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Victor
Hugo
Para
as
Mães
Vitor Bruno
Edison Carneiro
2
Dedicatória
Este texto foi elaborado, tendo eu, no pensamento, Marisa Emí-
lio.
Marisa Emilio, sensível, inteligente, sentimentos puros, esposa
e mãe, assistiu a partida do filho, Vitor, jovem e brilhante para
o mundo espiritual.
Partilhou as dores e os cuidados na enfermidade e o seu cora-
ção, imerso em lágrimas, viu aquele corpo querido ser sepulta-
do.
Heroicamente, sublimou sua imensa saudade, plena de ternura,
com a certeza da sobrevivência e a esperança do reencontro.
A ela e a outras mães, que tornam este mundo digno e que, com
seu amor, derrotam a morte, dedico esta despretensiosa compi-
lação.
Enquanto a escrevia, sentia Marisa como minha mãe, conquan-
to tenha idade para ser seu pai; um doce sentimento filial diri-
gido a ela apoderou-se do meu coração. Atribuo esse fato a
uma aproximação mediúnica de seu filho, agora no mundo dos
espíritos.
O destaque para o poeta francês Victor Hugo ser o fio condutor
destes textos, na minha opinião, deveu-se ao fato de Marisa ter
tido encarnação na França, contemporânea a passagem de Vitor
Hugo pela Terra e, naquela existência, ter sido admiradora do
grande escritor.
De outro lado, a alma do poeta semelha jardim, onde brotam
numerosas rosas vermelhas de emoção, rosas que penso combi-
narem com a alma de Marisa e serem uma suave homenagem
do sentimento de gratidão e carinho de seu filho desencarnado.
Victor Hugo para as mães 3
A criança sublime
Estamos em 1819, Hugo tem 17 anos, a mãe, Sofia, está doen-
te; tem febre alta e tosse continuamente; os filhos se revesam
na cabeceira da enferma.
Na época havia na França
um importante concurso lite-
rário, o “Lírio de Ouro”, dis-
putado pelos principais es-
critores e poetas do país, Vi-
tor, apesar de sua juventude,
havia se inscrito.
Na noite fria, nm modesto
apartamento, situado no ter-
ceiro andar, constituido pra-
ticamente de um único co-
modo, sala na parte anterior,
quarto na parte dos fundos,
Vitor vela à cabeceira da
Victor Hugo - Adolescente
mãe.
Apenas pequena fogueira de lenha aquece e espalha na sala
sombras e luzes difusas. O seu crepitar mistura-se com a respi-
ração ofegante de Sofia e aos sons desconexos de seu delírio
provocado pela febre.
Num dado momento o delírio cessa. Sofia desperta:
– E o teu poema? E o “Lírio de Ouro”?
– Mamãe, Eugênio velou a noite passada, hoje é a minha vez.
– E amanhã?
– Amanhã será muito tarde porque expira o prazo.
4
Um casamento infeliz
Vitor Hugo casou-se aos 19 anos com Adélia.
Nas suas cartas de jovem apaixonado, dois meses antes do ca-
samento, falava sobre o amor:
O amor para o comum dos mor-
tais, não é senão um apetite car-
nal ou uma inclinação vaga, que
a posse extingue e ausência des-
trói. Aí está porque ouves dizer,
com um estranho abuso de pala-
vras que as “as paixões não per-
duram”. Ai, Adélia, sabes que
paixão quer dizer “sofrimento”?
E acreditas, de boa fé, que haja
algum sofrimento nesses amores
do comum dos homens, tão vio-
lentos e aparentemente tão fra-
Adélia
cos? Não, o amor imaterial é
eterno, porque o ser que o experimenta não pode morrer.
São nossas almas que se amam e não os nossos corpos.
Nota que no entanto não se deve levar nada aos extremos...
Na cerimônia religiosa de seu casamento, o irmão, Eugênio,
que nutria uma paixão secreta e desequilibrada pela futura cu-
nhada, enlouquece, grita descontrolado e arrebenta a golpes de
machado os móveis; a custo conseguem contê-lo; Hugo ao in-
vés de dedicar-se às alegrias da festa e da lua de mel, sai em
busca de um hospício onde pudesse internar o irmão...
Victor fica arrasado com o ato do irmão, não consegue perdoá-
lo...
6
O exílio
Em 1851 sendo congressista na França e resistindo a onda de
corrupção que envolveu o poder legislativo do seu país, foi exi-
lado.
Estabeleceu-se em Guer-
nessey na Inglaterra de
frente para o canal da Man-
cha de onde, quando o tem-
po estava bom, podia avis-
tar o vulto da costa france-
sa.
para chorar, porém mais para ver; nosso coração foi feito
para sofrer, porém mais para crer. A fé numa outra existên-
cia brota da faculdade de amar. Não o esqueçamos, nessa
vida turbulenta e asserenada pelo amor, é o coração quem
crê. O filho conta reencontrar seu pai; a mãe não consente
em perder o filho para sempre. Essa repulsa pelo nada é a
grandeza do homem.
O coração não pode errar; A carne é um sonho; ela se dis-
sipa; se esse desaparecimento fosse o fim do homem, tiraria
da nossa existência toda validade; não nos contentamos
com essa fumaça que é a matéria; necessitamos de uma cer-
teza. Qualquer que ame, sabe e sente que nenhum dos pon-
tos de apoio do homem está na terra. Amar é viver além da
vida. Sem esta fé nenhum dom completo do coração será
possível; amar que é a finalidade do homem, seria seu su-
plício; esse paraíso seria seu inferno. Não! Digamo-lo bem
alto, a criatura que ama exige a criatura imortal. O cora-
ção necessita da alma.
Há um coração no esquife e este coração está vivo. Neste
momento ele escuta minhas palavras.
Emily de Putron era o doce orgulho de uma respeitável e
patriarcal família. Seus amigos e seus próximos tinham por
encantamento sua graça e por festa o seu sorriso. Ela era
como um flor de alegria espalhada pela casa. Desde o ber-
ço, todas as ternuras a cercavam, ela cresceu feliz e rece-
bendo ventura, ela a dava; amada, ela amava. Ela acaba de
partir.
Para onde ela foi? Para a sombra? Não.
Somos nós que estamos na sombra. Ela, ela está no ama-
nhecer.
10
A palavra do Apóstolo
Tendo os jornais da época
publicado o discurso, Allan
Kardec resolveu fazer sua lei-
tura na Sociedade Espírita de
Paris, na sessão de 27 de ja-
neiro de 1865.
O Espírito da jovem Emily de
Putron, que, sem dúvida, es-
cutava e compartilhava a
emoção da assembleia, mani-
festou-se espontaneamente
pela madame Costel, e ditou
as palavras seguintes:
seu amor. Nós somos eternos; aquelo que não começou não
pode acabar, e o seu gênio, ó poeta, semelhante ao rio que
corre em direção ao mar, tornará p´lena a eternidade da
potência que é força e amor!
Emily
Allan Kardec escreveria, apropósito do discurso de Hugo um
comentário na Revista Espírita no número de fevereiro de
1865, eis alguns trechos:
A estas palavras notáveis não falta absolutamente senão a
palavra espiritismo. Não é somente a expressão de uma
vaga crença na alma e na sua sobrevivência; é ainda menos
o frio nada sucedendo à atividade da vida, amortalhando
para sempre, sob seu manto de gelo, o espírito, a graça, a
beleza, as qualidades do coração; não é apenas a alma
abismada no oceano infinito que chama-se todo universal; é
bem o ser real, individual, presente no nosso meio, sorrindo
para aqueles que lhe são queridos, os vendo, os escutando,
lhes falando pelo pensamento. Que mais belo, mais verda-
deiro, que estas palavras.
…
Ó vocês, céticos, que riem de nossas crenças, riam então
dessas palavras do poeta filósofo onde vocês reconhececem
a alta inteligência. Vocês dirão que ele está alucinado? Que
está louco quando crê nas manifestações dos espíritos?
…
Vocês que negam o futuro, que estranha satisfação a sua de
se comprazerem no pensamento da aniquilação do seu ser, e
daqueles a quem vocês amaram! Oh! Vocês tem razão de te-
mer a morte pois para vocês ela é o fim de todas as suas es-
peranças.
14
O cavalheiro e a senhora
Sarah Bernadt, a grande atriz francesa, via Victor Hugo com
desprezo: “é um sentenciado de ontem, esse indultado de hoje,
esse joão ninguém...”
Em 1871 ensaiava uma peça de Victor Hugo, que comparecia
aos ensaios.
Certo dia o ensaio terminou mais cedo, Vitor Hugo foi embora
e ela ficou esperando Madame Guerard que vinha buscá-la no
teatro.
Com o rosto colado a vidraça, olhava para a calçada fronteira...
mas deixemos que a própria Sarah narre o fato:
Vitor Hugo acabava de atravessar a rua e seguia seu cami-
nho. Uma pobre velha chamou-lhe a atenção. A coitada
acabava de depor no chão uma pesada trouxa de roupa e
enxugava a fronte de onde brotavam gotículas de suor, ape-
sar do frio. Sua boca desdentada entreabrira-se no esforço
da respiração e uma pungente inquietude estampou-se nos
olhos ao medir a largura da rua que teria de atravessar em
meio aos carros e aos ônibus que se entrecruzavam. Victor
Hugo aproximou-se dela e após breve troca de palavras, ti-
rou do bolso uma moeda que entregou à mulher. Depois ti-
rando o chapéu, entregou-lho, e com lesto movimento, a fi-
sionomia risonha, ergueu a trouxa de roupas, colocou-a ao
ombro e atravessou a rua acompanhado pela velha, que não
cabia em si de espanto.
Desci a escada de quatro em quatro degraus para abraça-
lo, mas até atravessar o corredor, empurrar De Chilly, que
queria deter-me e alcançar a porta da rua já Vitor Hugo ti-
nha desaparecido. Vi apenas as costas da velha, cujo andar
Victor Hugo para as mães 15
A morte do Poeta
Vitor Hugo morreria 14 anos mais tarde em 1885, escreveu o
seu testamento nos seguintes termos:
Deus. A alma. A responsabilidade. Basta ao homem esta trí-
plice noção. Tem-me bastado a mim. É a religião verdadei-
ra. Nela vivi, nela morro. Verdade, luz, justiça, consciência,
é Deus.
Dou quarenta mil francos aos pobres. Desejo ser levado
para o cemitério no carro dos pobres .Os meus executores
testamentários são MM. Jules Grévy, Léon Say, Léon Gam-
betta. Estes agregarão a si quem entenderem. Dou todos os
meus manuscritos e tudo o que for encontrado escrito ou
desenhado por mim à Biblioteca Nacional de Paris, que
será um dia a Biblioteca dos Estados Unidos da Europa.
Deixo uma filha doente e dois netos. A minha benção para
todos.
Exceto os oito mil francos por ano necessários a minha fi-
lha, tudo o que me pertence pertence aos meus dois netos.
Consenso Mundial
No centenário de sua morte em 1985, foi expressivo o consen-
so das nações em torno de seu nome, em um mundo ainda con-
flitado pela guerra fria.
Americanos, europeus, asiáticos; mundo capitalista e o mundo
comunista (a leitura de Hugo era obrigatória na Rússia), uni-
ram-se nas homenagens ao grande gênio.
2 Juliete Drouet