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Universidade Lusófona de

Humanidades e Tecnologias
2º Ano do Curso de Direito
(pós-laboral)

DIREITO PENAL

Com base C.R.P., deve ou não o legislador


ordinário ter obrigações de legislar
sobre a criminalidade

Trabalho elaborado por: Anabela Alves, José Carneiro


(20074689) (20074263)

Lisboa, Novembro de 2008


Com base C.R.P., deve ou não o legislador ordinário ter
obrigações de legislar sobre a criminalidade

"Aquele que violenta a lei será violentado por ela"

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Com base C.R.P., deve ou não o legislador ordinário ter
obrigações de legislar sobre a criminalidade

Índice

1. Considerações iniciais: A opção do legislador constituinte em


combater determinadas condutas por intermédio do direito penal 4

2. Definição de direito penal 5

3. Limitações Constitucionais 6

4. Diminuição da liberdade de sujeição do legislador no


critério jurídico-constitucional até a obrigação de criminalizar 10

5. Discussão / Conclusão 11

6. Bibliografia

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1. Considerações iniciais: A opção do legislador constituinte em combater


determinadas condutas por intermédio do direito penal

O conteúdo do debate acerca de qual sentido que deve tomar, no interior do Estado
Democrático (e Social) de Direito, o modelo penal e processual penal português vem
mantém acesa uma celeuma filosófica – ainda que não explícita –, a partir de
divergências que envolvem concepções de vida e modos-de-ser-no-mundo centrados nas
mais diversas justificações materiais e espirituais. O substrato de fundo destes embates,
entre tradições de pensamento tão diversas e, em grande parte dos assuntos,
antagónicas, revela uma contraposição ainda mais fundamental e consistente num conflito
quanto aos bens jurídico-penais que efectivamente merecem protecção penal nesta
quadra da história. Ao contrário do que acontece na maioria das Constituições
contemporâneas, estes conflitos estão positivados no texto constitucional português. Isso
implica a tomada de atitudes por parte do legislador ordinário. Ocorre, entretanto, que o
legislador, ao lado da doutrina e da jurisprudência pátrias, continua atrelado ao paradigma
liberal-individualista, podendo perceber-se, nestes trinta e dois anos de Constituição
compromissória e social, entre outros aspectos,
a) Certa dificuldade de coexistência de determinados princípios e valores tradicionalmente
imputados ao direito penal pelas vertentes liberais-iluministas, caracteristicamente
individualistas; e
b) Outra gama de princípios e valores (como definimos?) que sustentam a legitimidade de
novas matrizes normativas dirigidas à tutela de bens não individuais.
A opção do legislador constituinte em positivar comandos criminalizantes provocou – ou
deveria ter provocado – uma drástica mudança no tratamento dos bens jurídico-penais.
Por outras palavras, é possível afirmar que, ao contrário do que sustentam os penalistas
adeptos de posturas minimalistas, o constituinte não albergou a tese da "intervenção
mínima do direito penal", mas, ao contrário disso, colocou, pelo menos hipoteticamente, a
possibilidade de subversão de grande parte de uma hegemonia histórica nas relações de
poder sustentadas e reproduzidas, em não desprezível parcela, pela aplicação da lei
penal.
Essa questão vem agravada a partir do comando constitucional de o legislador enquadrar
algumas condutas no rol dos crimes hediondos. E com as consequências que isso terá.
Sendo a Constituição Democrática a projecção e expressão jurídica fundamental da
concepção ético-social da comunidade sobre os princípios que devem estruturar o

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sistema social, é nela que devemos procurar a expressão e fundamento jurídico-


constitucionais da definição do bem jurídico-penal (e, portanto, do conceito material do
crime), e o critério material da determinação das condutas susceptíveis de serem objecto
de uma decisão legislativa ordinária de criminalização-penalização.
O direito penal só deve aparecer, ou funcionar, quando não chegarem medidas de política
social como por exemplo, o direito civil ou o direito administrativo.
Uma das funções fundamentais do Estado português, segundo a Constituição, é o
respeito pelos direitos individuais (art. 2º), como se tira dos vários preceitos sobre matéria
penal relativos aos direitos individuais, é o caso, por exemplo, do art. 18º n.º 2: “A lei só
pode restringir os direitos, liberdades e garantias no caso expressamente previstos na
Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros
direitos ou interesses constitucionalmente protegidos”. Tudo isto aponta para que hoje em
dia haja uma verdadeira imposição constitucional no sentido de restringir o mais possível
a intervenção do direito penal, na medida em que ele significa uma importante redução do
conteúdo dos direitos individuais.

2. Definição de direito penal

O Direito Penal, a sua missão dentro do Estado Social Democrático de Direito, Material,
tem certas funções. A primeira delas é a indispensável protecção de bens jurídicos
essenciais, protegendo de modo legítimo e eficaz os bens jurídicos fundamentais do
indivíduo e da sociedade.
Em sentido amplo, é qualquer coisa - objecto material ou imaterial - que satisfaz uma
necessidade humana, é tudo que tem valor para o ser humano, que se apresenta como
digno, útil ou necessário. O direito penal só deve actuar na defesa dos bens jurídicos
imprescindíveis à coexistência pacífica dos homens (princípio da exclusiva protecção de
bens jurídicos), o que concede ao direito penal um carácter fragmentário. Os bens
jurídico-penais essenciais devem ter referência explícita ou implícita na ordem
constitucional dos direitos humanos fundamentais. Como alerta Figueiredo Dias, é
somente por esta via “que os bens jurídicos se ‘transformam’ em bens jurídicos dignos de
tutela penal ou com dignidade jurídico-penal”. O Direito Penal é a indispensável tutela dos
bens jurídicos essenciais, a partir da contenção das condutas lesivas ou que exponham a
perigo tais bens.

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Para melhor entender o significado desta função de indispensável protecção de bens


jurídicos essenciais, é preciso dividir o conceito em dois componentes: 1) a protecção de
bens jurídicos essenciais e 2) a necessária ou indispensável protecção, que se traduz na
imposição da sanção penal à conduta que atente contra bem jurídico-penal essencial.
Na actualidade, a doutrina é unânime em afirmar, ao menos, que a função do Direito
Penal se traduz na protecção de bens jurídicos essenciais.

3. Limitações Constitucionais

A passagem do Estado absolutista para o Estado moderno de direito, representou um


significativo marco não só para a sua organização e administração, mas também para o
direito penal. O Estado como um todo, nas suas mais variadas extensões funcionais,
enfim, o organismo estatal, passou a submeter-se à égide da lei. Não só os cidadãos a
ela estão submetidos, mas também os próprios Estado, estabelecendo um jogo de
confiança e de segurança de relação mútua. E o direito penal também faz as partes
envolvidas interagirem nesse jogo, assumindo o Estado o papel de protecção através da
persecutio criminis (fazendo valer as normas), enquanto que aos cidadãos cabe o respeito
aos bens nele protegidos, submetendo-se às proibições.
A estruturação do Estado de direito tem origem na Constituição, que será pois, o
elemento orientador de todas aquelas relações conformes à legalidade. À norma
Fundamental também vem aderir o direito penal, estabelecendo com ela uma ligação
estreita, quase que indissociável. Afinal, as leis penais, como, aliás, todo ordenamento
legal, não pode a ela se contrapor. Por via de consequência, o conteúdo do direito penal,
as regras punitivas, as proibições, o objecto do crime, enfim, os bens jurídicos sujeitos à
protecção mantêm-se atrelados às linhas gerais traçadas pela Constituição. Mas
significará isto que os bens protegidos pela Constituição coincidem com os do direito
penal? Ou melhor, estariam os bens jurídicos compreendidos na lei Fundamental? Dela
decorreria, em conformidade com a linha política adoptada, a obrigatoriedade de
criminalização ou de descriminalização?
Numa primeira aproximação para o entendimento e consequente solução do problema
"(…) o ordenamento penal e o ordenamento constitucional são matricialmente duas
ordens jurídicas fragmentárias", ou seja, que não têm por escopo proteger todos os bens.
De uma constelação de valores e interesses humanos, a Constituição ocupa-se daqueles
essenciais, de modo a garantir uma existência digna do cidadão. E a partir desse
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pressuposto, "O direito constitucional (a ordem jurídico-constitucional material), constitui


no nosso processo de desenvolvimento jurídico-cultural, um referente normativo
inarredável para a compreensão e delimitação de um qualquer outro direito". Quer com
isso dizer que, sendo a constituição uma norma primária, que estabelece uma ordem de
valores essenciais para o cidadão, dela formam-se de maneira derivada e nela apegam-
se as leis, que regulam sobre esses valores. A Constituição é, assim, um vector directivo
para a normativização geral. Ela protege de maneira prioritária a dignidade do cidadão,
estabelecendo as linhas mestras, ou os princípios em que se apoiaram os legisladores.
Dessas considerações quanto ao carácter fragmentário e originário da Constituição,
colhe-se a primeira resposta àquelas indagações. Estabelecendo a Constituição as bases
do ordenamento social, onde estão previstos certos bens, passa oferecer princípios
relevantes à protecção de outros bens decorrentes dos primários. Neste sentido, apesar
do inegável balizamento da intervenção penal, inexiste coincidência quantitativa dos bens
jurídicos garantidos pelas ordenações Constitucional e penal. Esta, apesar de agregada à
norma Fundamental, alarga o leque de bens jurídicos, gozando o seu legislador de uma
certa liberdade, mas desde que sempre atenta aos princípios constitucionais.
O legislador ordinário, em nossa opinião, tem obrigações ao legislar sobre a criminalidade
elaborando, para isso, diplomas específicos sobre direito penal; tendo no entanto uma
série de limitações a respeito de matéria penal impostos pela Constituição e não só, mas
designadamente a propósito dos direitos e garantias individuais. Há limitações muito
concretas e muito especiais quando se trata de lei criminal propriamente dita. Pelo que
está na Constituição, aquilo que parece ser lei criminal, na ideia da Constituição, é uma lei
que se refira a crimes, a penas ou a medidas de segurança.
A Constituição desenvolve uma função de orientação, na medida em que, possuindo o
carácter fragmentário, não prevendo ou protegendo a totalidade de bens e de valores,
mas apenas aqueles mais representativos e essenciais aos cidadãos, permite ao
legislador ordinário apenas guiar-se dentro de certos limites. Por exemplo, ao elevar à
categoria de bem jurídico a dignidade da pessoa humana, permite que o legislador eleja
outros bens dela decorrentes, como o da honra.
Não é de todo despiciente o alerta de que estamos a tratar de um modelo de Constituição
democrática, que procura alicerçar os seus mandamentos nos princípios de igualdade e
de respeito irrestrito ao cidadão, protegendo-o, pois, de qualquer atentado à sua
individualidade. Fica o cidadão, assim, a salvo de agressões por motivos de crença, sexo,

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raça ou de qualquer outro característico que o designe como pertencente aos chamados
grupos minoritários.
Actualmente, a Constituição consagra uma série de garantias ou princípios em relação à
lei penal:

1º O princípio da necessidade ou da máxima restrição das penas, ou princípio da


intervenção mínima ou da subsidiária do direito penal. Art. 2º - na medida em que o
respeito pela pessoa humana é um dos fins fundamentais do Estado português
democrático, e as penas significam graves sacrifícios dos direitos fundamentais das
pessoas. Art.18º na medida em que se impõe que as restrições aos direitos, liberdades e
garantias só podem existir nos casos expressamente previstos na Constituição; no n.º 3
do art. 18º diz que têm de revestir carácter geral e abstracto e não podem diminuir a
extensão e alcance dessas garantias.
2º Igualdade a nível do direito penal, consagrado no art. 13º; uma das condições de
igualdade será o carácter geral e abstracto que por força do art. 18º, n.º 3 as leis penais
terão de revestir.
3º O art. 24º e art. 25º proíbem quer a pena de morte, quer as penas cruéis físicas e
desumanas; também o art. 30º proíbe as penas indeterminadas.
4º As penas são intransmissíveis, art. 30º
5º Proibição de existência de leis penais retroactivas, art. 29º n.º 1 e n.º 3. No n.º 4, impõe
a aplicação retroactiva das leis penais favoráveis.
6º Art. 29º n.º 3, proíbe, também a utilização da interpretação extensiva, na interpretação
das normas penais incriminadoras e o recurso à analogia para eventuais lacunas que aí
forem descobertas.
7º Art. 29º n.º 5 instaura o princípio non bis in Idem, ou seja, a proibição de que uma
pessoa sofra duas vezes pela mesma razão ou seja julgada duas vezes pelo mesmo
crime.
8º Limitação do poder ao Estado quanto à extradição, art. 33º, não é possível a extradição
(nem a expulsão) de cidadãos portugueses, não o é também por motivos políticos, nem
por crimes a que corresponda pena de morte; O n.º 4 garante a jurisdicionalização do
processo de extradição (ou de expulsão).
9º Também se poderá derivar da Constituição um princípio de culpa como fundamental no
Direito Penal.

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10º Este enunciado de princípios fundamentais da lei penal na Constituição é completado


pela atribuição de competência exclusiva à Assembleia da República, no nº 168, al c)
para legislar em matéria criminal (embora se trate de uma reserva relativa de
competência: a AR pode autorizar o Governo a legislar nesta área).

Abjectos lembrar, já de início, uma questão irrefutável: o comando constitucional


(originário) não pode ser inconstitucional. Do mesmo modo, não há registos, nos tribunais
e na literatura penal, de questionamento ao enquadramento, no rol dos crimes hediondos,
dos crimes de violação e de atentado violento ao pudor por absoluta relevância o
legislador constituinte vai ao ponto de impedir a concessão, a esse tipo de crime, de
favores legais.
Têm-se, então, dois problemas, que se constituem em base para qualquer discussão:
1º está-se diante de hipótese de obrigação constitucional de criminalizar;
2º e ainda, está-se diante de uma barreira constitucional de concessão de favores legais.
Parte-se, pois, de limitações explícitas ao legislador ordinário. A questão é saber as
dimensões desses limites do legislador, isto é, de que modo deve ser atendido o
complexo (e duro) comando constitucional.
Pois bem, isso significa afirmar e admitir que a Constituição determina – explícita ou
implicitamente – que a protecção dos direitos fundamentais deve ser feita de duas formas:
por um lado, protege o cidadão frente ao Estado; por outro, protege-o através do Estado –
e, inclusive, por meio do direito punitivo – uma vez que o cidadão também tem o direito de
ver seus direitos fundamentais tutelados em face da violência de outros indivíduos.
Queremos dizer com isso que o Estado deve deixar de ser visto na perspectiva de inimigo
dos direitos fundamentais, passando-se a vê-lo como auxiliar do seu desenvolvimento
(Drindl, Canotilho, Vital Moreira, Sarlet, Streck, Bolzan de Morais e Stern) ou outra
expressão dessa mesma ideia, deixam de ser sempre e só direitos contra o Estado para
serem também direitos através do Estado.
É tarefa do legislador determinar, detalhadamente, o tipo e a extensão da protecção. A
Constituição fixa a protecção como meta, não detalhando, porém, a sua configuração. No
entanto, o legislador deve observar a proibição de insuficiência. Considerando-se bens
jurídicos contrapostos, necessária se faz uma protecção adequada. Decisivo é que a
protecção seja eficiente como tal. As medidas tomadas pelo legislador devem ser
suficientes para uma protecção adequada e eficiente e, além disso, basear-se em
cuidadosas averiguações de fatos e avaliações racionalmente sustentáveis.
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4. Diminuição da liberdade de sujeição do legislador no critério jurídico-


constitucional até a obrigação de criminalizar

É possível afirmar, desse modo, que o legislador, num sistema constitucional que
reconhece efectivamente o dever de protecção do Estado, não está mais livre para decidir
se edita determinadas leis ou não.
Isto significa afirmar que o legislador ordinário não pode, ao seu bel prazer, optar por
meios "alternativos" de punição de crimes ou até mesmo pelo "enfraquecimento" da
persecução criminal sem maiores explicações, ou seja, sem efectuar juízo, isto é, a
exigência de juízo significa que as medidas tomadas pelo legislador devem ser suficientes
para uma protecção adequada e eficiente e, além disso, basear-se em cuidadosas
averiguações de factos e avaliações racionalmente sustentáveis. Não há grau zero para o
estabelecimento de criminalizações, descriminalizações, aumentos e atenuações de
penas.
A necessidade penal deriva que seja de recusar a existência das chamadas injunções
constitucionais implícitas de criminalização. Estas injunções significariam que, dada a
essencialidade ou dignidade penal de certos valores consagrados na Constituição, teria o
legislador ordinário de necessariamente criminalizar as condutas que os lesassem ou
pusessem em perigo.
A recusa destas imposições constitucionais assenta no facto de não bastar, para a
criminalização, a dignidade penal ou dimensão axiológica dos bens, exigindo-se, ainda,
que, no plano pragmático, a protecção desses bens encontre no recurso ao direito penal a
forma adequada de protecção. Em teoria tem de aceitar-se a hipótese de existirem
valores que possam ser mais eficazmente protegidos através de medidas jurídicas não
penais ou tão só medidas sociais do que através de medidas jurídicas não penais ou tão
só medidas sociais do que através de sanções penais. Em tais casos, não se justificaria a
criminalização das condutas lesivas de tais valores, pois que, apesar da dignidade
constitucional desses valores ou bens, não se verificava o pressuposto da necessidade da
pena.
Isto não significa que não haja bens jurídicos, consagrados na Constituição, que não
tenham, forçosamente, de ser tutelados penalmente. É evidente que os há: por exemplo,
a vida, a integridade física e a liberdade; e, em relação a estes bens, recai sobre o
legislador ordinário o dever de criminalizar as condutas que os lesem. Aliás, se é o próprio
legislador constitucional que expressamente prevê a existência de crimes e de penas (art

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29º da CRP), é porque há algumas condutas que, de facto, não podem deixar de ser
criminalizadas pelo legislador ordinário.
Quando se nega a existência de injunções constitucionais implícitas de criminalização, é
que não é pelo facto de determinado valor ter uma essencial dignidade constitucional
(dignidade penal) que, necessariamente, terá de ser criminalizada a sua lesão; exige-se,
completamente, que haja necessidade penal no sentido acabado de referir.
Defender o contrário, parece-nos que só será aceitável para quem entenda que o direito
penal tem, para além de uma função de eficaz protecção dos bens jurídicos, uma função
simbólica. Ora, nós não partilhamos de uma concepção simbólica do direito penal por
duas razões: por um lado, achamos que o mundo do simbólico está num plano de apelo
cultural-espiritual muito acima do plano do mínimo exigível pelo direito penal; por outro
lado, atribuir ao direito penal um papel simbólico é abrir as portas à aceitação de “bodes
expiatórios”, o que o direito em geral e o direito penal em especial deve evitar a todo o
custo.

5. Discussão / Conclusão

Falar do lado "esquecido" do dever de protecção do Estado é tarefa difícil e delicada.


Parece óbvio que o direito penal é um campo especial do direito. Mas, por outro lado, é
necessário verificar se o novo paradigma exigente do Estado Democrático de Direito não
necessita alterar a antiga contraposição Estado-sociedade ou Estado-indivíduo.
O Estado não é inimigo, conforme já foi referido anteriormente. Trata-se de outro Estado.
E, convenhamos, trata-se também de outra criminalidade. Tanto o Estado quanto a
criminalidade mudaram desde a ruptura provocada pelas alegações da Ciência. É preciso
compreender que o grau de autonomia atingido pelo direito aponta, agora, mais e mais,
para uma co-responsabilidade entre o legislador e o poder de aplicação da lei. A antiga
"blindagem" do legislador deve dar lugar a um amplo processo de controlo da
compatibilidade formal e material da legislação ordinária com as constituições.
E qual é a razão que justificaria que o direito penal poderia escapar dessa nova
concepção/formatação da relação entre os poderes do Estado? Ora, a regra
contramajoritária, aplicada nos restritos limites da Constituição, pode, sim, alterar os
escopos de determinada norma penal. Não fosse assim, o legislador teria total liberdade
de sujeição. Tais questões devem ser encaradas de frente pelos penalistas e pelos
constitucionalistas. Entendemos, pois, que deve haver a suspensão dos pré-juízos
forjados num imaginário liberal-individualista.
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Para ser-mos mais explícitos: devemos admitir que o legislador penal comete equívocos e
que estes podem trazer malefícios à sociedade. Ademais, constitui tarefa do legislador
demonstrar, nas hipóteses em que deseja abandonar as funções clássicas do direito
penal – e isso não lhe é vedado –, as razões pelas quais faz determinadas escolhas. Essa
questão assume foros de maior gravidade quando se está em face de um comando
explícito de criminalização, isto é, querendo ou não, o legislador não pode deixar de
considerar, por exemplo, o de tortura como crime de extrema gravidade, ao lado do
terrorismo.
Isso significa dizer que o legislador não poderá fazer "desvios" hermenêuticos a partir da
utilização de um afrouxamento que transforma a principal incidência do delito. O direito
deve ser decidido a partir de argumentos de princípio e não de políticas.

6. Bibliografia

Dias, Jorge Figueiredo, Direito Penal (Parte Geral – Tomo I), 2ª ed., Coimbra Editora,
2007.

Beleza, Teresa Pizarro, Direito Penal, 1º vol., 2ª ed., Associação Académica Faculdade de
Direito de Lisboa, 1984.

Carvalho, Américo Taipa, Direito Penal (Parte Geral), 2ª ed., Coimbra Editora, 2008.

Silva, Germano Marques, Curso de Processo Penal, Vol. I, 5ª ed., Editorial Verbo, 2008.

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