partir daí o amplo espectro de
que aqui chegou no segundo semestre de 2008, afe- setores industriais que utilizam insumos petroquími-
tou perversamente essa dinâmica, mas tudo indica que cos, tais como fertilizantes, plásticos e outros, também
seus efeitos são exclusivamente conjunturais. De fato, a agregam valor ao produto. Desta forma, a diretriz bási-
pronta e efetiva ação do Banco Central e do Ministério ca a ser adotada é o suprimento do mercado interno,
da Fazenda restaurando o crédito, incentivando o con- exportando apenas produtos de maior valor agrega-
sumo de bens duráveis mediante renúncia fiscal, man- do. A comercialização externa de petróleo bruto seria
tendo os gastos públicos nos programas sociais e, es- tolerada apenas em quantidades marginais e/ou em
pecialmente, sustentando os investimentos (PAC), e até situações ou condições excepcionais, em que o inte- 35
os ampliando (Habitação), dentre outras, apresentaram resse nacional, especialmente de caráter geopolítico, as
notável eficácia contracíclica, atenuando a magnitude justificasse.
e reduzindo a duração da crise em nossa economia. Em segundo lugar, é indispensável maximizar as en-
A continuidade dessa dinâmica do consumo de comendas dos bens e serviços às empresas brasileiras,
massa está consagrada no Plano Plurianual até 2011, aqui instaladas. Desde a construção naval, passando pe-
e a economia brasileira apresenta condições objetivas las indústrias fabricantes de equipamentos para apoio e
para que isso, de fato, se efetive. E as oportunidades realização de pesquisas, extração, armazenamento, bem
abertas pela descoberta do pré-sal, e o seu aprovei- como para o refino e todos os segmentos down stream,
tamento de forma adequada pode assegurar, a longo e até segmentos mais sofisticados como a robótica, de-
prazo, a evolução positiva e sustentada dessa dinâmica, verão ser majoritariamente adquiridos no parque na-

‘‘
em dimensões compatíveis com as necessárias à cons- cional. Deverá haver estímulo e apoio tecnológico, fiscal
trução de uma grande Nação.

Fortalecimento da cadeia produtiva do petróleo


e desenvolvimento sustentável
O aproveitamento das
A pesquisa, exploração, produção e transporte de reservas de petróleo e gás do
petróleo bruto; o refino, a produção e distribuição de
pré-sal, se adequadamente
derivados; bem como todos os segmentos a jusante,
no campo da indústria química e petroquímica, com- equacionado e implementado,
põem um enorme conjunto de atividades industriais e poderá induzir uma vigorosa
de prestação de serviços, interdependentes, que atual- expansão dessas atividades,
mente já têm significativa presença na economia brasi-
leira. O aproveitamento das reservas de petróleo e gás
e assim, converter a cadeia
do pré-sal, se adequadamente equacionado e imple- produtiva de petróleo no
mentado, poderá induzir uma vigorosa expansão des- poderoso vetor que irá
sas atividades, e assim, converter a cadeia produtiva de
estimular, orientar e suportar o
petróleo no poderoso vetor que irá estimular, orientar e
suportar o processo de desenvolvimento sustentável -
processo de desenvolvimento
econômico, social e ambiental -, em benefício da Nação
brasileira, durante as próximas décadas.
Nessa ordem de idéias, e em primeiro lugar, o
aproveitamento do pré-sal não pode converter o Brasil
em um grande exportador de petróleo bruto. É preci-
so agregar valor ao produto extraído mediante o refi-
sustentável – econômico,
social e ambiental –, em
benefício da Nação brasileira,
durante as próximas décadas.
‘‘
no e a produção de derivados e produtos de segunda
e financeiro para que as indústrias já existentes se am- com nossas Universalidades e Centros de Pesquisas, os
pliem, e também, para que novas se instalem. órgãos de Estado voltados a essa temática e um valioso
Igualmente, no setor de prestação de serviços deve- contingente de pesquisadores, em todas as regiões do
rão ser priorizadas as encomendas no Brasil abrangendo País. Dispomos também de alguns paradigmas exito-
todos os ramos da engenharia, nas atividades de desen- sos, nos contextos nacional e internacional, que cabe
volvimento, projeto básico e detalhamento de proces- expandir/multiplicar ou “aclimatar”.
sos, equipamentos e instalações, passando por logística Como exemplos são citados: (i) o desenvolvimento
e transporte e alcançando segmentos específicos, tais tecnológico para pesquisa e exploração de petróleo
como desenvolvimento de sistemas de informática (soft em águas profundas, da plataforma marítima, resul-
e hardwares), treinamento e capacitação de recursos hu- tado esse que, em grande parte, deve ser creditado à
manos, e outros. A partir de um patamar mínimo inicial, parceria COPPE/CENPES; (ii) as novas tecnologias para
por exemplo de 65/70%, é conveniente se estabelece- processamento de petróleo pesado e a produção de in-
rem metas crescentes para os índices de nacionalização, sumos e produtos petroquímicos de primeira e segun-
a serem alcançados em determinado prazo. da gerações que viabilizaram o Projeto COMPERJ, no
Adicionalmente ao que se expôs nos parágrafos estado do Rio de Janeiro; e (iii) a indústria de constru-
anteriores, é preciso realizar um significativo esforço ção naval asiática, especialmente na Coréia do Sul e em
de desenvolvimento tecnológico interno. Temos as Cingapura, que mediante um amplo e diversificado es-
condições básicas necessárias para isso, no âmbito do forço de pesquisa e inovação tecnológica, colocou seus

‘‘
denominado Sistema Nacional de Ciência e Tecnologia, produtos em patamar elevado de competitividade.
Como dissemos, temos as condições necessárias;
precisamos, no entanto, realizar uma grande articulação
de atores, com interesses e inserções diversas, em torno
da questão para a concretização desse objetivo; são eles,
no setor de prestação de sem pretender esgotar a lista: Petrobras, BNDES, Univer-
serviços deverão ser priorizadas sidades e Centros de Pesquisas de todo o País, empresas
nacionais e suas organizações, FINEP, MCT, MDIC.
as encomendas no Brasil
Um quarto aspecto muito importante consiste na
abrangendo todos os ramos da absoluta necessidade de que o aproveitamento do pré-
engenharia, nas atividades de sal ocorra sem agressões ao meio ambiente. A realiza-
desenvolvimento, projeto básico ção deste objetivo apresenta uma extensa intersecção
com o tema do desenvolvimento tecnológico endóge-
e detalhamento de processos,
no. Trata-se de buscar soluções tecnológicas, em todas
equipamentos e instalações, as situações, que sejam “limpas”, isto é, isentas de efeitos
passando por logística e danosos ao meio ambiente, ou, quando existentes, que
transporte e alcançando sejam devidamente mitigados. O leito do mar, e todo
o bioma marinho da plataforma continental brasileira,
segmentos específicos, tais
36 como desenvolvimento de
apresentam uma enorme biodiversidade. Em especial,
as algas marinhas são consideradas muito importantes
sistemas de informática (soft
‘‘ na geração do oxigênio da atmosfera. Esse nosso patri-
Conjuntura

mônio é muito valioso e não pode ser destruído ou mal-


e hardwares), treinamento
baratado. É a Amazônia Azul e precisamos cuidar dela.
e capacitação de recursos A geração de CO2 decorrente do uso do gás natural
humanos, e outros. ou de combustível derivado do petróleo como fonte
energética nas instalações marítimas e nas instalações
de terra, bem como nas unidades industriais da cadeia
Revista de
‘‘

julho / setembro / 2009


produtiva, pode ser resolvida ou mitigada com o de-
senvolvimento de tecnologia economicamente viável,
para captura e armazenamento de carbono (CCS – Car-
bon Capture and Storage). As pesquisas estão em fase
Em níveis atuais dos preços
inicial, e ainda não são conhecidas as condições nas internacionais do petróleo
quais essa solução poderia ser adotada. A propósito, – aproximadamente
seria muito conveniente e desejável estabelecer, em
US$ 70,00 por barril – o
todas as iniciativas e projetos de desenvolvimento tec-
nológico, referentes ou não à cadeia produtiva do pe- aproveitamento dos 37
tróleo, no âmbito do Sistema Nacional da Ciência e Tec- hidrocarbonetos do pré-
nologia, a diretriz de colocar, sempre um foco especial sal apresenta excelente
na busca de tecnologias ambientalmente sustentáveis.
O quinto ponto que desejamos abordar diz respei-
rentabilidade. Isso decorre
basicamente das elevadas
to ao ritmo que deve ser aplicado na implementação
do projeto pré-sal. Neste tema penso ser mandatório
que a aceleração aplicada à implantação do empreen-
dimento seja aquela compatível com a plena realização
dos quatro objetivos delineados acima. Mais que isso, ao
longo do tempo, o ritmo deve ser marcado pela veloci-
dimensões das reservas e
de não existir, praticamente,
risco geológico de pesquisa
e de exploração.
‘‘
dade com que se poderá alcançar o objetivo mais difí-
cil, ou de implementação mais lenta, dos quatro acima
apresentados. Em hipótese alguma devemos nos pautar
pela lógica, e o desejo, dos grandes consumidores de Destinação dos recursos decorrentes da explo-
petróleo. São economias desenvolvidas e dependentes ração do pré-sal
do petróleo, cujas reservas são hoje muito escassas em
seus territórios, e por isso, são obrigadas a buscar o seu Em níveis atuais dos preços internacionais do pe-
abastecimento em geografias distantes, que estão cres- tróleo – aproximadamente US$ 70,00 por barril – o
centemente conturbadas por razões políticas. Para esses aproveitamento dos hidrocarbonetos do pré-sal apre-
consumidores as reservas do pré-sal constituem alterna- senta excelente rentabilidade. Isso decorre basica-
tiva de suprimento fortemente atrativa. mente das elevadas dimensões das reservas e de não
Contemplados os aspectos substantivos dos cin- existir, praticamente, risco geológico de pesquisa e de
co temas tratados neste artigo quais seriam as conse- exploração. Considerando a agregação de valor ao pe-
qüências para o Brasil? Estaremos, durante as próximas tróleo extraído­, que se pretende seja uma diretriz fun-
décadas, gerando milhões de empregos de qualidade damental do empreendimento, com a experiência do
distribuídos por todo o território nacional; realizando operador que se espera venha a ser Petrobras, e com
investimentos estratégicos, especialmente nos setores os incrementos naturais de produtividade que sempre
fabricantes de equipamentos, com desenvolvimento e ocorrem nos projetos na medida em que amadurecem,
incorporação de modernas tecnologias sustentáveis, aquela rentabilidade confortável, obtida desde o início,
com os correspondentes ganhos de produtividade; e será ainda significativamente ampliada.
alcançando um novo patamar de crescimento do PIB. Assim sendo, mesmo que se transfira parcela impor-
Na realidade, estará sendo fortalecida, ampliada e con- tante dessa rentabilidade aos rendimentos dos traba-
solidada a dinâmica do consumo de massa, realizando- lhadores, mediante aumentos reais dos salários, e ainda
se assim, o desenvolvimento sustentado com distri- que se assegure o devido retorno aos investimentos
buição de renda. E, isso estará ocorrendo com plena feitos, bem como todos os encargos tributários devidos
autonomia e irreversibilidade. aos entes federativos, o que sobra corresponde a um
‘‘
futuras; e (iii) Busca de sustentabilidade ambiental.
A primeira vertente, dos investimentos sociais, cor-
responde a acréscimos às usuais dotações orçamentá-
Na vertente dos benefícios rias da União à Educação e à Saúde. No primeiro caso
reforçando e ampliando os projetos e ações que com-
para as gerações põem o Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE),
futuras alinham-se, de com ênfase na universalização da educação infantil, na
um lado, as alocações ampliação dos cursos técnicos e profissionalizantes e
do terceiro grau, em todo o território nacional, bem
de caráter social, para
como, melhorando significativamente a qualidade do
a universalização da ensino em todos os níveis.
previdência social para No campo da Saúde, consolidando a prestação dos
todos os brasileiros, com serviços no âmbito do SUS e estendendo sua cobertu-

níveis satisfatórios para


o valor dos benefícios
previdenciais, ao longo
do tempo.
‘‘ ra, ampliando o número de equipes de saúde da famí-
lia, de saúde bucal e de agentes comunitários de saúde,
de modo a universalizar a prestação desses serviços a
todos os brasileiros. E, aqui também, com o objetivo
de melhorar significativamente a qualidade do atendi-
mento, em todas as situações e em todo o País.
Na vertente dos benefícios para as gerações futuras
alinham-se, de um lado, as alocações de caráter social,
para a universalização da previdência social para todos
montante muito elevado, e será apropriado pelo dono os brasileiros, com níveis satisfatórios para o valor dos
do petróleo bruto produzido. Se for instituído um siste- benefícios previdenciais, ao longo do tempo. E, também,
ma de partilha da produção pelo novo marco regulató- para ampliar a cobertura e o nível dos recursos alocados
rio, e dependendo da participação que for destinada a no âmbito da Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS).
União Federal (por exemplo 80%), esta disporá anual- Neste último caso, o objetivo é a consolidação de um
mente, de um montante elevado de recursos líquidos e conjunto de políticas públicas e de uma rede de órgãos
absolutamente disponíveis, medido na escala de deze- e entidades capazes de prover a proteção social, de efeti-
nas de bilhões de dólares. vidade compatível com a extensão do território nacional
Cabe destacar que tais recursos são adicionais à e com as necessidades da população brasileira.
atual tributação incidente nessas atividades, e des- De outro lado, ainda nesta vertente seriam alocados
tinada às fazendas municipais, estaduais e federal. A recursos em projetos e ações de caráter estratégico, para
sua totalidade estará disponível para a União, em con- defesa da soberania brasileira em todo o território na-
sequência de disposição constitucional (Art. 20, da cional, e no mar, até as 350 milhas de distância do lito-
Constituição Federal), e será parte em moeda nacio- ral, área que o Brasil considera sob seu domínio, e que
nal e parte em divisas. Assim sendo, é oportuno cons-
38 tituir com eles um ou mais Fundo(s) Soberano(s),
está em fase de reconhecimento pela Organização das
Nações Unidas. Nas zonas fronteiriças em terra, espe-
em regime de capitalização, com criação e operação cialmente na região amazônica, e também no mar, onde
Conjuntura

adequadamente reguladas. Na sua constituição se- estão as reservas do pré-sal, é necessário que o Exército,
ria definida a forma e o ritmo da capitalização e da a Marinha e a Aeronáutica tenham recursos para assegu-
respectiva utilização. Nessa etapa caberá também rar, hoje e para as futuras gerações de brasileiros, a nossa
definir sua destinação e neste caso, propõe-se a sua plena e inconteste soberania sobre essas áreas.
aplicação em três vertentes assim denominadas: (i) A questão da sustentabilidade ambiental seria
Investimentos sociais; (ii) Benefícios para gerações destinada a terceira parcela da macro alocação dos
Revista de
julho / setembro / 2009
recursos provenientes do(s) Fundo(s) Soberano(s). da África e da Ásia, especialmente Angola, África do Sul,
Como exemplos de programas e empreendimentos Índia e China. Também com os países desenvolvidos,
nesse campo podem ser relacionados, sem pretender no âmbito do G-20 e com organismos multilaterais,
esgotar tais possibilidades: da Organização das Nações Unidas. No campo interno
• investimentos, e aplicações de custeio, para detec- são necessárias, amplas e extensas negociações com o
tar, monitorar e reduzir drasticamente o desmatamen- Congresso Nacional e articulações com o Poder Judi-
to na Amazônia; ciário e os entes federativos (Estados e Municípios), os
• investimentos no âmbito do Sistema Nacional de meios de comunicação, os empresários e suas organi-
Ciência e Tecnologia em parceria com os setores produ- zações, os sindicatos de trabalhadores, as organizações 39
tivos, para o desenvolvimento de tecnologias “limpas”, e os movimentos da sociedade civil.
citando como exemplo: (i) o aproveitamento da biodiver-
sidade existente no bioma amazônico e do centenário A situação atual
conhecimento e cultura dos povos da floresta, no campo
da “medicina popular” da região, visando à utilização de Os quatro Projetos de Lei recentemente encami-
produtos fitoterápicos, bem como o desenvolvimento de nhados ao Congresso Nacional constituem propostas
novos princípios ativos para a indústria químico-farma- do Executivo que, certamente, poderão ser aperfeiço-
cêutica; (ii) captura de carbono na atmosfera (CCS), junto adas pelo Legislativo. Em síntese, consideramos positi-
aos grandes consumidores de energia oriunda de com- vos os seguintes pontos:
bustíveis fósseis; (iii) pesquisa e desenvolvimento, junto • o novo marco regulatório consagra o modelo de

‘‘
com a indústria automobilística brasileira e suas associa- partilha como aquele que será adotado. É uma sábia
ções, do carro elétrico brasileiro;
• investimentos para desenvolvimento tecnológico
e inovação – e também na produção, distribuição e uti-
lização do álcool combustível e do biodiesel. Desenvol-
vimento de uma nova alcoolquímica, como alternativa Para concretizar essa sgenda
à produção de insumos e produtos derivados dos com- pré-sal há a necessidade de o
bustíveis fósseis.
Além dos ganhos diretos para a economia brasileira
Poder Executivo desenvolver
decorrentes desses aportes provenientes do(s) Fundo(s) um amplo espectro de
Soberano(s), sua mera existência constituirá instrumento articulações políticas e
valioso na viabilização de ações e políticas contracíclicas.
institucionais. No plano
Ademais, o fortalecimento de toda a cadeia produtiva do
petróleo, como se tratou anteriormente, e a continuida- externo é preciso articular
de dos investimentos que hoje vêm sendo realizados em com os países da América
setores da infraestrutura, principalmente energia elétrica do Sul, especialmente no
e transportes; em saneamento básico; em habitação; e
outros, constituirão um conjunto de circunstâncias e si-
âmbito do MERCOSUL e
tuações favoráveis que certamente sustentarão o desen- da UNASUL (Conselho de
volvimento brasileiro nas próximas décadas.
Para concretizar essa sgenda pré-sal há a necessida-
de de o Poder Executivo desenvolver um amplo espec-
tro de articulações políticas e institucionais. No plano
externo é preciso articular com os países da América do
Sul, especialmente no âmbito do MERCOSUL e da UNA-
Defesa Sul Americano), com
países da África e da Ásia,
especialmente Angola, África
do Sul, Índia e China.
‘‘
SUL (Conselho de Defesa Sul Americano), com países
decisão dadas as características das reservas do pré-sal • o aumento do capital social da Petrobras a ser promo-
e o uso que dela pretendemos fazer; vido pela União, embora meritório e necessário, é operação
• a criação da Petro-Sal, que assumirá em nome da complexa que ainda não está claramente encaminhada.
União a parcela que lhe couber na partilha do petróleo
extraído e, como agente do Estado, exercerá na explo- Finalmente, como dificuldades que, desde já, são es-
ração do pré-sal, um importante monitoramento de as- peradas na definição dos meios e modos de explorar as
pectos relevantes para assegurar a plena realização dos reservas do pré-sal, podem ser relacionadas:
objetivos nacionais; • a tramitação dos Projetos de Lei do Executivo no
• o papel da Petrobras, será bastante relevante, a sa- Congresso Nacional;
ber (i) será a operadora de todos os blocos explorados, • os poderosos interesses nacionais, e internacio-
devendo ter uma participação acionária expressiva em nais, contrariados pelo que se delineia na equação que
todos eles, para bem desempenhar essa missão; (ii) po- está sendo estruturada;
derá ela própria participar dos leilões, só ou em parce- • a posição da maioria dos grupos que detém o con-
ria com outros investidores; (iii) poderá ser contratada trole da grande mídia no Brasil;
diretamente pela União, para explorar os blocos que • o longo prazo e a complexidade de equacionamen-
apresentem grande reserva estimada. to de alguns aspectos indispensáveis ao sucesso do
• o BNDES está capacitado e preparado para ser o aproveitamento do pré-sal com apropriação pelo País
agente financeiro principal no financiamento do projeto. e o seu povo, dos resultados desse empreendimento.
Suas equipes técnicas, seus recursos financeiros, sua forte
experiência aportam segurança na execução dessa função. Para concluir, apenas mais uma reflexão. Face à im-
portância do projeto pré-sal e às oportunidades que ele
Estão ainda imprecisos e obscuros os equaciona- oferece, bem como frente aos riscos existentes, de uma
mentos propostos em relação a outras questões, tais inadequada exploração, há um desafio para todos nós:
como: devemos nos mobilizar – os trabalhadores e os empre-
• a própria taxa que caberá à União na partilha; em sários; os jovens e os mais velhos; o campo e as cidades;
cada situação será estabelecida uma referência míni- os profissionais liberais; os formadores de opinião; enfim
ma, sendo vencedor o licitante que oferecer a maior a sociedade civil organizada, ou não – para que seja ade-
taxa, obviamente acima do mínimo estabelecido. Pelo quadamente equacionada a exploração das reservas do
exemplo internacional, em situações semelhantes ao pré-sal, em benefício do Brasil e de sua população.
pré-sal (magnitude das reservas e inexistência ou bai-
xo risco geológico), essa taxa mínima deveria situar-se Referências Bibliográficas:
próximo de oitenta por cento;
• a utilização do petróleo destinado à União – há Plano Plurianual 2004-2007. Relatório de Avaliação. Ca-
indicações que a Petrobras será a encarregada da sua derno 1, Secretaria de Planejamento e Investimentos
comercialização, mas nada se anuncia no que concerne Estratégicos. Brasília: MP, 2008.
à agregação de valor ao petróleo produzido, como am-

40 plamente abordado neste trabalho;


• quanto à destinação dos recursos do Fundo Social
Torres , Ernani. A Crise Financeira Internacional e a Eco-
nomia Brasileira. APE / BNDES – Palestra no 29º Con-
a ser criado, os objetivos são muito genéricos, nada ha- gresso da ABRAPP. Rio de Janeiro, nov/2008, mimeo.
Conjuntura

vendo em relação a importantes finalidades, especial-


mente as que aqui denominamos como vertente dos
benefícios para gerações futuras; Sebastião Soares
• como será tratada a unitização das reservas quan- Engenheiro aposentado do BNDES. Colaborador do IBASE desde
sua fundação, hoje está na Presidência do Conselho Curador
do ocorrer interseção entre blocos já concedidos e blo-
da ­Entidade. Ex-secretário de Planejamento e Investimentos
cos do pré-sal; Estratégicos­do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão.
Revista de
ARTIGO

julho / setembro / 2009


Aspectos da evolução
econômica da China e a 41
integração com os Países de
Língua Portuguesa no âmbito
do Fórum de Macau
Elder Linton Alves de Araujo

Introdução dos Países de Língua Portuguesa – Fórum de Macau”,


consistiu em uma visita à China, em maio de 2009, de
O forte crescimento econômico da China e seu 26 pessoas representes da delegação de seis Países
crescente protagonismo nas decisões de comércio e de Língua Portuguesa - PLP: Brasil (cinco convidados),
investimento têm ensejado reflexões sobre o novo pa- Cabo Verde (dois), Guiné Bissau (cinco), Moçambique
pel das economias emergentes na globalização. Isso (cinco), Portugal (quatro) e Timor Leste (cinco).
porque a China tem demandado insumos de vários A delegação dos Países de Língua Portuguesa par-
países, entre eles o Brasil, e procurado diversificar mer- ticipou de eventos (cursos, palestras, visitas técnicas)
cados fornecedores e consumidores. Nesse aspecto, nas cidades de: Beijing (Pequim), especialmente no
vêm ganhando relevância o comércio e o investimen- Centro de Treinamento do Ministério do Comércio -
to com os Países de Língua Portuguesa, a partir da pla- MofCom; Shanghai (Xangai), considerada como cen-
taforma de Macau. tro financeiro da China; e Zhuhai, pólo de integração
Este artigo tem como objetivo apresentar aspectos comercial (via acordos da província de Guangdong
da evolução econômica da China e do processo de in- e Macau); além de Macau e Hong Kong, Regiões Ad-
tegração com os Países de Língua Portuguesa no âm- ministrativas Especiais, que têm certa autonomia em
bito do Fórum de Macau. Além desta introdução, o tex- relação à China Continental e se constituem como pla-
to aborda aspectos gerais da China, do seu processo taformas de integração entre a China e seus parceiros
de abertura e reforma, do seu crescimento econômico comerciais.
e da criação e desenvolvimento do Fórum de Macau.
O governo chinês tem incentivado maior inter- Aspectos gerais da China
câmbio e promovido ações conjuntas com os Países
de Língua Portuguesa. Dentre elas, o “Colóquio para Consistiu em um dos principais objetivos da vi-
Autoridades da Área de Administração Econômica sita da delegação dos Países de Língua Portuguesa a
apresentação de maiores informações sobre a China, O idioma oficial é o Chinês ou Mandarin. As religiões
sua história, cultura e desenvolvimento econômico. predominantes são o Taoísmo e a Budismo. A popula-
Em termos gerais, a República Popular da China, ção é de mais de 1,3 bilhão de habitantes. A expectativa
com seus 60 anos de história recente, além de sua cul- de vida é de 73,5 anos (média geral), sendo 71,6 anos
tura milenar, e cujo atual presidente é Hu Jintao e o para os homens e 75,5 para as mulheres. A taxa de cres-
primeiro-ministro, Wen Jiabao, localiza-se no Sudeste cimento da população é de 0,7% ao ano.
Asiático, tem área territorial de 9.596.960 Km² e pos- A moeda chinesa é o Yuan-Renminbi, cuja cotação
sui divisão administrativa constituída de 23 províncias média, em 2009, em relação ao dólar é de RMB / US$ =
(sheng); cinco regiões autônomas (zizhiqu); e quatro 6,85. Segundo o FMI, o PIB (pela paridade com poder de
municipalidades (shi). compra) equivale a cerca de US$ 7,9 trilhões (2008) e a
As províncias são: Anhui, Fujian, Gansu, Guangdong, Renda per capita, US$ 6 mil. Em termo de composição
Guizhou, Hainan, Hebei, Heilongjiang, Henan, Hubei, do valor adicionado por setor na economia da China, a
Hunan, Jiangsu, Jiangxi, Jilin, Liaoning, Qinghai, Shaanxi, Agricultura responde por 10,6%, os Serviços por 40,2%
Shandong, Shanxi, Sichuan, Yunnan, Zhejiang; e Taiwan e a Indústria por 49,2% (2008).
(a China Continental considera Taiwan como sua 23ª As exportações chinesas foram da ordem de US$
província). Há ainda as Regiões autônomas: Guangxi, 1,2 trilhão em 2007, tendo como principais produtos:
Nei Mongol, Ningxia, Xinjiang e Xizang (Tibet); as Mu- máquinas e equipamentos, ferro e aço, telefone celula-
nicipalidades: Beijing (Pequim, a Capital do País), Chon- res, produtos elétricos, equipamentos de processamen-
gqing, Shanghai (Xangai) e Tianjin, ligadas diretamente to de dados, têxtil e vestuário; e como principais com-
ao governo central; e as regiões administrativas espe- pradores: Estados Unidos (19,1% do total), Hong Kong

‘‘
ciais, Hong Kong (desde 1997) e Macau (desde 1999). (15,1%), Japão (8,4%), Coréia do Sul (4,6%) e Alemanha
(4,0%). Dados ainda não definitivos apontam exporta-
ções de US$ 1,5 trilhão para 2008. Os efeitos da crise
financeira internacional têm provocado redução do vo-
lume de exportações chinesas em 2009. Ainda assim, a
As importações chinesas China, atualmente, já é o 2º exportador mundial e o 3°
importador mundial.
foram da ordem de US$ 960 Quanto às importações chinesas, foram da ordem
bilhões, em 2007. Os principais de US$ 960 bilhões, em 2007. Os principais produtos
produtos foram: máquinas e foram: máquinas e equipamentos, óleo e minerais com-
equipamentos, óleo e minerais bustíveis, plásticos, equipamentos óticos e médicos,
químicos orgânicos, ferro e aço; e os principais fornece-
combustíveis, plásticos, dores: Japão (14,0%), Coréia do Sul (10,9%), Estados Uni-
equipamentos óticos e médicos, dos (7,3%), Alemanha  (4,7%), Malásia (3,0%) e Austrália
químicos orgânicos, ferro e (2,7%). Dados de 2008 apontam importações totais de
US$ 1,15 trilhão. A redução do ritmo de atividade em
aço. Dados de 2008 apontam
42 importações totais de US$ 1,15
2009 tem resultado em menor nível de importação.

trilhão. A redução do ritmo


‘‘ Abertura e reforma da China
Conjuntura

de atividade em 2009 tem


Em 1949, a China adotou o regime Socialista, na re-
resultado em menor nível de volução de Mao Tse-tung que instalou a República Po-
importação. pular e o sistema de planificação econômica. A partir
do governo de Deng Xiaoping, a China vem passando
por grandes transformações. Desde 1978, vem sendo
Revista de
‘‘

julho / setembro / 2009


implementada a Reforma Econômica, com flexibiliza-
ção do regime Socialista, com avanço gradual da pla-
nificação total (modelo socialista similar ao da antiga
União Soviética) para uma estrutura mista, denominada
Na estratégia de abertura
pelos chineses como “socialismo de mercado” ou ainda
“economia de mercado socialista”. Logo, o atual sistema para o exterior, fez-se
econômico chinês tem características peculiares: “Um grande uso das chamadas
país, dois sistemas”, como costumam apresentar. Regiões Administrativas
O processo de reforma também abrange aspectos
Especiais, Hong Kong e
43
de abertura econômica, com graduais avanços internos
e nas relações exteriores. Destacando alguns fatos, no Macau. Essas duas regiões
ano de 1980, abertura do setor rural, com migração das eram ex-colônias da
propriedades comunais para sistema de pequenas pro-
Inglaterra e de Portugal,
priedades cooperativas. Em 1984 foi a vez do setor urba-
no, com estratégia de industrialização e infraestrutura de
que foram devolvidas à
transportes. Em seguida de1985 a 1988, reforma do sis- China em 1997 e 1999,
tema financeiro, com ajuste nos bancos e reforma do sis- respectivamente. Dada
tema cambial. No ano de 1992, houve a implantação do
sistema de mercado socialista. Em 2001, houve a entrada
da China na Organização Mundial do Comércio – OMC.
Na estratégia de abertura para o exterior, fez-se
grande uso das chamadas Regiões Administrativas Es-
peciais, Hong Kong e Macau. Essas duas regiões eram
a estrutura comercial e
financeira, passaram a ser
utilizadas como plataformas
de integração.
‘‘
ex-colônias da Inglaterra e de Portugal, que foram
devolvidas à China em 1997 e 1999, respectivamente.
Dada a estrutura comercial e financeira, passaram a ser
utilizadas como plataformas de integração. Hong Kong e de Macau para desenvolver as vizinhan-
A estratégia de abertura concretizou-se por meio ças, Guangdong e Fujian, que eram regiões pobres e
das Zonas Econômicas Especiais (ZEE). Depois de 1978, atrasadas. Nessas províncias e outras regiões da costa
buscou-se um novo caminho de desenvolvimento: a leste, aplicaram-se políticas especiais e flexíveis em
“China se abriu ao mundo” por meio das Zonas Econô- relação ao restante da China Continental (onde per-
micas Especiais. Os chineses criaram as Zonas Econômi- maneceu predomínio da economia planificada, es-
cas e de Desenvolvimento, especializadas por função: i) pecialmente no lado oeste), com atração de capitais
ZEE – Zonas Econômicas Especiais; e ii) ZD – Zonas de estrangeiros, desenvolvimento industrial e comercial
Desenvolvimento, em cinco níveis: ZDET – Zonas de De- e do sistema financeiro e imobiliário. Ou seja, nas ZEE
senvolvimento Econômico e Tecnológico; ZDIAT – Zo- se adota o livre mercado e fora delas continua a eco-
nas de Desenvolvimento da Indústria de Alta Tecnolo- nomia planificada, o que justifica a explicação de “Um
gia; ZF – Zonas Francas; ZPE – Zonas de Processamento país, dois sistemas”.
de Exportações; e ZCEF – Zonas de Cooperação Econô- Após 30 anos de transição gradual, os chineses
mica Fronteiriça. As ZEE e ZDET são as mais complexas, acreditam na obtenção de êxitos das ZEE, em quatro
pois envolve maior cadeia produtiva e científica. aspectos: i) função econômica – adoção das regras da
Na província de Guandong, onde está Zhuhai (ci- OMC para comércio exterior; vocação exportadora; ii)
dade vizinha de Macau), foi criada a primeira ZEE. Na certa autonomia administrativa, de acordo com re-
transição do sistema planificado para o sistema misto gulamento especial do governo central; iii) ambiente
de mercado, utilizou-se como “ponte” as cidades de de negócios – melhorias na infraestrutura, facilidades
político-administrativas; e iv) mudanças gradativas a rural. Com isso, a renda per capita urbana é de RMB 13,8
cada ano; grandes mudanças a cada três anos. Reco- mil (ou cerca de US$ 2 mil), enquanto a renda per capita
nhecem as necessidades de aperfeiçoamento no siste- rural é de RMB 4,1 mil (cerca de US$ 600) e ambas ainda
ma financeiro, na estrutura industrial e na administra- refletindo forte desigualdade.
ção social. Para contínua internacionalização das ZEE, o A China utiliza a competição de mercado, para qual
Fórum de Macau reforça essa estratégia. consideram grande papel na distribuição, combinada
com a função de macrocontrole do Estado sobre o mer-
Crescimento econômico da China cado. O governo central é quem estabelece os objeti-
vos e metas do macrocontrole. Por exemplo, em 2020, o
A China tem apresentado fortes taxas de crescimen- PIB da China deve ser quatro vezes maior do que o de
to, cerca de 10% aa em média, nos últimos dez anos. 2001. Em cinco anos, a meta é manter a taxa anual de
Mesmo com os efeitos da crise financeira mundial, o crescimento de pelo menos 8%. Anualmente, faz-se os
PIB chinês teve elevação real de 9% em 2008. Para 2009, ajustamentos do plano de longo prazo.
com as medidas de combate a crise, o governo chinês Com a crise financeira, desde o final de 2008, foi re-
espera crescimento da ordem de 8%. Projeções do FMI duzido o crescimento do PIB e retraiu-se o comércio.
apontam crescimento de 7,5%, em 2009 e de 8,5% em O sistema financeiro da China quase não foi afetado
2010, na China. em função de ser fortemente estatizado e contar com
O governo chinês associa o forte ritmo de cresci- suporte especial. Além disso, a adoção de medidas de
mento econômico à adoção do chamado “Socialismo apoio ao setor real da economia manteve aquecida a
de mercado” ou “economia de mercado socialista”, e de- demanda interna (pacote de RMB 4 trilhões, ou cerca de
claram que se leva em conta a busca da igualdade en- US$ 600 bilhões; para obras de infraestrutura). As dire-
tre regiões e entre indivíduos. Dos cerca de 1,3 bilhão trizes governamentais apontam para: industrialização
de habitantes da China, apenas 45% vive na área urba- e urbanização; investimentos em infraestrutura; inova-
na. Ou seja, a maior parte da população (55%) ainda é ção tecnológica e capital humano; aumento da renda

China – Produto Interno Bruto (Variação Real % aa)

44
Conjuntura

Fonte: National Bureau of Statistics of China.


*2009 e 2010 = projeções FMI.
Revista de
julho / setembro / 2009
per capita; e desenvolvimento do sistema financeiro. Os questões de relações exteriores. O chinês e o português
chineses consideram como principais desafios: conser- são línguas oficiais. As principais atividades econômi-
vação do meio-ambiente e melhoria das condições de cas de Macau são: construção, indústria do jogo (cas-
vida (melhores sistemas de saúde e previdência). sinos) e turismo. Macau é considerada como ligação
Em termos de iniciativas de investimentos, os chine- e porta de entrada para o interior da China, com con-
ses destacam dois grandes ciclos: o primeiro, que teve dições especiais para os Países de Língua Portuguesa.
início em 1992, com a visita de Xiao Ping ao Sul da Chi- Macau está diversificando suas plataformas, sobretudo
na; e o segundo, que foi iniciado em 2002, após entrada serviços, turismo e indústria de cosméticos e de roupas.
da China na OMC em 2001. Os Investimentos Diretos Os esforços se realizam em três frentes: i) ligação com o 45
Estrangeiros (IDE), vinham aumentando nos últimos interior da China via CEPA – o Acordo de Estreitamento
anos, mas verificou-se queda em 2008 devido aos efei- das Relações Econômicas e Comerciais entre o Conti-
tos da crise internacional (foram cinco meses seguidos nente Chinês e Macau; ii) comércio da China com Paí-
de redução do IDE desde out/2008). Ainda assim, em ses de Língua Portuguesa; e iii) apoio a investimentos e
2008, foram cerca de US$ 93 bilhões de IDE para a Chi- empresas de chineses espalhados pelo mundo.
na. No acumulado de 1979 a 2008, entraram US$ 860 A idéia do Fórum de Macau foi posta em prática a
bilhões de IDE na China. Os principais investidores tem partir da 1a Conferência Internacional, realizada na Chi-
sido: EUA, Japão, Coréia do Sul, Cingapura, Hong Kong e na em 2003, com a presença dos ministros do comér-

‘‘
Portos Livres. A maior parte dos investimentos tem sido cio dos países membros. Na ocasião, foi formalizada a
direcionada para províncias do Leste (85%); em segui-
da para as províncias Centrais (8%) e para as do Oeste
(7%). Destaca-se ainda o aumento do IDE da China em
outros países. A China está presente com investimen-
tos em 173 países, com ênfase nos setores: indústria, co-
mércio (atacado e varejo), construção civil, mineração. Em termos de iniciativas de
Em 2008, o investimento da China em outros países
chegou a US$ 52,2 bilhões. A China também atua na
investimentos, os chineses
terceirização de mão-de-obra e financiamento de pro- destacam dois grandes ciclos:
jetos e investimento. o primeiro, que teve início
em 1992, com a visita de
Integração da China com os Países de Língua
Portuguesa no âmbito do Fórum de Macau Xiao Ping ao Sul da China; e o
segundo, que foi iniciado em
O Fórum para a Cooperação Econômica e Comercial 2002, após entrada da China
entre a China e os Países de Língua Portuguesa - Fórum
de Macau – existe desde 2003 e abrange Angola, Brasil,
na OMC em 2001. Quanto
Cabo Verde, China, Guiné Bissau, Moçambique, Portugal os investimentos diretos
e Timor Leste. Tem como principal objetivo ampliar os estrangeiros (IDE), vinham
fluxos de Investimentos, notadamente em infraestrutu-
aumentando nos últimos
ra, construção civil e terceirizações, e promover maior
corrente de comércio (ampliar exportação e impor-
tação) entre os países membros. Desde 1999 existe a
RAEM – Região Administrativa Especial de Macau. An-
teriormente, por 50 anos, Macau foi administrada por
Portugal. Atualmente, a RAEM faz parte da China, mas
anos, mas verificou-se queda
em 2008 devido aos efeitos
da crise internacional.
‘‘
tem relativa autonomia ao governo central, exceto em
‘‘
quando haverá avaliação dos resultados até então al-
cançados e definição de novas metas de cooperação.
Para operacionalização do Fórum, foi criada a secreta-
Em 2009, completam-se ria executiva em Macau, a cargo do IPIM – Instituto de
Promoção do Comércio e do Investimento de Macau,
35 anos de relações que organiza grupos de trabalho e reuniões temáticas.
diplomáticas entre Brasil e Cabe destacar também que têm sido organizados en-
China e que tem potencial contros anuais dos empresários da China e dos Países
de Língua Portuguesa para viabilização dos negócios
de ampliação no futuro,
a partir dos acordos institucionais; Angola (2005), Por-
dados os resultados do tugal (2006), Moçambique (2007), Cabo Verde (2008); e
maior intercâmbio com os o mais recente, no Brasil, no Rio de Janeiro (ago/2009).
Países de Língua Portuguesa Por meio do Fórum de Macau também são promovi-
dos diversos seminários, debates e cursos de formação,
no âmbito do Fórum de tais como o “Colóquio para Autoridades da Área de Ad-
Macau e de outras iniciativas
de integração da China
com os países da
América Latina.
‘‘ ministração Econômica dos Países de Língua Portuguesa
– Fórum de Macau”, em maio de 2009. Há ainda a Feira
Internacional de Macau, cuja 14ª edição foi de 22 a 25
de outubro de 2009. Há diversos incentivos do governo
chinês (tributários, creditícios etc) para investimentos e
comércios dos Países de Língua Portuguesa via Macau
(RAEM). Utiliza-se a RAEM como plataforma de integra-
ção com a China Continental (via Guangdong – Zhuhai),
sob o guarda-chuva do Acordo CEPA. Isso tem tornado
criação do Fórum e houve definição de estratégias de Macau como porta de entrada na Região do Grande Del-
atuação, especialmente para promoção do comércio e ta do Rio das Pérolas (GDRP), considerada a mais extensa
investimentos entre os países. A 2a Conferência Inter- aliança econômica regional da China, além de permitir
nacional foi realizada em 2006, onde se buscou o apro- acesso a outras áreas da China Continental. A tabela 1
fundamento da cooperação e elaboração de plano de ilustra a ampliação da corrente de comércio após a im-
ação. A próxima Conferência deverá ocorrer em 2010, plantação do Fórum de Macau.

Tabela 1:
Corrente de Comércio entre China e Países de Língua Portuguesa - US$ Milhões FOB
Corrente de Comércio Var.% ante ano anterior

46 2004 18.770 65,0

2005 23.190 30,0


Conjuntura

2006 34.080 47,0

2007 46.350 36,0

2008* 77.022 66,2


Fonte: IPIM.
* Dados preliminares.
Revista de
julho / setembro / 2009
Entre os Países de Língua Portuguesa, o Brasil é o pujança da economia chinesa aumenta a importância
principal parceiro econômico e comercial da China das economias emergentes nas decisões globais e po-
(62,5% da corrente de comércio), seguido por Angola tencializa a organização dos países do chamado BRIC
(33,7%); Portugal (3,3%); e Moçambique (0,5%). A im- (Brasil, Rússia, Índia e China) a mais a África do Sul. Tanto
portação brasileira de produtos chineses cresceu 56,9% que se ampliaram as discussões das medidas de com-
em 2008, em comparação com 2007, e atingiu US$ 20 bate à crise global do G-8 para o G-20.
bilhões. A exportação de produtos brasileiros para a Cabe ainda notar o avanço da integração dos chi-
China também cresceu quase na mesma proporção neses, especialmente com o Brasil, com a intensificação
(50,8%), atingindo US$ 16,4 bilhões. A China passou, em das negociações comerciais e dos investimentos recí- 47
2008, a ocupar a 3ª posição entre os principais países procos. Em 2009, completam-se 35 anos de relações
de destino das exportações brasileiras, e a 2ª posição diplomáticas entre Brasil e China e que tem potencial
entre os países fornecedores do Brasil. A China superou de ampliação no futuro, dados os resultados do maior
os Estados Unidos e tornou-se, em março/2009, o prin- intercâmbio com os Países de Língua Portuguesa no
cipal destino das exportações do Brasil, com importa- âmbito do Fórum de Macau e de outras iniciativas de
ções de US$ 1,7 bilhão em mercadorias brasileiras, prin- integração da China com os países da América Latina.
cipalmente minério de ferro, soja, aeronaves e açúcar.
Para ilustrar a ampliação dos negócios do Brasil Referências bibliográficas
com os chineses, na recente visita do presidente Lula à
China, em maio de 2009, o Banco de Desenvolvimento Banco Central do Brasil – BCB. Indicadores Econômicos.
da China (BDC) assinou acordo de crédito de US$ 10 bi- Brasília, 2009.
lhões com a Petrobras e de US$ 800 milhões com o Ban-
co Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social Fundo Monetário Internacional - FMI. World Economic
(BNDES). A Petrobras e a China Petroleum & Chemical Outlook. Washington, 2009.
(Sinopec), assinaram acordo de comércio e cooperação.
Parte dos recursos levantado nos acordos será utiliza- Instituto de Promoção do Comércio e do Investimento
da no plano de investimento da Petrobras, que inclui de Macau – IPIM. Relatórios Diversos. Macau, 2009.
a aquisição de bens e serviços da China. Pelos acordos,
procura-se aumentar as exportações de petróleo bruto Ministério do Comércio da China – MofCom. Relatórios
do Brasil à China, sendo que a Petrobras exportará 150 Diversos. Pequim, 2009.
mil barris de petróleo por dia à China em 2009; e 200
mil barris por dia de 2010 a 2019. Para o futuro, os chi- Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio
neses vêm demonstrando interesse em investimentos Exterior – MDIC. Relatórios Diversos. Brasília, 2009.
do pré-sal.

Considerações finais Elder Linton Alves de Araujo


Economista. Mestre em Economia pela Unicamp. Coordenador
do Curso de Ciências Econômicas do UniDF. Especialista em
Em outubro de 2009, o povo chinês está comemo- Políticas Públicas e Gestão Governamental, do Ministério
rando os 60 anos da proclamação da República Popular do Planejamento, Orçamento e Gestão.

da China, mostrando ao mundo grande progresso eco-


nômico e científico e com nova visão de busca de sus-
tentabilidade ambiental e de maior justiça social. Os re-
sultados alcançados são reflexos de 30 anos da reforma
e abertura. Afirmam que se vive o “socialismo ao modo
chinês”, em que também se utilizam as ferramentas de
mercado para acelerar os ganhos em prol do povo. A
ARTIGO Análise econômica da crise
financeira no Brasil: o caso
da indústria automobilística
Marcel Stanlei Monteiro
Ronaldo Augusto da Silva Fernandes

Introdução vida de todos os brasileiros – famílias, empresas e go-


verno – sobretudo por interferir de forma negativa no
O mercado automobilístico no Brasil cresceu consi- crescimento do país.
deravelmente nos últimos anos. Esse cenário de prospe-
ridade vem passando, de forma mais evidente, a partir Referencial teórico
de setembro de 2008, por diversas dificuldades em de-
corrência da crise financeira internacional. Mercado financeiro – aspectos históricos
O presente estudo tem por objetivo analisar a crise
internacional, sua origem, suas causas e seus reflexos no Nas últimas décadas, pode-se dizer que o mercado
mercado brasileiro, destacando a indústria automobilís- financeiro teve um grande desenvolvimento no Brasil.
tica sob uma perspectiva teórica, embasada pelo estu- Mecanismos e instituições públicas e privadas foram
do da literatura referente ao mercado financeiro, e tam- criados com o objetivo de ampliar a poupança nacional
bém de artigos técnicos referente à crise internacional. e transformar esses recursos de poupança em investi-
Em seguida, apresenta-se uma contextualização da mento, até atingirmos a situação atual, que se caracte-
crise, especialmente quanto as suas origens, e também riza pela relativa variedade de instrumentos e serviços

48 seus reflexos nos mais diversos segmentos da eco-


nomia mundial, seguido da formulação do problema
financeiros, de modo a procurar atender as diferentes
necessidades de tomadores e poupadores de recursos.
proposto nesta pesquisa, na qual se destaca a indústria Percebe-se também que a economia está sempre em
Conjuntura

automobilística. constante mutação e as leis tentam acompanhar esse


A metodologia adotada baseia-se na teoria econô- processo.
mica, evidenciando o mercado de consumo e a teoria Segundo Gremaud, Júnior e Vasconcellos (2005)
econômica, destacando o modelo econométrico. uma característica marcante destas últimas décadas é
O tema foi escolhido por sua relevância e visibilidade a crescente integração econômica mundial em diver-
atual na mídia e pelo fato de seus reflexos alcançarem a sos aspectos: comercial, produtivo e financeiro. Essa
Revista de
‘‘

julho / setembro / 2009


questão ganhou mais destaque no período recente
sendo chamada de globalização. Fortuna (1999) expli-
ca que a partir dos anos 50, solidificaram-se as posições
brasileiras, explodindo aos poucos seu potencial econô- Segundo Andrezzo (1999),
mico. Propagaram-se bancos e, com eles, os primeiros o mercado financeiro é
sintomas de uma debilitada capacidade empresarial
para administrá-los. Em 1945, através do decreto-lei n°
composto pelo conjunto de
7.293, foi criada a Sumoc (Superintendência da Moeda instituições e instrumentos
e do Crédito), com o objetivo de exercer o controle do financeiros destinados a 49
mercado monetário.
possibilitar a transferência
Fortuna (1999) conclui que o processo de globaliza-
ção, a abertura econômica e o Plano Real provocaram,
de recursos dos ofertadores
em seu conjunto, e com apoio do Proer (Programa de para os tomadores e, assim,
Estímulo à Reestruturação e ao Sistema Financeiro Na- criar condições de liquidez
cional), do Proes (Programa de Incentivo à Redução do
Setor Público Estadual na Atividade Bancária) e da ade-
no mercado. Podemos
são Brasil ao Acordo de Basiléa, um processo de sanea­ dizer ainda, que o mercado
mento, privatização e fusão de instituições bancárias
que, no limiar de 1998, iniciou uma revolução nos méto-
dos e práticas de nossa atividade bancária.

Características
financeiro é o local onde
o dinheiro é gerido,
intermediado, oferecido
e procurado.
‘‘
Segundo Andrezzo (1999), o mercado financeiro é
composto pelo conjunto de instituições e instrumen-
tos financeiros destinados a possibilitar a transferência Assim, a autora diz que o mercado financeiro nada
de recursos dos ofertadores para os tomadores e, as- mais é do que um grande fundo, do qual, se pode sacar
sim, criar condições de liquidez no mercado. Podemos ou depositar recursos. É nele que se determina uma das
dizer ainda, que o mercado financeiro é o local onde o variáveis cruciais da economia – a taxa de juros – que
dinheiro é gerido, intermediado, oferecido e procurado. representa os termos em que se podem realizar transfe-
O mercado financeiro encontra-se, sob um ponto de vis- rências intertemporais de recursos.
ta financeiro, dividido em duas categorias, levando em
conta, principalmente, os prazos das operações: Mercado financeiro brasileiro
Mercado de crédito: composto pelo conjunto de
instituições e instrumentos financeiros destinados a Segundo Gremaud, Júnior e Vasconcellos (2005), no
possibilitar operações de prazo curto, médio ou alea- final de 1993, começou a ser implementado o plano
tório. Um exemplo de operações cujo prazo é aleatório mais engenhoso de combate à inflação já utilizado no
são os depósitos à vista, pois há possibilidade de resga- País. Após uma série de tentativas fracassadas de planos
te a qualquer momento, sem exigências. heterodoxos na Nova República, o Plano Real conseguiu,
Mercado de capitais: composto por um conjunto de forma duradoura, reduzir a inflação. Porém, de forma
de instituições e instrumentos financeiros destinados a geral, a nova moeda trouxe uma série de diferenças em
possibilitar operações de médio ou longo prazo ou de relação à condução da política macroeconômica. Para
prazo indefinido, como no caso das ações, por exemplo. garantir a estabilização da economia, centrou-se na
Destina-se principalmente, ao financiamento de capital valorização cambial, que acabou provocando profun-
fixo, capital de giro e especiais, como habitação. da deterioração das contas públicas. A manutenção da
‘‘
Crise econômica internacional

Para Freitas (2008), vários são os pontos sob


os quais se pode analisar a crise na economia mundial.
O sistema financeiro Baseado na perspectiva brasileira, o autor comenta que
brasileiro teve um o Brasil, assim como os demais paises, esta diminuindo
crescimento significativo os juros e aumentando as despesas do governo, e que
com as reformas políticas, apenas a intensidade das medidas é que é menor. E que
o fio condutor da crise entre nós foi a contração do cré-
mas principalmente a dito externo de todos os tipos e prazos, com dois efei-
partir do final dos anos tos imediatos: de um lado a forte desvalorização do real
80, em razão do contexto diante do dólar, e, de outro, uma grave contração reflexa
do crédito bancário doméstico.
de inflação elevada.
O governo respondeu nas duas frentes. No
Os ganhos do sistema mercado de câmbio usou as reservas internacionais do
financeiro não decorriam Banco Central para irrigar o mercado de câmbio via cré-
das operações de crédito, dito comercial de curto prazo aos exportadores, além
de vender dólares à vista e a futuro para suavizar a tra-
mas basicamente do
Floating de recursos –
apropriação do imposto
inflacionário.
‘‘ jetória de desvalorização cambial decorrente do impac-
to da crise. No mercado interno, liberou recolhimentos
compulsórios dos bancos, vinculando parcialmente tais
liberações ao destravamento e desempoçamento do
crédito. Todas elas, medidas de recomposição da liqui-
dez do sistema econômico. Quanto à duração da crise, o
autor diz que vai demorar o tempo necessário para que
as famílias, indivíduos e empresas alcançados pelo em-
pobrecimento restabeleçam seu equilíbrio patrimonial
e voltem a gastar normalmente. Alguns economistas
valorização cambial acabou levando a baixas taxas de prognosticam que a presente recessão americana po-
crescimento econômico, pela necessidade de se man- deria durar algo como 18 meses.
terem elevadas taxas de juros para atrair o capital es-
trangeiro. Já destacado anteriormente, o sistema finan- Efeitos da crise financeira internacional sobre o
ceiro brasileiro teve um crescimento significativo com mercado de crédito no Brasil
as reformas políticas, mas principalmente a partir do
final dos anos 80, em razão do contexto de inflação ele- Araújo (2008) afirma que os dados do mercado de
vada. Os ganhos do sistema financeiro não decorriam crédito no Brasil revelam expansão vigorosa quando
das operações de crédito, mas basicamente do Floating
50 de recursos – apropriação do imposto inflacionário. E a
se comparam os dados anuais. No entanto, esse movi-
mento vem perdendo força desde setembro de 2008, re-
questão que se colocava, no momento do Plano Real, fletindo as dificuldades decorrentes do acirramento da
Conjuntura

era quais seriam os impactos da estabilização sobre o crise financeira internacional ao final de 2008. Os efeitos
sistema financeiro e como este se adequaria. Segundo no Brasil são atenuados pelas medidas governamentais
os autores, a resposta dos bancos à perda da receita in- adotadas para aumento da liquidez, que contrabalan-
flacionária foi a expansão das operações de crédito logo çam as restrições e ampliam o crédito diretamente por
após a implementação do plano e a elevação nas tarifas meio dos bancos públicos e também por incentivos
cobradas sobre serviços bancários. aos bancos privados e aos tomadores finais. A maior
Revista de
julho / setembro / 2009
preocupação passa a ser a extensão dos impactos da cri- O autor explica que o lado esquerdo de cada equa-
se financeira sobre o setor real da economia, que foram ção representa a quantidade demandada. O lado direi-
muito abruptos no último trimestre de 2008. A recessão to, a função que relaciona os preços e a renda com essa
nas principais economias e a desaceleração do mercado quantidade.
interno têm como conseqüências a redução do ritmo es- Considerando a forma da demanda por um bem, ela
perado para crescimento do crédito no Brasil e geram a varia à medida que a renda do consumidor e os preços
necessidade de medidas adicionais para sustentação da variam, assim, o autor diz que sua intenção é comparar a
dinâmica do sistema financeiro, especialmente no mer- escolha ótima para um dado nível de renda.
cado de crédito, que depende da reativação da atividade 51
econômica e manutenção do emprego e da renda. Bens normais e inferiores

Metodologia Varian (2006) diz que é razoável pensar que, normal-


mente, a demanda por cada bem aumente quando a
Teoria econômica – princípios do mercado de renda aumentar. Os economistas chamam esses bens
consumo de bens normais. Se o bem um é um bem normal, então,
a sua demanda aumentará quando a renda aumentar e
Segundo Varian (2006), para que o comportamento diminuirá quando a renda diminuir. Para um bem nor-
dos seres humanos seja explicado, é necessário termos mal, a quantidade demandada variará sempre no mes-
uma estrutura para basear a análise. Em economia, é uti- mo sentido da renda, conforme modelo descrito pelo

‘‘
lizada com freqüência uma estrutura baseada nos dois autor: ∆x1/ ∆m >0.
princípios que seguem:
O principio de otimização: onde as pessoas tentam
escolher o melhor padrão de consumo ao seu alcance.
O princípio de equilíbrio: onde os preços ajustam-
se até que o total que as pessoas demandam seja igual Varian (2006) diz que
ao total ofertado. é razoável pensar que,
A respeito destes princípios, o autor comenta que
normalmente, a demanda
considerando o primeiro, se as pessoas são livres para
escolher, é razoável supor que elas tentam escolher as por cada bem aumente
coisas que desejam em vez das que não querem. Quan- quando a renda aumentar.
to ao segundo, o autor explica que sua noção é um pou- Os economistas chamam
co mais problemática. O autor explana ainda, que vale a
pena observar que a definição utilizada para equilíbrio
esses bens de bens normais.
pode ser diferente em modelos diferentes, mas no caso Se o bem um é um bem
do mercado simples, o conceito de equilíbrio de oferta e normal, então, a sua demanda
demanda será adequada à nossa necessidade.
aumentará quando a renda
Demanda aumentar e diminuirá quando

Varian (2006) explica que as funções de demanda do


consumidor dão as quantidades ótimas de cada um dos
bens, como uma função dos preços e da renda com os
quais o consumidor se defronta. O autor escreve estas
funções da seguinte forma: x1 = x1 (P1, P2, m) e x2 = x2
a renda diminuir. Para um
bem normal, a quantidade
demandada variará sempre no
mesmo sentido da renda.
‘‘
(P1, P2, m).
Oferta Equilíbrios de mercado

Segundo Varian (2006), para entender o comporta- Para Varian (2006), o equilíbrio de mercado é repre-
mento da oferta, é preciso pensar sobre a natureza do sentado pela oferta, pela demanda e pelo preço. O autor
mercado em que estamos examinando. O autor cita explica que ao se traçarem as curvas de oferta e deman-
como exemplo, o mercado de aluguel de apartamentos, da no mesmo gráfico, utilizaremos p* para representar
se referindo a este como mercado competitivo. Dentro o preço. Sendo, o ponto onde a quantidade demanda-
deste contexto, o autor explica que na hipótese de que da se iguala a quantidade ofertada, o preço de equilí-
se cobrem pelos apartamentos um alto preço, pa, e um brio. Em outras palavras, o autor diz que no equilíbrio
baixo, pb, as pessoas que estão alugando seus aparta- de mercado, se os preços estiverem acima de p* haverá
mentos por um preço alto, poderiam procurar um pro- mais oferta em relação a demanda; se estiver abaixo, ha-
prietário que cobrasse menos e oferecer-se para pagar verá demanda demais em relação a oferta; e ao preço
um aluguel entre pa e pb.Tal transação favoreceria tanto p* os comportamentos serão compatíveis, haverá equi-
o proprietário quanto o locatário. Segundo o autor, até líbrio entre demanda e oferta.
aqui, a oferta simplesmente mede o quanto o consumi-
dor está disposto a ofertar de um bem a cada possível Modelo econômico – descrição das varáveis
preço do mercado. Com efeito, isso é a própria definição utilizadas
da curva de oferta: para cada preço p, determinamos
que quantidade do bem será ofertada, S(p). Uma das variáveis – produção física industrial

‘‘
(variável­ dependente da equação econométrica) uti-
lizada para a estimação do modelo da crise financeira
no Brasil consiste da nova série de índices mensais da
produção industrial, elaborados com base na Pesquisa
Industrial Mensal de Produção Física (PIM-PF) reformu-
Uma das variáveis –
lada. A fonte dos dados para as variáveis independentes.
produção física industrial
(variável dependente da Taxa de câmbio efetiva real:
equação econométrica) Medida da competitividade das exportações bra-
sileiras calculada pela média ponderada do índice de
utilizada para a estimação paridade do poder de compra dos 16 maiores parceiros
do modelo da crise comerciais do Brasil.
financeira no Brasil consiste
Taxa de juros over/selic:
da nova série de índices
Dados mais recentes atualizados pela Sinopse da
mensais da produção Andima. Obs.: A taxa Overnight / Selic é a média dos ju-
industrial, elaborados com ros que o governo paga aos bancos que lhe empresta-

52 base na Pesquisa Industrial ram dinheiro.

Mensal de Produção Física


‘‘ Créditos concedidos ao setor privado:
Conjuntura

(PIM-PF) reformulada. A Banco Central do Brasil (BACEN). Operações de cré-


fonte dos dados para as dito do sistema financeiro ao setor privado.

variáveis independentes.
Modelo explicativo

Y = f (TxJ , C r, TxCB)
Revista de
julho / setembro / 2009
Hipóteses: b2= representa o coeficiente de elasticidade do cré-
dito da economia com relação ao produto.

(1)(∂Y ∂TxJ ) < 0


b3= representa o coeficiente de elasticidade da taxa
de câmbio real com relação ao produto.
Esta hipótese diz que o produto mantém uma rela- µ=termo aleatório da economia.
ção inversa com a taxa de juros, ou seja, quando aumen-
ta a taxa de juros reduz o produto. Análise dos resultados

(2)(∂Y ∂C r ) > 0 Pelos resultados reportados na tabela I, pode-se 53


concluir que o modelo apresenta indícios de equação
Esta hipótese diz que o produto mantém uma rela- espúria. O valor do R2 (0,71) apresenta-se próximo ao
ção direta com o volume de crédito na economia, ou seja, teste dw (0,84). Portanto, devemos desconfiar dessa re-
quando aumenta a taxa de juros aumenta o produto. gressão, pois ela presume que há uma tendência deter-
minística quando sabemos que a série temporal produ-

(3) ∂Y ∂TxCB > 0 to tem tendência estocástica.


Neste caso, devemos fazer os testes de raízes unitá-
Esta hipótese diz que o produto mantém uma rela- rias. O Dickey-Fuller (DF) é um teste estatístico que pode
ção direta com a taxa de câmbio real, ou seja, quando ser empregado para determinar se uma série temporal
aumenta a taxa de câmbio aumenta o produto. é estacionária. Se os termos de erro no modelo apre-
sentar correlação serial, então o teste DFA é o mais ade-
Modelo econométrico quado (tabela II). As estatísticas τ para os coeficientes
apropriados nas três séries são, pelas regressões DFA, as
Logaritmizando: seguintes:

log Y = β 0 + β1 log TxJ i + β 2 log C ri + β 3 log TxCBi + µ i

logY=logaritmo do produto da economia. Tabela I - Estimação da equação básica


TxJ= logaritmo da taxa de juros. produção crédito txcâmbio txjuros _cons
Cr= logaritmo do crédito da economia. Coef. 4.25E-05 0.05 -2.54 82.73
TxCB = logaritmo da taxa de câmbio.
T 14.61 1.75 -2.34 18
b0=intercepto da equação econométrica.
b1= representa o coeficiente de elasticidade da taxa F 140.6

de juros com relação ao produto. Dw 0.84

R2 0.71      

Tabela II - Teste de raiz unitária com tendência


(estatística τ –ADF)
Taxa de Valor crítico Valor crítico
Séries Produto Taxa de juros Crédito
câmbio a 1% a 5%

Nível -3.221 -2.837 1.968 -1.742 -4.006 -3.436

Diferença -15.280 -14.034 -6.117 -9.872 -4.006 -3.436


‘‘
Cabe ressaltar que no caso de um vetor de cointe-
gração, indica-se um significado de relação de longo
O presente artigo prazo compartilhada pelas variáveis, como se interpreta
estudou os aspectos no caso de apenas um vetor de cointegração. A cointe-
gração implica uma relação de longo prazo, ou equilí-
gerais da crise financeira
brio, entre duas (ou mais) variáveis. No curto prazo pode,
internacional, destacando no entanto, haver um equilíbrio entre elas.
seus pontos relevantes, Os resultados reportados na tabela nº IV diz respeito,
sua origem e seus as elasticidades de curto prazo que foram obtidas com
base na estimação do modelo vetor de correção de erro
reflexos na economia (VECM), o qual inclui os vetores de cointegração estima-
mundial. Contextualizou dos no anexo. A elasticidade da taxa de câmbio de curto
o mercado brasileiro
e a evolução de suas
operações junto ao
sistema bancário.
‘‘ prazo foi estimada em 0,01, o que é bastante baixa, mas
estatisticamente não nula, de acordo com a hipótese
esperada. A elasticidade de crédito de curto prazo, por
outro lado, foi de 1.48, também é estatisticamente não
nula, ou seja, diferente de zero. O sinal obtido é o espe-
rado pela teoria. A elasticidade da taxa de juros foi -0,45,
também, estatisticamente significativa em nível de sig-
nificância de 1%, como em todas as variáveis. O sinal
esperado esta de acordo com a hipótese do modelo.
Diz-se que duas variáveis são co-integradas se existir
entre elas uma relação estável no longo prazo, mesmo
Tabela IV - Modelo Vetor de Correção de Erro (VECM)
que ambas sejam individualmente não-estacionárias.
Nesse caso, a regressão de uma dessas variáveis contra D.lnprodução Coef. t
a outra não é espúria. Ambas as estatísticas do teste de
Dlnproduçãot-1 -0.29 -6.41
Johansen (traço e máximo autovalor) não rejeitam a hi-
pótese do número de vetores ser menor ou igual a 1, Dtxcâmbiot-1 0.01 -5.48
mas rejeitam a hipótese do número de vetores ser me-
Dlncréditot-1 1.48 2.98
nor ou igual a 1. Este fato implica a presença de uma
tendência linear no modelo, quando descrito com as Dtxjurost-1 -0.45 -6.45
variáveis em nível. vetor cointegração 1 -0.14 -5.21

_cons -1.33 -6.4


Tabela III – Determinação do número de vetores de
cointegração

54 Número de vetores Traço Valor crítico Conclusão

0 117.67 39.89
Conjuntura

O presente artigo estudou os aspectos gerais da cri-


1 21.81* 24.31 se financeira internacional, destacando seus pontos re-
levantes, sua origem e seus reflexos na economia mun-
2 5.11 12.53
dial. Contextualizou o mercado brasileiro e a evolução
3 0.09 3.84 de suas operações junto ao sistema bancário. Dentre a
análise, utilizando-se da metodologia da teoria econô-
4
mica e do modelo econométrico foi possível entender
Revista de
julho / setembro / 2009
o drama da indústria automobilística no Brasil, que teve e os impactos no Brasil. Revista de Conjuntura. Brasília/
sua trajetória de crescimento interrompida no último DF, n. 36, p. 9-15, outubro/dezembro de 2008.
trimestre de 2008. Segundo a análise, os fatores que
contribuíram negativamente com este cenário foram GREMAUD, Amaury Patrick; VASCONCELOS, Marco An-
as taxas de juros, que subiram consideravelmente e que tonio Sandoval de; TONETO JÚNIOR, Rudinei. Economia
durante o trimestre em referência, ficaram instáveis, so- Brasileira contemporânea. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2005.
frendo várias alterações em um único dia. Outro fator de
extrema importância, foi a escassez do crédito no País e VARIAN, Hal R. Microeconomia. Princípios básicos: uma
por fim, a brutal desvalorização do câmbio – real frente abordagem moderna. 7ª ed. Rio de Janeiro: Campus, 55
ao dólar. 2006.
A mola mestra da venda de carros sempre foi o cré-
dito, e uma vez que este desapareceu do mercado com VERGARA, Sylvia Constant. Projetos e relatórios de pesqui-
o advento da crise financeira internacional, o mercado sa em administração. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2005.
brasileiro, em especial, o da indústria automobilística
sofreu duramente as conseqüências em forma de perda
nas vendas de veículos, demissões e inadimplência. O
governo tentou através de medidas e de outras tenta-
tivas estimular, por parte das pessoas, a compra de au- Marcel Stanlei Monteiro
tomóveis, dentre elas, a redução do IPI. De forma geral Administrador e Especialista em Controladoria e Finanças
a saída da crise depende da recuperação da economia
mundial, e esta, é uma função da recuperação da eco- Ronaldo Augusto da Silva Fernandes
nomia americana. Precisa-se de crédito e dos mercados
Economista, mestre em Economia de Empresas.
em expansão. Logo, a recuperação no Brasil também Empresário e professor de Graduação e Pós Graduação.
será reflexa. Espera-se que antes eles se recuperem
para só então pensarmos em retomar nosso brilhante
desempenho do qüinqüênio 2004-2008, quando o PIB
cresceu 26,5%.

Referências bibliográficas

ANDREZZO, Andrea Fernandes; LIMA, Iran Siqueira. Mer-


cado financeiro: aspectos históricos e conceituais. São
Paulo: Pioneira, 1999.

ARAÚJO, Elder Linton Alves de. A crise econômica inter-


nacional e os impactos no Brasil. Revista de Conjuntura.
Brasília/DF, n. 36, p. 3-8, outubro/dezembro de 2008.

ASSAF NETO, Alexandre. Mercado Financeiro. 5 Ed. São


Paulo.

FORTUNA, Eduardo. Mercado financeiro: produtos e servi-


ços. 13. ed. Rio de Janeiro: Qualitymark, 1999.

FREITAS, Carlos Eduardo. A crise econômica internacional


Não quebre
a corrente!

O Corecon/DF defende os
interesses da categoria e
trabalha pela valorização
dos economistas.

Mas, para que esta luta seja


bem-sucedida, é importante
a participação de todos.
Visite o seu Conselho.
Critique. Dê sugestões.

Participe!
A conquista é de todos.

Conselho Regional de Economia da 11ª Região-DF


SCS Qd. 04, Ed. Embaixador, Sala 202
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