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Comunidade do Conhecimento
o
5 SEtoR
um caminho
mais simples
Margaret J. Wheatley
Myron Kellner-Rogers
., Tradução
EDITORA CULTRIX
São Paulo
Jelaluddin Rumi
sumário
Ensaio Fotográfico
1 Um Convite
5 Um Caminho Mais Simples
9 Poética de A. R. Ammons
10 Brincadeira
20 A Organização Como Uma Brincadeira
28 A Organização
36 A Organização Enquanto Organização
46 O Eu .
56 Eus Em Organização
66 Manifestação Emergente .,
76 Organização Emergente
88 Movimento Coerente
104 Ensaio Fotográfico
11 6 Notas
120 Bibliografia
126 índice .
135 Os Autores
um convite
É desses desejos que nasce este livro. Ele apresenta um modo diferente de pensar
a vida e as maneiras como poderiam ser as atividades organizativas. Firmemente
arraigada em nossas crenças, experiências e esperanças, esta obra representa a
compreensão a que chegamos e as questões que mais nos intrigam. É ela uma
expressão daquilo que aprendemos e daquilo que esperamos descobrir.
A imagem mecanicista do mundo tem raízes muito profundas na grande maioria das
pessoas; no entanto, ela não nos serve mais. A busca de cada um de nós por novas
formas de compreensão levou-nos a travar contato com filósofos, cientistas, poetas,
romancistas, mestres espirituais, colegas, platéias, e uns com os outros. Nossa vida
consiste em analisar a.quilo que vemos quando observamos a vida e as
organizações, valendo-nos de imagens diferentes.
Eis a principal pergunta deste livro: Como poderíamos organizar a atividade humana
se desenvolvêssemos novas formas de compreender como a vida organiza a si
mesma?
Eis um resumo das crenças que temos hoje acerca das organizações humanas e o
mundo em que elas tomam forma.
Muitas vezes, ele nos leva a desafiar mais do que pretendíamos. Não obstante,
constatamos que as crenças são o ponto de origem da verdadeira mudança. A
crença é a razão de escrevermos este livro.
um caminho
mais simples
Existe um modo mais simples de organizar a atividade humana. Ele exige uma nova
maneira de estar no mundo: exige estar no mundo sem medo. Estar no mundo
brincando e criando. Buscar o possível. Estar disposto a aprender e a se
surpreender.
Esse modo mais simples de organizar a atividade humana requer a crença de que o
mundo é intrinsecamente ordenado. O mundo busca naturalmente a organização;
ele não precisa de que nós, humanos, o organizemos.
Esse modo simples faz brotar em nós aquilo que temos de melhor. Ele nos desafia a
compreender a natureza humana de maneira diferente, mais otimista. Ele nos
considera seres criativos e reconhece que buscamos um sentido para a vida; nos
convida a encarar o trabalho e a vida com menos seriedade e mais compromisso;
não separa a brincadeira da natureza do ser. .
O mundo desse modo mais simples é um mundo que já conhecemos. Talvez não o
tenhamos visto com clareza, mas vivemos nele desde que nascemos. É ele um
mundo amistoso, mais disposto a receber em si a nossa humanidade. Nele, aquilo
que somos e aquilo que temos de melhor pode florescer sem impedimentos.
O mundo que nos ensinaram a ver era um mundo inóspito para a nossa
humanidade. Nós aprendemos a ver o mundo como uma grande máquina; depois,
não conseguimos encontrar nele nada de humano. Nosso pensamento assumiu
contornos ainda mais estranhos -nós aplicamos essa imagem do mundo a nós
mesmos e passamos a crer que também nós éramos máquinas.
Como não conseguimos nos encontrar no mundo mecânico que havíamos criado no
pensamento, víamos o mundo como um lugar estranho e terrível. A alienação
gerava a necessidade de dominar; o medo levava à busca de um controle rígido.
Queríamos controlar e ter domínio sobre tudo, e tentamos fazê-Io, mas nem por isso
o medo se foi. Os erros nos ameaçavam; os fracassos nos arruinavam; forças
mecânicas impassíveis exigiam de nós submissão absoluta. Sobrava pouco espaço
para os interesses humanos.
Mas o mundo não é uma máquina. Ele é vivo e está repleto de vida e de vestígios
da vida. Em todas as rochas antigas que encontramos, nos diz o biólogo James
Lovelock, está preservada a vida das eras passadas. A vida não pode ser
erradicada do mundo, muito embora as metáforas científicas tenham tentado fazê-
Io.
Neste mundo, nós nos movemos com mais segurança. O mundo apóia nossos
esforços de maneira nunca antes esperada. Temos liberdade para criar,
experimentar, organizar, fracassar, realizar, brincar, aprender, criar de novo.
poetlca
A. R. Ammons
Procuro o caminho
que as coisas vão tomar
espiralando-se a partir de um centro,
a forma
que as coisas vão assumir para se manifestar
de modo que o vidoeiro branco
tocado de preto nos ramos
se destaque, ereto,
reluzindo totalmente, ao vento,
o seu ser aparente:
procuro as formas
sob as quais as coisas vão querer surgir
de abismos negros de possibilidade,
o como uma coisa vai
brincadeira
Procuro o caminho
que as coisas vão tomar
espiralando-se a partir de um centro
o que nos impede de ver a vida como algo criativo, até divertido? Desde Darwin,
pelo menos, a cultura ocidental acalenta uma série de erros enormes. Cultivamos a
crença de que o mundo é hostil, de que travamos uma luta constante pela
sobrevivência, de que a consequência do erro é a morte, de que o ambiente almeja
a nossa destruição. Não existe segurança num mundo assim. Quem não teria
medo?
As imagens da vida como algo criativo e divertido acompanharam o ser humano por
milhares de anos em diversas tradições espirituais, mas o moderno pensamento
ocidental dificulta a visão da vida como uma brincadeira. No papel de escritores que
o convidam a pensar em como seria a vida humana se todos nós víssemos o mundo
como um lugar divertido e cheio de novidades, resolvemos entretecer um poema ao
longo da nossa obra. Não o fizemos somente porque gostamos de poesia, mas
também porque, num mundo criativo e divertido, todos nós somos poetas o tempo
todo.
A vida usa a desordem para chegar a soluções bem ordenadas. A vida não
parece compartilhar do nosso desejo de eficiência e esmero. Ela se vale da
redundância, da imprecisão, de densas teias de relacionamentos e de uma
incansável cadeia de tentativas e erros para descobrir o que realmente funciona.
A vida tende à ordem. Ela experimenta até descobrir como formar um sistema
capaz de manter diversos membros. Os seres experimentam uma grande gama de
relacionamentos possíveis para descobrir se são capazes de organizar-se num
sistema que sustente a vida. As explorações continuam até a descoberta de um
Tudo participa na criação e evolução do que tem à sua volta. Não existem seres
isolados e impassíveis. Não existe sistema que determine as condições de outro
sistema. Todos participam juntos na criação de suas condições de
interdependência.
A vida é criativa. Ela se constrói à medida que flui, até mesmo mudando as regras.
Esse comportamento se contrapõe frontalmente à lógica que costumamos usar para
explicar como o mundo funciona. A maioria de nós foi criada num mundo orientado
pela crença de que as coisas existiam num estado fixo e de interdependência. As
coisas poderiam ser compreendidas pela análise. A partir da observação do
comportamento delas, leis e princípios seriam determinados e se fariam previsões
para situações semelhantes. As respostas certas eram o fruto do trabalho árduo de
mentes brilhantes, e só a assiduidade no processo analítico garantiria a nossa
segurança.
Por muito tempo nos concentramos em tentar descobrir o "certo". Nós dissecamos
as coisas, peneirando a análise para obter a resposta correta, criando uma
quantidade cada vez maior de lixo mental e rodeando-nos de números que nos
causam imensa insatisfação.
Não cansamos de dizer uns aos outros: " Acerte logo na primeira vez." Como
conviver com tanto medo?
O enigma da biologia não é o modo pelo qual a seleção natural força um organismo
a adotar uma solução certa, mas o modo pelo qual uma diversidade tão espantosa,
uma multiplicidade feroz, pode ser domada a ponto de fazer desenvolver
organismos que sejam semelhantes o suficiente para se reproduzir. Por que existem
tantas plantas e animais diferentes? Talvez porque a vida só estabeleça para si este
simples critério: o que quer que você se torne, não deixe de garantir a sua
sobrevivência e reprodução. Isso não é uma camisa-de-força, mas uma linha-mestra
muito ampla. Com tanta liberdade, os organismos seguem em todas as direções em
busca daquilo que Ihes é possível.
A natureza estimula a mais impetuosa auto-expressão, desde que ela não ameace a
sobrevivência do organismo. O mundo tem capacidade para conter níveis incríveis
de diversidade, acréscimos divertidíssimos à aparência física dos organismos,
arroubos inigualáveis de cor e brilho. Nada tem um modelo ideal; só existem
combinações interessantes que surgem à medida que um ser vivo vai explorando o
seu espaço de possibilidades.
O modo pelo qual chega lá, porém, vai contra todas as regras que estabelecemos
para o bom andamento dos processos: a vida não é esmerada nem parcimoniosa,
não é lógica nem elegante. Ela busca a ordem de maneira desordenada. É difícil
para nós tolerar e crer nos processos que ela usa -desordem sobre desordem até
surgir algo que funcione. Tentando recriar ecossistemas que sustentem a si
mesmos, o biólogo Stuart Pimm diz: " Mas quando continuamos acrescentando
espécies, quando continuamos deixando que a coisa desande, chega uma hora
em que, surpreendentemente, elas atingem uma combinação que não desanda...
Muitas doses de desordem são necessárias para acertar."
Esse mundo criativo é brincalhão e divertido até mesmo nos seus processos.
Ninguém luta para criar a si mesmo no isolamento, esforçando-se para sobreviver
num mundo de regras rígidas e circunstâncias implacáveis. T oda mudança que
fazemos em nós, todo caminho exploratório que seguimos, causa mudanças em
muitos outros. As explorações chegam até a mudar as regras que governam a
própria mudança. Nós não somos competidores que se defrontam num jogo cujas
regras são todas predeterminadas. O mundo é muito mais divertido, muito mais
relacional. A vida nos convida a criar não somente as formas, mas até os processos
de descoberta.
O ambiente é moldado pela nossa presença nele. Nós não caímos de pára-quedas
num mar turbulento que nos força a nadar ou afundar. O ser e o ambiente formam
um único sistema; um influencia o outro, um co-determina o outro. O geneticista R.
C. Lewontin explica que a melhor maneira de conceber o meio ambiente consiste
em pensá-Io como um conjunto de relacionamentos organizados por seres vivos.
"Os organismos não sofrem as consequências do ambiente: eles criam o ambiente."
A vida alterou a atmosfera e abrandou a luz do sol. Ela transformou a rocha nua dos
continentes num solo dócil e revestiu-o de um manto variegado de verde que
captava a energia da nossa estrela para o uso das coisas vivas na terra, e com isso
ela suavizou a força dos ventos. Nos oceanos, a vida construiu grandes recifes que
quebraram o impacto das ondas tempestuosas; separou e distribuiu praias de areia
clara ao longo do litoral.
Trabalhando com força e perseverança impressionantes, a vida transformou uma
paisagem feia e estéril num lugar bonito e acolhedor.
Num universo cujo desejo de experimentar e criar parece tão inevitável, é importante
perguntar a razão disso. Por que a novidade e a experimentação são tão
estimuladas? Por que a vida busca organizar-se com outras vidas?
Quando os seres vivos se unem, eles formam sistemas que criam mais
possibilidades e dão mais liberdade aos indivíduos.
É por isso que a vida se organiza e busca sistemas -para que um número maior de
seres medrem e se desenvolvam.
a organização como
uma brincadeira
A vida é criativa. Ela explora a si mesma brincando, para descobrir o possível. Será
que podemos trazer esse jogo criativo do mundo para a nossa vida em
organizações?
Muitas vezes, a vida se nos afigura como uma série de provas que nos são
impostas por professores hostis, mas isso não é verdade. A vida não está
escondendo as soluções dos nossos problemas; nós não estamos passando por um
teste para ver se chegamos à resposta correta. A verdade é que a vida está
experimentando para ver o que funciona, para sentir o prazer daquilo que é singular
e inesperado.
Quando foi que as oportunidades começaram a parecer tão limitadas? Quando foi
que começamos a crer em "golpes de sorte", raras oportunidades que prontamente
se fecham?
Muita gente criou vidas e organizações que dão muito pouco apoio à
experimentação.
Nós achamos que as respostas já existem fora de nós, independentes de nós. Não
precisamos experimentar para ver o que funciona; só precisamos encontrar a
resposta. Então vamos em busca de outras organizações, de especialistas, de
relatórios. Transformamo-nos em detetives dedicados, procurando soluções e
tentando impô-Ias a nós mesmos e a nossas organizações.
Poderíamos dar uma base maior para a nossa experimentação se nos voltássemos
para a descoberta de soluções "bastante boas" que funcionassem "por enquanto".
Com um campo mais amplo de escolha, sem nenhuma resposta exigindo o direito
de ser reconhecida como a última e a mais correta, podemos nos sentir menos
apegados às soluções. Se elas não exigissem um investimento tão grande de
recursos, egos e certezas, nós nos sentiríamos mais livres para abandoná-las
quando elas deixassem de funcionar. As pessoas teriam mais liberdade para reagir,
criativamente ao fluxo de acontecimentos e exigências, em vez de ficarem travadas
pela lealdade cega a uma solução aceita por todos, mas ineficiente. A agilidade e a
liberdade criativa manifestam-se mais facilmente quando nos concentramos no que
funciona, e não no abstratamente correto.
Kevin Kell , teórico da ciência, descreve esses sistemas como "um fluxo desor
ganizado de acontecimentos interdependentes... O que surge da coletividade não é
uma série de ações individuais críticas mas, uma multiplicidade de acões
simultâneas cujo padrão coletivo supera em muito a importância individual delas".
Os sistemas paralelos não têm medo de errar. os erros são esperados, estudados,
acolhidos. Uma quantidade maior de erros cria uma quantidade maior de
informações, o que resulta numa capacidade maior de resolver os problemas. 0 erro
individual não se avulta, pois, embora haja mais erros individuais, eles não estão
ligados entre si. Isso já não ocorre no sistema serial, mais conhecido, no qual as
atividades dependem umas das outras em sequências graduais rígidas e onde o
nosso trabalho depende totalmente daquilo que os outros já fizeram. No sistema
serial, um erro pequeno pode arruinar todo o sistema. No verão de 1990, o serviço
telefônico interurbano dos Estados Unidos apresentou vários problemas de
funcionamento. Pa que este sistema serial entrasse em operação, foram
necessários dois milhões de linhas de código; para derrubá-Io, bastaram três linhas.
A simultaneidade reduz os efeitos de qualquer erro. Não importa que haja mais
erros, desde que os elementos não estejam ligados sequencialmente. O espaço de
experimentação aumenta à medida que mais mentes se envolvem na experiência,
desde que elas possam operar independentemente. O que vincula as pessoas é o
fato de todas estarem voltadas para a busca de uma mesma solução necessária.
As empresas que fazem esse jogo estão sempre alertas. São abertas às
informações, sempre buscam mais, anseiam pelas surpresas.
a organização
a forma
que as coisas Vão assumir para se manifestar
A vida tende à ordem. Em toda a parte, vemos vidas combinando-se com outras
vidas. O universo inteiro pulsa com forças de atração que conclamam oS seres a
juntar-se para formar todoS mais unificados. A história da vida no nosso planeta é
uma história de organização, desorganização e reorganização. A vida se abre a
novas possibilidades através de novos padrões de ligação entre os seres.
Não são só os seres vivos que apresentam essa tendência para se organizar. É
verdade que a ciência tem tido cada vez mais dificuldade para distinguir o que é vivo
daquilo que não O é; mesmo assim, pouca gente diria que as lâmpadas elétricas
são uma forma de vida. Ora, descobriu-se que as lâmpadas elétricas apresentam a
incrível tendência de se auto-organizar quando ligadas a outras lâmpadas. Stuart
Segundo Kauffman, vivemos num universo onde a ordem nos vem "de graça".
Por que a vida busca a organização? Por que ela opta por relacionamentos
complexos, teias densas que não podem ser desemaranhadas? Por que a vida não
escolheu relacionamentos simples ou indivíduos isolados?
A vida busca a organização para que mais vida possa surgir e se desenvolver. Os
sistemas são favoráveis à vida. Eles proporcionam apoio, estabilidade e mais
liberdade para a experimentação individual.
Quando pode compartilhar o que aprendeu, a vida dá um salto à frente. A densa teia
de sistemas permite que as informações viajem em todas as direções, acelerando a
descoberta e a adaptação.
Dez por cento do peso do nosso corpo, sem levar em conta os líquidos corporais,
são bactérias, microorganismos que, ligados a nós, nos tornam possíveis. A grande
população que habita o nosso sistema digestivo compõe uma ecologia que já foi
chamada de "frenética, ecléticaI tumultuosa". Margulis e Sagan dizem que todos os
organismos complexos evoluíram graças a esses empreendimentos tumultuosos,
mas cooperativos.
O mundo sabe o que fazer para criar a si mesmo. Nós somos, ou podemos ser,
seus bons parceiros nesse processo.
a organização enquanto
organização
O incitamento à organização é extremamente profundo. A história da vida é uma
história de organização, desorganização e reorganização. A vida se abre a novas
possibilidades através de novos padrões de ligação.
A cultura analítica causa-nos tanta ilusão que é difícil ver a capacidade de auto-
organização em nós e nos outros.
Aqueles que não estão diretamente envolvidos no trabalho delas podem deixar de
se preocupar com os projetos; podem deixar de crer que são os seus cronogramas
que fazem as coisas acontecer, ou que os seus programas de treinamento mudam o
comportamento da organização.
Os padrões e estruturas surgem na medida em que nós nos ligamos uns aos outros.
Mesmo as ligações mais simples produzem padrões organizados de
comportamento. A vida sempre se organiza em redes de relacionamentos, fiando
teias densas que não podem ser desemaranhadas. À medida que nos organizamos,
precisamos investigar continuamente a qualidade dos nossos relacionamentos. O
quanto temos de acesso um ao outro? Quanto de confiança existe entre nós? Quem
mais deveria estar nesta sala?
Mas, nas organizações que criamos, esse desejo de organização assume formas
estranhas. Nós queremos gerar mais capacidade, mas a limitamos através de
prescrições e fórmulas. Determinamos o grau de contribuição de que precisamos e
depois projetamos as funções produtivas. Tentando submeter a contribuição
humana a uma espécie de engenharia, nós estabelecemos metas de desempenho e
pedimos que as pessoas se conformem àquilo que esperamos delas. Nós as
congelamos em suas funções.
Num mundo que organiza a si mesmo, esse tipo de engenharia só pode ter uma
qualificação: a loucura. Por que limitarmo-nos à estreiteza das nossas previsões e
poder as capacidades dos nossos colegas? Por que não tentar estimular
mutuamente a nossa criatividade? Por que não levar em conta a possibilidade de
uma contribuição acima da prevista, uma vez começado o trabalho?
É irônico comparar a busca da vida por uma capacidade cada vez maior com os
nossos mesquinhos projetos de realização; mas há ainda outra ironia: apesar do
nosso esforço de engenharia e controle, as pessoas à nossa volta já estão se auto-
organizando para levar a efeito o trabalho. Em toda atividade humana organizada, a
auto-organização ocorre o tempo todo.
Nós a vemos, por exemplo, naqueles colegas que se decidem a fazer tudo o que for
necessário para resolver um problema, ou na maneira pela qual as pessoas se
associam de forma inesperada e não-planejada nas épocas de crise.
Como seria libertador se reconhecêssemos a auto-organização! Então, poderíamos
apoiar uns aos outros naquilo que realmente somos.
Na vida, os sistemas criam condições tanto para a estabilidade quanto para a
descoberta pessoal. T rata-se de um paradoxo belo e intricado. Nós nos ligamos aos
outros e ganhamos proteção contra a turbulência externa; nós nos tornamos parte
de algo maior e por isso adquirimos mais liberdade para fazer experiências com nós
mesmos. Se não exercitamos essa liberdade de mudar, a organização não pode
manter sua estabilidade.
Eis um outro ponto de vista a partir do qual se pode contemplar um caminho mais
simples. A estabilidade está na liberdade, não no conformismo e na aceitação
passiva. Há quem pense que a sobrevivência da organização depende da
descoberta da forma perfeita e da exigência de que todos se amoldem a ela; mas a
continuidade da forma não é estabilidade. É a liberdade individual que cria sistemas
estáveis, e são as diferenças que nos permitem prosperar.
A auto-organização nos chama a um trabalho diferente; ela nos chama a uma nova
parceria com as forças criativas do mundo. Carregamos conosco antigas
concepções de como o mundo funciona; pensamos que a competição e a
dominação são elementos de suprema importância e que a nossa sobrevivência
depende de uma luta contínua. Mas a verdade é que o mundo está perpetuamente
em busca de sistemas. Contemplando a vida sob o prisma dos sistemas de
organização que ela adora criar, vemos um mundo que não pode ser compreendido
pelo enfoque da luta e da competição.
A vida busca moldar-se em sistemas para que mais seres possam florescer. O
negócio da vida é a criação de mais vida. É interessante observar esse fenômeno
no modo pelo qual um sistema cria "nichos" -áreas ou talentos específicos que são
distribuídos com demarcações claras de propriedade. No mundo dos negócios, os
nichos são vistos como questão de estratégia competitiva: nós nos aconselhamos a
que cada qual encontre a sua própria contribuição singular e a apresente ao mundo;
falamos da necessidade de conquistar o nosso próprio espaço, vencendo os outros,
e de dominar o mercado; observamos a diferenciação existente na natureza e a
interpretamos como a chave para a vantagem sobre a concorrência; vemos a
especialização extrema como o caminho que leva à supremacia.
Em outras palavras, essa definição reduz a competição. Até Darwin acreditava que,
à medida que as espécies exploram a mais eficiente divisão dos recursos entre elas,
a competição diminui e a natureza se torna "mais diversificada".
Temos dificuldades para entender esse processo de especialização que visa que os
seres continuem vivendo juntos. Nos explicamos o universo da organização de
Mas os sistemas vivos não podem ser explicados pela competição. Margulis e
Sagon observam que as espécies brutais e violentas sempre se destroem, legando
ao mundo ‘aquelas que aprenderam a conviver. “As espécies destrutivas vêm e vão,
mas a cooperação em si aumenta com o tempo.”
A idéia de evolução como sobrevivência dos mais aptos impediu-nos de ver a co-
evolução. Nós não somos agentes independentes que lutam, cada um por si, contra
todos os outros; não há um mundo hostil lá fora que planeia a nossa derrocada; não
há um "lá fora" a ser ocupado por alguém. A verdade é que somos absolutamente
entreligados e estamos sempre buscando condições de convivência com os outros.
Cada um de nós desempenha um papel essencial na moldagem do comportamento
dos outros. Nós selecionamos certas características e comportamentos; os outros
reagem a nós; a reação deles nos muda. Estamos todos juntos e co-determinamos
mutuamente as nossas respectivas condições de existência.
Quando vemos a vida como um torneio brutal travado entre entidades separadas,
acabamos por ver somente a contribuição individual e a mudança individual. Essa
visão de mundo não só nos causa o sentimento de medo e isolamento como
também nos leva a ansiar pela existência de heróis. Se a evolução é resultado da
mudança que ocorre nos indivíduos, o que precisamos é de alguns indivíduos que
sejam mais espertos que a natureza e derrotem a concorrência. Mas, num mundo
co-evolutivo, pró-sistêmico, a figura do herói não existe; não existe sequer a do líder
o eu
Pelo fato de o sistema vivo produzir a si mesmo, decidindo o que vai ser e como vai
operar, ele goza de imensa liberdade; é livre para criar-se como bem desejar. No
Esse processo circular de auto-referência também explica o modo pelo qual vemos
o mundo. Em sua obra sobre o conhecimento humano, Maturana e Varela afirmam
que, a todo momento, aquilo que vemos é influenciado sobretudo por aquilo que
escolhemos ser. Não se trata de um processo simples em que os olhos captam a
informação do mundo exterior e a transmitem ao cérebro. A informação transmitida
de fora pelo olho só compõe cerca de 20 % daquilo que usamos para criar uma
percepção. Pelo menos 80 % das informações com que o cérebro trabalha já estão
no próprio cérebro.
Cada um de nós cria o seu mundo através daquilo que escolhe perceber, criando
um universo de distinções que fazem sentido para si. Então, a pessoa "vê" o mundo
através desse eu que ela criou. A informação que vem do mundo exterior é uma
influência subalterna. Nós fazemos a interligação entre aquilo que somos e
quantidades selecionadas de informações novas para consubstanciar a nossa
versão particular da realidade.
Uma vez que a informação vinda do exterior desempenha papel tão pequeno na
nossa percepção, Maturana e Varela fazem uma observação muito importante sobre
as atividades que envolvem a nossa pessoa e mais alguém. Dizem eles que
ninguém pode comandar um sistema vivo. Só se pode perturbá-Io. Enquanto
agentes externos, nós só proporcionamos pequenos impulsos de informação. Nós
podemos incitar, excitar ou provocar o outro de modo a levá-Io a um novo modo de
O trabalho deles sobre o conhecimento humano reforça a idéia de que todos nós
somos sempre poetas, explorando possibilidades de significado num mundo que
também está perpetuamente explorando possibilidades.
A compreensão do fato de que a vida sempre se refere a si mesma nos faz entender
o processo pelo qual a mudança pode ocorrer numa pessoa, organização,
ecossistema ou nação. I oda mudança é estimulada por uma mudança na
autopercepção. Nós só mudamos o nosso eu quando achamos que a mudança vai
preservar o nosso eu. Quando não conseguimos encontrar a nós mesmos numa
nova versão do mundo, somos incapazes de mudar. Temos de conseguir ver que
aquele que somos poderá existir na nova situação.
Desse modo, só podemos influenciar uns aos outros ligando-nos àquilo que já
somos. Todo ato de organização ocorre em torno de uma identidade. A mudança só
ocorre quando nós nos identificamos com ela.
Esse processo de autocriação tem sido estudado desde os primórdios por todos os
mestres espirituais e, mais recentemente, pelos cientistas. O que vem ao mundo é
uma diferença, um desejo de ser algo separado. De um campo unificado surgem
noções individuais de eu. Esse processo, como todos aqueles que descrevem o eu,
é paradoxal e instigante. Primeiro, aparece algo que não tem antecedentes
conhecidos. De onde se origina o eu que está se organizando? Por que ele procura
separar-se do campo unificado? Por que esse movimento rumo à diferenciação tem
início? Essas perguntas, tão antigas quanto o ser humano, não parecem ainda ter
encontrado respostas. Tanto os sábios quanto os cientistas limitam-se a dizer que
foi a partir daí que se originou o mundo tal como o conhecemos: na idéia de
separatividade. Tudo o mais se segue a esse ato de demarcar uma fronteira entre o
eu e o outro.
Mas eis outro paradoxo: para existir, o eu precisa criar uma fronteira; não obstante,
nenhum eu pode sobreviver isolado por trás da fronteira que ele cria. Se não se
lembrar da sua ligação com o todo, o eu morre.
Nós buscamos uns aos outros. Os seres separados se unem para criar seres mais
complexos. A separatividade que pensávamos estar criando se desfaz na dança
Quando nos ligamos aos outros, nos colocamos diante de outro paradoxo. Abrindo
mão de uma parcela da nossa liberdade, nós nos abrimos a formas ainda mais
criativas de expressão. Esse estado do ser foi chamado de comunhão, porque,
embora preservado o eu, cada ente perde a sua separatividade ou solidão. Aquilo
que damos aos outros é a nossa auto-expressão. Não obstante, o significado
daquilo que somos muda por intermédio da nossa comunhão com eles. Ainda nos
identificamos como "eu"; mas descobrimos um novo significado e novas
contribuições, e já não somos os mesmos.
À medida que os sistemas vão se formando num universo criativo, cada vez mais
coisas vão se tornando possíveis. Além da comunhão, os sistemas nos oferecem a
possibilidade de nos tornar algo diferente e muito maior do que aquilo que éramos
antes. "A evolução é o resultado de transcender a si mesmo", diz o físico Erich
Jantsch. Nós atravessamos as fronteiras daquilo que éramos e descobrimos uma
maneira de ser totalmente nova.
T oda vez que discernimos algo como uma presença identificóvel, nós estamos
observando os resultados da atividade consciente de outro ser e usando a nossa
própria consciência para observó-los. Embora se possa discordar quanto ao que é a
consciência, de onde ela se origina e por quê, de que outra maneira se poderia
descrever o processo constante de auto-referência que nos torna visível tudo aquilo
que vemos?
eus em organização
A tendência que a vida tem de se organizar é sempre um ato de criação. Nós nos
ligamos aos outros para criar um novo ser; nós nos ligamos para que o mundo
cresça com novas possibilidades.
Todo eu é visionário. Ele quer criar um mundo onde possa prosperar. O mesmo
ocorre com as organizações. Toda organização se conclama à existência por meio
da crença de que algo mais poderá ser realizado mediante a união com os outros.
No coração de toda organização há um eu que busca alcançar novas possibilidades.
Isso não significa que todas as iniciativas de organização sejam boas e saudáveis.
Nossa identidade pode ser protetora e com tendência ao exclusivismo, ou perigosa
para os outros. Mas todo ato de organização é a expressão de um eu que concluiu
que não pode se realizar
sozinho. Nós nos organizamos para que a nossa vida tenha significado e um rumo
mais definido; sempre nos organizamos para reafirmar e enriquecer a nossa
identidade.
Talvez seja estranho perceber que a maioria das pessoas tem o desejo de gostar
das organizações a que pertencem. Elas gostam da finalidade da sua escola, do
grupo comunitário, da empresa. Elas gostam daquela identidade que está tentando
se expressar; ligam-se à visão que está se fundamentando, e se organizam para
criar um mundo diferente.
Como criar organizações que continuem vivas? Como criar organizações que não
nos 5ufoquem com seus ditames de controle e obediência? A resposta é clara e
simples. Precisamos confiar no fato de que nós temos a capacidade de organizar a
nós mesmos e precisamos criar condições que favoreçam o florescer da auto-
organização.
Vivemos num mundo em que a atração está em toda a parte. A organização quer
acontecer. As pessoas querem que sua vida tenha significado e buscam umas às
outras para desenvolver novas capacidades. Na presença desses maravilhosos
desejos inatos que nos chamam à organização, podemos nos dar ao luxo de não
nos preocupar com o projeto de estruturas ou regras perfeitas. O que deve chamar a
nossa atenção é o modo como criar uma identidade nítida e coerente, um eu em
torno do qual possamos nos organizar.
Nas organizações, como nas pessoas, a identidade tem muitas dimensões. Cada
dimensão ilumina um aspecto daquilo que a organização é. As dimensões da
identidade são, entre outras, a história, os valores, as ações, as crenças
fundamentais, as habilidades, os princípios, a finalidade, a missão. Nenhuma
dimensão por si só nos diz quem é a organização. Algumas são declarações daquilo
que a organização gostaria de ser; algumas revelam quem ela realmente é. Mas, no
conjunto, elas contam a história de um eu e da sua caminhada através de um
mundo que ele mesmo criou.
A identidade é a fonte da organização. T oda organização é uma identidade em
movimento, caminhando pelo mundo, tentando deixar nele a sua marca. Por isso, a
obra mais importante a ser feita ao iniciar um esforço de organização consiste em
que os membros se estimulem a investigar a finalidade que os move. Eles precisam
investigar o porquê de terem se reunido. Qual a relação entre a finalidade desse
esforço e a própria organização? Qual a relação dela com as esperanças e desejos
individuais? A finalidade é ampla o suficiente para abarcar as contribuições de
todos?
A maior parte dos esforços de organização não começa com essa atitude.
Ocupadíssimos, os membros inventam inúmeros projetos e procedimentos para
garantir sua permanência juntos; desenvolvem técnicas para policiar e obrigar uns
aos outros a adotar tais e tais papéis e comportamentos; preocupam-se com
cronogramas, subordinações e sistemas de prêmios. Mas, se reservassem algum
tempo para embasar seu trabalho nas profundas ligações que os unem, pasmariam
perante a energia e as contribuições que seriam oferecidas de boa vontade.
Quer estejam iniciando um relacionamento, uma equipe, um centro de serviços
comunitários ou uma empresa multinacional, eles devem, juntos, se perguntar: O
que estamos tentando ser? O que é possível agora? Em que o mundo poderia ser
diferente devido à nossa presença?
Essa clareza cria a ordem por meio da liberdade. Esse paradoxo se evidencia no
fenômeno dos q atratores estranhos. Na teoria do caos, os atratores estranhos são
os padrões revelados pela ordem inerente ao caos. O sistema caótico vaga
loucamente por diversos estados, sem jamais se repetir. Cada comportamento é
novo e imprevisível; a todo momento, o sistema tem liberdade para experimentar.
Não obstante, essa experimentação tem uma geografia oculta. Algo de
desconhecido restringe o seu vagar e o sistema reage mantendo suas explorações
dentro de certos limites. O atrator prende o sistema a um certo terreno, a uma certa
forma.
Sempre no espaço dessa visão, a paixão está à espera de que nós a notemos. As
pessoas querem gostar da organização a que pertencem. O teólogo católico David
Steindl-Rast escreve: 110 amor é dizer 'sim' ao ato de pertencer.
E quanto àqueles que estão presos em organizações inóspitas? A cada dia eles
oferecem menos; retiram o seu amor da organização e o dão, de boa vontade, a
outros aspectos da vida.
A maioria das pessoas é criativa e busca dar significado à própria vida. À medida
que caminhamos pela vida, não queremos nos tornar cada vez menores.
Precisamos de lugares que nos alimentem as paixões, lugares que permitam que
nos tornemos maiores. O trabalho é um desses lugares. Em vez de nos condenar
como irresponsáveis, desleais ou desleixados, nossas organizações precisam tomar
consciência do quanto elas se afastaram de nós. O poeta David Whyte diz que
nenhuma organização, por maior que seja, é grande o suficiente para conter uma
única alma humana.
Esse paradoxo cria para nós um dilema. Por um lado, se estivermos dispostos a nos
juntar àqueles que parecem estranhos, diferentes, até transviados, podemos buscar
a capacidade maior que os sistemas nos oferecem. Por outro lado, podemos preferir
nos proteger contra os elementos diferentes, que nos causam medo, e aprisionar-
nos numa vida de separatividade e deterioração. A escolha parece óbvia; no
entanto, continuamos preferindo a separatividade aos sistemas.
O desejo pró-sistêmico da vida nos conclama a trabalhar com a sua diversidade. Ele
pede que o sentido e a capacidade das nossas organizações sejam enriquecidos
pelas diferenças existentes entre os membros. Ele pede, além disso, que
evoquemos corajosamente uns nos outros as profundas emoções que sentimos
quando damos finalidade e significado à nossa vida; que nós tenhamos fé em que,
por meio das diferenças, poderemos descobrir uma identidade unificante.
Nada disso é fácil, pois é muito diferente do que fizemos até agora. Nós nos
identificamos como seres separados e tentamos nos proteger uns dos outros;
usamos as regras e regulamentos como armas para lutar pela nossa própria
segurança. Mas não há segurança na separação. Em um mundo pró-sistêmico, só
encontramos o bem-estar quando nos lembramos de que estamos todos juntos no
mesmo barco.
manifestação
emergente
procuro as formas
sob as quais as coisas vão querer surgir
de abismos negros de possibilidade,
o como uma coisa vai se desdobrar:
As pessoas se organizam para fazer mais do que fariam sozinhas. Nós buscamos
uns aos outros porque queremos realizar algo. Então, a vida nos surpreende com
novas capacidades. Até o momento em que nos organizamos, não podemos saber o
que realizaremos juntos nem planejar o que queremos ser. Quando nos unimos, a
novidade e a criatividade surgem do nada e nos deixam pasmados. " A surpresa
dentro da surpresa de cada nova descoberta é que existe sempre mais a ser
descoberto.
Um sistema é uma rede fluida de relacionamentos que nós vemos como uma
estrutura rígida. Se olharmos além dessas estruturas, veremos que os sistemas
ganham vida através de acordos que os indivíduos firmam entre si sobre a melhor
forma de viverem juntos. Dessa multiplicidade de experiências individuais, pode ser
que um sistema apareça de repente. Os indivíduos não sabiam que estavam criando
um sistema; só estavam tentando acertar os detalhes do seu relacionamento com o
próximo. Mas dessas atividades localizadas é que nascem os sistemas, estruturas
estabilizadas e dotadas de uma capacidade nova.
Nosso sucesso, porém, foi bem pequeno. O mundo é muito cioso dos seus próprios
processos de invenção. Ele busca descobrir o possível e nos incentiva a tentar
novas associações para ver o que funciona. Quais as habilidades e capacidades
que se põem à nossa disposição quando iniciamos um relacionamento? Do que
somos capazes, agora que estamos juntos?
O mundo emergente pede de nós uma postura diferente. Já não podemos situar no
fim de um caminho que visualizamos em detalhe e planejar as coisas de trás para a
frente, a partir desse futuro previsto. Temos de nos situar no início, com intenções
bem claras e disposição de nos dedicar à descoberta. O mundo pede que não nos
A manifestação emergente é uma experiência tão comum que o fato de nós não a
reconhecermos é surpreendente; é absurdo ainda pensarmos que toda a existência
do mundo tem de ser planejada. Quantas empresas humanas atingem o seu
objetivo por meio de planos precisos que vão desenrolando-se passo a passo,
segundo a mente dos que as planeiam? Examinando qualquer atividade humana
que deu certo, vemos que o que levou ao sucesso foi a capacidade recém-
descoberta das pessoas, que se iuntaram e inventaram uma maneira nova de fazer
as coisas, explorando novos domínios de engenhosidade, reagindo ao momento e
mudando no decorrer do caminho.
Todo ato de organização é uma experiência. Começamos com um deseio, com uma
noção de finalidade e direção. Mas entramos na experiência abertos, sem um manto
ilusório de previsões que nos proteja. Reconhecemos que não sabemos de que
modo as coisas vão se desenrolar. À medida que caminhamos, vamos descobrindo
aquilo de que somos capazes. Para essa experiência, nós nos unimos aos outros e
nos comprometemos com um sistema cuia eficácia só pode ser avaliada depois que
ele se põe em movimento.
Todo ato de organização é um ato de fé. Nós esperamos por coisas que não se
vêem, mas que são verdadeiras.
O que fazer com a surpresa? O que fazer com um mundo que não pode ser
conhecido até o momento em que ele mesmo começa a se descobrir? Isso requer
uma consciência constante, uma presença de espírito, uma vigilância dirigida àquilo
que está começando a se tornar visível. É preciso reparar naquelas coisas que não
estávamos procurando, naquelas coisas que não considerávamos importantes, nas
influências em que não havíamos pensado, nos comportamentos que não havíamos
previsto.
O mundo emergente nos convida a usar a mais humana das nossas capacidades: a
consciência. Ele nos pede que estejamos alertas para o que está acontecendo
agora. O que está acontecendo neste momento? O que podemos fazer com isso
que acabamos de aprender?
Nossos planos nada são comparados com aquilo que o mundo nos dá
espontaneamente.
organização emergente
Examinando os esforços que fizemos para mudá-Ias, vemos mais o fracasso do que
qualquer outra coisa. Por quase meio século, tentamos influenciar as organizações.
Ainda não sabemos como elas mudam; só sabemos que mudam. Muitas pessoas
bondosas e inteligentes se envolveram nessa busca, cujo fracasso não se deve,
portanto, a uma falta de capacidade ou dedicação.
Quando tantas pessoas hábeis falham, isso só pode significar que elas estão
buscando as respostas no lugar errado. O acúmulo de detalhes e um rigor cada vez
maior não revelam a sabedoria. É preciso entrar num mundo novo ver as
organizações com novos olhos. É preciso compreender, em suma, que nós vivemos
num mundo emergente, que favorece a manifestação do novo a partir de elementos
preexistentes. Quando nos unimos, sempre encontramos novas capacidades.
Os sistemas são redes fluidas de relacionamento que nós vemos como estruturas
rígidas. São emaranhados, extravagantes, não-lineares, desordenados. Sendo teias,
não podem ser conhecidos através das formas tradicionais de análise. Como
O motivo pelo qual fazemos essas avaliações não é uma curiosidade quanto aos
muitos modos pelos quais as pessoas se relacionam com a vida. Nós analisamos as
pessoas porque queremos controlá-las e precisamos prever o que vai acontecer. O
Mas essas formas materiais são enganosas. Elas nos induzem a crer que podemos
mudá-Ias substituindo-as por outras formas. Quando não gostamos da estrutura de
um sistema, projetamos uma estrutura nova. Quando o comportamento de um
colega nos irrita, nós o enviamos a um seminário de treinamento.
Nos sistemas inspirados pela confiança, por outro lado, as pessoas são livres para
criar os relacionamentos de que necessitam. A confiança permite que o sistema se
abra e se amplie para incluir aqueles que haviam sido excluídos. Cada vez mais, as
conversas -pontos de vista diversos e divergentes -se tornam importantes. As
pessoas decidem trabalhar junto com aqueles de quem haviam sido separadas.
O sistema vive em seu próprio mundo, um mundo cujo significado ele mesmo criou.
Ele se torna aquilo que é por meio daquilo que escolheu ser. Todo sistema toma a
forma do eu que ele criou.
Existem, porém, outras organizações cujas identidades são claras e nítidas, mas
curiosas. Elas exploram o mundo a partir da compreensão de quem elas são, mas
não deixam de se perguntar quem mais elas poderiam ser. Essas organizações
investigativas tomam forma de maneira diferente. Elas não se enrijecem; as
estruturas são mais temporárias, indo e vindo para atender às necessidades do
presente. As equipes se formam por uma razão específica e se desmontam quando
o trabalho termina. Os relacionamentos não seguem regras prescritas; eles se
manifestam de acordo com a necessidade. A informação caminha
independentemente por toda a organização, estimulando a visão e a contribuição
em lugares inopinados.
movimento coerente
A vida toma forma a partir desse movimento incessante; mas os movimentos da vida
têm direção. A vida caminha rumo à vida. Nós buscamos a ligação com os outros e
restauramos a integridade do mundo. Vidas aparentemente separadas ganham
sentido quando descobrem o quanto são necessárias umas para as outras. Esse
sentido se expande quando elas se juntam aos movimentos coerentes da vida e se
aprofunda quando elas passam a participar dessa dança cósmica.
O universo está em movimento, criando cada vez mais espaço à medida que a
energia se espirala para fora, rumo a um vazio que é preenchido com novas
estrelas.
Esses movimentos da vida têm uma direção. A vida se move rumo à integridade e à
totalidade; ela quer a coerência. T rata-se de uma viagem paradoxal que tende para
uma direção bem definida. Ela é paradoxal porque o caminho primeiro parece
afastar-se da totalidade para desenvolver um eu singular e solitário. Mas a própria
criação de eus singulares é um exemplo de coerência. Não existe um que não faça
sentido. O eu cria um mundo e uma identidade que lhe parecem coerentes. Do mar
infinito das possibilidades, ele escolhe aquilo que quer perceber e o modo pelo qual
quer reagir. Todos os seres vivos são criados por intermédio desse processo de
percepção e reação. Quando olhamos para um determinado ser vivo, o que vemos é
a sua coerência particular, a lógica que ele usou para se criar.
A vida quer acontecer; ela não pára nunca. Toda vez que tentamos contê-la ou
interferir com a sua necessidade fundamental de se expressar, nós nos metemos
em apuros. Muitos dos dilemas da nossa época vêm da nossa incapacidade de
reconhecer e amar a incessante ânsia de ser da vida e sua inesgotável capacidade
de adaptação.
Mesmo nas organizações já existentes, que projetamos para que fossem fixas e
rígidas, os movimentos de coerência nunca cessam. As pessoas estão sempre se
dedicando aos movimentos de autocriação. A autocriação pode ter dois sentidos: ou
ela espirala para dentro, tornando-se menor e mais segura, ou se expande em
direção ao mundo para descobrir a novidade. Mas o desejo de ser não pode ser
contido. Os eus jamais cessam de se criar.
Estamos sempre buscando o sentido daquilo que fazemos. Nós o encontramos nas
pequenas tarefas, nas grandes causas e nos relacionamentos. Qualquer que seja a
forma, o desejo de criar uma vida cheia de significado é uma corrente irresistível em
todas as organizações.
O próprio ser humano se encurralou num canto, onde está tremendo de medo.
Chegamos a crer que, para sobreviver, temos de controlar tudo; não podemos
deixar o mundo entregue a si mesmo nem sequer por um instante. Com medo das
pessoas, impomos sobre elas um controle impiedoso. Com medo da mudança,
preferimos a mesquinhez dos nossos planos à surpresa da manifestação
emergente. Lutamos para domar e conter as energias básicas da vida, em especial
o desejo natural que as pessoas têm de associar-se, de criar, de contribuir.
Ninguém tentaria controlar a força criativa que dá forma às estrelas. Por que pensar
que os desejos que dão forma aos seres humanos estão mais sujeitos ao nosso
controle? Por que pensar que esse controle tem alguma utilidade?
Depois de anos e anos nos defendendo contra a vida e buscando sistemas mais
poderosos de controle, nós nos sentamos exaustos sobre as estruturas rígidas das
organizações que criamos e nos perguntamos o que aconteceu. O que aconteceu
com a eficiência, a criatividade, o sentido da vida? O que aconteceu conosco? A
tentativa de mudar essas estruturas torna-se o desafio da nossa vida. Planejamos o
futuro delas e redesenhamo-las em formas melhores; nós as cutucamos e
empurramos. Como meio de mudança, tentamos o medo e a provocação.
Escolhemos ferramentas e instrumentos, estudamos diversas técnicas, fazemos uso
de tudo quanto conhecemos e não chegamos a nada. O que aconteceu?
A vida convida cada ser humano a ser o seu parceiro nesses movimentos
coerentes. Para alguns, esse convite é extremamente bem-vindo; outros viveram
tanto tempo guiados por crenças contrárias que ficam alarmados com a idéia. Não
obstante, não há nenhum ser humano que desconheça absolutamente esse mundo
de movimento que acabamos de ver. Também nós, como toda a vida, temos em nós
esses grandes movimentos criativos. Temos a capacidade natural de ser parceiros
da vida. O convite de união com ela leva-nos de volta ao mundo verdadeiro e evoca
aquilo que temos de melhor.
Essa atenção cuidadosa advinha de uma visão de mundo diferente, pois estava
arraigada no medo. Ficávamos à espreita -não para descobrir a novidade, mas para
evitar as surpresas. Ficávamos à espreita para não perder o controle, nunca para
aprender a participar inventivamente da dança do mundo.
O chamado a uma consciência mais ampla tem outra origem. O que exige a nossa
consciência é este mundo de novidade constante. A maravilhosa capacidade
humana de reflexão e aprendizagem, embora não seja apanágio da nossa espécie,
é uma das maiores contribuições que damos à vida. Essa capacidade não tem como
finalidade a sobrevivência, mas uma contribuição da mente humana à vida.
As organizações humanas não são as máquinas sem vida que gostaríamos que
fossem. Não podemos instruí-Ias com nossos planos ou visões, nem podemos
dizer-Ihes o que fazer. Os sistemas vivos e auto-organizativos fazem por si mesmos
a maior parte daquilo que, no passado, nós queríamos fazer para eles. Eles criam
as respostas, a estrutura necessária, o sentido. Não estamos falando aqui de um
sistema anárquico que faz o que bem entende. Estamos falando dos novos papéis
que devem ser assumidos pelas pessoas que querem começar a colaborar com o
sistema.
É assim que se comportam os sistemas. A única escolha que eles nos deixam é a
de assumir o papel de experimentadores interessados, que emitem informações
pelo sistema afora para ver o que ele decide notar. Podemos provocá-lo ou
perturbá-Io, e depois observar a reação dele.
Dessa maneira, aprendemos sobre o sistema e sobre o que ele é capaz de fazer.
Mesmo esse conhecimento, porém, é temporário. O sistema vai continuar
surpreendendo a si mesmo e a nós com suas capacidades emergentes.
Qualquer tentativa de impor uma solução gerada por outro sistema, qualquer
tentativa de transferir um programa de um lugar para outro não é apenas perda de
tempo; é uma ofensa ao sistema. Sendo dotado de capacidades criativas e de
discernimento, por que ele deveria aceitar, mesmo momentaneamente, uma solução
que resultou da criatividade de outro sistema? Por que ele não deve insistir em suas
próprias visões e planos?
Na prática, todos os sistemas insistem em exercer sua própria criatividade. Eles
nunca aceitam soluções impostas, planos predeterminados ou projetos bem
articulados que tenham sido gerados em outro lugar. Muitas vezes, essa recusa é
interpretada como uma resistência. Nós dizemos que as pessoas t~m uma
Os sistemas criam a si próprios e andam por caminhos que eles mesmos abrem.
Quando queremos influenciar os rumos de um sistema -desejo normal no trabalho
com organizações humanas -, o que se deve trabalhar é a dinâmica profunda do
sistema, onde a identidade toma forma. Todo ser, toda organização, é uma
identidade em movimento que se cria no mundo e ao mesmo tempo cria o seu
mundo. A identidade de um sistema pode voltar-se para si mesma e ficar rígida e
fechada; ou também pode expandir-se para o mundo, explorando novas maneiras
de ser. Mas ela está sempre engajada no processo de autocriação que põe em
movimento a organização e cria as formas e comportamentos exteriores da
instituição visível.
Quando queremos mudar aquilo que tomou forma, temos de explorar o eu que criou
aquilo que vemos. Toda mudança -quer individual, quer da organização -exige uma
mudança na concepção que norteia a ação do sistema. É preciso olhar para a
identidade do sistema, para o eu através do qual ele percebe e cria.
O eu muda toda vez que ele muda a consciência que tem de si mesmo. Isso vale
para qualquer sistema -indivíduos, empresas, sociedades. À medida que o sistema
desenvolve uma nova consciência, ela se materializa em novas formas de reação.
Quando o sistema não consegue atribuir novos significados a si mesmo e às suas
partes, ele não muda. Por isso, a fonte da mudança e do crescimento dos indivíduos
e das organizações é o desenvolvimento de uma consciência maior de quem eles
são agora. Se refletirmos juntos sobre quem somos e em que nos queremos tornar,
estaremos entrando no território propício à mudança. Seremos levados a explorar
nossos acordos de associação, os princípios e valores que manifestamos no
comportamento, as finalidades que nos uniram e os mundos que criamos.
Os sistemas se tornam mais saudáveis à medida que se abrem para uma variedade
maior. Quando a diversidade aumenta numa atmosfera de liberdade, o resultado é
um sistema forte e maleável. A mudança pode surgir em qualquer lugar e circular
por uma rede bem tramada para dar apoio a muitos membros. No caso dos
tentilhões, quando uma subespécie encontrou um modo de perfurar mais
profundamente o cacto, ela encontrou uma nova fonte de alimento. Sem esse dado
novo, haveria menos comida para ser dividida entre todos e muito mais membros do
sistema teriam morrido.
Quando reagimos com repulsa, quando nos recusamos a dedicar energia a esse
tipo de busca, isso é sinal de um compromisso que assumimos com a vida em si e
uns com os outros. Como todas as formas de vida, também nós podemos caminhar
rumo à totalidade. Como todas as formas de vida, aprendemos a driblar as mentes
malignas que querem nos afastar do grande movimento coerente que dá sentido à
existência.
Dante
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os autores
Somos gratos pela educação que recebemos e por ter aprendido desde muito cedo
que o pensamento é um aliad,! útil e estimulante. Meg tem uma formação sólida em
artes liberais, que inclui as áreas das ciências, da história, da literatura, da teoria
dos sistemas e da teoria da organização. Ela estudou na Universidade de
Rochester, no University College de Londres, na New York University e em Harvard,
onde se doutorou em Administração, Planejamento e Política Social. T ambém
serviu na Coréia por dois anos como membro das Forças de Paz e trabalhou por
cinco anos como administradora de instituições educacionais antes de entrar no
mundo multifacetado das grandes empresas e da vida acadêmica.