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Se dizes que uma boa causa santifica uma guerra, eu vos digo: uma
boa guerra santifica qualquer causa: : Friedrich Nietzshe
2010[1]
1 O “fuzil de assalto” (SturmGewehr – StuG) 44 é reconhecido como tendo sido a primeira arma
dessa classe surgida no mundo. De certa forma, é uma das conseqüências mais duradouras da
Segunda Guerra Mundial. Sua introdução no e, posteriormente, seu exame pelas principais
forças armadas do mundo trouxe modificações duradouras nas doutrinas, treinamento e indústria
militar. O termo “fuzil de assalto” está, hoje em dia, em desuso, substituído por “fuzil automático” (AR,
Automatic Rifle, em inglês, ou FAL, de “Fuzil Automático Leve”, em nossa língua). Nos estágios finais
da 2a GM, designava uma arma longa portátil de infantaria, distribuída aos pelotões de choque das
companhias de granadeiros da Wehrmacht. Hoje em dia, “fuzis automáticos”, armas capazes de disparar
em rajadas contínuas, como uma metralhadora, ou em salvas simples, são a arma-padrão dos infantes em
todos os exércitos do mundo. Produzidos em massa e bastante simples de usar, também são encontrados
nas mãos de forças irregulares, policiais e do crime organizado.
O desenvolvimento dessa arma tem alguns aspectos interessantes. Como diversas outras tecnologias
decorrentes da 2a Guerra Mundial, resultou dos equívocos cometidos no início daquela conflagração.
Os antecedentes
A infantaria do exército alemão entrou originalmente para pistolas semi-
na 2a Guerra Mundial equipada com automáticas.
uma miscelânea de armas portáteis: o rifle O poder de fogo do infante era
de ferrolho (“de repetição”) KAR98K, a comprometido pelo fato de que a maioria
metralhadora ligeira MG34 e diversos deles transportava fuzis cujo tiro era
modelos de submetralhadoras, o principal disparado em posição deitada ou
deles a ERMA MP38/40. As duas ajoelhada, e a arma tinha de ser apontada
primeiras usavam a munição Mauser para que essa única salva não se perdesse.
Patrone 1888 7.92X57 mm, desenhada no Essa seqüência de operações resultava
final do século 19 para fuzis de ferrolho numa cadência de fogo baixa (um atirador
Mauser M1888 . O 7,92X57 IS mediano conseguia disparar as cinco cargas
(Infanterie, Spitz, ou “Infantaria, contidas no clipe de munição do KAR98K
ponteado”) foi padronizado pela em cerca de um minuto), que tornava esse
Alemanha em 1905, com a adoção do fuzil tipo de arma completamente inadequada
Mauser G98 como fuzil do Exército para as novas condições do campo de
Imperial. A partir de então, as armas do batalha. A ampla difusão da metralhadora
exército alemão passaram a ser projetadas “pesada”, a partir de dezembro de 1914,
em torno desse cartucho, inclusive as mostrou as limitações do “fuzil de
metralhadoras usadas na 1a GM. A repetição”, e militares e engenheiros
ERMA MP38/40 era produto do começassem a pensar em soluções para
desenvolvimento, iniciado no final da 1a contornar o problema. Uma delas foi
GM, da pistola-metralhadora, arma tentar diminuir o tamanho das
concebida para disparar projeteis metralhadoras, de modo que essas
Parabellum 9X19 mm, desenhados pudessem ser operadas por um único
atirador, se deslocando e atirando ao carregador parecido com o usado em
mesmo tempo. Essas “metralhadoras pistolas semi-automáticas, alojando 28
ligeiras” ainda eram muito pesadas e, na cargas, podia ser rapidamente
prática, obrigavam o atirador a parar para remuniciada; entretanto, o cartucho
disparar. usado, 9X19, igual ao das pistolas, era
pouco potente e, por esse motivo, seu
Os alemães tiveram uma idéia que parecia
alcance era pequeno. O pior é que as
melhor: criaram uma arma automática
características da munição de pistola
disparando munição de pistola, que
faziam com que o disparo em rajadas
chamaram maschinepistole (pistola-
curtas fosse totalmente impreciso. A
metralhadora). Essa arma, surgida em
guerra acabou antes que um novo uso
1917 e distribuída em 1918, tinha
fosse dado às novas submetralhadoras
vantagens e desvantagens: era leve (pesava
(forças especiais chamadas “Tropas de
cerca de 4 quilos), tinha o desenho
choque”, criadas no último ano da guerra,
parecido com o de um fuzil, podia ser
foram equipadas com elas), embora
disparada em movimento, tinha uma
tivessem sido produzidas umas 100.000
cadência de tiro alta e, graças a um
dessas arma
Os motivos pelos quais a Alemanha começou a guerra sem um fuzil semi-automático são
compreensíveis. Os motivos pelos quais o desenvolvimento de um, durante a guerra, não foi
adiante são mais fáceis ainda de entender. São muitos: um deles é que, naquela altura, tanto militares
quanto engenheiros alemães já estavam interessados em outro conceito. Este sim, irá se revelar,
com o tempo, revolucionário::
2
1939-1940: novo do campo de batalha, velhas armas. A concepção do fuzil de assalto
expressa a evolução das doutrinas aplicadas ao campo de batalha e seus desdobramentos
durante a guerra. Na primeira fase da 2a GM (campanhas da Polônia, Noruega, Países
Baixos e França) rapidez da vitória alemã ocultou problemas, um deles a inadequação do
armamento de infantaria. Essa primeira fase da guerra foi travada por exércitos equipados e
treinados para uma luta no estilo da 1ª GM. Inglaterra e França estavam às voltas com
estoques de armamentos herdados da última guerra e, por problemas econômicos, não
investiram no reequipamento das forças terrestres. Nos anos 1930, blindados e aviões
observaram grandes avanços, mas apenas a Alemanha formulou uma doutrina e táticas que
lhe permitiram explorar as potencialidades das novas tecnologias.
Os militares alemães perceberam que o adaptações derivadas das condições da
movimento coordenado, baseado em guerra de trincheiras. Ainda durante a 1a
veículos a motor e grande disponibilidade Guerra Mundial tinha sido examinada a
de combustível mudaria o combate, que possibilidade da substituir do fuzil G98,
perderia seus aspectos estáticos e linhas de por um fuzil semi-automático. Por
frente bem definidas. O tiro – fosse de motivos óbvios, a discussão não foi levada
artilharia ou de armas portáteis – não adiante.
mais se caracterizaria pelos disparos de Nas submetralhadoras os especialistas
longo alcance. A guerra de movimento enxergaram as armas ideais para o novo
impedia a colocação de tropas em campo de batalha: fogo supressivo
posições estáticas, que eram facilmente instantâneo e em grande volume, grande
ultrapassadas pelos blindados, capacidade de munição e pequenas
acompanhados à curta distância por dimensões. Armas como os semi-
infantaria transportada em veículos automáticos Garand M1 e Tokarev,
protegidos ou caminhões. Aproximando- disponíveis em grande quantidade no
se rapidamente do inimigo, já início da 2a GM, embora projetos
desestabilizado pelo fogo aéreo e dos posteriores à Grande Guerra, tinham tido
canhões dos blindados, os “infantes em vista as condições daquela. Eram
blindados” combateriam a uma distância muito mais rápidos de usar do que os
menor – por vezes tendo o inimigo fuzis de ferrolho, mas não eram
diretamente à vista. totalmente adequados ao uso nos novos
A maximização do movimento exigia o campos de batalha. A pouca eficiência das
uso de estradas, o que implicava na armas existentes foi constatada pelos
possibilidade da entrada em cidades – alemães ainda em 1940. Na segunda
onde geralmente estavam instaladas metade desse ano, o Heereswaffen Amt
pontes, entroncamentos e facilidades elaborou uma requisição para uma arma
rodoviárias, mas as cidades se constituíam longa semi-automática projetada em
em um campo de batalha pouco torno do cartucho IS convencional. O
conhecido e estudado, até então. Nas resultado foi o pouco eficaz G41. Na
cidades, os defensores podiam mesma época em que o G41 entrou em
movimentar-se e se ocultar facilmente, testes, a Luftwaffe , sob cujo controle
expondo-se por curto período de tempo. estavam as tropas aerotransportadas, soli
Posições fixas de artilharia e citou uma arma portátil totalmente
metralhadoras eram, nessa tal condição, automática, também projetada para
impensáveis. munição IS. A resposta dos projetistas foi
o FG42 (de Fallschirmjager Gewehr –
As armas disponíveis em 1939 não
“fuzil de pára-quedista” modelo 1942)
consideravam nem uma nem outra
que, apresentava algumas características
situação. Basicamente, as que estavam
de fuzil de assalto, mas resultou mais
disponíveis eram adaptações feitas ainda
parecido com uma metralhadora ligeira –
durante a 1a GM. As metralhadoras, para
pesado e longo – sem as vantagens
ganhar maior mobilidade, passaram a ser
daquela. Era difícil de produzir e tinha
equipadas com bipés e serem desenhadas
alguns problemas que não chegaram a ser
como um fuzil, dotadas de coronha e
resolvidos. Muito poucos foram
carregadores tipo “caixa”. Essas
produzidos, embora apareçam em
modificações visavam dotar os infantes de
muitasfotos – para Göring, a propaganda
maior poder de fogo, para conseguir
era a alma do negócio.
superar posições defensivas – eram
A combinação dessa arma com táticas que juntavam infantaria e blindados foi suficiente para
convencer os alemães da superioridade de tropas totalmente equipadas com armas automáticas, e da
necessidade de tomar providências urgentes para preencher essa lacuna::
3 A primeira providência foi estabelecer requisitos para uma nova arma, que foram
estabelecidos em 1941: deveria ser um fuzil automático, do mesmo peso ou,
preferencialmente mais leve, e mais curto que o KAR98K, deveria ter um alcance de
aproximadamente 600 metros e ter uma cadência de fogo igual a de uma submetralhadora
(350-450 salvas por minuto). Essa nova arma, segundo o Departamento de Armamentos do
Exército, deveria, em prazo máximo de um ano, substituir fuzis de ferrolho,
submetralhadoras e metralhadoras ligeiras. No início de 1942, as empresas Karl Walther e C.
G. Hänel apresentaram protótipos, designados Machinenkarabine (algo como “carabina-
metralhadora”) 1942, ou MKb 42(W) e MKb42(H). Ambos os protótipos tinham sido
desenhados em torno de um novo tipo de cartucho, chamado Polte, nome da firma em que
foi desenvolvido, por requisição direta do HwA, a partir de 1938.
É claro que a arma tinha problemas: ainda plástico a tornava relativamente frágil para
era considerada um tanto pesada e os as condições de campanha; outra
infantes reclamavam do fato de que o reclamação constante era o excesso de
longo carregador tornava problemático o saliências, que tornava difícil carregar
disparo deitado. Curiosamente, embora tanto em descanso de ombro quanto “à
considerada pesada, a fabricação quase bandoleira” (pendurada nas costas através
totalmente feita em metal estampado e da correia).
Foram fabricadas pouco mais de 500.000 Entretanto, na situação caótica dos meses
StuGs, entre 1944 e 1945. Ainda finais da guerra, grandes estoques da nova
escondidos sob a notação de arma não alcançaram a frente de batalha
submetralhadora, MKb42 e StG44 ou, quando alcançavam não podiam ser
estavam disponíveis em meados de 1944, utilizados por falta de munição.
em número bastante limitado. Relatórios feitos tanto pelos aliados
Encaminhados à Frente Oriental, eram quanto pelos russos indicam que um dos
suficientes apenas para a infantaria das motivos que permitiram a unidades alemãs
divisões blindadas de elite do exército e da muito inferiorizadas em números
Waffen-SS. Mesmo assim, alguns combater com certo sucesso foi a
exemplares foram encontrados nas superioridade dada a elas pelo fuzil de
operações que se seguiram à invasão da assalto. Os aliados, por sinal, já vinham
Normandia. No final daquele ano, percebendo essa superioridade desde a
entretanto, a produção da nova arma operação Sentilenela sobre o Reno, a
aumentou em níveis que vieram a permitir contra-ofensiva das Ardenas. Alguns
distribuição em escala mais ampla. observadores norte-americanos chegaram a
Durante a contra-ofensiva das Ardenas, pensar que os alemães tivessem equipado
quantidade razoável de infantes já pequenas frações, em nível de pelotão,
dispunha de fuzis de assalto, incluíndo totalmente com metralhadoras ligeiras.
algumas de Volksgrenadier (siga até a Mas não era nada disso: o maior alcance e
página 2 desse excelente recurso de peso de fogo combinados com precisão
pesquisa), recentemente formadas e que, comparável à dos fuzis de ferrolho davam
depois da “operação Valquíria”, gozavam ao infante alemão vantagem tanto em
da confiança do partido nazista. No fim da campo aberto quanto em áreas fechadas –
guerra, as operações em torno de Berlim, as cidades arruinadas da Alemanha. Em
comandada pelo general-de-exército certas situações, a arma mostrou poder
Waffen-SS Steiner, viram violentos funcionar inclusive como metralhadora
combates nos quais os infantes alemães ligeira para prover cobertura próxima à
estavam armados extensivamente com infantaria.
StG44.
Após a guerra, tanto aliados quanto russos examinaram o StG44, mas não manifestaram interesse
em colocá-lo em produção. Os russos já tinham uma idéia própria em estado avançado de gestação
(de fato, o protótipo chegou a ser distribuído nos estágios finais da guerra, a batalha de Berlim). Em
1947, lançaram o AK47, que tinha começado a ser concebido durante a guerra e que, apesar de
extremamente parecido com o StuG, tinha, com relação ao mesmo, grandes diferenças. Nos anos
seguintes surgiriam os aliados ficariam enrolados em uma batalha política em torno da munição
padrão a ser adotada pela OTAN. Apenas nos anos 1950 surgiram o FN Herstal, belga (adotado nos
anos 1960 pelo Exército Brasileiro), o Heckler-Koch G3 (adotado no final dos anos 1960 pela
infantaria da FAB) e o M14 (até hoje usado como arma de parada pelos aspirantes a oficial da Escola
Naval), todos concebidos em torno do cartucho 7.62X51 mm. Mas esta é outra história...