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ESCOLA SUPERIOR DE CIÊNCIAS DA SAÚDE

FUNDAÇÃO DE ENSINO E PESQUISA EM CIÊNCIAS DA SAÚDE


INSTITUTO VIDA UNA

CAROLINA DE CARVALHO E CARVALHO

A APLICAÇÃO DA MUSICOTERAPIA NA REDUÇÃO DO ESTRESSE: UMA

REVISÃO BIBLIOGRÁFICA

BRASÍLIA
2008
ESCOLA SUPERIOR DE CIÊNCIAS DA SAÚDE
FUNDAÇÃO DE ENSINO E PESQUISA EM CIÊNCIAS DA SAÚDE
INSTITUTO VIDA UNA

CAROLINA DE CARVALHO E CARVALHO

A APLICAÇÃO DA MUSICOTERAPIA NA REDUÇÃO DO ESTRESSE: UMA

REVISÃO BIBLIOGRÁFICA

Monografia apresentada como requisito


parcial à conclusão do Curso de
Especialização lato sensu em
Musicoterapia, do Instituto Vida Una, em
convênio com a Escola Superior de
Ciências da Saúde (ESCS/ FEPECS) da
Secretaria de Estado de Saúde do Distrito
Federal.

Orientadora: Mt.ª Gabryelle Patriota


Co-orientadora: Dr.ª Marisa Pacini Costa

BRASÍLIA
2008
BANCA EXAMINADORA

______________________________
Dr.ª Marisa Pacini Costa
Escola Superior de Ciências da Saúde
ESCS/SES/DF

______________________________
Mt.ª Alessandra Costa Barbosa
Instituto Vida Una

ii
AGRADECIMENTOS

Meu especial agradecimento à orientadora e Musicoterapeuta Gabryelle


Patriota, pelo acompanhamento, orientação e supervisão minuciosa deste trabalho.
Agradeço à co-orientadora Drª Marise Pacine, pelas dicas e informações, à
colega Soraya Vidya, pelo apoio, carinho e paciência durante essa jornada e ao
amigo Nelson Montenegro, pela leitura crítica final.

iii
RESUMO

O estresse está deixando de ser um processo natural benéfico e de defesa do


organismo para se tornar um dos maiores propagadores de doenças da era
moderna. Atualmente, estima-se que ele seja o responsável por cerca de 50% de
todas as consultas médicas e faltas ao trabalho, gerando gastos exorbitantes para
as empresas e para o setor público de saúde. O estresse não tem preconceitos e as
reações fisiológicas que ele provoca são iguais em todos os seres vivos superiores,
dependendo, apenas, da percepção dos fatores estressores, que muda de uma
pessoa para outra, de acordo com a sua forma de entender o mundo. Atualmente,
muitas são as recomendações para a prevenção e tratamento do estresse, sendo
uma delas, a musicoterapia, que pode ter surgido como modalidade de tratamento a
partir da observação da capacidade que a música tem de acalmar e relaxar quem
dela usufrui. A musicoterapia possibilita a abertura de canais de comunicação que
permitem ao indivíduo se expressar, se autoconhecer e trabalhar conteúdos internos
que possibilitarão o restabelecimento da sua saúde. Vários estudos científicos vêm
comprovando que a musicoterapia é capaz de reduzir e controlar o estresse. Dessa
forma, a partir da análise neurofisiológica da ação do estresse e da música sobre o
homem, com o objetivo de encontrar as áreas e as técnicas da musicoterapia que
melhor se aplicam ao tratamento e prevenção do estresse, esse trabalho conclui que
todas as técnicas e todas as práticas da musicoterapia podem ser benéficas ao
tratamento do indivíduo estressado.

Palavras chaves: musicoterapia; música; estresse.

iv
ABSTRACT

The stress is leaving of being a natural beneficial and defense process of the
organism to become one of the biggest spreaders of illnesses of the modern age.
Currently, scientists esteem that it is the responsible one for about 50% of all the
medical consultations and lacks to the work, producing excessive expenses for the
companies and the public sector of health. The stress does not have preconceptions
and the physiological reactions that it provokes are the same in every creature,
depending, only, of the perception of the factors stressors, that dumb of a person to
another one, in accordance with its form to understand the world. Currently, many are
the recommendations for the prevention and treatment of stress, being one of them,
the music therapy, which can have appeared as modality of treatment from the
comment of the capacity that music has to calm and to relax who of it usufructs. The
music therapy opens of communication channels that allow the individual to express,
to know about himself and to work internal contents that will reestablishment of its
health. Some scientific studies come proving that the music therapy is capable to
reduce and to control stress. Of this form, from the neurophysiologic analysis of the
action of the stress and the music on the man, with the objective to find the areas and
the techniques of the music therapy that more good if apply to the treatment and
prevention of the stress, this work concludes that all the techniques and all the
practical ones of the music therapy can be beneficial to the treatment of the stressed
persons.

Key-words: music therapy; music; stress.

v
LISTA DE ABREVIAÇÕES E SIGLAS

ACTH - Hormônio Adrenocorticotrópico


Bpm - batimentos por minuto
CRH - Hormônio de Liberação da Corticotropina
OMS - Organização Mundial da Saúde
OPAS - Organização Pan-Americana de Saúde
SGA - Síndrome Geral da Adaptação
SNA - Sistema Nervoso Autonômico
SNC - Sistema Nervoso Central
SNP - Sistema Nervoso Periférico
WHO - World Health Organization

vi
LISTA DE FIGURAS

FIGURA 1 - RESPOSTA NEUROFISIOLÓGICA AO ESTRESSE....................... 16


FIGURA 2 - PROCESSO DE INIBIÇÃO DO ESTRESSE PELA MÚSICA...........43

vii
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO............................................................................................................. 1
METODOLOGIA.......................................................................................................... 4
REFERENCIAL TEÓRICO.......................................................................................... 5
1 ESTRESSE............................................................................................................... 5
1.1 CONCEITOS.......................................................................................................... 5
1.2 FATORES DESENCADEANTES DO ESTRESSE................................................ 11
1.3 NEUROFISIOLOGIA DO ESTRESSE................................................................... 14
1.4 SINAIS E SINTOMAS DO ESTRESSE................................................................. 21
1.5 CONSEQÜÊNCIAS DO ESTRESSE..................................................................... 22
1.6 PROFILAXIA E TRATAMENTO............................................................................. 23
2 MUSICOTERAPIA.................................................................................................... 27
2.1 BREVE HISTÓRICO.............................................................................................. 27
2.2 MÚSICA: CONCEITOS E DEFINIÇÕES............................................................... 30
2.3 MUSICOTERAPIA: CONCEITOS E DEFINIÇÕES............................................... 32
2.4 BENEFÍCIOS E APLICAÇÕES DA MUSICOTERAPIA......................................... 35
3 MUSICOTERAPIA E ESTRESSE............................................................................ 39
3.1 NEUROFISIOLOGIA DA MÚSICA E SUA ATUAÇÃO DIANTE DO ESTRESSE.. 40
3.2 AS PRINCIPAIS TÉCNICAS MUSICOTERÁPICAS E SUA UTILIZAÇÃO NO
ESTRESSE........................................................................................................... 43
3.2.1 Improvisação....................................................................................................... 44
3.2.2 Re-criação........................................................................................................... 45
3.2.3 Composição........................................................................................................ 45
3.2.4 Audição............................................................................................................... 46
3.3 AS PRÁTICAS MUSICOTERÁPICAS E SUA APLICAÇÃO NO ESTRESSE........ 50
3.3.1 Didática............................................................................................................... 50
3.3.2 Recreativa........................................................................................................... 51
3.3.3 Médica................................................................................................................ 52
3.3.4 Psicoterapêutica.................................................................................................. 53
3.3.5 Ecológica............................................................................................................. 54
3.3.6 Cura.....................................................................................................................56
CONCLUSÃO.............................................................................................................. 58
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS........................................................................... 62
viii
1

INTRODUÇÃO

O estresse é um processo biológico inerente ao homem, que o serve para a


sua proteção. Sem ele a raça humana provavelmente já teria entrado em extinção,
porque eram as reações do estresse as responsáveis por mobilizar as forças dos
nossos ancestrais pré-históricos para que eles lutassem ou fugissem diante de um
predador maior ou mais forte que eles. São essas mesmas reações, milhões de
anos depois, que nos fazem acordar cedo para ir trabalhar todos os dias.
O termo estresse, descrito pela primeira vez pelo endocrinologista
naturalizado canadense Hans Seyle, é emprestado da física e refere-se ao conjunto
de reações de nossos sistemas orgânicos frente a uma ruptura do equilíbrio interno
causada por alguma ameaça ou desafio. Em outras palavras, o estresse surge na
vida de uma pessoa no momento em que ocorre uma mudança no seu cotidiano, ao
qual ela precisa se adaptar, e que seja capaz de provocar uma série de reações
fisiológicas que lhe ajudarão a lidar com esta nova situação (BERNIK, 2008).
Porém, como vivemos em um mundo em constante mutação, com demandas
cada vez maiores, mais complexas e mais urgentes, o estresse vem se tornando a
epidemia da era moderna onde, aquelas reações fisiológicas, que antes ajudavam o
homem a lidar com os agentes estressores, agora lhe causam fadiga, insônia,
irritabilidade, agressividade, aumento de peso, elevação da pressão arterial, da
freqüência cardíaca e da glicemia (taxa de açúcar no sangue), dentre outras tantas
intercorrências.
O profissional moderno, provavelmente um dos alvos preferenciais do
estresse, não raro passa a apresentar baixa produtividade e doenças físicas e
psicológicas, que elevam as taxas de absenteísmo e configuram o estresse como
um sério problema de saúde pública, que vem dizimando nossa classe produtiva e
trazendo sérios prejuízos financeiros para as empresas e cofres públicos.
O potencial de um agente estressor depende do valor que lhe é conferido, ou
seja, os eventos são percebidos pelo indivíduo de acordo com as suas experiências
de vida e sua sensibilidade psicológica naquele momento. Dessa forma, o
tratamento ou a prevenção do estresse baseia-se em ações que possibilitem ao
indivíduo anular a coação dos fatores estressores que agem sobre ele ou lhe
2

fornecer subsídios que o ajudem a lidar melhor com as pressões impostas pela
sociedade.
A música é uma arte universal e não existe uma única civilização na qual não
se encontrem manifestações musicais. O poder que a música tem de produzir
mudanças comportamentais e emocionais tem despertado o interesse dos cientistas
em tentar descobrir a sua forma de atuação sobre a saúde do homem. Dessa forma,
cresce a pesquisa da intrincada relação entre a música e a medicina, principalmente
por parte da fisiologia, neurologia e psiquiatria que buscam explicar as reações e os
efeitos da música sobre o nosso organismo e nossa mente.
Segundo BARALE (2006), a música age sobre o ser humano a nível físico,
mental, espiritual e intelectual, lhe proporcionando bem estar e melhorias para a sua
qualidade de vida. Além disso, a música, por ser uma forma de comunicação não-
verbal, possibilita a abertura de novos canais de comunicação que melhoram sua
expressão e autoconsciência, permitindo que a pessoa lide melhor com seus
conflitos emocionais e consiga expor as suas preocupações inconscientes.
Neste contexto, a musicoterapia aparece como uma promissora ferramenta no
combate ao estresse, porque os dois, tanto a música quanto o estresse, são
percebidos pelas mesmas estruturas cerebrais, levando a crer que as reações
fisiológicas do estresse possam ser interrompidas com a aplicação da musicoterapia.
Este tema é de grande relevância para a sociedade porque o estresse está
presente na vida de todos nós: seja em menor ou maior grau; impulsionando-nos a
estudar, trabalhar e lutar por uma vida melhor, ou provocando conseqüências
devastadoras na saúde física, mental e financeira das pessoas, das empresas e do
setor público. A procura por meios alternativos, que possam auxiliar na prevenção ou
redução dos níveis de estresse, deve ser estimulada porque, segundo alguns
estudiosos, estima-se que cerca de 50% das doenças e consultas médicas da
atualidade sejam em conseqüência do estresse. Somam-se a isso, as elevadas
taxas de absenteísmo, as quedas de produtividade e os milhões de dólares
destinados anualmente para as despesas médicas: todos em decorrência do
estresse. Portanto, sendo a musicoterapia uma disciplina em expansão dentro da
área médica e que vem se mostrando uma ferramenta eficaz e de baixo custo para
uma série de agravos a saúde, acredita-se que o estudo dos mecanismos biológicos
de atuação da música frente ao estresse, bem como das áreas e técnicas
3

musicoterápicas mais benéficas a esses pacientes, somará esforços na luta contra


este mal, que nos causa tantos prejuízos.
Diante do exposto, o objetivo do presente trabalho consiste em pesquisar as
áreas e as técnicas da musicoterapia definidas por Kenneth Bruscia que melhor se
aplicam ao tratamento de pessoas estressadas, a partir do estudo neurofisiológico
da ação do estresse e da música sobre o organismo humano.
4

METODOLOGIA

Esta monografia caracteriza-se por uma pesquisa bibliográfica de revisão da


literatura realizada entre os meses de abril a agosto de 2008. Neste período, foram
investigadas bases de dados científicos on-line e vias não-sistemáticas a procura de
bibliografia relacionada ao assunto, publicada entre os anos de 1980 e 2008,
constituída por artigos científicos, publicações periódicas, monografias, teses,
dissertações, anais de congressos, livros didáticos e documentos elaborados por
instituições governamentais e sociedades e/ou associações científicas. As bases de
dados pesquisadas foram BIREME, MEDLINE, SCIELO, LILACS e PUBMED e como
critérios de inclusão foram utilizadas as seguintes palavras-chave: "music", "stress",
"music therapy", “música”, "estresse" e “musicoterapia”.
5

REFERENCIAL TEÓRICO

1 ESTRESSE

1.1 CONCEITOS

Desde o início do último século a sociedade vem sofrendo mudanças em


todos os seus níveis, exigindo do homem o desenvolvimento de sua capacidade de
adaptação física, mental e social. A sobrevivência na era moderna exige que as
pessoas se ajustem a mudanças que ocorrem diariamente e de forma significativa
em suas vidas, e que culmina por expô-las a situações de conflito, ansiedade e
desestabilidade emocional.
Mas as mudanças não são uma novidade na civilização humana. Para que
houvesse a evolução, houve a necessidade de transformação de conceitos e idéias
e a incorporação das novas teorias e tecnologias levantadas. O que é inédito é a
velocidade com que essas mudanças, sociais e culturais, que formam a base da
nossa evolução, ocorrem na vida moderna e obriga a todos, de jovens a velhos, a se
adaptarem (BALLONE, 2008b).
Ao que parece, o homem passou a padecer realmente do estresse após a
Revolução Industrial, a partir da qual as exigências sobre ele cresceram mais que o
desenvolvimento de suas funções neurológicas, sobrecarregando a sua capacidade
de adaptação às demandas sociais. É bem provável que o excesso de novidades a
que somos submetidos diariamente ultrapassem os limites adaptativos do nosso
corpo, levando-nos a desenvolver, assim, o estado de estresse.
Vivemos em uma época em que o conhecimento é globalizado e
indispensável, e chega até nós de forma torrencial em decorrência do
desenvolvimento tecnológico que, ao facilitar as nossas vidas, também nos
possibilitou ter acesso a um número exorbitante de informações ao simples toque de
um botão.
Os trabalhadores de hoje, os mais afetados pelas modificações do meio em
que vivemos, são obrigados a serem altamente competentes e eficientes e a se
manterem sempre atualizados, pois vivem em uma competição acirrada por
6

promoções e melhores salários; sob pressão por melhores resultados, produtividade


e qualidade, e observam, impotentes, à redução cada vez maior da mão de obra,
visando o incremento dos lucros das empresas.
Nessa realidade em que a maioria de nós está inserida, a busca incessante
por conhecimento, as desgastantes e excessivas horas de trabalho e as pesadas
rotinas de afazeres e obrigações são, todas, normativas e exercem uma intensa
pressão sobre os trabalhadores. Como se não bastasse a pressão sofrida no
trabalho, somam-se ainda as cobranças realizadas pela família e amigos, o trânsito
caótico e desrespeitoso, a poluição sonora e ambiental, a violência gratuita, a
diminuição da renda, o alto custo de vida e a falta de tempo para a prática de
atividade física, convívio familiar e lazer.
A velocidade com que o mundo e a sociedade se transformam, delineados por
todas essas forças de coação agindo sobre o indivíduo e o obrigando a um grande
esforço de adaptação física, mental e social, gera um estado de tensão,
caracterizado por ansiedade, angústia, instabilidade emocional e reações físicas
como taquicardia, tensão muscular, boca seca e aumento da pressão arterial
sistêmica (BALLONE, 2008b; BERGES et al., 2008).
A este estado de tensão, que desestabiliza o equilíbrio interno natural do ser
humano e é desencadeado por fatores que exercem uma persistente e forte pressão
para que o indivíduo se adapte a uma nova situação, chamamos de Síndrome Geral
de Adaptação - SGA ou Estresse (stress do inglês) (BALLONE, 2008b; BERGES et
al., 2008).
A palavra estresse é derivada da Física e significa "estar sob pressão" ou
"estar sob a ação de um estímulo persistente". Segundo o dicionário Aurélio, citado
por BERNIK (2008), estresse é "o conjunto de reações do organismo a agressões de
ordem física, psíquica, infecciosa, e outras, capazes de perturbar-lhe a homeostase".
Homeostase é o termo utilizado para a capacidade de auto-regulação dos nossos
sistemas orgânicos que, diante de fatores agressores que lhe alteram o equilíbrio
interno, buscam restabelecer o ponto em que se encontravam antes do
acometimento ou agressão. Quando a tensão é demasiada para que o indivíduo se
adapte às demandas do meio em que vive, o equilíbrio interno do seu organismo é
quebrado e, como conseqüência, passa a apresentar um conjunto de reações
7

psicofisiológicas de adaptação que caracterizam o estado de estresse (BALLONE,


2008b; BERNIK, 2008; OLIVEIRA, 2008).
A Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS) considera o estresse como
sendo:

a soma das reações biológicas a qualquer estímulo adverso, seja físico,


mental ou emocional, externo ou interno, que tende a perturbar a
homeostasia do organismo, podendo levar a manifestação de doenças.
Consiste de reações do organismo frente a situações agudas de ameaça ou
agressão, envolvendo os sistemas neuroendócrino, cardiovascular,
musculatura estriada, aparelho digestivo, entre outros, que reagem nas
fases imediatamente e seguintes a uma agressão, ameaça ou a um perigo,
caracterizando a chamada reação de luta ou fuga (BRASIL, 2001).

OLIVEIRA (2008) define estresse como sendo o estado de ativação biológica


e fisiológica do organismo, diante de uma mudança geradora de instabilidade
interna, e que é seguido por reações emocionais resultantes da significação dos
agentes estressores.
De acordo com BERNIK (2008), o estresse é um estado de acionamento e
tensão que se instala a partir de reações fisiológicas e biológicas desencadeadas
por uma mudança do meio. Qualquer mudança, tanto as boas quanto as ruins, tem o
potencial de causar estresse, que terá sua intensidade modulada de acordo com o
grau do evento de mudança.
Segundo LIPP e MALAGRIS (2001), também citadas por OLIVEIRA (2008),
quando o indivíduo depara-se com uma situação que ele interpreta como
ameaçadora e desafiante, o funcionamento interno do seu corpo é afetado a ponto
de lhe alterar o bem estar. Dessa forma, o organismo desencadeia uma resposta
complexa que consiste de várias reações físicas, psicológicas, mentais e hormonais
na tentativa de voltar ao estado de funcionamento no qual ele se encontrava antes
do evento.
O estresse consiste no esforço de adaptação dos organismos às mudanças
do meio (externo ou interno) e está presente em todos os seres vivos,
caracterizando-se como um estado biológico e fisiológico que se instala
independente do significado psicológico da situação que o provocou (OLIVEIRA,
2008).
Hans Selye, nascido em 1907 em Vienna, no antigo Império Austro-Húngaro,
foi o primeiro médico a estudar cientificamente o estresse e suas conseqüências, e
já afirmava na década de 30 que o estresse consiste no processo de adaptação
8

mais importante do nosso organismo; que ele faz parte do nosso sistema de defesa
e é necessário no provimento de energia para enfrentarmos situações novas e/ou de
perigo (KHALFA, 2005; OLIVEIRA, 2008; WHO, 2008b).
Em 1936, Hans Selye descreveu pela primeira vez a Síndrome Geral da
Adaptação (SGA), baseando-se nos trabalhos anteriores do fisiologista Walter
Cannon, criador do conceito de homeostase, e em seus próprios estudos, em que
observou que diferentes organismos apresentavam um mesmo padrão de resposta
fisiológica a estímulos sensoriais ou psicológicos (BALLONE, 2008b; KRUMM, 2007;
OLIVEIRA, 2008).
A Síndrome de Adaptação ao Estresse (SGA) é um conjunto de reações
desencadeadas pelo organismo quando nosso cérebro se depara com um evento e
o interpreta como sendo ameaçador. Ela é caracterizada por três estágios: a fase de
alarme, a fase da resistência e a fase de esgotamento (BALLONE, 2008e).
A reação inicial do indivíduo ao agente agressor constitui a fase de alerta e é
aquela conhecida também como resposta de fuga ou de luta. Esse padrão de
resposta é sempre o mesmo para todos os indivíduos, independente da reação
comportamental que a pessoa apresente como, por exemplo, lutar ou fugir. Ela é
decorrente da ativação do sistema nervoso simpático, que promove a liberação
plasmática de uma grande quantidade de epinefrina (ou adrenalina), que, por sua
vez, gera aumento da freqüência cardíaca e respiratória, da pressão arterial,
dilatação das pupilas, aumento da glicemia e diminuição dos processos digestivos.
Todos esses mecanismos são necessários, por exemplo, para aquele momento em
que nos deparamos com um leão e precisamos correr ou lutar (ou rezar!). Ou para
aqueles momentos fatídicos em que o despertador falha e de repente percebemos
que estamos atrasados para aquela reunião importante! Sendo o estressor de curta
duração, essa fase termina algumas horas após a eliminação da epinefrina do corpo
e a restauração do equilíbrio interno. Nestas circunstâncias, é possível que não haja
a instalação de efeitos negativos duradouros (BALLONE, 2008e; KRUMM, 2007).
Se o agente estressor perdura ou é de grande intensidade, o organismo vai
tentar manter a homeostase entrando na segunda fase do estresse, a de resistência
ou adaptação. Neste momento o corpo começa a se acostumar aos estímulos
geradores do estresse. Os sintomas da fase de alarme já não são mais sentidos e o
indivíduo passa a apresentar um cansaço generalizado, sem causa aparente, com
9

falhas na memória e na concentração. Nesta fase, o organismo, que começa a se


acostumar com os agentes estressores, se adapta para suportar o estresse por um
período maior de tempo e pode canalizar suas ações para um único órgão ou
sistema como a pele, sistema circulatório, sistema muscular ou aparelho digestivo.
Durante esta fase, a produção de epinefrina permanece alta e constante enquanto
que a de cortisol vai aumentando mais lentamente (BALLONE, 2008e; KRUMM,
2007).
Se o fator estressor ainda permanecer por mais tempo, o organismo entra
então na fase da exaustão ou esgotamento, onde o corpo já não consegue mais
produzir epinefrina suficiente para lidar com a situação e ocorre um déficit geral de
energia. As respostas ao estresse perdem intensidade e o organismo não pode mais
manter-se em equilíbrio, perdendo assim a sua capacidade de se adaptar. É nesta
fase que as doenças somáticas e psicossomáticas começam a aparecer em
conseqüência do excesso de reações ao estresse. Os sintomas do estresse levam à
perda das reservas energéticas, com enfraquecimento geral e queda da imunidade,
podendo até mesmo ocasionar a morte em decorrência de um ataque cardíaco ou
por uma infecção, como a pneumonia (BALLONE, 2008e; BALLONE, 2008c;
KRUMM, 2007).
Segundo SELYE (2008), o estresse é um estado que somente pode ser
percebido por suas manifestações fisiológicas, tais como, aumento da freqüência
cardíaca e respiratória, elevação da pressão arterial, irritabilidade, nervosismo,
ansiedade e depressão, porque não existem exames sanguíneos ou de imagens que
possam diagnosticar que uma pessoa é portadora de estresse! Ele possui
características específicas, mas não uma causa particular, porque é um estado, um
processo, um conjunto de reações e não uma doença. É uma resposta não
específica do nosso corpo a qualquer exigência de mudança, onde o organismo
sempre reagirá às modificações do meio da mesma forma e com o mesmo tipo de
resposta fisiológica, independente se ela for boa ou ruim, dependendo apenas de
como o indivíduo a percebe.
BALLONE (2008a) complementa SELYE referindo que cada um de nós
possui uma sensibilidade afetiva particular que é formada por um conjunto de
mecanismos dos quais o organismo se utiliza nos momentos em que enfrenta
potenciais estressores e que caracteriza a forma como cada pessoa avalia e lida
10

com estas situações. É essa sensibilidade afetiva que explica porque algumas
pessoas avaliam e reagem de forma particular a determinados eventos, permitindo
que estes repercutam em maior ou menor grau sobre seus organismos.
A reação fisiológica ao estresse é igual para todos os seres vivos superiores.
Porém, aspectos sociais e diferentes comportamentos nas etapas do
desenvolvimento psíquico e biológico, bem como características pessoais de
flexibilidade e abertura a mudanças, fatores genéticos, dieta e freqüência de
atividade física, por exemplo, são algumas das características que possibilitam
determinadas pessoas de desencadearem uma ativação fisiológica maior ou de
reagir de forma mais saudável que outras, quando expostas aos mesmos agentes
estressores (BALLONE, 2008b; KRUMM, 2007).
A reação a determinadas situações tende a variar entre os indivíduos e isso
se deve em grande parte à personalidade das pessoas. Pesquisadores ainda na
década de 70 descobriram que pessoas com personalidade do tipo A, ou seja, que
apresentam como características intrínsecas a agressividade, hostilidade,
ansiedade, tendência exagerada à competição e facilidade de somatização, estavam
entre os indivíduos com maior probabilidade de se encontrarem estressados, que
aqueles de personalidade tipo B, mais calmos, tranqüilos e ponderados (KRUMM,
2007).
A resposta aos fatores estressores dependerá tanto das diferenças individuais
de cada pessoa, como também da sua classe social, nível cultural e padrões
adaptativos de comportamento. Se entendermos que o estresse é uma adaptação
orgânica e psíquica às modificações do meio, mesmo eventos positivos como festas,
férias ou promoções geram estresse. É a maneira como cada pessoa sente, percebe
e reage a um agente estressor que caracteriza o estresse como sendo positivo ou
negativo (BERNIK, 2008; LIMA; SANTOS; SPARRENBERGER, 2003; KRUMM,
2007; OLIVEIRA, 2008).
A reação dos animais superiores aos agentes estressores tem a finalidade de
sobrevivência. Por isso, até certo ponto, o estresse é positivo e nos impulsiona a
buscar uma solução diante dos desafios da vida; a melhorar o funcionamento das
organizações por meio da mobilização dos trabalhadores; a estimular a criatividade
para a resolução de problemas; a estudar e lutar por melhores salários; a ajudar os
atletas a superarem seus desafios, dentre outros tantos exemplos de como o
11

estresse pode nos fornecer o combustível necessário para o nosso crescimento. A


esse estresse positivo, indispensável à nossa sobrevivência, desenvolvimento e
evolução, nomeamos de eustresse. O estresse negativo, que trás prejuízos à nossa
saúde, chamamos de distresse. Ambos provocam a mesma resposta fisiológica não
específica. A diferença é que o eustresse causa ao nosso organismo menos danos
que o distresse (BALLONE, 2008b; OLIVEIRA, 2008; SELYE, 2008).
O distresse pode ser percebido pelo cansaço, irritabilidade, falta de
concentração, depressão, pessimismo, baixa resistência imunológica e mau-humor
que acometem o indivíduo, enquanto que o eustresse se manifesta, por exemplo,
pelo aumento e manutenção da vitalidade, força de vontade, auto-estima,
entusiasmo, otimismo, disposição física e interesse (BALLONE, 2008b).
Por tudo isso, eliminar o estresse totalmente de nossas vidas não é possível e
nem desejável porque, em certo grau, ele é necessário e benéfico, uma vez que
propicia um melhor desempenho de nossas funções orgânicas e a manutenção do
crescimento social e profissional, que requerem mudanças e adaptações contínuas.
KRUMM (2007) descreve que alguns pesquisadores constataram que uma grande
diminuição do estresse como, por exemplo, diminuição das cobranças, prazos e
afazeres nas empresas, geram queda de produtividade e até mesmo tédio. O ideal e
mais difícil, segundo o autor, é encontrar o equilíbrio (BALLONE, 2008b; BALLONE,
2008d; OLIVEIRA, 2008).

1.2 FATORES DESENCADEANTES DO ESTRESSE

Fator ou agente estressor é um acontecimento, situação, pessoa ou objeto


capaz de provocar uma tensão que gera uma instabilidade interna no indivíduo,
desencadeando o conjunto de reações sistêmicas que caracterizam a Síndrome de
Adaptação Geral ao estresse.
O estresse é um processo complexo e multifatorial influenciado por fatores
estressores que podem ser agudos ou crônicos, de origem externa ou interna, reais
ou imaginários e de ordem pessoal, familiar, social, econômica ou profissional. Os
estímulos internos são irracionais e surgem a partir de conflitos pessoais que
refletem a sensibilidade afetiva de cada um; enquanto que os fatores externos
englobam os desafios concretos e vividos diariamente pelo indivíduo. Um exemplo
12

de agente estressor interno é a baixa auto-estima que, na maioria das vezes,


representa um potente desencadeador de ansiedade, perturbando incessantemente
a pessoa e estimulando as reações de estresse (BALLONE, 2008b; LIMA; SANTOS;
SPARRENBERGER, 2003; WHO, 2008b).
Hoje, pesquisadores do assunto vêm comprovando cientificamente aquilo que
já sabíamos e sentíamos na pele: que as mudanças e os problemas cotidianos que
enfrentamos e precisamos resolver diariamente são os mais potentes
desencadeadores do estresse na vida moderna, ficando o trabalho, seus problemas
e relações, em primeiro lugar entre os fatores estressores.
O trabalho é um fator de desgaste emocional em potencial e, por isso, um dos
grandes desencadeadores do estresse e dos transtornos relacionados a ele como,
por exemplo, a depressão, a ansiedade patológica, as doenças psicossomáticas, a
síndrome do pânico e as fobias. A redução maciça e intermitente do contingente de
trabalhadores, associada às exigências para o crescimento da produtividade, à
escassez de tempo e aumento da complexidade das tarefas, além de péssimas e
tensas relações de trabalho e precárias instalações, são os fatores psicossociais
desencadeadores do estresse relacionado ao trabalho (BRASIL, 2001; BALLONE,
2008d).
Somam-se a isso, longas jornadas de trabalho; atividades extremamente
repetitivas, desinteressantes ou destituídas de significado; o acelerado
desenvolvimento de novas máquinas; escassez de recursos materiais para o
desempenho das atividades; falta de clareza das normas e tarefas a serem
desempenhadas pelos trabalhadores; e incertezas quanto ao futuro da empresa e
manutenção do seu emprego são, todas, condições de trabalho que exercem uma
violenta pressão sobre os funcionários. Estes, por sua vez, incapazes de lidar com
essas forças de coação agindo sobre eles, se tornam descontentes,
desinteressados, desatentos, irritados, nervosos e ansiosos, e passam a apresentar
baixa auto-estima, queda de produtividade e maiores índices de acidentes de
trabalho (BALLONE, 2008d).
De acordo com BALLONE (2008b), uma provável explicação para os níveis
elevados de estresse na população é a dificuldade que o indivíduo moderno tem de
expressar suas angústias, frustrações e emoções frente às tensões da vida, em
nome da manutenção de um comportamento emocional politicamente correto, que o
13

obriga a agir de forma robotizada e contrária aos seus sentimentos. Dessa forma, a
pessoa começa a se isolar do convívio social, tornando-se triste, mal humorada e
com grandes chances de desenvolver a depressão.
Obviamente, os perigos que estressavam nossos ancestrais não são os
mesmos que nos estressam hoje. Os agentes estressores modernos não são tão
concretos como um rinoceronte, mas eles são reais para nós, apesar de abstratos.
Hoje, são a competitividade e competência profissionais, a segurança social, a
sobrevivência econômica e as perspectivas futuras, que nos atormentam e
ameaçam continuamente o nosso ser e a nossa sobrevivência, nos tornando cada
vez mais ansiosos e doentes.
Aliás, como cita BALLONE (2008b), a ansiedade, mola propulsora do
estresse, é uma reação fisiológica ao perigo que é indispensável à vida, e que nos
serve de alerta para a necessidade de mudanças. Porém, na sociedade
contemporânea, ela vem se tornando uma vigorosa fonte propagadora de distúrbios
fisiológicos e mentais no momento em que passou a ser item indispensável à nossa
sobrevivência, tamanha são as tensões e preocupações a que somos submetidos
diariamente. Atualmente, grande parte de nós vive preocupada e ansiosa com o
amanhã: com os trabalhos para finalizar, com os prazos para cumprir e com as
metas a alcançar. Vivemos com medo e inseguros, e isso gera muita ansiedade, e
consequentemente, mais estresse.
Não podemos deixar de mencionar que o estilo de vida também está
fortemente relacionado à gênese do estresse. A adoção de hábitos de vida
inadequados como uma alimentação desequilibrada, o sedentarismo, o fumo, as
poucas horas de sono, o consumo de álcool e drogas, a falta de tempo para o lazer
e para o convívio familiar, além de uma preocupação excessiva com aparência e
uma visão pessimista diante da vida, são atitudes que desempenham um papel
decisivo na instalação do estresse. Pessoas que possuem uma sobrecarga de
trabalho, por exemplo, mas que conseguem ter disciplina suficiente para manterem
bons hábitos de vida como a prática de uma atividade física regular, uma
alimentação saudável, não fumar e conseguem ter um bom convívio familiar,
reservando momentos para o lazer, possuem poucas chances de virem a sofrerem
conseqüências drásticas em virtude do estresse. Assim, essa pessoa que possui
hábitos de vida mais saudáveis vai sentir o estresse de uma forma mais amena que
14

aquela outra que é sedentária, obesa, fumante e workaholic (pessoa viciada em


trabalho), por exemplo.
Embora ocorra essa diferença na percepção do estresse, o organismo
percebe os agentes estressores como uma ameaça e sempre reagirá da mesma
maneira: iniciando uma cascata de reações bioquímicas com o objetivo de preparar
o indivíduo para a luta, em um processo dinâmico em que alterna continuamente os
pensamentos, sentimentos, conduta e mecanismos biofisiológicos do indivíduo para
que ele possa se ajustar à mutante realidade em que vivemos.

1.3 NEUROFISIOLOGIA DO ESTRESSE

O Sistema Nervoso é uma rede de comunicações que possibilita um


organismo interagir tanto com o seu ambiente externo quanto com o interno, e é
dividido em Sistema Nervoso Central (SNC) e Sistema Nervoso Periférico (SNP). O
SNC tem como funções gerais a percepção sensorial, o processamento de
informações e o comportamento. Ele recebe informações sobre o ambiente a partir
do SNP, as processa e percebe uma parte delas; é responsável pela cognição,
aprendizagem e memória; planeja e executa movimentos voluntários; e organiza
reflexos e outras respostas comportamentais (BERNE; LEVY, 1996).
O Sistema Nervoso Autônomo (SNA), formado pelos sistemas nervosos
simpático e parassimpático, está sob o controle do SNC e tem como função
primordial a manutenção da homeostasia interna do organismo por meio de sistemas
de controle autonômico. Ele é responsável por empreender ações compensatórias
quando determinados estímulos internos ou externos sinalizam que o equilíbrio foi
quebrado e que há a necessidade de regulação (BERNE; LEVY, 1996).
Faz parte ainda do SNA, o Sistema Límbico, um conjunto de estruturas
responsáveis pelo controle do comportamento emocional, pela regulação do sistema
nervoso autônomo e dos processos essenciais à sobrevivência da espécie e do
indivíduo, como fome, sede e sexo (DE PAULA, 2006).
Quando uma ameaça ou um agente estressor atinge um organismo, ele ativa
maciçamente o sistema nervoso simpático e o organismo é posto em resposta de
fuga ou de luta. Os resultados fisiológicos dessa ativação são: o aumento da
freqüência cardíaca e da pressão arterial, aumento da freqüência respiratória e
15

dilatação dos bronquíolos, inibição da motilidade e secreções intestinais, aumento do


metabolismo da glicose, dilatação pupilar, piloereção e vasoconstrição dos vasos
cutâneos (BERNE; LEVY, 1996).
De um modo geral, a resposta neuroendócrina de adaptação ao estresse é
mediada por duas vias que se justapõem: pelo eixo hipotalâmico-hipofisário-
adrenocortical e pelo sistema nervoso simpático, conforme é detalhado na Figura 1
(BERNE; LEVY, 1996).
Pelo eixo hipotalâmico-hipofisário-adrenocortical, segundo KHALFA (2005),
em presença de um agente estressante, de origem psicológica ou física, o sistema
límbico, considerado o sistema das emoções, é ativado. Ainda dentro desse sistema
há uma área que é intensamente ativada quando sofremos uma agressão, sentimos
medo ou outras sensações desagradáveis, chamada de complexo amigdalóide.
A ação do agente estressor é percebida por centros sensoriais e áreas
sofisticadas de raciocínio, situados no córtex cerebral, que enviam uma mensagem
para o complexo amigdalóide, ativando-o. Este, por sua vez, ativa o hipotálamo,
gerando uma estimulação nervosa em suas células neuroendócrinas para que estas
transformem o sinal nervoso em um sinal humoral, ou seja, em uma mensagem
hormonal. O objetivo desta ação é fazer com que a informação sobre a agressão
alcance os demais órgãos e inicie o conjunto de reações de adaptação ao estresse.
Dessa forma, a estimulação nervosa sobre as células neuroendócrinas do
hipotálamo desencadeia a produção de um hormônio chamado hormônio de
liberação da corticotropina (CRH) (A NOVA, 2007; BERNE; LEVY, 1996; KHALFA,
2005; SELYE, 2008).
O CRH secretado pelo hipotálamo, atinge a hipófise e estimula a liberação do
hormônio adrenocorticotrópico (ACTH), que tem como glândula alvo as adrenais,
mais especificamente a área cortical das adrenais (ou córtex supra-renal),
responsável pela produção do cortisol, um hormônio glicocorticóide, crítico à
sobrevivência humana devido à sua ação sobre o metabolismo dos carboidratos e
proteínas, e que possui uma importante atuação na resposta de adaptação ao
estresse, uma vez que é o responsável por nos manter em estado de alerta
(BERNE; LEVY, 1996; SELYE, 2008).
Ao mesmo tempo, o agente agressor também ativa outras células do
hipotálamo, os neurônios adrenérgicos, que são estimulados a produzirem a
16

norepinefrina, um neurotransmissor que age estimulando o Sistema Nervoso


Simpático. A norepinefrina atua agora sobre a medula adrenal estimulando a
produção de epinefrina, uma catecolamina que juntamente com o cortisol, produzido
pelo córtex adrenal, irá atuar de forma decisiva na reação ao estresse. Os elevados
níveis plasmáticos desses dois hormônios são os principais indicadores biológicos
da resposta ao estresse (BALLONE, 2008e; BERNE; LEVY, 1996; WHO, 2008b).

FIGURA 1 - RESPOSTA NEUROFISIOLÓGICA AO ESTRESSE

FONTE: Disponível em: <http://acupunturacontemporanea.blogspot.com/2007/12/stress.html>.


Acesso em: 24 ago. 2008.
17

Tanto o neurotransmissor norepinefrina quanto e o neuropeptídeo CRH


produzidos pelo hipotálamo para ativarem a produção de outros hormônios pela
hipófise, também podem gerar reações de adaptação ao estresse. Em uma situação
de ameaça à vida, a norepinefrina aumenta o estado de alerta e vigilância, ativa o
comportamento defensivo e a agressividade. O CRH estimula a atividade motora, a
vocalização e a sensibilidade aos estímulos auditivos, ao passo que inibe a atividade
sexual, a ingestão de alimentos e a liberação dos hormônios que atuam no
crescimento e na reprodução, funções inúteis em momentos de perigo (BERNE;
LEVY, 1996).
Juntos, o cortisol e a epinefrina aumentam a produção de glicose no sangue,
desviando a sua utilização para o sistema nervoso central e para longe dos tecidos
periféricos. Enquanto a epinefrina ativa rapidamente a glicogenólise (quebra do
glicogênio hepático e muscular em glicose), o cortisol atua mais lentamente,
fornecendo substratos de aminoácidos para a gliconeogênese (produção de glicose
a partir de aminoácidos provenientes das proteínas) (BERNE; LEVY, 1996).
A epinefrina ativa a enzima lipase, responsável pela quebra das células
lipídicas no tecido adiposo, liberando também ácidos graxos na corrente sanguínea,
como uma fonte alternativa de energia para o coração e músculos, ao passo que o
cortisol facilita a resposta lipolítica, ou seja, a quebra do lipídio em ácidos graxos e
moléculas de glicerol (BERNE; LEVY, 1996).
Os dois hormônios elevam a pressão arterial e a freqüência cardíaca e
melhoram o aporte de energia aos tecidos que são críticos para a defesa do
organismo. Havendo lesão tecidual ou invasão, os elevados níveis de cortisol atuam
aumentando a quantidade de linfócitos no sangue e restringem as respostas
inflamatória e imune imediatas, de modo a evitar que estas causem danos
irreparáveis aos órgãos e tecidos do corpo (BALLONE, 2008c; BERNE; LEVY,
1996).
A epinefrina é uma catecolamina que irá atuar mantendo elevados os níveis
de glicose plasmática durante o estresse com o objetivo de prover a energia
necessária para o sistema nervoso central. Para isso, ela estimula a glicogenólise no
fígado e nos músculos; ativa a gliconeogênese hepática; e inibe tanto a secreção
quanto a atividade da insulina, hormônio pancreático que facilita a captação da
glicose sanguínea pelos músculos e tecido adiposo (BERNE; LEVY, 1996).
18

Ela eleva a freqüência cardíaca e a pressão arterial sistólica, intensificando o


fluxo sanguíneo e o aporte de nutrientes para o coração, cérebro e músculos
esqueléticos, facilitando a ação e o movimento. Também gera um incremento de 7 a
15% da taxa metabólica basal, aumentando, assim, a termogênese, termo utilizado
para designar a produção de calor pelo organismo (BALLONE, 2008e; BERNE;
LEVY, 1996; WHO, 2008b).
Por fim, a epinefrina reduz a atividade motora gastrointestinal e genituitária,
atividades dispensáveis em situações de perigo; aumenta a freqüência respiratória e
relaxa os bronquíolos, com o intuito de melhorar as trocas gasosas; gera contração
do baço, aumentando a quantidade de glóbulos vermelhos no sangue e melhorando
a oxigenação de regiões estratégicas; aumenta a quantidade de linfócitos T,
preparando o organismo para eventuais danos por agentes externos; e atua
dilatando as pupilas, permitindo uma melhora da visão e beneficiando o indivíduo
que se encontra em perigo (BALLONE, 2008e; BERNE; LEVY, 1996).
Apesar de a epinefrina ser essencial nas situações de estresse, a sua
manutenção em elevados níveis e por um período prolongado de tempo pode vir a
causar, dentre outras doenças, o diabetes mellitus, uma vez que atua como um
hormônio hiperglicemiante. Ela também se torna deletéria quando a diminuição do
fluxo sanguíneo para os demais órgãos como rins, fígado e intestino passam a
provocar insuficiência renal e hepática, e paralisia intestinal com necrose do tecido
gastrointestinal (BERNE; LEVY, 1996; WHO, 2008b).
O cortisol é essencial à vida e é o hormônio glicocorticóide mais abundante no
organismo. Ele é secretado pelo córtex adrenal e está sob o controle do eixo CRH-
ACTH hipotalâmico-pituitário (referente a hipotálamo e hipófise). Ele é responsável
por manter a produção de glicose a partir da proteína; facilitar o metabolismo dos
lipídeos; sustentar a capacidade de resposta vascular e modular a função do sistema
nervoso central. Também atua sobre a formação óssea, a função muscular, as
respostas imunológicas e a função renal (BERNE; LEVY, 1996).
Ele é extremamente útil na fase de alarme da SGA, enquanto que a sua ação
geral mais importante consiste em prover energia de rápida utilização para as
reações de adaptação ao agente estressor. Dessa forma, ele atua facilitando a
conversão da proteína a glicogênio e por isso diz-se que ele é um hormônio
catabólico por que ele atua quebrando a molécula de proteína muscular
19

transformando-a em glicose, substrato energético de rápida utilização. Sem o


cortisol, provavelmente morreríamos de hipoglicemia durante um jejum prolongado,
após a depleção do glicogênio hepático (BERNE; LEVY, 1996; SELYE, 2008).
Em situações normais o cortisol também melhora a contratilidade e o
desempenho dos músculos esqueléticos e cardíacos; atua na manutenção da
pressão arterial, mantendo-a em níveis normais, e parece melhorar a capacidade de
integrar as sensações que são percebidas pelo corpo e de organizar as respostas
apropriadas (BERNE; LEVY, 1996).
Portanto, em quantidades normais, a ação do cortisol é fisiologicamente
benéfica. Porém, em excesso no sangue, leva à inibição da síntese protéica e
drenagem das reservas de proteínas corporais, sobretudo dos músculos, ossos,
tecido conjuntivo e pele. A sua atuação na reabsorção óssea leva a uma redução
global da massa óssea potencializando o desenvolvimento da osteoporose. A
inibição da síntese de colágeno (devido à inibição da síntese de proteínas) ocasiona
fragilidade capilar que pode gerar hemorragias intracutâneas, enquanto que a
diminuição da massa muscular geral leva à fraqueza muscular (BERNE; LEVY,
1996).
Da mesma forma que a epinefrina, o excesso de cortisol provoca
hiperglicemia, podendo levar o indivíduo a desenvolver o diabetes mellitus tipo II. Ele
também atua sobre as reservas lipídicas no jejum prolongado, permitindo a liberação
acelerada de reservas energéticas, como os ácidos graxos e glicerol, para a
gliconeogênese (transformação em glicose). Porém, ao contrário do que se poderia
imaginar, durante o estresse, a liberação contínua e maciça de cortisol estimula o
apetite e a ingestão calórica, favorecendo a lipogênese (produção de lipídeos a partir
dos carboidratos) e o ganho de peso, especialmente na região abdominal (BERNE;
LEVY, 1996).
No estresse, o cortisol em excesso pode provocar insônia, porque age
diminuindo o sono REM, e pode elevar ou deprimir o humor de forma tão drástica
que é comum o indivíduo estressado vir a apresentar quadro de depressão (BERNE;
LEVY, 1996).
O cortisol em grandes quantidades também atua sobre o sistema imunológico
inibindo a resposta inflamatória e a capacidade do organismo de lidar localmente de
modo eficiente com irritantes ou organismos patogênicos. O excesso de corticóides
20

promove a leucocitose (aumento do número de glóbulos brancos relacionados à


defesa imunológica do organismo no sangue) e aumento das plaquetas plasmáticas,
elevando as chances de formação de coágulos e futuras embolias e tromboses,
enquanto que as catecolaminas agem inibindo a ação dos anticorpos (BALLONE,
2008a; BERNE; LEVY, 1996).
Em situações normais, a produção de cortisol é controlada por um mecanismo
de feedback negativo em que o próprio cortisol, presente na corrente sanguínea,
suprime a secreção de ACTH, em nível hipofisário, bloqueando a ação estimuladora
do CRH sobre as células neuroendócrinas da hipófise e diminuindo a síntese do
ACTH, por meio da inibição da sua transcrição. Em nível hipotalâmico, ele atua
bloqueando a liberação de CRH pelas células neuroendócrinas do hipotálamo. A
produção do ACTH também pode ser suprimida por ele mesmo atuando, em um
mecanismo de feedback de alça curta, sobre o hipotálamo e diminuindo a liberação
do CRH (BERNE; LEVY, 1996).
Porém, a secreção de ACTH responde de modo bastante diferente em
presença de estímulos estressores potentes, o que é uma resposta crítica para a
sobrevivência. Apesar da manutenção do cortisol em altos níveis ocasionar sérios
danos ao organismo, durante o estresse grave, resultante de uma doença
incapacitante ou ameaça à vida, ele se faz extremamente benéfico em quantidades
elevadas, onde atuará restringindo as respostas inflamatória e imunológica, de modo
que estas não causem danos irreparáveis ao organismo. Nestas situações, o
mecanismo de inibição da secreção do ACTH por meio do cortisol não funciona,
independente da quantidade de cortisol presente no sangue (BERNE; LEVY, 1996).
Quando o estado de estresse é mantido, as glândulas adrenais podem entrar
em falência, diminuindo ou até mesmo cessando a produção de catecolaminas e
corticóides. Essa falência pode produzir conseqüências ainda piores para o
organismo tais como cefaléia, fraqueza, astenia, anorexia e perda de peso, febre,
desidratação, hiperpigmentação de pele e mucosas, hipopigmentação dos mamilos,
cianose, dores musculares e articulares. Os sintomas gastrointestinais decorrentes
da falta desses hormônios são náuseas, vômitos, dor abdominal, diarréia ou
constipação. Podem ocorrer também alterações neuropsiquiátricas tais como,
alteração da personalidade, confusão, torpor e até sintomas psicóticos. Na ausência
21

de corticosteróides ocorre hipotensão grave, choque e até mesmo a morte


(BALLONE, 2008c).

1.4 SINAIS E SINTOMAS DO ESTRESSE

Dentre os sintomas físicos do estresse crônico destacam-se tremores,


sensação de fraqueza, tonturas e vertigens, tensão ou dor muscular nas costas,
pescoço e coluna, dor de cabeça, fadiga crônica, falta de ar ou sensação de fôlego
curto, palpitações e aumento da freqüência cardíaca, elevação da pressão arterial,
dores no peito, rubor ou calafrios, sudorese, mãos frias, boca seca, sensação de
"bolo na garganta", náuseas e/ou vômitos e diarréia (WHO, 2008a; WHO. 2008b).
Também é freqüente o indivíduo estressado apresentar alterações
psicológicas como apreensão, inquietação, irritabilidade, agressividade, impaciência,
angústia, insegurança, medo, culpa, resposta exagerada à surpresa, ansiedade e
depressão (WHO, 2008a; WHO, 2008b).
Alguns dos sintomas cognitivos oriundos do processo de instalação do
estresse são: dificuldade de concentração e de memória, indecisão, baixa
autoconfiança, dificuldade em identificar objetos ou pessoas familiares, perda de
horários ou de lugares, pensamentos perturbadores e prejuízo do pensamento
abstrato (WHO, 2008b).
As alterações comportamentais produzidas pelo estresse são: insônia, perda
ou aumento do apetite, desmotivação para o trabalho ou insatisfação ocupacional,
queda de rendimento, perda da responsabilidade, dificuldade em cumprir tarefas,
perda da libido, dificuldade em dialogar e mudança do estilo usual de comunicação,
desinteresse pelas atividades que antes considerava prazerosas, comportamento
anti-social, humor inapropriado, abuso de substâncias como cafeína, álcool, cigarro
e drogas, explosões emocionais, propensão a acidentes e desenvolvimento de
tiques nervosos (WHO, 2008b).
22

1.5 CONSEQÜÊNCIAS DO ESTRESSE

As reações do estresse podem desencadear distúrbios psicológicos e


contribuir para o aparecimento de várias outras doenças crônicas que prejudicam a
qualidade de vida da pessoa, podendo levar até mesmo o sujeito à morte.
O estresse afeta o sistema cardiovascular, respiratório e digestivo, e atua
negativamente sobre a musculatura e sobre a pele, sem deixar de mencionar que
ele potencializa o aparecimento de doenças psíquicas como a ansiedade, a
depressão, a síndrome do pânico e os surtos psicóticos (ECHEVARRIA et al.,1997;
WHO, 2008a).
Ele Influi sobre o sistema imunológico diminuindo as defesas do organismo
contra agentes patogênicos, tornando o indivíduo mais vulnerável a doenças infecto-
contagiosas, como gripes, resfriados e alergias, e a doenças auto-imunes, como
artrites, vitiligo, psoríase, fibromialgia, lupus e câncer, doenças estas, que não
encontram barreiras à sua instalação (BERNE; LEVY, 2008; KRUMM, 2007).
Dentre as desordens que também podem ter sua etiologia no estresse,
ECHEVARRIA et al. (1997) destaca a hipertensão arterial, as dislipidemias, o
diabetes mellitus, as lesões miocárdicas, a gastrite e as úlceras gastroduodenais.
O estresse interfere e abala as relações sociais do indivíduo que se encontra
sob pressão porque cria um ambiente de tensão e agressividade ao seu redor que
afeta todas as outras pessoas que com ele convivem. Do ponto de vista psicológico
ou afetivo o estresse gera aumento da tensão emocional e da ansiedade, com
repercussões na adoção de hábitos de vida não saudáveis como o abuso de bebidas
alcoólicas, drogas e cigarros, promiscuidade sexual, procura por jogos de azar,
aquisição desenfreada por novas tecnologias e aumento do consumo de café,
açúcar e outros alimentos prejudiciais à saúde (WHO, 2008a).
Além dos sérios agravos à saúde, o estresse ainda gera elevados custos com
despesas médicas, que causam um forte impacto sobre a família, a sociedade e
para o mundo corporativo. O estresse provoca elevados índices de insatisfação com
o trabalho, aumento da rotatividade de funcionários nas empresas, elevação das
taxas de absenteísmo, atrasos, gastos com acidentes de trabalho e assistência
médica e queda da produtividade e da qualidade dos serviços, causando um
prejuízo que varia de 75 a 100 bilhões de dólares ao ano às empresas americanas,
por exemplo. Estima-se que cerca de 200 milhões de dias de trabalho sejam
23

perdidos ao ano somente nos Estados Unidos em decorrência do estresse (KRUMM,


2007; WHO, 2008b; LIPP, 2008).
Só no Brasil, segundo a International Stress Management Association - ISMA-
Brasil, 80% dos brasileiros economicamente ativos se dizem estressados. BALLONE
(2008b) e LIPP (2008) avaliam que cerca de 50% de todas as consultas médicas,
das doenças que levam ao absenteísmo e das mortes da atualidade estão
relacionadas ao estresse. No Japão, estima-se que cerca de 10 mil mortes anuais
sejam ocasionadas pelo excesso de trabalho (A NOVA, 2007).

1.6 PROFILAXIA E TRATAMENTO DO ESTRESSE

Tem-se demonstrado que quando as ações de prevenção ao estresse são


instituídas nas empresas, rapidamente se observa uma melhora do bem estar e do
ânimo dos funcionários, além de uma progressiva diminuição das taxas de
absenteísmo e dos índices de determinadas enfermidades, com conseqüente
elevação da produtividade e das economias dessas companhias.
Neste sentido, o primeiro passo na prevenção e tratamento do estresse é ter
conhecimento a respeito dos seus sinais de instalação e de suas causas, pois uma
vez reconhecido e trabalhado, o estresse e seus sintomas podem ser facilmente
revertidos.
O manejo do estresse é um processo muito particular e não existe uma única
técnica que seja a mais adequada para o seu tratamento ou prevenção, uma vez
que cada pessoa é dotada de características peculiares que lhe permitem diferentes
formas de pensar e de enfrentar os percalços da vida (WHO, 2008b).
Estudiosos recomendam, para diminuir os efeitos das reações ao estresse, a
prática de atividades físicas e de atividades de lazer nas horas vagas; fazer uso de
técnicas de relaxamento como meditação e yoga; manter uma alimentação saudável
e balanceada, rica em alimentos integrais e pobre em gorduras e açúcar; cultivar
relacionamentos saudáveis; dormir as quantidade de horas necessárias para o
adequado descanso; e manter um tratamento terapêutico e medicamentoso, se
necessário. Procurar atividades que tragam prazer; manter uma agenda organizada
delimitando horas para o descanso; reconhecer os próprios limites e manter boas
24

relações sociais no ambiente de trabalho também são medidas eficientes no


combate ao estresse.
De acordo com a World Health Organization - WHO (2008b), manter a
satisfação e o bem estar físico e emocional em casa e com a família, por meio de
ações que promovam a autoconfiança, a auto-estima e o respeito ao próximo,
proporcionando um ambiente onde haja momentos para o descanso, a recreação, e
para a atividade física, comprovadamente também diminuem as influências dos
fatores estressores.
Os pesquisadores HILKER et al., citados por KRUMM (2007), descobriram
que determinadas características da personalidade podem minimizar o estresse e
diminuir seus efeitos negativos. Uma dessas características, conhecida como
bardiness, confere às pessoas o sentimento de que elas estão sempre no controle
de suas próprias vidas; uma necessidade de estar constantemente a procura de
novos desafios; e um elevado senso de compromisso com a família, com o trabalho
e com as atividades que assumem. Características como a tolerância a frustrações,
o anseio por novos conhecimentos, uma sólida alto-estima e o poder de reconhecer
pontos positivos em outras pessoas, são fatores que predispõem as pessoas a
desenvolverem o bardiness. Os estudiosos afirmam que essa característica pode ser
desenvolvida durante a infância com o incentivo ao desempenho de muitas
atividades, condizentes com a capacidade da criança, e o apoio afetivo da família.
O estresse deve ser tratado de forma preventiva, como todo agravo à saúde
deveria ser, dando especial atenção às suas causas e à mudança de hábitos de
vida, e não tentando somente tratar as suas conseqüências com medicações para
hipertensão, hipercolesterolemia (excesso de colesterol no sangue), hiperglicemia,
insônia, ansiedade ou depressão, que é o que normalmente ocorre, já que é o que
está aparente e urgente. O aumento constante das vendas de todas essas drogas e,
em especial, as psicotrópicas (que atuam sobre o nosso cérebro e SNC, alterando
de alguma forma o nosso psiquismo), comprovam que, atualmente, as pessoas
estão cada vez mais doentes. Porém, elas estão muito estressadas, ocupadas e
cansadas para cuidarem da sua saúde e continuam tratando apenas das
conseqüências do problema. Até quando é culpa delas e até quando é culpa do
sistema?
25

Pensando em atuar de forma profilática, BALLONE (2008b) diz que o objetivo


atual é tentar reduzir os efeitos nocivos do estresse eliminando todo estresse
desnecessário, modificando alguns aspectos do estilo de vida e fazendo uso de
meios capazes de ajudar a melhorar a administração dos estressores cotidianos. Ele
diz que devemos transformar o estresse em um acontecimento positivo para o nosso
desenvolvimento e crescimento e não em um entrave ao nosso desempenho
pessoal, à nossa saúde e felicidade.
O que o autor quer dizer é que uma postura mais otimista diante da vida,
tentando ver o lado positivo dos acontecimentos, que por ventura pareçam ruins em
um primeiro momento, muda toda a percepção dos agentes estressores e,
consequentemente, altera também a intensidade com que o nosso organismo irá
reagir a esses agentes, provavelmente, tornando a pessoa bem mais resistente às
adversidades do que outra, de visão pessimista.
Dessa forma, apesar do estresse acometer a todos nós indistintamente, ele
será em menor ou maior grau dependendo do estilo de vida e de características
físicas e psíquicas muito pessoais, que podem conferir ao indivíduo certo grau de
resistência a determinadas situações. Hoje, ele é considerado o mal da modernidade
porque, comprovadamente, está envolvido na etiologia de várias doenças de
elevada taxa de mortalidade, gerando uma série de prejuízos financeiros, sociais e
emocionais sem precedentes.
Na tentativa de conter o estresse, muitas formas de tratamentos e terapias
foram surgindo a fim de ajudar às milhares de pessoas que hoje são acometidas por
ele. O uso terapêutico da música já existe há milhares de anos, porém, somente
após a Segunda Guerra Mundial foi observado o surgimento da musicoterapia como
ciência, embasada em teorias e técnicas mais sólidas. Desde então, a musicoterapia
se juntou às demais terapias e formas de prevenção do estresse como uma
alternativa eficiente e de baixo custo, que apesar de não completamente
desvendada, vem trazendo resultados promissores.
A musicoterapia vem se mostrando uma boa opção para o processo de
restabelecimento da saúde, porque ela atua beneficamente nos mecanismos
biológicos dos indivíduos e proporciona um clima agradável entre os pacientes,
permitindo que eles compartilhem seus sentimentos e trabalhem questões relativas
ao seu estado psíquico. Dessa forma, eles se sentem mais valorizados em
26

dimensões normalmente não abordadas no atendimento convencional à saúde,


possibilitando, portanto, melhorias na qualidade de vida de indivíduos em situação
de fragilidade e sofrimento (BARBOSA et al., 2006).
27

2 MUSICOTERAPIA

2.1 BREVE HISTÓRICO

As origens da música são muito antigas, muito primitivas, e sua história se


confunde com a história do próprio homem. Por ser uma linguagem instintiva e
espontânea, acredita-se que a linguagem musical em forma rudimentar tenha
precedido até mesmo a linguagem verbal no homem pré-histórico (ALALEONA,
1984; HAMEL, 1995).
Por meio da observação de sítios arqueológicos e da arte rupestre encontrada
em cavernas, conseguimos ter uma breve noção a respeito do desenvolvimento da
música do homem da pré-história. Porém, apesar de termos conhecimento de que o
homem, há cerca de 30 mil anos atrás, já tocava flautas confeccionadas a partir de
ossos, instrumentos de percussão e certos tipos de harpa, a escassez de vestígios
arqueológicos dá margem à divagação e deixa dúvidas quanto à cronologia da
evolução musical deste período (WEINBERGER, 2007; WIKIPÉDIA, 2008).
É provável que o homem tenha começado a desenvolver a sua musicalidade
tentando imitar os sons da natureza por meio da utilização de paus e pedras,
emitindo gritos e outros sons vocais e fazendo percussão corporal. Há cerca de
50.000 anos atrás, quando as primeiras tribos primitivas começaram a se organizar
na África, a música já fazia parte do cotidiano destas pessoas. Mas nesta época, ela
possuía um caráter místico, mágico e religioso, e existia em função dos rituais
religiosos e das cerimônias de agradecimento a Deus pelas boas colheitas, caças e
chuvas. Também era utilizada nos cultos xamanísticos, como meio de cura mágica
das enfermidades, durante as festas e nas guerras (HAMEL, 1995; WIKIPÉDIA,
2008).
Observando a nossa evolução, podemos perceber que a música é uma das
atividades mais antigas do homem e que ela esteve e está presente em todas as
culturas de que se tem conhecimento, fazendo parte do comportamento humano,
juntamente com a dança, os rituais religiosos e as cerimônias. Assim, desde o início
da humanidade, buscamos atribuir diferentes significados a ela em sua relação
estética e mesmo como função mística, religiosa e terapêutica (BARALE, 2006).
28

O emprego da música como agente de cura, da mesma forma que a música,


sempre esteve presente em todas as civilizações, e sua utilização data de cerca de
trinta mil anos atrás. No passado, o trabalho era realizado por curandeiros, pajés e
xamãs que entoavam cânticos curativos ao doente para que o espírito causador da
doença deixasse o corpo enfermo. "Os maus espíritos da enfermidade" eram
expulsos com matracas e outros instrumentos ruidosos, ao mesmo tempo em que
batidas de tambor seguiam os passes "magnético-curativos" de mãos sobre o
paciente. Ainda hoje, principalmente entre os nossos índios brasileiros, encontramos
este tipo de atividade (HAMEL, 1995, p 203).
Há menções na história de que cantores da antiguidade experimentavam em
si mesmos os efeitos de exercícios vocais cantando apenas uma nota durante meia
hora e observando o efeito que esta atividade causava sobre o seu organismo: "que
corrente de energia vital ela invocava; que faculdades intuitivas ela revelava; como
provocava entusiasmo, proporcionava mais energia; como aliviava e curava".
Segundo esses cantores, esta era uma experiência vivida e não somente uma teoria.
(KHAN1, apud HAMEL, 1995, p. 268).
Também encontramos relatos de que os antigos egípcios utilizavam a música
para aumentar a fertilidade nas mulheres. Já os chineses, acreditavam que a música
possuía poderes mágicos e que refletia a ordem do universo. No Ocidente, na antiga
Grécia, de onde emergiu uma atitude mais racional diante dos agravos à saúde, o
primeiro estudioso a pesquisar a respeito da influência da música sobre a psique
humana foi Pitágoras. Ele teria feito o uso de canções contra algumas doenças; para
esquecer a aflição; para acalmar a ira e para eliminar paixões. Durante este período,
a música com fins terapêuticos e de cunho mais racional foi bastante empregada e
propagada, concomitantemente à sua utilização pelos rituais religiosos de cura
(HAMEL, 1995; MOURA, 1989; PSICOLOGIA, 2008).
Porém, na Idade Média, após a queda do Império Romano e o apogeu da
Igreja Católica, a sua utilização terapêutica foi proibida e iniciou-se, então, uma
época negra para a medicina, onde o cristianismo não mais permitia que as formas
racionais de tratamento à saúde fossem ministradas aos doentes, em detrimento de
uma medicina religiosa, praticada dentro dos conventos (MOURA, 1989).

1
KHAN, H. I. The message of Hazrat Inayat Khan. v. 2, ed. 2. Londres: 1973
29

Somente no século XI, após a reforma da própria Igreja Católica e o


surgimento das primeiras escolas de medicina, a música voltou a ser utilizada com
fins terapêuticos. Enfim, no século XVII, quando alguns médicos começaram a sentir
a necessidade de separar os tratamentos psiquiátricos dos tratamentos físicos,
dando origem aos primeiros tratados psiquiátricos, vimos surgir também os primeiros
estudos científicos da musicoterapia, dando início então, ao emprego da música no
manejo das doenças mentais (MOURA, 1989).
No final do século XVIII, uma agremiação de músicos britânicos, liderada por
Cânon Frederick Kill Harford, sentiu a necessidade de aplicar a musicoterapia em
alguns hospitais da região, a pacientes não portadores de doenças psiquiátricas,
com o objetivo inicial de apenas suavizar e melhorar o sono dessas pessoas. Para a
surpresa dos médicos que assistiam a esses pacientes, eles não apenas
melhoraram o sono, como alguns apresentaram também melhoras significativas em
seu quadro clínico. A partir de então, a comunidade médica passou a se interessar
por outras aplicações da musicoterapia que não somente para as doenças
psiquiátricas (EDWARDS, 2008).
Durante o período que se seguiu, alguns poucos trabalhos foram realizados
na Europa e nos Estados Unidos. Só na metade dos anos 40, após a Segunda
Guerra Mundial, quando os Estados Unidos foi arrebatado por uma multidão de
soldados combatentes que retornavam traumatizados, neuróticos, feridos e doentes
ao seu país, pudemos observar um estrondoso crescimento da musicoterapia. Neste
momento crítico da história, vários hospitais precisaram ser construídos e muitos
especialistas da área médica foram convocados, dentre eles, uma nova categoria de
profissionais que vinham utilizando a música como ferramenta apaziguadora da dor
e de distúrbios mentais (EDWARDS, 2008).
A partir de então, muitos artigos começaram a ser publicados e a
musicoterapia passou a ter uma maior credibilidade diante da comunidade médica.
Vários hospitais americanos passaram a contratar músicos profissionais e
terapeutas com experiência musical para atuarem junto aos veteranos de guerra,
surgindo assim o musicoterapeuta, que teve seu primeiro curso universitário criado
em 1944, na Michigan State University, e sua primeira Associação Nacional para a
Terapia Musical fundada em 1950 (EDWARDS, 2008).
No final dos anos 60 a musicoterapia chega ao Brasil, influenciada por
30

Rolando Benenzon, da Argentina. Em 1971 são criados os dois primeiros cursos de


musicoterapia do Brasil, um no Paraná e outro no Rio de Janeiro, onde desde 1980
a prática clínica é realizada no Instituto de Psiquiatria da Universidade Federal do
Rio de Janeiro. Hoje já existem cerca de oito cursos de graduação e seis cursos de
pós-gradução espalhados por todo o país, e doze associações nacionais filiadas à
União Brasileira das Associações de Musicoterapia (MOURA, 1989).
A musicoterapia demorou a ser implantada nas clínicas e hospitais e ainda
hoje encontramos resistência por parte da classe médica, que não entende sobre o
assunto e ainda está bastante influenciada pela visão espiritualizada, mística e
mágica com que ela era, e ainda é, praticada pelos povos mais primitivos, como por
exemplo, pelos os índios. Somente há bem pouco tempo, quando se comprovou que
a música poderia influir sobre a freqüência cardíaca e a pressão arterial e, até
mesmo, alterar um eletrocardiograma, que os demais profissionais das áreas
biomédicas passaram a vislumbrar a aplicação da musicoterapia na prática clínica
(HAMEL, 1995).

2.2 MÚSICA: CONCEITOS E DEFINIÇÕES

Chamamos de música todo processo relacionado à organização e à


estruturação de unidades sonoras, seja em seus aspectos temporais (ritmo), seja na
sucessão de alturas (melodia) ou na organização vertical harmônica e tímbrica dos
sons, e onde funções musicais é o conjunto de atividades motoras e cognitivas
envolvidas no processamento da música. A música não resulta apenas da
disposição de vibrações sonoras, mas sim da estruturação dessas vibrações em
padrões temporais organizados de signos, cuja forma, sintaxe e métrica constituem-
se em um verdadeiro “sistema” independente e complexo, no qual significante e
significado irão remeter-se à estrutura da própria música, isto é, à forma e ao estilo
musical (CAMPOS; CORREIA; MUSZKAT, 2000, p. 70).
A experiência musical é uma experiência emocional, e a forma que ela tem de
instigar as nossas emoções é por meio de seus elementos constitutivos, indutores
de movimentos, emoções e direções, tais como, o ritmo, a melodia, a harmonia e o
timbre. O ritmo, a partir de seu elemento de expressão psicológica, a agógica,
provoca sensações de movimento. A melodia, através da dinâmica, imprimi uma
31

idéia de intensidade. A harmonia, por meio da modulação, nos leva a sensações de


obscuridade e claridade. E por fim, o timbre, fazendo uso dos harmônicos, nos
conduz a sensações de aproximação e afastamento, ausência e presença (SEKEFF,
2007).
Podemos dizer que a música é uma forma de comunicação não-verbal, que
se diferencia da linguagem verbal por não possuir o esquema significante-
significado. Apesar de a linguagem musical possuir o que chamamos de musicante,
o significado dela é a expressão de sentimentos conotados e não denominados,
sendo a sua função principal a estética, e não a referencial, como na linguagem
verbal. Embora a música apresente analogias com a linguagem verbal, as notas não
são como as palavras e, portanto, não podem nomear coisas existentes no mundo.
Dessa maneira, a música, com suas notas musicais, realmente diz algo, mas algo
que não se encontra no mundo externo à música, sendo que o mais importante na
experiência musical não é a informação que vem dela, mas o que experimentamos a
partir dela (MOURA, 1989; SEKEFF, 2007).

O fazer musical encerra e integra as funções do sentir, do processar, do


perceber em estruturas ou em uma estética de comunicação que é, por si
só, forma e conteúdo, corpo e espírito, mensageiro e mensagem. A música,
nas suas várias manifestações enquanto estética, terapia ou ritual, evoca o
humano e sua contradição. Seus elementos de lógica, proporção e simetria
estão intimamente relacionados e imbricados aos elementos de tensão, de
relaxamento, que são sentidos, ou conceitualmente interpretados somente
em bases abstratas que requerem a definição do homem, suas formas de
sentir e pensar o mundo, e, portanto, seu sistema cultural e social de
decodificação (CAMPOS; CORREIA; MUSZKAT, 2000, p. 71).

O homem é um ser musical, que se faz envolver a tal ponto corpo-mente-


espírito com a música, que é provável que a escolha musical seja um traço marcante
da nossa personalidade e manifestação da nossa identidade como ser humano. É
por isso que quando cantamos ou reproduzimos uma música, falamos de nós
mesmos e compartilhamos nossos sentimentos, amores, paixões não
correspondidas, alegrias medos e tristezas (SAKAI, 2004).
É possível que essa ligação emocional e espiritual com a música tenha
surgido junto com ela e, por isso, sempre esteve presente em todos os tempos, em
todos os povos e em todas as culturas. Hoje, a música acompanha e marca
praticamente todos os momentos importantes da existência do homem, contando a
sua história, influenciando-a e sendo influenciado por ela. O fato de estar tão
presente em nossas vidas, de alguma forma, a conecta e a associa a várias das
32

nossas lembranças de pessoas, lugares, acontecimentos e sentimentos, conferindo-


lhe, dessa forma, o poder de incitar emoções. Por isso, duas pessoas,
sugestionadas pela cultura e por suas experiências de vida, podem escutar uma
mesma música, mas experimentarem emoções completamente distintas, em virtude
das diferentes associações que foram construídas em torno dela (LEWIS, 2008).
A música é uma linguagem universal, onde todos a entendem e todos se
interessam tanto por ela, que levou os cientistas a afirmarem que nosso cérebro é
especializado em música e que é impensável a nossa existência sem ela. Mas de
onde surgiu essa necessidade de música? Será que somos viciados no prazer que
ela nos proporciona? Ou será que ela surgiu da necessidade que sentimos de
comunicar o incomunicável?
A música passa e já passou por muitas discussões sobre as suas origens e
funções na vida do homem. Na verdade, a música é um mistério para nós: ao passo
que é uma estrutura sonora complexa, ela não pode ser realmente definida e não
possui uma função biológica clara, apesar de ter o poder de incitar reações físicas e
comportamentais no homem. É de conhecimento comum que a música se origina do
meio em que vivemos, ou seja, acredita-se que ela seja um produto cultural. Porém,
há cientistas que levantam a hipótese de que a música possa estar presente em
nossos genes, podendo ser considerada até mesmo uma capacidade genética e
biológica, tamanha a precocidade que apresentamos a ela. Eles suspeitam da teoria
de que as nossas preferências musicais já estejam preestabelecidas em nosso
cérebro desde o nascimento porque pesquisas com bebês de 6 a 9 meses revelaram
que eles já apresentam simpatia por acordes consonantes (agradáveis) e aversão a
acordes dissonantes (desagradáveis). A descoberta das reais origens e funções da
música interessa a todos nós por que mudaria a forma de pensar e de agir de
pedagogos, clínicos, terapeutas e cientistas (PERETZ, 2006).

2.3 MUSICOTERAPIA: CONCEITOS E DEFINIÇÕES

Sendo a música uma forma de comunicação que nos permite expressar


aquilo que é difícil de ser dito e experimentar situações, emoções e sensações tão
intensas a ponto de permitir o autoconhecimento, a musicoterapia, nada mais é que
a utilização terapêutica da música na promoção da saúde. Ela consiste na utilização
33

da música, do som, das experiências musicais vivenciadas pelo cliente e das


relações que se desenvolvem a partir dessas experiências, como agentes
promotores do processo terapêutico, com o objetivo de restaurar, manter ou
melhorar a sua saúde física e mental.
Dessa forma, nos deparamos com várias definições sobre o que é
Musicoterapia. De acordo com a World Federation of Music Therapy, citada por Even
Ruud, em BRUSCIA (2000, p.286),

Musicoterapia é a utilização da música e/ou dos elementos musicais (som,


ritmo, melodia e harmonia) pelo musicoterapeuta e pelo cliente ou grupo,
em um processo estruturado para facilitar e promover a comunicação, o
relacionamento, a aprendizagem, a mobilização, a expressão e a
organização (física, emocional, mental, social e cognitiva) para desenvolver
potenciais e desenvolver ou recuperar funções do indivíduo de forma que
ele possa alcançar melhor integração intra e interpessoal e
consequentemente uma melhor qualidade de vida.

Sob um outro olhar, Clarice Moura define a musicoterapia como sendo

[...] uma terapia auto-expressiva que se utiliza da música em sentido lato,


como objetivo intermediário da relação musicoterapeuta-paciente, e que
mobiliza os aspectos biopsicossociais do indivíduo, abrindo novos canais de
comunicação que ajudem na recuperação ou integração dinâmica do
indivíduo consigo mesmo e com seu grupo social (MOURA, 1989, p. 51-52).

Por meio das experiências proporcionadas pela música e das relações que se
desenrolam a partir delas, o cliente entra em um processo de mudança que se
generaliza para todas as outras áreas de sua vida, lhe proporcionando
autoconhecimento e trazendo benefícios para o seu bem estar físico, mental e
espiritual. Essas experiências musicais, que conferem um caráter experimental à
terapia e são as responsáveis por desencadear os processos terapêuticos de
mudança, são proporcionadas por métodos e técnicas que serão aplicados pelo
musicoterapeuta durante as sessões, de acordo com os objetivos iniciais do cliente
(BRUSCIA; 2000).
Segundo BRUSCIA (2000), há quatro tipos de experiências musicais -- melhor
detalhadas no item 3.2: a improvisação (onde o cliente cria a sua música cantando
ou tocando um instrumento), a re-criação (onde o cliente canta ou toca alguma
música já existente), a composição (onde o cliente compõe e escreve uma música
com a ajuda do musicoterapeuta) e a audição (onde o cliente escuta uma música
gravada ou tocada naquele momento pelo terapeuta). Cada uma dessas
experiências evoca diferentes tipos de emoções e provoca um processo interpessoal
34

diferente, fortemente influenciado pela característica polissêmica da música, ou seja,


por sua capacidade de evocar e provocar diferentes emoções e reações.
Neste sentido, a música permite que lhe sejam atribuídas conotações
diversas, que estão relacionadas às experiências de vida de quem a ouve. Além
disso, uma mesma música, para uma mesma pessoa, mas em uma outra
determinada situação, é capaz de suscitar diferentes sentimentos e provocar novas
reflexões, reações e sensações antes não vivenciadas.
Assim, o musicoterapeuta deve estar preparado para as mais variadas
situações dentro de um setting musicoterápico, porque cada pessoa, influenciada
pela cultura em que foi criada, por suas experiências e por sua forma de encarar a
vida, possui uma forma peculiar de perceber, vivenciar e sentir a música, e, por isso,
passará por experiências musicais muito particulares.
De acordo com BENENZON (1988, p. 11), o objetivo da musicoterapia é “abrir
canais de comunicação no ser humano, para produzir efeitos terapêuticos,
psicoprofiláticos e de reabilitação no mesmo e na sociedade”.
Na terapia tradicional a linguagem verbal, que tem como função a
comunicação informativa, é insuficiente para demonstrar tudo o que seria veiculado
pelo cliente. A musicoterapia, por utilizar um meio de comunicação não-verbal que
possibilita a abertura de novos canais de comunicação do indivíduo com o mundo,
permite que o cliente expresse seus sentimentos mais profundos por meio de suas
experiências musicais vividas durante as sessões. Dessa forma, o sujeito
desenvolve sua capacidade de comunicação, de expressão, de aprendizado,
melhora suas relações pessoais, sua saúde mental e consequentemente sua
qualidade de vida (MOURA, 1989).
A música é um meio de comunicação que, segundo HAMEL (1995), envolve o
ser humano como um todo. Ela é um meio capaz de ligar as pessoas de forma mais
direta porque atua através dos níveis físico, fisiológico e mental, estabelecendo um
campo de ressonância entre o musicoterapeuta e o cliente, possibilitando assim o
diálogo de forma mais livre e fácil. Esse diálogo musical, que ocorre diante da
interação sonoro musical, se faz a partir de um campo de ressonância criado no
setting musicoterápico e viabiliza o surgimento do processo terapêutico.
Neste caso, a música, material de trabalho do musicoterapeuta, não tem
como função informar. Ela é um agente que promove a experimentação, nos
35

influenciando a construir uma nova relação com o mundo e com os outros, servindo
de linguagem e possibilitando ao cliente se comunicar com o terapeuta através de
sua produção musical. Essa comunicação irá permitir que, através de sua
experimentação e organização musical, o paciente entre em contato com seus
sentimentos, pensamentos, lembranças e emoções, promovendo assim o processo
terapêutico. A musicoterapia, com o auxílio da música, vai criar uma ponte entre o
nosso consciente e subconsciente e abrir nossos canais de comunicação, permitindo
que os nossos conteúdos internos se tornem acessíveis e o indivíduo consiga
expressar experiências e sentimentos normalmente difíceis de serem explicados por
meio das palavras (ECHEVARRIA et al.,1997; RUUD, 1990).

2.4 BENEFÍCIOS E APLICAÇÕES DA MUSICOTERAPIA

A musicoterapia, por meio do ritmo, melodia, timbre e harmonia, amplia a


qualidade de vida das pessoas porque trabalha com a organização interna e externa
do ser humano, fazendo com que ele manifeste e expresse seus conteúdos internos,
reconhecendo-os como próprios (SEKEFF, 2007).
Psicologicamente, o objetivo da música é servir de escape emocional
mediante sua expressão. Porém, seu real poder situa-se em sua capacidade de
auxiliar no completo desenvolvimento do indivíduo, através do estímulo benéfico de
suas funções cognitivas, do aprendizado, do raciocínio, da memória, da lógica, da
atenção e da afetividade. Ela estimula o desenvolvimento da criatividade, da
sensibilidade, da disciplina e do senso crítico e estético. Do ponto de vista afetivo e
mental, a musicoterapia promove o equilíbrio psicofisiológico com base em seu
poder relaxante e reconfortante (ECHEVARRIA et al.,1997; SEKEFF, 2007).
A vivência musical, acima de tudo, possibilita ao homem conhecer o outro e a
si mesmo porque, por meio dela, ele tem a oportunidade de expressar o seu eu e
sentir emoções inexplicáveis. A música é para ele, fonte de auto-realização e,
conseqüentemente, de felicidade e prazer, que se traduz por uma sensação de bem
estar e satisfação com a sua vida (SEKEFF, 2007).
RUUD (1990) cita que a música, para o musicoterapeuta atual, possui quatro
funções básicas: a de melhorar a atenção, quando associada ao desenvolvimento
motor e/ou cognitivo; estimular habilidades sócio-comunicativas; proporcionar
36

melhorias no esclarecimento da pessoa e em sua expressão emocional; e favorecer


o pensamento e a reflexão sobre sua vida. Vamos então, discorrer sobre essas
quatro funções da música para o musicoterapeuta, e analisar, de maneira sucinta, as
suas aplicabilidades.
Já está cientificamente comprovado que a música estimula nossa atenção,
coordenação, concentração e memória. Dessa forma, a musicoterapia seria uma
ótima aliada na prevenção e no retardo à instalação de doenças neurológicas
degenerativas, tais como a Doença de Alzheimer e o Mal de Parkison. Ainda nesta
linha de pensamento, a musicoterapia pode e vem sendo utilizada em crianças com
dificuldades de aprendizado e em escolas de ensino especial, auxiliando nos
processos psicopedagógicos de crianças portadoras de deficiência mental, física,
auditiva, visual e da fala e portadoras de síndromes genéticas e distúrbios
neurológicos.
A música, ao abrir nossos canais de comunicação, permite ao indivíduo
mudar a sua visão da realidade e ampliar a sua capacidade de se comunicar com o
mundo e com as pessoas, estimulando-o a participar espontaneamente e mais
ativamente de reuniões com amigos, festas e atividades sócio-culturais, antes
inimagináveis para um determinado grupo de pessoas que sofrem com a timidez em
excesso ou com distúrbios que a impedem de manter uma vida social normal. A
musicoterapia, ao encorajar a atividades sociais, estimula as habilidades sócio-
comunicativas, desempenhando um importante papel no favorecimento da coesão e
do senso de pertencer a um grupo.
As experiências musicais vivenciadas no setting musicoterápico, ao
desencadearem o processo terapêutico, proporcionam insights e reflexões que são
transformadores e permitem que os indivíduos desenvolvam a auto-compreensão, o
autoconhecimento e a autoconfiança, que se traduz em elevação da auto-estima e
melhorias na qualidade de vida. Este benefício da música se torna realmente
especial quando falamos de pessoas que sofrem de ansiedade, estresse e
depressão, dentre outros, e que necessitam, primordialmente, trabalhar seus
conteúdos internos a fim de enfrentarem seus algozes. Nestes casos, a
musicoterapia também é capaz de alterar o humor da pessoa, tornando-a mais
positiva diante dos problemas cotidianos e lhe devolvendo a sensação de controle
da sua própria vida.
37

Duas pesquisadoras, DANHAUER e KEMPER (2008), concluem em seu


artigo de revisão, que a musicoterapia é uma ótima aliada na promoção do bem
estar por que ela é capaz de diminuir o estresse e aliviar as tensões e sintomas
desagradáveis. As autoras comprovaram que ela diminui a ansiedade e melhora o
humor de pacientes pré e pós-cirúrgicos e pacientes internados, tanto em crianças
quanto em adultos; que melhora a qualidade de vida de pacientes em cuidados
paliativos, por atuar diminuindo a dor e promovendo o conforto e o relaxamento; e
que a musicoterapia vem sendo bastante utilizada como método alternativo de
analgesia.
Encontramos relatos na literatura de dentistas que utilizam a musicoterapia no
lugar dos anestésicos durante as extrações e obturações dentárias de seus clientes,
e ainda outros, de médicos cirurgiões cardíacos, que também diminuíram a
prescrição de analgésicos após instituírem a musicoterapia no pré e pós-operatórios
de cirurgias cardíacas.
A literatura confirma, que a musicoterapia vem sendo amplamente utilizada no
tratamento de pessoas com distúrbios emocionais e pacientes portadores de
doenças psiquiátricas como os esquizofrênicos, portadores de distúrbio obsessivo
compulsivo, deprimidos e em estresse pós traumático devido a morte de parentes,
violência ou acidentes.
Do ponto de vista fisiológico, a musicoterapia é capaz de acalmar e relaxar a
mente, diminuir a ansiedade, o estresse e a sensação de dor, melhorar a qualidade
do sono, relaxar a musculatura corporal, e pode atuar equilibrando o sistema
cardiocirculatório, o metabolismo, a temperatura corporal, a sudorese, a pressão
arterial, a freqüência cardíaca e a respiratória.
Ela é atualmente aplicada na reabilitação física e neurológica, na prevenção
da ansiedade e do estresse, com fins psicoterapêuticos, educacionais ou
recreativos, e atendendo às mais variadas demandas do cliente, que podem ser
físicas, espirituais, sociais, emocionais ou intelectuais. Dessa forma, a musicoterapia
pode ser utilizada em uma infinidade de locais e situações e com diversos objetivos.
BRUSCIA (2000) enumera que hoje, nós encontramos musicoterapeutas atuantes
em creches, escolas, clínicas, hospitais, centros de reabilitação, asilos, centros
comunitários, centros de saúde, hospitais psiquiátricos, prisões, empresas, lojas,
supermercados, departamentos públicos e em muitos outros locais, atendendo as
38

mais variadas clientelas que vai desde fetos, ainda na barriga de suas mães, até
idosos.
A idéia de se aplicar a musicoterapia no tratamento do estresse
possivelmente surgiu da observação da capacidade que a música tem de acalmar e
relaxar de quem dela usufrui. Apesar de não conhecermos exatamente por quais
mecanismos ela atua, a musicoterapia vem sendo amplamente empregada na
prevenção e tratamento de pessoas cronicamente estressadas, amparada por vários
estudos que comprovam que ela pode trazer uma série de benefícios a esses
indivíduos.
39

3 MUSICOTERAPIA E ESTRESSE

A utilização da música a partir de uma compreensão musicoterápica pode


oferecer um trabalho preventivo muito próprio, [visando] o "esvaziamento" e
a canalização das energias de tensão e ansiedade, impedindo que estas se
acumulem e tenham como conseqüência bloqueios psicossomáticos
geradores do estresse [...] (BONFIM, 2007, p.26).

Tanto a música quanto o estresse são percebidos por cada um de nós de


forma singular. Como a música, o estresse será sentido pelo indivíduo de acordo
com as suas experiências de vida e a sua realidade, o que predispõe determinadas
pessoas a serem mais ou menos acometidas por agentes estressores que outras.
Esse diferencial, ao mesmo tempo em que é enriquecedor, também é entristecedor,
por que dificilmente estabeleceremos um modelo de trabalho que seja adequado a
todos os pacientes, nos obrigando a um manejo diferenciado para cada sujeito.
LEWIS (2008) investigou se a preferência musical influenciava
emocionalmente e fisiologicamente nos efeitos relaxantes da música, observando 19
estudantes que foram solicitados a escolher uma música dentre as suas próprias
músicas favoritas; depois, foram solicitados a escutar o Prelúdio de Rachmaninoff #5
em Sol Maior; e depois, a permanecerem um período de controle em silêncio. A idéia
inicial era utilizar músicas que já possuíssem uma ligação emocional com os
voluntários a fim de alcançar melhores resultados. Com esse estudo, a autora
conseguiu concluir que as preferências individuais são capazes de produzir
melhores efeitos relaxantes do que as escolhas musicais do pesquisador. Mas esta
pesquisa também levanta uma importante questão: até que ponto uma música é
relaxante? Como podemos ter certeza de que aquela música que estamos
escolhendo para trabalhar com um grupo de funcionários estressados de uma
empresa multinacional vai acalmá-los?
Essa mesma pergunta é feita quando falamos de humor. Sabe-se que a
música é capaz de alterar o humor das pessoas, porém, uma mesma música que
melhora o humor de uma pessoa deprimida, deixando-a mais energizada e alegre,
pode deixar uma outra pessoa irritada e zangada. É pensando em atender o cliente
de forma mais eficiente e ajudar o profissional musicoterapeuta, fornecendo-lhe mais
subsídios e ferramentas para o seu trabalho, que algumas pesquisas, já em
andamento, estão tentando relacionar as personalidades das pessoas a
40

determinadas preferências musicais, com o objetivo de construir programas mais


individualizados e eficazes para os mais diversos tipos de tratamentos (LEWIS,
2008).
Outro ponto incomum da música e do estresse, mais bem detalhado no item
3.2, é que os dois são percebidos pela mesma estrutura cerebral, o sistema límbico,
o nosso centro coordenador das emoções. Essas duas informações a respeito da
percepção do estresse e da música nos enchem de esperança em relação à
musicoterapia e faz surgir a nossa frente um grande leque de possibilidades.
Para BONFIM (2007) a musicoterapia se diferencia de qualquer outro tipo de
terapia por possibilitar ultrapassar barreiras que se transformam, mais tarde, em
conteúdos terapêuticos extremamente versáteis. Ela acredita que o estresse é um
desequilíbrio na delicada relação entre a emoção e a razão, e que o prazer
alcançado pela vivência da música pode ajudar a harmonizar e restabelecer essa
cumplicidade, auxiliando na redução do estresse e mantendo o organismo saudável.
Segundo a autora, pela musicoterapia, o indivíduo estressado, que
normalmente apresenta uma linguagem verbal estereotipada em virtude das
exigências sociais, possui a oportunidade de se expressar de forma integral,
traduzindo seus medos, angústias, ansiedades e sentimentos por meio das
manifestações sonoras que permitem a liberação de suas tensões e o
desenvolvimento da sua capacidade de autoconhecimento, de percepção e de
aceitação, atingindo, dessa forma, o equilíbrio. O desenvolvimento da percepção de
si por meio do contato com a música estimula a pessoa a tornar-se mais flexível e
autoconfiante, dando-lhe uma maior capacidade de resolução dos seus problemas e
de adaptação a situações novas, fornecendo ao indivíduo ferramentas muito úteis
para que ele possa lidar com as pressões cotidianas sem se abater.

3.1 NEUROFISIOLOGIA DA MÚSICA E SUA ATUAÇÃO DIANTE DO ESTRESSE

É de senso comum que a música evoca emoções baseada nas histórias


pessoais de cada ser humano e na recordação de episódios passados armazenados
na memória. Porém, o que cientistas como VIEILLARD (2005) vem demonstrando
em seus estudos é que as reações fisiológicas provocadas pela música no homem,
são dependentes do conteúdo emocional dessas músicas, e não estão somente
41

sujeitas à história de vida da pessoa ou de qualquer outro julgamento que ela possa
fazer dessas músicas, contrariando, de certa forma, o que alega LEWIS em sua
pesquisa mencionada no item anterior. Assim, durante os estados emocionais de
medo e alegria suscitados pelo andamento rápido e pela forte dinâmica musical,
nosso sistema nervoso reage acelerando os batimentos cardíacos e aumentando a
transpiração, independente de nossa vontade. Dessa forma, deduz-se que a música
não apenas evoca, mas como também provoca emoções, postulando a existência de
uma provável via cerebral específica para o processamento das emoções musicais.
De forma bastante resumida, o som penetra o nosso cérebro através de
ondas sonoras captadas pelos ouvidos externos. Sob a forma de ondas de pressão,
o som chega até nossos ouvidos internos, onde é prontamente transformado em
ondas fluidas, que, logo em seguida, é transmutado em impulsos elétricos. Esses
sinais elétricos percorrem o nervo auditivo e finalmente alcançam o córtex auditivo,
onde serão processados e, ao que tudo indica, enviados a várias outras regiões do
cérebro como, por exemplo, o sistema límbico, responsável por captar as nossas
sensações e transformá-las em emoções (WEINBERGER, 2007).
É provável que o poder da música em evocar emoções resida em sua
capacidade de estimular essas muitas áreas cerebrais e acessar, ao mesmo tempo,
todas as nossas percepções, integrando as sensações gustativas, olfativas, visuais e
proprioceptivas em um conjunto de sensações que atuarão em conjunto, fornecendo
mais subsídios e informações para o nosso cérebro aumentando, assim, o poder da
música em evocar emoções. Isso explica porque quando escutamos uma
determinada música, conseguimos lembrar do perfume que estávamos usando
quando assistíamos ao filme, do qual aquela música fazia parte da trilha sonora
(CAMPOS; CORREIA; MUSZKAT, 2000).
O sistema límbico desempenha o papel de coordenar nossas funções
vegetativas e autonômicas e controlar as nossas emoções. Talvez por isso a maioria
das emoções surja acompanhada por manifestações viscerais como o choro, por
exemplo, e por alterações da pressão arterial, da freqüência cardíaca ou do ritmo
respiratório. Fazendo parte ainda do sistema límbico, temos o complexo
amigdalóide: a porta de entrada das emoções no cérebro, que monitora e recebe as
várias informações sensoriais percebidas pelo corpo, as quais são responsáveis por
ativar o sistema límbico (DE PAULA, 2008b).
42

De acordo com CAMPOS, CORREIA e MUSZKAT (2000), apesar da música


ser considerada uma linguagem, as estruturas que atuam no seu processamento
são autônomas e não necessitam de codificação lingüística, pois acessam
diretamente o nosso cérebro e a nossa afetividade por meio da estimulação das
áreas límbicas, responsáveis por nossos impulsos, emoções e motivação.
Como citado anteriormente, quando o organismo está diante de uma situação
de perigo o complexo amigdalóide é fortemente estimulado e inicia a cascata de
reações ao estresse a partir da ativação do hipotálamo. Uma das grandes
estudiosas do assunto, Stéphanie Khalfa, pesquisadora do Laboratório de
Neuropsicologia da Universidade do Mediterrâneo, em Marselha, França, levanta a
hipótese de que a música, ao interagir com o complexo amigdalóide, interrompe a
estimulação do eixo hipotalâmico-hipofisário-adrenocortical de ativação do estresse
e dessa maneira consegue diminuir as reações fisiológicas desencadeadas pelos
estressores (Figura 2). Observou-se, por meio do estudo de imagens cerebrais, que
as intensas respostas emocionais estimuladas pela música ativam, além disso,
outras estruturas cerebrais envolvidas com o prazer, a motivação e a recompensa,
ou seja, a música ativa também as mesmas estruturas cerebrais que são ativadas
pela comida, sexo e drogas (KHALFA, 2005).
A hipótese de Stéphanie Khalfa é baseada em suas várias pesquisas onde
em uma delas, publicada no Annals of the New York Academy of Sciences, em
2003, mostrou que após uma tarefa psicologicamente estressante, a escuta de uma
música relaxante cessou a elevação dos níveis de cortisol monitorados na saliva de
24 voluntários que se submeteram ao Trier Social Stress Test, enquanto que o grupo
que permaneceu em silêncio manteve os níveis do cortisol em elevação por até 30
minutos após o término do evento estressor.
Os resultados de várias pesquisas ao longo destes últimos anos vêm
demonstrando que a música é capaz de reduzir as reações do estresse, melhorar as
relações sociais e promover a qualidade de vida das pessoas. Estudos
observacionais já confirmaram que as emoções geradas pela música são
crucialmente diferentes das emoções proporcionadas por outros estímulos.
Infelizmente, não sabemos ao certo os mecanismos pelos quais a música age sobre
o nosso cérebro e nossas funções orgânicas. O estudo do processamento emocional
da música ainda encontra-se em desenvolvimento e muitos outros estudos precisam
43

ser realizados para podermos explicar exatamente como a música evoca as


emoções e porque ela é tão poderosa (BARALE, 2006).

FIGURA 2 - PROCESSO DE INIBIÇÃO DO ESTRESSE PELA MÚSICA

FONTE: KHALFA, S. Melodia para os ânimos. Revista Mente&Cérebro, São Paulo, n. 149, p. 72,
jun. 2005.

3.2 AS PRINCIPAIS TÉCNICAS MUSICOTERÁPICAS E SUA UTILIZAÇÃO


NO ESTRESSE

As quatro experiências musicais, improvisação, re-criação, composição e


audição constituem as quatro principais técnicas musicoterápicas e formam o pilar
da musicoterapia. Cada técnica possui procedimentos específicos para engajar o
cliente no processo musicoterápico e despertar as mais variadas sensações e
emoções, alcançando, assim, diferentes objetivos terapêuticos.
44

3.2.1 Improvisação

A Improvisação refere-se à criação de uma música ou canção, de forma


espontânea ou a partir de uma idéia, uma outra música, imagem ou assunto,
utilizando-se de instrumentos musicais, a voz e/ou sons corporais percussivos.
Desta forma, ela permite uma série de variações, principalmente porque pode ser
realizada individualmente, em grupo e/ou com a participação do musicoterapeuta.
Segundo BRUSCIA (2000, p.124), os objetivos da improvisação são: criar um
canal de comunicação não-verbal e uma ponte para a comunicação verbal; fornecer
ferramentas de auto-expressão, autoconhecimento e formação da identidade;
desenvolver as habilidades sociais, de relacionamento com os outros e com um
grupo; desenvolver a criatividade, a liberdade de expressão, a espontaneidade e a
capacidade lúdica; e estimular os sentidos, a coordenação, a concentração e as
habilidades cognitivas.
Várias são as pessoas que podem ser beneficiadas por esta técnica,
principalmente aquelas com dificuldades na fala, dificuldades em expressar seus
sentimentos, pessoas tímidas, deprimidas, portadores de deficiências, crianças
autistas e hiper-ativas, adultos com distúrbios da personalidade e muitos outros
casos.
Esta técnica merece destaque quando lembramos que muitas das doenças
que nos acomete hoje são causadas por aquilo que não "colocamos para fora",
como, por exemplo, o estresse. E isso acontece por que a convivência em sociedade
não nos permite expressar quem realmente somos e aquilo que de fato sentimos,
em nome de um comportamento politicamente correto. Dessa forma, a improvisação,
ao permitir a abertura de canais de comunicação não-verbal, possibilita que o cliente
estressado, muitas vezes oprimido e não enxergando expectativas de melhora,
extravase suas frustrações, tristezas e angústias por meio da comunicação musical,
expressando aquilo que ele não teria coragem de dizer com palavras.
PSICOLOGIA (2008) cita que as recentes descobertas do cérebro humano
revelam que este órgão requer a presença de ritmo para se manter em perfeito
funcionamento e que, na ausência dele, as atividades cerebrais entram em processo
de estresse, acarretando sérios prejuízos à saúde do indivíduo. Nestes casos, a
melhor forma de intervenção da musicoterapia seria por meio da utilização da bateria
ou de instrumentos percussivos nos trabalhos de improvisação musical, que
45

restabeleceria o ritmo natural dos processos cerebrais e diminuiria a agitação e as


tensões nervosas da pessoa em estado de estresse.

3.2.2 Re-criação

Na técnica da Re-criação o cliente canta, faz percussão corporal ou toca


instrumentos musicais, canções ou músicas já conhecidas ou ensinadas ali naquele
momento pelo musicoterapeuta, com o objetivo de, segundo BRUSCIA (2000,
p.126): desenvolver habilidades sensório-motoras, a atenção, coordenação, a
concentração e a memória; desenvolver a comunicação e a expressão; e
desenvolver as habilidades sociais, de relacionamento com os outros e com um
grupo.
Os clientes que mais se favorecem das atividades re-criativas são aqueles
que precisam aprender a trabalhar em grupo, mas sem perder a sua individualidade.
A re-criação também é muito utilizada em atividades e jogos musicais para iniciar
uma sessão; como "quebra-gelo" em grupos novos; para descontrair e relaxar e
promover a união dos indivíduos de um grupo.
A re-criação também é utilizada quando se pretende trazer para o consciente,
materiais do inconsciente que não conseguimos acessar por meio das palavras, mas
conseguimos expressar através de uma música que de repente nos vem à mente e
nos inunda de emoções e sensações inexplicáveis. Por um momento, observamos
que essa música consegue expressar aquilo que estava guardado há muito tempo e
que nem sequer tínhamos consciência de sua existência. Dessa forma, a re-criação
também possibilita a abertura de novos canais de comunicação não-verbal,
permitindo trabalhar com conteúdos internos na restauração e promoção da saúde.

3.2.3 Composição

Na técnica da Composição, o cliente, auxiliado pelo musicoterapeuta ou não,


escreve uma canção, música ou peça instrumental, de forma espontânea ou a partir
de uma idéia, uma outra música, imagem ou assunto, utilizando-se de instrumentos
musicais, a voz e/ou sons corporais percussivos. Neste caso, o musicoterapeuta
assume a parte mais técnica deixando que o cliente crie até o limite de sua
46

capacidade musical, visando como objetivos, segundo BRUSCIA (2000, p.128), o


desenvolvimento de sua musicalidade, criatividade, auto-expressão,
autoconhecimento, auto-estima, auto-responsabilidade; e o desenvolvimento de
habilidades de planejamento, organização, integração e sintetização de partes em
um todo.
Assim como a improvisação e a re-criação, a composição permite que
exploremos os conteúdos internos através das letras das canções criadas, o que é
bem interessante, principalmente, para determinados grupos de adolescentes que
não gostam de falar sobre seus sentimentos, são tímidos ou mesmo possuem
dificuldade em acessar e expressar as suas emoções. A técnica da composição
também vem sendo utilizada com sucesso em hospitais e com familiares de
pacientes hospitalizados onde, por meio da criação de uma canção, e com a ajuda
do musicoterapeuta, que normalmente cria a melodia da música, o cliente pode
expressar o que ele está sentindo durante aquele período turbulento de sua vida.
Dessa forma, os clientes parecem se sentir aliviados após cantarem suas músicas e
expressarem seus sentimentos.

3.2.4 Audição

E finalmente, mas não menos importante, temos a técnica da Audição que


consiste na escuta de músicas ou canções, dos mais variados estilos, conhecidas ou
não, gravadas, improvisadas ou ao vivo, às quais o cliente responde fisicamente,
emocionalmente, intelectualmente, esteticamente ou espiritualmente, de acordo com
as técnicas e os objetivos propostos inicialmente.
Segundo BRUSCIA (2000, p.129), os objetivos mais marcantes da escuta
musicoterápica são: provocar respostas fisiológicas específicas, como, por exemplo,
alterações da freqüência cardíaca e respiratória e da pressão arterial; provocar a
excitação ou o relaxamento do cliente; estimular a imaginação, as experiências
espirituais, as habilidades áudio-motoras e a receptividade; e desenvolver a atenção,
idéias, pensamentos e experiências afetivas.
As pessoas mais beneficiadas por esta técnica são aquelas em que os
objetivos principais da terapia consistem em provocar sensações físicas, emocionais
ou espirituais, que acalmem, relaxem, diminuam o estresse, a tensão e a ansiedade,
47

e/ou que forneçam subsídios para uma análise psicológica de suas reações, com o
objetivo de trabalhar os seus conteúdos internos. Neste último caso, a técnica da
escuta pode ser utilizada para evocar lembranças e experiências do passado,
pertinentes para o cliente naquele exato momento e que de alguma forma irão
contribuir para o seu tratamento. A escuta musicoterápica pode atuar também como
um promotor para as discussões de relevância terapêutica quando faz emergir
emoções e sentimentos no cliente, importantes para o seu crescimento.
Esta técnica é utilizada também quando os objetivos da terapia compõem-se
em desenvolver a atenção, a audição, a percepção e a receptividade; em auxiliar no
aprendizado e memorização de crianças e jovens; quando os objetivos estão
relacionados à dramatização ou são recreativos e de integração social; dentre
muitos outros.
A maioria das pesquisas científicas observacionais realizadas com a
musicoterapia e as respostas fisiológicas que ela provoca, são realizadas fora do
país e são baseadas na técnica da escuta musical e em suas diferentes variações.
Em relação ao estresse, a maioria dos artigos científicos analisados que continham
as palavras "music therapy" e "stress" em seu título, tratavam-se da observação das
reações fisiológicas frente à escuta de músicas classificadas como relaxantes e
calmantes.
As pesquisadoras DANHAUER e KEMPER (2008), por exemplo, observaram,
a partir da revisão de múltiplas pesquisas, que determinadas canções de ninar e
músicas clássicas, quando tocadas para bebês prematuros em unidades de terapia
intensiva, diminuíam o comportamento estressante dos bebês, os níveis de cortisol
salivar e a freqüência respiratória, melhorando o sono, o ganho de peso e
favorecendo a alta hospitalar.
As autoras descrevem em seu artigo, um estudo que mostrou que a escuta da
música clássica promove a diminuição do estresse e gera maior resistência a ele por
meio da melhora do controle autonômico da freqüência cardíaca, enquanto que o
barulho ou o rock atua de forma contrária. Outro estudo observou que mesmo os
adolescentes, que gostavam de ouvir rock, apresentavam respostas psicológicas e
emocionais negativas durante a sua escuta, resultado que foi ao encontro do que
concluiu PELLETIER (2008) em sua meta-análise, em que observou o efeito da
música na redução do estresse. Ao contrário do que as recentes pesquisas vêm
48

demonstrando, o autor concluiu que os voluntários dos estudos que analisou


apresentavam melhores taxas de redução dos níveis de estresse quando as músicas
utilizadas eram selecionadas pelos pesquisadores. Uma explicação viável para este
resultado é a de que nem sempre a preferência musical seria a mais adequada para
promover o relaxamento esperado, mostrando claramente a necessidade de um
musicoterapeuta habilitado para, dentre as músicas preferidas do paciente, escolher
aquelas que sejam capazes de surtir o efeito esperado.
Em outra pesquisa, ANGELONI et al. (2007) dividiu 60 pacientes em 3
grupos, que passariam por cirurgias semelhantes. O grupo I escutou com a ajuda de
fones de ouvido, uma compilação de músicas relaxantes do estilo new age, antes e
durante a cirurgia. Já os pacientes do grupo II puderam escolher, um pouco antes da
cirurgia, o estilo de música que queriam escutar, dentro de uma seleção de músicas
clássicas, country, pop e dance music; enquanto que o grupo III, o grupo controle,
permaneceu em silêncio, antes e durante a cirurgia. O objetivo do trabalho era
observar a atuação da musicoterapia na redução do estresse associado a
procedimentos cirúrgicos e avaliado a partir das mudanças do cortisol plasmático e
da contagem de linfócitos natural-killers presentes no sangue. Os resultados
demonstraram que a musicoterapia perioperativa diminui os níveis de estresse dos
pacientes, medido através do cortisol plasmático e da contagem de células natural-
killers. Além disso, os cientistas constataram que os pacientes que puderam
escolher o estilo musical para escutar durante os procedimentos cirúrgicos,
apresentaram aparentemente melhores resultados na redução do estresse.
Os estudos de LEWIS (2008), citado no item 3, e de ANGELONI et al. (2007)
servem para comprovar que não podemos fazer generalizações e que os trabalhos
musicoterápicos precisam ser individualizados, pois mostram claramente, ou melhor,
por meio de parâmetros científicos, que cada um de nós é arrebatado de uma forma
particular pela música.
Outros estudos evidenciam que a música no ambiente hospitalar tem criado
um clima acolhedor para o paciente e um ambiente positivo para a equipe hospitalar,
tendo a escuta musical como um fator preponderante na diminuição da ansiedade,
do estresse e da depressão entre os pacientes internados. Os cientistas têm
observado também que, quando cuidadosamente selecionada, a música pode
diminuir o estresse, promover a sensação de conforto e relaxamento, oferecer
49

distração para a dor e melhorar a performance clínica do paciente enfermo


(DANHAUER; KEMPER, 2008).
Segundo Arthur Harvey, neuromusicologista professor de música da
Universidade do Hawaii, as músicas que apresentam um ritmo próximo ao das
batidas do coração de uma pessoa em repouso são as que mais acalmam. São
músicas com o chamado “heartbeat tempo”. Ele diz também que determinadas
cadências de músicas como, por exemplo, a música barroca, estimula “a química do
bem estar” e os sistemas físicos que reduzem os efeitos do estresse. Uma vez que a
música pode ser utilizada para diminuir os hormônios do estresse, é provável que ela
também atue positivamente no desenvolvimento das úlceras estomacais, na diarréia
crônica e até mesmo na Doença de Crohn (ALTONN, 2004).
Em seus trabalhos, Arthur Harvey comprovou que as músicas que possuem
um ritmo próximo ao das batidas do coração em repouso e que combinam
performances vocal e instrumental são as mais efetivas no que tange a redução da
freqüência cardíaca e a sua manutenção entre os 62 e os 72 bpm. Ele verificou que
a música pode ser utilizada como uma técnica relativamente barata na regularização
da freqüência cardíaca de pacientes portadores de doenças do coração, que tendem
a ser altamente estressados.
Segundo ECHEVARRIA et al. (1997), está comprovado que a escuta de
determinados tipos de músicas provocam em nosso organismo uma resposta
vegetativa, fisiológica e involuntária da freqüência cardíaca e respiratória. Alguns
sons podem produzir reações emocionais intensas e por isso são importantes
instrumentos para o processamento de informações, considerados pelas últimas
pesquisas, bastante úteis e eficazes no tratamento de traumas e demais distúrbios
mentais.
Dessa forma, por meio da análise de alguns dos estudos relativos à
musicoterapia e estresse, podemos chegar à conclusão de que os benefícios da
música para a saúde são incomensuráveis e de que a sua aplicação na redução do
estresse, apesar de ainda não sabermos exatamente como, certamente é válida e
eficiente, independente das técnicas e dos métodos que sejam utilizados para o
desenvolvimento das experiências musicais e dos processos terapêuticos.
50

3.3 AS PRÁTICAS MUSICOTERÁPICAS E SUA APLICAÇÃO NO ESTRESSE

Segundo BRUSCIA (2000) as áreas de aplicação da musicoterapia são


definidas de acordo com os objetivos do cliente, da empresa ou instituição na qual o
profissional está inserido, de acordo com os objetivos do musicoterapeuta e com
base na natureza da relação cliente-terapeuta. Dessa forma, são seis as principais
áreas de atuação do musicoterapeuta: didática, recreativa, médica, psicoterapêutica,
ecológica e de cura.

3.3.1 Didática

Na área Didática, o objetivo do processo terapêutico é auxiliar o trabalho


educativo. Ela pode ser aplicada em escolas, creches, clínicas, consultórios,
hospitais, asilos, enfim, em qualquer setting onde o foco esteja na musicoterapia
como viabilizadora do aprendizado, permitindo o desenvolvimento do processo
terapêutico que, por sua vez, possibilitará a aquisição de novos conhecimentos e
habilidades, necessárias para o crescimento pessoal, musical ou de qualquer outra
habilidade.
A junção da terapia com a educação é muito enriquecedora porque tanto a
terapia quanto a educação ajudam as pessoas a adquirirem conhecimentos e
habilidades, a diferença está em que o objetivo da terapia está em promover a saúde
por meio da aquisição desses novos saberes. Nesta linha de raciocínio, uma das
práticas didáticas que poderíamos adaptar e utilizar com sucesso no tratamento do
estresse seria a Musicoterapia Comportamental, citada por BRUSCIA (2000), como
a utilização da música com o intuito de intensificar, modificar ou eliminar
determinados comportamentos de um indivíduo. Uma vez que o estresse pode ser
controlado a partir da aquisição de novos hábitos de vida e da eliminação de
comportamentos indesejáveis, acredita-se que as práticas didáticas da
Musicoterapia Comportamental poderiam ser uma ferramenta útil nestes processos
de estabelecimento de hábitos mais saudáveis, muitas vezes, tão difíceis de serem
adquiridos. Algumas pesquisas apontam que a Musicoterapia Comportamental já
vem sendo utilizada com sucesso como meio de enfrentamento da ansiedade
generalizada.
51

3.3.2 Recreativa

Na área Recreativa, as práticas musicoterápicas são aplicadas com a


finalidade de promover o lazer, o prazer, a diversão e o engajamento em atividades
sociais e culturais, e têm como objetivo proporcionar, por meio das mudanças
terapêuticas ocorridas durante as sessões, melhorias na qualidade de vida das
pessoas. Ela pode ser aplicada em escolas, creches, asilos, centros comunitários,
prisões, empresas, clínicas, centros de saúde, grupos de apoio e hospitais.
Alguns autores, como MOURA (1989) e BONFIM (2007) creditam o poder
terapêutico da música à sua capacidade de gerar prazer. MOURA, por exemplo,
refere que a musicoterapia se centra no prazer, e que ao contrário do que a
comunidade científica possa achar, ela ainda assim é terapêutica, principalmente
para os esquizofrênicos. Na sua proposta de trabalho, a autora afirma que o prazer
sentido com a interação musical suprime temporariamente a ansiedade, abrindo
novos canais de comunicação e permitindo que a pessoa se sinta mais a vontade
para se comunicar verbalmente, expondo assim os seus sentimentos, as suas
angústias, medos, decepções e expectativas. BONFIM, no entanto, se embasa na
teoria de que o prazer é um dos principais antídotos do tédio e que, por isso, ela
ajuda a reduzir o estresse e a ansiedade.
Uma das ações mais divulgadas e incentivadas pelos profissionais da saúde
para o enfrentamento do estresse, consiste exatamente em um esforço para
reservar momentos para o lazer e prazer, enfatizando a importância que esses
instantes têm na profilaxia e tratamento do estresse. Neste contexto, esses
momentos podem ser perfeitamente proporcionados pela musicoterapia e suas
práticas recreativas.
Fisiologicamente falando, sabe-se que a música ativa regiões do cérebro
relacionadas com o prazer e a recompensa; aquelas mesmas que são acionadas
através da comida, sexo e drogas, e que estão envolvidas na estimulação da
hipófise para a liberação das endorfinas. A endorfina é um neurotransmissor
produzido e liberado durante a prática de exercícios físicos e após atividades
relaxantes e prazerosas, e possui como função primordial atenuar a dor e promover
o relaxamento muscular, proporcionando uma agradável sensação de bem estar. A
música, em sua gama de possibilidades, consegue agir sobre o estresse por uma
outra frente de ação: as endorfinas produzidas pela hipófise, durante as atividades
52

prazerosas, irão agir sobre o hipotálamo inibindo a produção do ACTH, o


neurotransmissor responsável por desencadear todo o processo de estresse. Por
isso, muitos especialistas afirmam que a manutenção do bom humor e de momentos
de alegria e diversão, são essenciais para a manutenção da saúde.

3.3.3 Médica

Outra área da musicoterapia, a área Médica, de acordo com BRUSCIA


(2000), tem como objetivo principal ajudar o cliente a melhorar, recuperar ou manter
a sua saúde física. As práticas médicas possuem duas linhas principais: uma focada
no tratamento direto das doenças biomédicas, que têm como alvo gerar alterações
no estado físico do paciente; e outra, focada nos fatores psicossociais relacionados
com as doenças físicas, que têm como objetivo modificar os aspectos mentais,
emocionais, sociais ou espirituais, que contribuem para o problema biomédico. As
práticas médicas podem ser aplicadas em clínicas, hospitais, consultórios, asilos,
hospitais psiquiátricos e de reabilitação e centros de saúde.
A Música Terapêutica faz parte das práticas médicas e consiste na audição de
músicas especialmente escolhidas para determinados fins, sem haver, no entanto, a
presença de um musicoterapeuta para a sua aplicação ou avaliação do paciente.
Incluem-se nestas práticas a sua utilização em clínicas, estabelecimentos de saúde,
em aulas de yoga e de relaxamento, em atividades esportivas ou mesmo de forma
individual, para o relaxamento corporal, para acalmar, para reduzir a dor, para aliviar
a tensão, a ansiedade e o estresse.
As práticas médicas na musicoterapia têm sido muito utilizadas antes, durante
e após os procedimentos médicos, ajudando a reduzir a ansiedade, o estresse e o
desconforto; auxiliando no monitoramento e controle das respostas fisiológicas;
diminuindo a utilização de anestésicos e intensificando os efeitos das outras
medicações; melhorando o retorno ao estado de vigília; e propiciando momentos de
distração e diminuição da dor (BRUSCIA, 2000, p.204-205).
A Musicoterapia e Medicina, uma outra prática médica também referenciada
por BRUSCIA, talvez seja, nesta área, uma das que melhor se aplica ao tratamento
do estresse porque nela existe, necessariamente, uma relação cliente-terapeuta que
perdura por um maior período de tempo e onde o terapeuta tenta solucionar os
53

problemas físicos ou os psicossociais relacionados do paciente a partir das


experiências musicais que emergem no setting musicoterápico.

3.3.4 Psicoterapêutica

Uma outra área de aplicação da musicoterapia é a área Psicoterapêutica,


onde o objetivo das práticas consiste em ajudar o cliente a melhorar, recuperar ou
manter a sua saúde mental e espiritual, utilizando abordagens individuais ou grupais
que permitam a ele se auto-conhecer e se auto-realizar, e que enfoquem as
emoções, os insights e as relações como os principais alvos de mudança. Ela é
bastante aplicada em clínicas, centros de saúde, grupos de apoio, consultórios e
hospitais psiquiátricos.
Dentre outros objetivos das práticas psicoterapêuticas podemos citar:
melhorar a auto-expressão; alterar comportamentos, emoções e relações
prejudiciais; resolver problemas interpessoais; desenvolver habilidades e hábitos de
vida saudáveis; curar traumas emocionais; proporcionar insights profundos e uma
maior orientação da realidade; proporcionar maior satisfação na vida e/ou
crescimento espiritual (BRUSCIA, 2000, p.221).
A partir da análise dos objetivos acima relacionados, podemos concluir que as
práticas psicoterapêuticas podem atender a uma enorme variedade de indivíduos
com problemas psiquiátricos e distúrbios causados pelos problemas cotidianos da
vida, nos levando a acreditar que as práticas psicoterapêuticas podem atuar como
importantes aliadas na redução dos efeitos do estresse.
Na área psicoterapêutica, a música pode ser utilizada na terapia ou como
terapia, de modo que, de maneira simplificada, na terapia, as técnicas e métodos
musicoterápicos são utilizados como ferramentas auxiliares para se alcançar o
processo terapêutico e, dessa forma, durante as sessões, as técnicas
musicoterápicas são intercaladas com técnicas da psicoterapia, ou outras terapias, e
com discussões e insights a respeito das experiências vivenciadas naquele
momento; como terapia, a música é o instrumento utilizado para se alcançar o
processo terapêutico e, apesar de haver a liberdade para insights e discurso verbal,
a abordagem pode ser inteiramente por meio da música, porque ela por si só é
54

capaz de engajar o cliente no processo terapêutico de mudança e


autoconhecimento.
Há profissionais que preferem trabalhar apenas com a música e os métodos
da musicoterapia, enquanto outros acreditam que a união de abordagens possa ser
mais enriquecedora e eficiente. Para ilustrar, citamos a pesquisa de meta-análise de
PELLETIER (2008) que diz que, embora a escuta musicoterápica seja efetiva na
redução do estresse, quando utilizada em associação com outras técnicas de
relaxamento, como as de sugestão verbal e as de relaxamento progressivo, por
exemplo, os resultados proporcionados são bem melhores. Portanto, fica a critério
de cada profissional a escolha das práticas e técnicas que se sentir mais seguro
para trabalhar, não esquecendo de levar sempre em consideração as
individualidades e necessidades do cliente, bem como os objetivos clínicos
propostos inicialmente para ele.
As práticas psicoterapêuticas que talvez pudessem mais ajudar na redução do
estresse são a Músico-psicoterapia de Insight e a Músico-psicoterapia
Transformadora. Em ambas, a relação cliente-terapeuta, por durarem por mais
tempo, permitem que o terapeuta utilize as experiências musicais e as relações que
se desenvolvem a partir delas como meio de promover insights e de trabalhar e
resolver as necessidades terapêuticas dos seus clientes. Nas duas, a música é
utilizada tanto como terapia, como na terapia, promovendo o processo de mudança,
o autoconhecimento e a transformação.

3.3.5 Ecológica

BRUSCIA cita uma outra área da prática chamada de Musicoterapia


Ecológica, onde a musicoterapia é aplicada com a finalidade de promover a saúde
do indivíduo e do meio no qual está inserido, englobando a sua família, a
comunidade, o trabalho, a cultura e ambiente físico. Dessa forma, o objetivo das
práticas ecológicas reside em restabelecer a saúde do indivíduo e do meio, focando
nos processos de mudança que, ocorrendo em um, ocorrerá no outro por
conseqüência.
Dentro desta área encontramos três práticas que consideramos como
desejáveis para a prevenção do estresse: a Musicoterapia Familiar, a Musicoterapia
55

Comunitária e a Musicoterapia Organizacional. Em todas elas, o trabalho geralmente


é realizado em grupos e pode surgir de uma necessidade emergencial de aliviar as
tensões e melhorar as relações familiares, na comunidade ou nos ambientes de
trabalho, com o objetivo de beneficiar o coletivo ou surge com a finalidade de
restaurar e promover a saúde dos membros desses grupos (BRUSCIA, 2000).
Para BONFIM (2007, p.27) a proposta de trabalho mais adequada para a
terapia com indivíduos estressados é a Musicoterapia Ecológica, que promove a
"saúde nos vários contextos sócio-culturais da comunidade e/ou do ambiente físico,
já que o indivíduo é afetado inteiramente pelo meio". No entanto, apesar de à
primeira vista, a área ecológica ser a mais adequada ao tratamento do estresse,
perguntamos: ela conseguiria surtir efeito nos casos de estresse crônico? É provável
que ela seja um instrumento memorável na prevenção e na redução dos efeitos do
estresse ainda em estágio inicial, mas é possível que a Musicoterapia Ecológica
traga resultados satisfatórios no tratamento do estresse já instalado e com agravos à
saúde?
Para muitas pessoas, talvez a maioria, os mais potentes desencadeadores de
estresse constituem-se de cobranças e conflitos internos, que atormentam
incessantemente o indivíduo e que são disparados por pressões impalpáveis como,
por exemplo, o perfeccionismo, a vaidade, a ganância, a competitividade, a
ansiedade, as fobias e medos, a baixa auto-estima, a insegurança, as autopunições,
dentre outras.
Na Musicoterapia Ecológica o foco principal de trabalho é a coletividade,
havendo, talvez, poucas chances para a ação individualizada. Dessa forma, se não
houver um gatilho que dispare mudanças ou que trabalhe os conteúdos internos a
fim de desenvolver a flexibilidade, o autoconhecimento, a autoconfiança e a auto-
estima do cliente, haverá, neste caso, a possibilidade de se tratar as causas do seu
problema? Ou correremos o risco de estarmos sempre tentando tratar apenas as
conseqüências do estresse?
Uma das conclusões de PELLETIER (2008) é a de que os trabalhos
realizados de forma individual para a redução do estresse são os mais efetivos,
porém, ele ressalta também a grande importância no suporte e o impacto que a
musicoterapia aplicada em grupos proporciona na redução dos níveis de estresse
aos seus participantes. Dessa forma, apesar do trabalho em grupo ser benéfico ao
56

paciente estressado, é possível que o trabalho individual proporcione melhores


resultados.

3.3.6 Cura

A última área de aplicação da musicoterapia é a área de Cura. Os


profissionais desta área acreditam que a música seja uma manifestação vibratória da
ordem, do equilíbrio e da harmonia presentes no universo, podendo ser utilizada em
qualquer parte deste mundo que esteja desequilibrada, a fim de restabelecer a
ordem. Uma vez que o homem faz parte deste universo e pode entrar em
desarmonia, em virtude de distúrbios e doenças, as práticas de cura utilizam-se da
vibração, do som e da música para restaurar o equilíbrio do indivíduo, com ele
mesmo e com o universo (BRUSCIA, 2000).
Dessa forma, a cura é diferente da terapia porque na terapia o agente de
mudança é o cliente, enquanto que na cura os agentes de mudança são as formas
de energia universal presentes na música e em seus componentes sonoros e
vibratórios. As práticas de cura se baseiam no pressuposto de que o organismo tem
o poder de restaurar a sua própria saúde, muitas vezes sem precisar da ajuda de
ninguém, nem mesmo do terapeuta.
A Musicoterapia nas Práticas de Cura consiste da utilização das experiências
musicais e das relações que se desenvolvem a partir delas para curar a mente, o
corpo e o espírito, com o objetivo de promover a auto-cura e/ou o bem-estar do
cliente. Esta prática de cura já é passível de ter mais chances de sucesso na
redução do estresse, porque nela há uma relação terapêutica que promove o
desenvolvimento de experiências musicais que possibilitarão ao cliente mudanças,
transformações e insights, permitindo, assim, que ele reduza os efeitos negativos do
estresse.
Em suma, o estresse pode ser prevenido, tratado ou ter seus efeitos
amenizados em todas as áreas da prática musicoterápica, basta para isso, que se
façam as adaptações necessárias para cada cliente, o que não é problema para o
musicoterapeuta, visto que está acostumado a uma enorme pluralidade de respostas
e situações, decorrentes da percepção singular que cada um de nós tem da vida e,
consequentemente, da música.
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Deste modo, é certo que alguns pacientes terão mais confiança e irão preferir
determinadas áreas em detrimento de outras, o que não significa absolutamente
nada, uma vez que, desta mesma forma, haverá diferentes clientes que irão preferir
as modalidades realizadas em grupos, enquanto outros se sentirão mais a vontade
trabalhando individualmente.
Por isso, nós, musicoterapeutas e profissionais da saúde, conscientes das
individualidades, necessidades, anseios e receios dos pacientes que nos procuram,
devemos trabalhar a flexibilidade e estar abertos para o novo e para as mudanças:
qualidades que nos servirão não só para atender ao nosso cliente de maneira mais
adequada e eficiente, mas que também nos ajudarão a levar uma vida de forma
mais equilibrada e tranqüila.
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CONCLUSÃO

O interesse pela música por parte da sociedade médica vem refletindo a


mudança de paradigma que está ocorrendo em todas as ciências, onde as
especializações estão dando lugar agora à interdisciplinaridade, colocando lado a
lado áreas de conhecimentos tão distintas como as ciências e as artes.
A música é algo inerente ao homem e faz parte da sua vida desde as
primeiras civilizações humanas, contando a sua história e marcando os principais
acontecimentos da sua existência. A música está tão presente na vida do homem,
envolvendo seu corpo, mente e espírito, que ela é capaz de transformar seus
estados psíquico e físico, e de atuar de forma realmente eficaz na restauração e
promoção da sua saúde. A musicoterapia, assim como a música, vem sendo
aplicada desde os primórdios do desenvolvimento humano como meio de cura do
corpo e da alma do homem. Hoje, ela é aplicada na prevenção de várias doenças e
na recuperação da saúde de forma bastante eficaz e com resultados cada vez mais
promissores.
O estresse, que vem afligindo a nossa sociedade e assolando a nossa
população trabalhadora, é a resposta do nosso organismo às pressões e cobranças
externas e internas que nos são impostas e com as quais não sabemos como lidar.
Os elevados índices de estresse e depressão atualmente em crescimento na
população são alarmantes e sinalizam para uma mudança de postura emergencial.
Neste contexto de angústia, ansiedade e desespero, a musicoterapia surge
com a proposta de nos acalmar, relaxar, proporcionar prazer, diminuir a ansiedade e
os níveis de estresse. Além disso, ao trabalhar os conteúdos internos guardados no
subconsciente, a musicoterapia nos arma com ferramentas que irão nos auxiliar a
lutar contra os agentes estressores e nos capacitar a evitar que o estresse alcance
níveis perigosos.
É possível que o poder da música sobre o homem resida, em parte, na sua
capacidade de não depender do Sistema Nervoso Central para ser percebida pelo
corpo humano, ou seja, na habilidade que ela tem de passar diretamente do córtex
auditivo para o sistema límbico, o nosso centro das emoções e, assim, conseguir,
por exemplo, deflagrar toda a cascata de reações do estresse. Além disso, ela ativa
vários outros centros relacionados ao prazer, o que também lhe confere uma força
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muito poderosa sobre o ser humano e contra uma série de enfermidades como a
depressão, a ansiedade e o estresse, por exemplo.
O corpo humano, juntamente com seus mecanismos fisiológicos e
neurológicos, está longe de ser totalmente desvendado. O cérebro é magnífico e
misterioso para a ciência, da mesma forma que a musica é, pois ainda há muito que
se estudar e pesquisar para explicar os mecanismos biológicos de ação da música
sobre o homem, e esse assunto provavelmente nunca se esgotará. Espera-se que
as recentes pesquisas na área da neurociência tragam mais resultados a respeito
das potencialidades e efeitos da música sobre o homem, por que até então, não
entendemos totalmente por quais mecanismos neurofisiológicos ela atua. O que
conseguimos observar por meio dos vários estudos realizados até então é que a
elucidação dos mecanismos cerebrais utilizados pela música para evocar emoções,
proporcionar prazer e reduzir o estresse, por exemplo, está cada vez mais próxima.
Quanto à musicoterapia, os estudos científicos prospectivos, randomizados,
controlados, duplo-cegos existentes ainda são poucos e pegam carona nas
pesquisas realizadas com a música. A única certeza que temos é que os clientes e
pacientes mostram-se prazerosos com as sessões e que a musicoterapia tem
apresentado bons resultados na maior parte dos casos a que se propõe a tratar,
aumentando cada vez mais a atuação do musicoterapeuta na área clínica.
A dificuldade em se realizar pesquisas exploratórias a respeito do efeito da
musicoterapia sobre o ser humano reside no fato de que uma mesma música,
quando tocada duas vezes seguidas, é capaz de provocar reações fisiológicas e
emocionais diferentes em uma mesma pessoa, dependendo apenas da forma como
ela foi reproduzida. Além disso, na musicoterapia, o homem se envolve com a
música através do corpo-mente-espírito, influenciando drasticamente os resultados
das pesquisas. Essas características da música, para os estudos científicos, não são
interessantes por que geram um elevado número de variáveis que precisariam ser
controladas. Mas por outro lado, na musicoterapia, quando se consegue controlar as
variáveis, os resultados nem sempre são satisfatórios ou os esperados, o que
dificulta e desestimula a realização de estudos experimentais na área.
A principal variável para a musicoterapia é o homem que, influenciado pelas
experiências pelas quais já passou, pela forma de pensar, estilo de vida, cultura e
genética, possui um jeito muito particular de ser que o tornam um exemplar único na
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face da Terra. Essa forma especial de entender o mundo e de enfrentar o novo, nos
confere diferentes habilidades tanto para perceber e sentir a música quanto para
lidar com as adversidades da modernidade.
Essas informações, aliadas aos resultados das pesquisas analisadas, nos
levam a concluir que o trabalho musicoterápico com a finalidade de reduzir o
estresse terá melhores resultados quando realizado de forma individualizada, focado
nas sonoridades do cliente. Mas devemos levar em consideração que os trabalhos
realizados em grupos também são muito importantes na redução dos níveis de
estresse, por que, da mesma forma que um cliente se sente bem trabalhando de
forma particular, há muitos outros que preferem ou só podem trabalhar em grupos.
Cabe ao profissional encontrar meios para restabelecer a saúde dos clientes a partir
do que lhes é solicitado e disponibilizado.
Como pudemos observar na análise das técnicas e das áreas da prática
musicoterápica é que não há uma delas que seja melhor ou a mais indicada para o
estresse do que a outra. O musicoterapeuta, durante a avaliação inicial de seu
cliente, deverá ter a sensibilidade e o conteúdo técnico suficiente para escolher o
método e as técnicas mais adequadas para serem trabalhados naquele exato
momento, com base nos objetivos que ele pretende alcançar. É possível trabalhar
com a prevenção e a redução do estresse em todas as áreas da musicoterapia. É
provável que a escolha da área seja realizada pelo cliente, que procura uma clínica,
hospital ou consultório que se especializa em uma determinada área, ficando a
cargo do terapeuta, escolher as técnicas e métodos a serem utilizados durante as
sessões, de acordo com os objetivos clínicos e as necessidades do cliente.
Com base na observação das diferentes necessidades do cliente e nos
resultados dos artigos analisados, conclui-se que devemos estar atentos para o fato
de que nem sempre somente as técnicas e métodos da musicoterapia serão
suficientes para restaurar a saúde do nosso paciente. Vimos, por exemplo, que a
utilização da escuta musicoterápica na redução do estresse é benéfica, mas que em
conjunto com outras técnicas de relaxamento, ela pode proporcionar melhores
resultados. Portanto, estar aberto a novas idéias, técnicas e métodos que estejam
fora da musicoterapia é de suma importância para o enriquecimento do trabalho
desse profissional.
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Os resultados das pesquisas de Pelletier, que demonstraram que nem sempre


as músicas preferenciais do cliente são capazes de promover o relaxamento,
mostram claramente também a necessidade de um profissional musicoterapeuta que
filtre, dentre as músicas prediletas do paciente, aquelas que possuem condições de
proporcionar o relaxamento, ou seja, aquelas capazes de alcançar os objetivos
propostos pela terapia. Nos casos generalizados, em que as músicas não são
personalizadas e são utilizados CDs contendo músicas ditas relaxantes e curativas
para o tratamento da ansiedade, depressão, estresse, dentre outros, cabe um alerta,
por que neste caso não estamos falando de musicoterapia, que baseia sua atuação
na relação cliente-terapeuta e na utilização da música contextualizada como
instrumento terapêutico.
É importante que o público em geral seja informado de que esse tipo de
utilização da música não é musicoterapia e que a aplicação da música por outros
profissionais com o intuito de relaxar, acalmar, proporcionar prazer ou reduzir o nível
de estresse, caracteriza a utilização da música apenas para fins terapêuticos porque,
neste caso, não está se tratando as causas do problema, mas somente os sintomas
decorrentes dele. O requisito básico para que haja a musicoterapia é a relação
terapêutica, onde o foco principal é o paciente. Dessa forma, a musicoterapia requer
a atuação de um profissional qualificado para este serviço, que ajudará o cliente em
seu processo de mudança, trabalhando tanto as causas como os sintomas trazidos
para o setting musicoterápico, a fim de restabelecer ou promover a sua saúde.
Atualmente, crescem o reconhecimento, o respeito e a credibilidade pela
musicoterapia ao passo que os profissionais se especializam e mostram os
resultados de seus trabalhos. Porém, ainda assim, são poucas as iniciativas, as
pesquisas e as oportunidades de emprego para o musicoterapeuta.
Em resumo, podemos concluir que o estresse, apesar de já fazer parte das
nossas vidas, ele pode ser reduzido e ter suas graves conseqüências anuladas por
completo. Neste contexto, a musicoterapia pode ser utilizada como mais uma aliada
eficiente e de baixo custo na prevenção e tratamento, não só do estresse, mas como
também de uma série de outras enfermidades de cunho físico e psicológico que
venham a prejudicar a saúde do ser humano.
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