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Se dizes que uma boa causa santifica uma guerra, eu vos digo: uma
boa guerra santifica qualquer causa: : Friedrich Nietzshe

2010[1]

Fuzil de assalto a origem de uma linhagem


publicação 01::03, junho, 2010::
editor:: José Neves Bittencourt

causa: :é uma revista eletrônica de


história e cultura material militar,
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Fuzil de assalto a origem de uma linhagem
José Neves Bittencourt

1 O “fuzil de assalto” (SturmGewehr – StuG) 44 é reconhecido como tendo sido a primeira arma
dessa classe surgida no mundo. De certa forma, é uma das conseqüências mais duradouras da
Segunda Guerra Mundial. Sua introdução no e, posteriormente, seu exame pelas principais
forças armadas do mundo trouxe modificações duradouras nas doutrinas, treinamento e indústria
militar. O termo “fuzil de assalto” está, hoje em dia, em desuso, substituído por “fuzil automático” (AR,
Automatic Rifle, em inglês, ou FAL, de “Fuzil Automático Leve”, em nossa língua). Nos estágios finais
da 2a GM, designava uma arma longa portátil de infantaria, distribuída aos pelotões de choque das
companhias de granadeiros da Wehrmacht. Hoje em dia, “fuzis automáticos”, armas capazes de disparar
em rajadas contínuas, como uma metralhadora, ou em salvas simples, são a arma-padrão dos infantes em
todos os exércitos do mundo. Produzidos em massa e bastante simples de usar, também são encontrados
nas mãos de forças irregulares, policiais e do crime organizado.
O desenvolvimento dessa arma tem alguns aspectos interessantes. Como diversas outras tecnologias
decorrentes da 2a Guerra Mundial, resultou dos equívocos cometidos no início daquela conflagração.
Os antecedentes
A infantaria do exército alemão entrou originalmente para pistolas semi-
na 2a Guerra Mundial equipada com automáticas.
uma miscelânea de armas portáteis: o rifle O poder de fogo do infante era
de ferrolho (“de repetição”) KAR98K, a comprometido pelo fato de que a maioria
metralhadora ligeira MG34 e diversos deles transportava fuzis cujo tiro era
modelos de submetralhadoras, o principal disparado em posição deitada ou
deles a ERMA MP38/40. As duas ajoelhada, e a arma tinha de ser apontada
primeiras usavam a munição Mauser para que essa única salva não se perdesse.
Patrone 1888 7.92X57 mm, desenhada no Essa seqüência de operações resultava
final do século 19 para fuzis de ferrolho numa cadência de fogo baixa (um atirador
Mauser M1888 . O 7,92X57 IS mediano conseguia disparar as cinco cargas
(Infanterie, Spitz, ou “Infantaria, contidas no clipe de munição do KAR98K
ponteado”) foi padronizado pela em cerca de um minuto), que tornava esse
Alemanha em 1905, com a adoção do fuzil tipo de arma completamente inadequada
Mauser G98 como fuzil do Exército para as novas condições do campo de
Imperial. A partir de então, as armas do batalha. A ampla difusão da metralhadora
exército alemão passaram a ser projetadas “pesada”, a partir de dezembro de 1914,
em torno desse cartucho, inclusive as mostrou as limitações do “fuzil de
metralhadoras usadas na 1a GM. A repetição”, e militares e engenheiros
ERMA MP38/40 era produto do começassem a pensar em soluções para
desenvolvimento, iniciado no final da 1a contornar o problema. Uma delas foi
GM, da pistola-metralhadora, arma tentar diminuir o tamanho das
concebida para disparar projeteis metralhadoras, de modo que essas
Parabellum 9X19 mm, desenhados pudessem ser operadas por um único
atirador, se deslocando e atirando ao carregador parecido com o usado em
mesmo tempo. Essas “metralhadoras pistolas semi-automáticas, alojando 28
ligeiras” ainda eram muito pesadas e, na cargas, podia ser rapidamente
prática, obrigavam o atirador a parar para remuniciada; entretanto, o cartucho
disparar. usado, 9X19, igual ao das pistolas, era
pouco potente e, por esse motivo, seu
Os alemães tiveram uma idéia que parecia
alcance era pequeno. O pior é que as
melhor: criaram uma arma automática
características da munição de pistola
disparando munição de pistola, que
faziam com que o disparo em rajadas
chamaram maschinepistole (pistola-
curtas fosse totalmente impreciso. A
metralhadora). Essa arma, surgida em
guerra acabou antes que um novo uso
1917 e distribuída em 1918, tinha
fosse dado às novas submetralhadoras
vantagens e desvantagens: era leve (pesava
(forças especiais chamadas “Tropas de
cerca de 4 quilos), tinha o desenho
choque”, criadas no último ano da guerra,
parecido com o de um fuzil, podia ser
foram equipadas com elas), embora
disparada em movimento, tinha uma
tivessem sido produzidas umas 100.000
cadência de tiro alta e, graças a um
dessas arma

Um paradoxo interessante: as duas Wehrmacht


A reorganização das Forças Armadas A introdução de elementos mecanizados
Alemãs (Deutsche Wechmacht ), a partir de como transportadores de infantaria –
1935, não se deu sem alguns problemas. caminhões e carros blindados – apontou a
O Tratado de Versalhes tinha imposto necessidade de novas armas de infantaria.
restrições militares ao país, a principal Dois resultados logo apareceram: a
delas a limitação de efetivos e metralhadora MG34, lançada em 1934 e
equipamento. A Alemanha imediatamente distribuída em 1935, e a submetralhadora
começou a burlar essas condições. O MP38, lançada em 1938 e distribuída em
Tratado de Rapallo, estabelecido em 1939, pouco antes do início do conflito. A
1923, iniciou uma colaboração secreta MG34 era uma adaptação das
com a URSS, naquela época também à metralhadoras ligeiras da Primeira Guerra
margem da comunidade internacional. Mundial, com a diferença de que foi
Uma comissão de oficiais alemães viajou a concebida para uso por todo o exército, e
Moscou naquele ano para negociar os até mesmo pela força aérea. A MP38 era
termos do acordo, e foi estabelecida a um redesenho da submetralhadora, que
colaboração Alemanha-URSS no perdeu a ergonomia de “arma longa”,
treinamento de pessoal e acesso a campos sendo encurtada (com a coronha rebatida,
de provas. Milhares de especialistas em tinha 63 centímetros de comprimento) e
blindados treinaram nos campos de adaptada para tropas motorizadas e pára-
Lipetsk e Kazan. O acordo com os russos quedistas. Pouco depois de distribuída,
– a contrapartida era o fornecimento de sofreu adaptações para torná-la mais
tecnologia industrial e supervisão técnica barata e fácil de produzir: as peças em
– permitiu que a Wehrmacht desenvolvesse metal usinado deram lugar, tanto quanto
novas tecnologias e formasse um núcleo possível, ao metal estampado, o uso de
de pessoal familiarizado com as novas parafusos foi reduzido ao mínimo e a
armas e treinado nas novas táticas. Dentre madeira foi substituída por plástico.
essas encontrava-se uma nova forma de Pouco antes da guerra, foi discutida a
combinar o uso de veículos blindados e distribuição de submetralhadoras para
infantaria. todo o exército. Essa idéia foi entravada
por dois problemas. Um era conceitual:
mesmo com o sucesso das novas Na prática, a Wehrmacht de 1939
experiências, a doutrina alemã enfatizava o dispunha de duas categorias de tropas bem
tiro individual à longa distância. Vários diferenciadas: as forças motorizadas e o
infantes disparando ao mesmo tempo, resto do exército. As primeiras, compostas
apoiados por uma ou mais metralhadoras, por 10 divisões blindadas, 7 divisões de
criavam o peso de fogo necessário para infantaria motorizada e 3 divisões
superar o adversário. O outro era “ligeiras” (divisões blindadas com um
econômico: os estoques de carabinas efetivo menor de tanques e veículos
KAR98K, herdadas da 1ª GM eram motorizados), representavam apenas 7%
enormes. Depósitos tinham sido do efetivo total, mas eram novas tropas,
preservados pelas tropas francas que resultado da introdução dos blindados
proliferaram pelo país após 1918. Em sobre lagartas, apoio logístico motorizado,
1935, com a retomada da conscrição e aplicação de interdição e apoio aéreo
universal, o aumento repentino do aproximado. Essas tropas receberam uma
tamanho do exército, que foi ampliado quantidade maior de submetralhadoras (1
para 550.000 efetivos, exigiu que houvesse em cada 4 armas), mas mesmo elas
equipamento para todos esses soldados. continuaram a ser dotadas com os fuzis de
Essas armas herdadas da Grande Guerra, repetição convencionais. O resto do
recolhidas pelas autoridades, foram exército, cuja organização e armamento
distribuídas às tropas, e as fábricas não eram muito diferentes da guerra
continuaram a utilizar a tecnologia, anterior, compunha-se de divisões de
gabaritos e ferramental já disponíveis, infantaria, deslocando-se a pé e, quando
visto que não haveria tempo para desenhar necessário, em carroças ou de trem. Nessas
e colocar em produção uma nova arma- unidades, o armamento continuou a ser o
padrão. convencional, com a diferença de que a
esquadra de combate passou a ser
equipada com uma metralhadora ligeira.
Esses conceitos duraram até 1941. O o excelente Tokarev, deixaram evidente a
choque com as tropas soviéticas armadas necessidade de uma nova arma para as
de submetralhadoras com carregadores de tropas alemãs.
70 cargas e fuzis semi-automáticos, como

Infantes motorizados Waffen- SS equipados com submetralhadoras ERMA MP38/40.

Em 1941, as principais fábricas de armas cartucho IS. A primeira versão,


longas da Alemanha, Mauser e Walther, denominada G41, foi distribuída em
apresentaram o desenho de um fuzil semi- pequenas quantidades e, em combate,
automático, concebido em torno do revelou-se pouco eficiente em todos os
parâmetros testados. Diante do carregador destacável de dez cargas,
desinteresse do exército, a Mauser carregadas a partir dos clips convencionais
abandonou o projeto. Walther, entretanto, usados na KAR98K. O G43(w), revelou-se
continuou avaliando o Tokarev STV40, e razoável, mas teve sua produção em massa
rapidamente seus engenheiros notaram atrasada pela implicância do exército com
que o fuzil soviético, de ação a gás (o armas semi-automáticas.
cartucho vazio é eliminado e o mecanismo Certa quantidade chegou a ser distribuída
de culatra, rearmado através do (calcula-se um número entre 350.000 e
aproveitamento de parte da energia do 400.000 unidades). O Gewehr 43
disparo, sob a forma da expansão do gás Walther, G43(W) em sua versão carabina,
criado pela explosão do propelente), foi distribuído às tropas a partir do final de
oferecia grandes vantagens sobre o G41. A 1944. Ao ter contacto com essa arma, os
produção do G41 foi suspensa e o projeto, infantes norte-americanos a chamaram de
amplamente modificado, resultando no “Hitler´s Garand “. No entanto, o Garand
G43(W), mais simples e barato. Foram M1, arma-padrão dos GIs, era superior em
introduzidas muitas peças em metal diversos pontos, em comparação com a
forjado e uma coronha em madeira arma alemã.
laminada, bem como a introdução de um

Gewehr 43, desenho Walther. Tentativa alemã de um fuzil semi-automático.

Os motivos pelos quais a Alemanha começou a guerra sem um fuzil semi-automático são
compreensíveis. Os motivos pelos quais o desenvolvimento de um, durante a guerra, não foi
adiante são mais fáceis ainda de entender. São muitos: um deles é que, naquela altura, tanto militares
quanto engenheiros alemães já estavam interessados em outro conceito. Este sim, irá se revelar,
com o tempo, revolucionário::

2
1939-1940: novo do campo de batalha, velhas armas. A concepção do fuzil de assalto
expressa a evolução das doutrinas aplicadas ao campo de batalha e seus desdobramentos
durante a guerra. Na primeira fase da 2a GM (campanhas da Polônia, Noruega, Países
Baixos e França) rapidez da vitória alemã ocultou problemas, um deles a inadequação do
armamento de infantaria. Essa primeira fase da guerra foi travada por exércitos equipados e
treinados para uma luta no estilo da 1ª GM. Inglaterra e França estavam às voltas com
estoques de armamentos herdados da última guerra e, por problemas econômicos, não
investiram no reequipamento das forças terrestres. Nos anos 1930, blindados e aviões
observaram grandes avanços, mas apenas a Alemanha formulou uma doutrina e táticas que
lhe permitiram explorar as potencialidades das novas tecnologias.
Os militares alemães perceberam que o adaptações derivadas das condições da
movimento coordenado, baseado em guerra de trincheiras. Ainda durante a 1a
veículos a motor e grande disponibilidade Guerra Mundial tinha sido examinada a
de combustível mudaria o combate, que possibilidade da substituir do fuzil G98,
perderia seus aspectos estáticos e linhas de por um fuzil semi-automático. Por
frente bem definidas. O tiro – fosse de motivos óbvios, a discussão não foi levada
artilharia ou de armas portáteis – não adiante.
mais se caracterizaria pelos disparos de Nas submetralhadoras os especialistas
longo alcance. A guerra de movimento enxergaram as armas ideais para o novo
impedia a colocação de tropas em campo de batalha: fogo supressivo
posições estáticas, que eram facilmente instantâneo e em grande volume, grande
ultrapassadas pelos blindados, capacidade de munição e pequenas
acompanhados à curta distância por dimensões. Armas como os semi-
infantaria transportada em veículos automáticos Garand M1 e Tokarev,
protegidos ou caminhões. Aproximando- disponíveis em grande quantidade no
se rapidamente do inimigo, já início da 2a GM, embora projetos
desestabilizado pelo fogo aéreo e dos posteriores à Grande Guerra, tinham tido
canhões dos blindados, os “infantes em vista as condições daquela. Eram
blindados” combateriam a uma distância muito mais rápidos de usar do que os
menor – por vezes tendo o inimigo fuzis de ferrolho, mas não eram
diretamente à vista. totalmente adequados ao uso nos novos
A maximização do movimento exigia o campos de batalha. A pouca eficiência das
uso de estradas, o que implicava na armas existentes foi constatada pelos
possibilidade da entrada em cidades – alemães ainda em 1940. Na segunda
onde geralmente estavam instaladas metade desse ano, o Heereswaffen Amt
pontes, entroncamentos e facilidades elaborou uma requisição para uma arma
rodoviárias, mas as cidades se constituíam longa semi-automática projetada em
em um campo de batalha pouco torno do cartucho IS convencional. O
conhecido e estudado, até então. Nas resultado foi o pouco eficaz G41. Na
cidades, os defensores podiam mesma época em que o G41 entrou em
movimentar-se e se ocultar facilmente, testes, a Luftwaffe , sob cujo controle
expondo-se por curto período de tempo. estavam as tropas aerotransportadas, soli
Posições fixas de artilharia e citou uma arma portátil totalmente
metralhadoras eram, nessa tal condição, automática, também projetada para
impensáveis. munição IS. A resposta dos projetistas foi
o FG42 (de Fallschirmjager Gewehr –
As armas disponíveis em 1939 não
“fuzil de pára-quedista” modelo 1942)
consideravam nem uma nem outra
que, apresentava algumas características
situação. Basicamente, as que estavam
de fuzil de assalto, mas resultou mais
disponíveis eram adaptações feitas ainda
parecido com uma metralhadora ligeira –
durante a 1a GM. As metralhadoras, para
pesado e longo – sem as vantagens
ganhar maior mobilidade, passaram a ser
daquela. Era difícil de produzir e tinha
equipadas com bipés e serem desenhadas
alguns problemas que não chegaram a ser
como um fuzil, dotadas de coronha e
resolvidos. Muito poucos foram
carregadores tipo “caixa”. Essas
produzidos, embora apareçam em
modificações visavam dotar os infantes de
muitasfotos – para Göring, a propaganda
maior poder de fogo, para conseguir
era a alma do negócio.
superar posições defensivas – eram

O cerne do problema: munição do século 19 para uma guerra do século 20


O principal problema era a potência utilizados pela indústria alemã de
excessiva do cartucho IS, que gerava um munições – bem como, é claro, das armas
violento recuo, tornando o disparo em que as utilizariam.
rajadas muito difícil de executar, e dessa A invasão alemã da União Soviética
forma, obrigando o aumento do peso da encontrou o Exército Vermelho em
arma. Essa dificuldade já tinha sido processo de distribuir os fuzis semi-
constatada e em 1935 o Heereswaffen Amt automáticos Tokarev, em números não
considerou a adoção de um fuzil semi- muito altos, e submetralhadoras, cujos
automático, ou mesmo totalmente números já eram muito maiores do que
automático. Esse debate surgiu na fase em qualquer outro país – inclusive a
inicial do rearmamento alemão, e foi Alemanha. As derrotas iniciais, entretanto,
acompanhado da proposta de se fizeram com que os russos perdessem
desenvolver um cartucho menos potente. enormes quantidades de armas. Em função
Mas o exército, aferrado às táticas que da situação crítica daí resultante, no final
privilegiavam o tiro à longa distância, de 1941, as tropas começaram a receber
encarava a idéia com antipatia; as fábricas, uma submetralhadora que, embora
totalmente ocupadas com a produção de concebida tendo em vista a produção em
armamento para dar conta da expansão da massa, era extremamente bem projetada.
Wehrmacht, e produzindo munição IS e Tratava-se da PPSh 41 (de pistolet
armas concebidas para ela, não viam na pulemyot Shpagina – de Giorgy Shpagin, o
economia de material uma vantagem projetista). Fácil de fabricar, feita em
determinante. metal estampado e sem parafusos, essa
As experiências que foram feitas eram arma tinha uma alta cadência de fogo.
iniciativas de algumas empresas, e não Graças à munição utilizada, calibre
resultaram em nada concreto. Essas 7.62X25, podia utilizar um carregador
experiências visavam criar uma munição circular (do tipo conhecido pelos
totalmente nova, o que significaria, a colecionadores brasileiros como “lata de
médio prazo, a substituição de todos os goiabada”) de 71 cargas, copiado da
gabaritos, ferramental e processos submetralhadora finlandesa Suomi.

Infantes soviéticos em Berlim, com suas PPSh, maio de 1945.

A combinação dessa arma com táticas que juntavam infantaria e blindados foi suficiente para
convencer os alemães da superioridade de tropas totalmente equipadas com armas automáticas, e da
necessidade de tomar providências urgentes para preencher essa lacuna::
3 A primeira providência foi estabelecer requisitos para uma nova arma, que foram
estabelecidos em 1941: deveria ser um fuzil automático, do mesmo peso ou,
preferencialmente mais leve, e mais curto que o KAR98K, deveria ter um alcance de
aproximadamente 600 metros e ter uma cadência de fogo igual a de uma submetralhadora
(350-450 salvas por minuto). Essa nova arma, segundo o Departamento de Armamentos do
Exército, deveria, em prazo máximo de um ano, substituir fuzis de ferrolho,
submetralhadoras e metralhadoras ligeiras. No início de 1942, as empresas Karl Walther e C.
G. Hänel apresentaram protótipos, designados Machinenkarabine (algo como “carabina-
metralhadora”) 1942, ou MKb 42(W) e MKb42(H). Ambos os protótipos tinham sido
desenhados em torno de um novo tipo de cartucho, chamado Polte, nome da firma em que
foi desenvolvido, por requisição direta do HwA, a partir de 1938.

O cartucho Polte e o surgimento do fuzil de assalto


O problema do desenvolvimento de um submetralhadoras. O motivo é bastante
cartucho totalmente novo – partido curioso: na segunda metade de 1942, um
adotado por todas as empresas – era que os exemplar da MKb42(H) foi apresentada a
novos calibres não saíam da prancheta Hitler. Ao contrário do que era esperado,
para o estágio de protótipo funcionando o ditador teceu uma série de comentários
bem. A fase de experiência se prolongava, sobre a superioridade das
sem a garantia de que o resultado fosse submetralhadoras e, diante dos
satisfatório. A Polte, por sua vez, adotou desconsertados membros do HwA, proibiu
um conceito que era um verdadeiro “ovo qualquer investimento sobre a arma. A
de Colombo”: já que o 7.92 IS funcionava partir de então, por sugestão de um
bem, a solução talvez fosse criar uma projetista da Hänel, a notação MP43
espécie de “irmão menor”, que manteria passou a constar dos relatórios. Até o ano
integralmente os desenhos do projétil e do de 1944, quando Hitler foi finalmente
estojo, mas com comprimento, peso e convencido, todas as referências à ela
potência diminuídos. Por volta do início apareciam como MP.
de 1941 as dimensões de 7.92X33 Certa quantidade de “MP43” foi entregue
mmX125 grãos (8 gramas) de pólvora sem para avaliação às tropas empenhadas na
fumaça pareceram as ideais, conseguindo frente oriental, e logo começaram a chegar
que a velocidade de boca do disparo, em pedidos de todos os lados. No final do ano
banco de provas, chegasse a pouco mais de de 1943, uma nova versão, denominada
650 metros por minuto. MP44, já trazia as características do fuzil
Os testes iniciais apontaram a de assalto que se tornaria padrão. O nome
MKb.42(H), desenhada por Hugo SturmGewehr (StG) 44 foi adotado por
Schmeisser (bem sucedido desenhista de questões de propaganda. Embora essa
submetralhadoras, equivocadamente designação não coubesse nas normas de
apontado como idealizador das ERMA) referência do exército, soava bem e teve a
como a melhor dentre as concorrentes. O aprovação entusiástica de Hitler, a partir
exército encomendou alguns exemplares de uma demonstração um tanto teatral
para avaliação, que foram denominados montada por generais do exército em
MP43, notação usada para junho de 1944.
Infantaria motorizada da Divisão Escola Blindada (Panzer Lehr Division) em operações na França,
provavelmente julho, 1944. O infante no centro, à esquerda tem uma MP42 à bandoleira. No fundo,
um PzKpwg VI, o Pantera.

É claro que a arma tinha problemas: ainda plástico a tornava relativamente frágil para
era considerada um tanto pesada e os as condições de campanha; outra
infantes reclamavam do fato de que o reclamação constante era o excesso de
longo carregador tornava problemático o saliências, que tornava difícil carregar
disparo deitado. Curiosamente, embora tanto em descanso de ombro quanto “à
considerada pesada, a fabricação quase bandoleira” (pendurada nas costas através
totalmente feita em metal estampado e da correia).

StuG44 com o número de carregadores recebidos por um soldado de infantaria regular.

Independente do nome, a arma mostrou- de peso – a KAR98K pesava cerca de 4


se totalmente eficaz. A cadência de fogo quilos, no StG o peso, com o carregador
era de uma submetralhadora, com a de 30 cargas subia a pouco mais de 5
potência e alcance de um fuzil de ferrolho. quilos. Este, entretanto, era
O desenho ogival do projétil, somado à significativamente mais curto do que o
potência, eliminavam grande parte dos fuzil de ferrolho, e dotado de uma
problemas de estabilidade e precisão ergonomia que facilitava o disparo em
observados nas submetralhadoras, movimento: é significativo o fato de que
permitindo manter, sem grandes alteração os StG44 não dispunham de bipé.
Atirador de elite Waffen SS usando um StuG44 equipado com luneta.

Foram fabricadas pouco mais de 500.000 Entretanto, na situação caótica dos meses
StuGs, entre 1944 e 1945. Ainda finais da guerra, grandes estoques da nova
escondidos sob a notação de arma não alcançaram a frente de batalha
submetralhadora, MKb42 e StG44 ou, quando alcançavam não podiam ser
estavam disponíveis em meados de 1944, utilizados por falta de munição.
em número bastante limitado. Relatórios feitos tanto pelos aliados
Encaminhados à Frente Oriental, eram quanto pelos russos indicam que um dos
suficientes apenas para a infantaria das motivos que permitiram a unidades alemãs
divisões blindadas de elite do exército e da muito inferiorizadas em números
Waffen-SS. Mesmo assim, alguns combater com certo sucesso foi a
exemplares foram encontrados nas superioridade dada a elas pelo fuzil de
operações que se seguiram à invasão da assalto. Os aliados, por sinal, já vinham
Normandia. No final daquele ano, percebendo essa superioridade desde a
entretanto, a produção da nova arma operação Sentilenela sobre o Reno, a
aumentou em níveis que vieram a permitir contra-ofensiva das Ardenas. Alguns
distribuição em escala mais ampla. observadores norte-americanos chegaram a
Durante a contra-ofensiva das Ardenas, pensar que os alemães tivessem equipado
quantidade razoável de infantes já pequenas frações, em nível de pelotão,
dispunha de fuzis de assalto, incluíndo totalmente com metralhadoras ligeiras.
algumas de Volksgrenadier (siga até a Mas não era nada disso: o maior alcance e
página 2 desse excelente recurso de peso de fogo combinados com precisão
pesquisa), recentemente formadas e que, comparável à dos fuzis de ferrolho davam
depois da “operação Valquíria”, gozavam ao infante alemão vantagem tanto em
da confiança do partido nazista. No fim da campo aberto quanto em áreas fechadas –
guerra, as operações em torno de Berlim, as cidades arruinadas da Alemanha. Em
comandada pelo general-de-exército certas situações, a arma mostrou poder
Waffen-SS Steiner, viram violentos funcionar inclusive como metralhadora
combates nos quais os infantes alemães ligeira para prover cobertura próxima à
estavam armados extensivamente com infantaria.
StG44.

Após a guerra, tanto aliados quanto russos examinaram o StG44, mas não manifestaram interesse
em colocá-lo em produção. Os russos já tinham uma idéia própria em estado avançado de gestação
(de fato, o protótipo chegou a ser distribuído nos estágios finais da guerra, a batalha de Berlim). Em
1947, lançaram o AK47, que tinha começado a ser concebido durante a guerra e que, apesar de
extremamente parecido com o StuG, tinha, com relação ao mesmo, grandes diferenças. Nos anos
seguintes surgiriam os aliados ficariam enrolados em uma batalha política em torno da munição
padrão a ser adotada pela OTAN. Apenas nos anos 1950 surgiram o FN Herstal, belga (adotado nos
anos 1960 pelo Exército Brasileiro), o Heckler-Koch G3 (adotado no final dos anos 1960 pela
infantaria da FAB) e o M14 (até hoje usado como arma de parada pelos aspirantes a oficial da Escola
Naval), todos concebidos em torno do cartucho 7.62X51 mm. Mas esta é outra história...

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