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LITERATURA

O QUE É LITERATURA?
Conceito de Literatura
Certamente não é uma questão de fácil resolução. É o tipo de conceito que está em
constante movimento e que possui uma série de matérias que podem ou não ser incluídas em
seus campos de estudo.
A princípio, poderíamos dizer que Literatura é tudo que é escrito. Sendo assim, abrange
produções como jornais, revistas, documentos, legislações etc. Deste conceito mais amplo é
que surgem as subdivisões como: Literatura Médica, Literatura Esportiva, Literatura Jurídica,
Literatura Jornalística...
É claro que o que vamos trabalhar para o vestibular não será esta Literatura tão
abrangente, cheia de caminhos distintos. Nosso conceito será mais restrito e está intimamente
ligado ao conceito de Arte. Obviamente o conceito de Arte também é bastante complexo e,
portanto, não nos aprofundaremos nestas questões.
A literatura como expressão artística, a grosso modo, é a forma de arte que trabalha com
a palavra. Contudo, não basta apenas jogar um punhado de verbetes em uma folha de papel
para que se faça literatura. A obra de arte literária precisa atingir a “alma” do ser humano de
maneira geral, opondo-se assim aos exemplos anteriores de literatura técnica.
A produção da Literatura no mundo é organizada em escolas literárias, ou períodos
literários. É uma divisão que leva em conta aspectos históricos, cronológicos e técnicos para
que se possa enquadrar um conjunto de autores e obras em uma mesma repartição.

A partir destes conceitos, observe os dois textos abaixo:

Biassi tomou um ônibus da linha Belém Novo, na rodoviária, e se sentou na parte da


frente. Na esquina da Avenida Carlos Barbosa com a Rua Oscar Schneider, dois jovens
entraram no veículo afirmando não ter dinheiro.
Um deles - aparentando entre 16 e 18 anos e vestindo uma camiseta azul, segundo
testemunhas - sentou-se atrás de Biassi. O outro, de camiseta do Fluminense e boné,
aparentava entre 18 e 20 anos, acomodou-se no banco ao lado e sacou um revólver. Ao
anunciar o assalto, ele dirigiu-se ao cobrador exigindo dinheiro, enquanto o outro aplicava uma
gravata no soldado. O atirador virou a cabeça e disparou à queima-roupa contra o rosto de
Biassi. Ele morreu na hora.
- O PM não reagiu em momento algum. Foi morto porque estava de farda - garante um
dos cerca de 10 passageiros, pedindo para não ser identificado.
(Zero Hora – 02/03/2007)

Por fim, observe a definição de Machado de Assis:


“Palavra puxa palavra, uma idéia traz outra, e assim se faz um livro, um governo, uma
revolução; alguns dizem mesmo que assim é que a natureza compôs as suas espécies. ”

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LINGUAGEM LITERÁRIA

A Prosa
Crônica
A prosa é um tipo de texto que se
opõe à poesia. Os romances que lemos são Por fim, temos a Crônica. Este gênero
escritos em prosa. Ela é caracterizada por é bastante utilizado em jornais, pois traz
ter, geralmente, uma estrutura interna bem temáticas do cotidiano e tem um formato
definida permitindo ao leitor uma mais reduzido que o do conto. Aqui o
visualização de fatos, tempo e ambiente em enredo não possui maior complexidade e os
que a história é escrita. Pode ser também personagens são poucos. Invariavelmente
chamada de gênero narrativo, justamente leva o leitor (através de uma visão
por narrar um evento qualquer. geralmente pessoal do escritor) a realizar
A prosa se divide em alguns uma reflexão sobre o mundo que nos cerca.
subgrupos:

Romance A Poesia
Á grosso modo, o romance é a forma A poesia tem suas origens na
narrativa mais longa. Sua estrutura é mais linguagem oral. Basta observarmos que
complexa, envolvendo uma trama célebres poemas já foram musicados e, em
geralmente com uma quantidade maior de contrapartida, podemos declamar uma
personagens. As situações narradas no música em forma de poema. Antes de o
romance são norteadas por um conflito que homem começar a transmitir suas histórias
se desenvolve ao longo da trama. Pode via escrita, realizava tal processo por meio
tanto trabalhar com ambientes externos de cantigas. A Ilíada e a Odisséia são belos
quanto com o lado psicológico, interior aos exemplos de histórias contadas oralmente
personagens. que foram posteriormente transformadas
em literatura escrita.
Novela Dada esta proximidade da linguagem
oral, a poesia absorve algumas de suas
A novela difere do romance por características para tomar vida própria.
possuir uma estrutura geralmente menor e Podemos citar como exemplo o ritmo e os
menos complexa. O desenvolvimento dos refrões.
conflitos dos personagens é menos A poesia é basicamente dividida em
aprofundado. Talvez seja o gênero mais sílabas métricas, versos, estrofes e cantos.
complicado de ser delimitado, pois oscila
entre a Prosa e o Conto. Sílabas Poéticas

Conto As sílabas métricas são a menor


unidade de um poema. A Princípio podem
O conto é geralmente considerado parecer um exercício de divisão silábica
uma narrativa mais curta. A quantidade de comum, mas possuem algumas
personagens é reduzida em relação ao características especiais. Lembrando do
romance (lembrando que sempre há fato de que a poesia é próxima da música,
exceções) e seus conflitos são pouco podemos observar que as sílabas poéticas
aprofundados. colaboram na musicalidade do poema.
Por ser um gênero narrativo mais Como há uma possibilidade de declamação,
curto, o clímax está sempre próximo da juntamos as vogais de fim e início de
situação inicial, o que provoca uma palavras. Deve ser ressaltado que não
expectativa mais imediata no leitor. podemos juntar duas vogais tônicas. A
Segundo alguns teóricos, o conto deve contagem de sílabas de um verso termina
poder ser lido em uma “sentada” e seu sempre na última sílaba tônica do mesmo.
enredo deve conduzir o leitor ao desfecho, Observe o exemplo:
sendo este esperado ou inesperado.
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“Quan/do Is/má/lia en/lou/que/ceu/, de estrofes e podem ser comparados aos
Pôs/-se/ na/ tor/re a/ so/nhar/... capítulos de uma obra em prosa, pois
Viu/ u/ma/ lu/a/ no/ céu, geralmente tem por função uma separação
Viu/ ou/tra/ lu/a/ no/ mar. [...]” dos episódios da epopéia.
(trecho de “Ismália”, de Alphonsus de
Guimarães)
Figuras de Linguagem
O trecho possui 7 sílabas métricas em
todos os versos. Outro elemento que merece nossa
Há algumas nomenclaturas que são atenção especial são as figuras de
dadas aos poemas que repetem o mesmo linguagem. Podem fazer parte tanto da
número de sílabas poéticas: poesia quanto da prosa e podem parecer
algumas vezes um erro. Mas observe, elas
Redondilha menor: Versos com 5 s.m. têm um papel importante na construção da
Redondilha maior: Versos com 7 s.m. literatura.
Decassílabos: Versos com 10 s.m.
Alexandrinos: Versos com 12 s.m.
Antítese: Consiste na oposição entre
Versos duas palavras ou idéias. Ex:
“É um solitário andar por entre a
Basicamente o verso é cada uma das gente” (Camões)
linhas do poema. Um conjunto de versos
forma uma estrofe. Em vários poemas, Ironia: Consiste em sugerir o contrário
existem as rimas. Para que obtenhamos do que as palavras ou ações parecem
uma rima, a terminação de um verso deve exprimir. Ex:
ter uma identidade sonora com a “Meus móveis eram escandinavos.
terminação de um outro verso no poema. Caixotes de bacalhau norueguês.” (Luís F.
Os versos também podem ser “brancos”, ou Veríssimo)
seja, com ausência de rimas.
As rimas podem ser separadas dentro Perífrase: É a figura que consiste em
de um poema de algumas formas: exprimir por várias palavras aquilo que se
diria em poucas ou em uma palavra. Ex:
Emparelhadas: um verso rima com o A pátria de Voltaire está em guerra. (A
seguinte França está em guerra.)
Cruzadas: versos rimam intercalados
Interpoladas: rima entre o 1º e o Eufemismo: É a atenuação ou
último versos de uma estrofe suavização de idéias consideradas
desagradáveis, cruéis, imorais, obscenas ou
Estrofes ofensivas. Ex:
Ele entregou a alma a Deus. (Em lugar
As estrofes são como os parágrafos da de: Ele morreu)
prosa. Constituídas por uma série de versos
são separadas por um espaço (basicamente Gradação: Consiste numa sequência
de uma linha) entre si. Conforme o número de palavras, sinônimas ou não, que
de versos que possuem, podem ter as intensificam uma mesma idéia. Ex:
seguintes classificações (apenas as mais Ele chorou, berrou, esperneou.
comuns):
Prosopopéia: Consiste em atribuir
Terceto: estrofe com 3 versos linguagem, sentimentos e ações de seres
Quarteto / Quadra: estrofe com 4 humanos a seres inanimados ou irracionais.
versos Ex:
Oitava: estrofe com 8 versos O longo braço do Sol impele os ventos.
Cantos Elipse: É a omissão de um termo ou de
uma oração inteira que já foi dita ou escrita
Os cantos são geralmente utilizados antes, sendo que esta omissão fica
em poemas épicos (poemas de grande subentendida pelo contexto. Ex:
extensão que narram fatos heróicos de Sobre a mesa, apenas uma garrafa.
algum povo). Constituem-se de uma série
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Esse carro é rápido como um jato.
Polissíndeto: É a repetição expressiva
da conjunção coordenativa. Metáfora: Comparação sem a
Ex: utilização de elemento comparativo. Ex:
“Vão chegando as burguesinhas Ele é um asno.
pobres,
e as crianças das burguesinhas ricas, Catacrese: Metáfora que se consagra
e as mulheres do povo, e as na língua assumindo sentido próprio. Ex:
lavadeiras” Boca da garrafa / pé da mesa / dente
(Manuel Bandeira) de alho

Assíndeto: É a ausência da conjunção O Teatro


coordenativa. Ex:
Não sopra o vento; não gemem as O último gênero narrativo que iremos
vagas; não murmuram os rios. trabalhar é o dramático, o teatro. Alguns
dos autores que estudaremos
Pleonasmo: Redundância, repetição. posteriormente se destacam nesta arte de
Ex: escrever textos que serão representados.
Eu o vi com meus próprios olhos. É interessante observarmos que o
gênero dramático trabalha tanto com o
Hipérbato: Inversão na ordem texto poético como com o texto em prosa.
sintática. Ex: Antigamente era mais utilizado o verso,
Dança, à noite, o casal de para que os atores pudessem decorar as
apaixonados no clube. falas com mais facilidade. Hoje em dia,
porém, a prosa é mais utilizada.
Anáfora: Repetição de termos. Ex: Outra característica importante deste
“Se você gritasse gênero é a descrição dos cenários. É
se você gemesse, importante situar o ambiente e a
se você tocasse caracterização dos personagens para que
a valsa vienense...” se possa realizar uma posterior
(Carlos Drummond) representação.
Desde a Grécia antiga, o teatro tem
Assonância: Repetição de vogais. Ex: uma importância fundamental na cultura
"Sou um mulato nato no sentido lato humana. Naquele período, as peças eram
mulato democrático do litoral” representadas em grandes espaços,
(Caetano Veloso - Araçá Azul)
parecidos com estádios de futebol de hoje,
que promoviam uma excelente acústica
Aliteração: Repetição de consoantes
para que grandes platéias pudessem
ou sílabas. Ex:
acompanhar as peças. Os atores
“Vozes veladas, veludosas vozes,
representavam utilizando máscaras que
vórtices vorazes...”
(Cruz e Souza)
determinavam seu estado de espírito, Daí
vem a caracterização da arte teatral de
Onomatopéia: reproduz os sons por duas máscaras: uma triste e outra feliz.
meio de palavras. Ex: Observe o trecho a seguir para melhor
Tique-taque / miau / zum-zum compreender as características do gênero
dramático:
Metonímia: Substituição de um nome
por outro. Ex: “Vem Joane, o Parvo, e diz ao Arrais
Gosto de ler Machado de Assis. do Inferno:

Sinestesia: Mistura das sensações. Ex: PARVO Hou daquesta!


Comia o erótico sabor vermelho da DIABO Quem é?
maçã. PARVO Eu sou. É esta a
naviarra nossa?
DIABO De quem?
Comparação: Aproximação de duas PARVO Dos tolos.
coisas através de elemento comparativo. DIABO Vossa. Entra!”.
Ex:
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(Auto da Barca do Inferno de Gil
Vicente)

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LITERATURA PORTUGUESA
Em seus autos, a religião aparece
Humanismo como um valor essencial para o ser
humano. Apresentam-se tanto anjos,
Contexto profetas, santos, Cristo, a Virgem Maria,
como Diabo, Lúcifer, Satanás, etc. Os
A prova de vestibular da UFRGS nos religiosos seriam gratificados com a vida
exige conhecimentos de Literatura de eterna enquanto que os pecadores seriam
Língua Portuguesa. Nossa literatura tem conduzidos ao inferno. Assim, classifica-se o
origem na literatura portuguesa devido a seu teatro como moralizante, porque põe
questões históricas e por isso, começamos em prática o tema conhecido desde a
a trabalhar com uma possível primeira Antigüidade: ridendo de castigat mores
questão da prova. O humanismo é o (rindo, corrigem-se os costumes).
primeiro período literário que iremos Nas farsas, ou peças satíricas, esse
trabalhar. Consiste em um momento de objetivo moralizante manifesta-se mais
transição da Idade Média para o surgimento claramente e mesmo expondo as pessoas
do Renascimento. Cronologicamente, ao ridículo, Gil Vicente não foi hostilizado ou
podemos situá-lo no século XV, momento censurado, pois ele não se voltava contra
em que o teocentrismo medieval vai sendo as instituições. Suas sátiras, na verdade,
substituído por um pensamento dirigiam-se contra os indivíduos que não
antropocêntrico que será marcante no agiam de acordo com as instituições em
Renascimento. que se inseriam: o padre ganancioso ou o
É neste contexto histórico que nobre falido que fingia ser rico, por
Portugal começa a delinear sua separação exemplo.
definitiva da Espanha e vai consolidando
uma língua própria. Triologia das Barcas: A Triologia das
O gênero mais marcante deste Barcas compõe-se de três peças ( Auto da
período vai ser o dramático, no qual se Barca do Inferno, Auto da Barca do
destaca a figura de Gil Vicente. Purgatório e Auto da Barca da Glória) das
quais a primeira é a mais conhecida. Nela,
Gil Vicente (1465/66? - 1536/40?) duas personagens conduzem um enredo
bastante simples. São elas o Anjo e o Diabo,
A dualidade característica do barqueiros encarregados de conduzir as
Humanismo almas ao destino apropriada, após a morte.
reflete-se no teatro de Gil Vicente. Cada personagem - o fidalgo, o frade com
Ainda impregnado de preocupações sua amante, o juiz, a alcoviteira, o
religiosas, ele pretende reconduzir seus corregedor, etc - dirige-se ao Anjo com a
espectadores a uma autêntica vida cristã. intenção de ir para o céu. Uma a uma,
Libertando-se das imposições da Igreja, os todas vão sendo rejeitadas. Apenas o Parvo
indivíduos hesitavam entre viver conforme (um bobo e, portanto, um indivíduo sem
os mandamentos da religião, o que lhes pecado) e os quatro Cavaleiros das
garantia a vida eterna, e usufruir os bens Cruzadas entraram na barca que conduz ao
materiais, arriscando-se a padecer no paraíso. Essas escolhas evidenciam o
inferno. caráter moralizante da peça.
A grande variedade de assuntos,
enredos e personagens levou os críticos a Farsa de Inês Pereira: Inês Pereira,
criarem inúmeras classificações para as moça sonhadora, cansada do trabalho
suas peças que mesmo se nos limitarmos à doméstico, resolve fugir da monotonia de
divisão básica entre religiosas e satíricas sua vida, casando-se com um homem ideal.
podemos compreendê-las em seu alcance. Despreza seu pretendente rico e tolo - Pero
Quase todos os autos tratam com Marques - e casa-se com um escudeiro, que
seriedade de assuntos ligados à fé. Já as é malandro e a maltrata. Para a sua sorte,
farsas criticam, em tom de sátira, os ele vai para a guerra e morre. Inês, viúva,
costumes de seu tempo. casa-se então com o primeiro pretendente,
fazendo cumprir o mote da peça, “mais
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quero asno que me leve, que cavalo que cavaleiro Portugal e a jovem Lusitânia, sua
me derrube”. noiva, casam-se. Na multidão que foi
assistir a cerimônia encontram-se
Auto da Lusitânia: É uma das suas personagens alegóricas, como os dois
últimas peças e tem enredo e personagens diabos, Belzebu e Dinato.
bem diferentes das anteriores. Nela, o

CLASSICISMO
propriamente dito. O caráter racional e
Contexto reflexivo da sua poesia manifesta-se em
inúmeros poemas tratando do tema que se
Cronologicamente o Classicismo vai convencionou chamar de desconcerto do
surgir no século XVI. É um período bastante mundo, isto é, de uma explicação racional
importante na história da humanidade, pois para os fatos e as situações que envolvem o
é aqui, com a consolidação do ser humano.
Renascimento que a Igreja Católica, que O amor e o desconcerto do mundo
dominara o cenário cultural durante a Idade constituem os principais temas da lírica
média, perde sua força. Grandes expoentes camoniana. O amor associa-se quase
das artes e das ciências começam a ter sempre à idealização da figura feminina,
liberdade para criar. É neste momento que em um processo que remete aos conceitos
emergem gênios como Da Vinci e do filósofo Platão, para quem tudo, neste
Michelangelo. mundo, não passa de cópia imperfeita de
Em oposição ao teocentrismo vigente uma realidade superior e perfeita. Assim, a
anteriormente, a cultura européia passa um mulher que inspira o amor – cortesã ou
processo de valorização do homem – o pastora, não importa – é sempre uma figura
antropocentrismo. Mas tal fato não chega a idealizada, de rara beleza. Também há o
se constituir em uma novidade. Já na Grécia amor espiritual e o amor físico ou sensual.
e Roma antigas, podemos observar esta Os poemas que têm por tema o
característica. Basta olharmos as esculturas desconcerto do mundo mostram uma
que representavam os deuses do Olimpo, postura filosófica de insatisfação e
mostrando formas humanas. Além disso, preocupação. Revela-se um mundo
através de obras como a Ilíada e a Odisséia, absurdo, em desalinho ou desordem, em
podemos perceber que os Deuses tinham contínua mutação. Não se encontra a
características humanas que se harmonia.
apresentavam em suas personalidades. É
por isso que temos a denominação Ao Desconcerto do Mundo
Renascimento: um novo florescer da cultura
clássica. Os bons vi sempre passar
No mundo graves tormentos;
Camões (1524/25? - 1580) E para mais me espantar,
Os maus vi sempre nadar
Embora tenha publicado em vida Em mar de contentamentos
apenas alguns sonetos e sua epopéia Os Cuidando alcançar assim
Lusíadas, Camões é considerado o maior O bem tão mal ordenado,
poeta clássico em língua portuguesa. Fui mau, mas fui castigado.
Camões obedeceu ao princípio clássico da Assim que, só para mim
imitação, cultivando sempre a perfeição Anda o mundo concertado.
formal. Buscou também o equilíbrio e o
racionalismo, característicos do período
renascentista: apesar da indiscutível
qualidade dos seus sonetos, neles Amor é fogo que arde sem se ver
destacam-se a idéia do amor, a reflexão
sobre o mesmo e a beleza da mulher, por Amor é fogo que arde sem se ver;
exemplo, mais que o sentimento amoroso É ferida que dói e não se sente;
É um contentamento descontente;
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É dor que desatina sem doer; estão divididos em estrofes regulares. São
1102, de oito versos cada uma, totalizando
É um não querer mais que bem 8816 versos. Todas as estrofes têm o
querer; mesmo esquema rímico: ABABABCC – ou
É solitário andar por entre a gente; seja, seis versos de rimas cruzadas e dois
É nunca contentar-se de contente; de rimas emparelhadas. São versos
É cuidar que se ganha em se perder; decassílabos heróicos (acento nas sexta e
décima sílabas) ou sáficos (acentos nas
É querer estar preso por vontade; quarta, oitava e décima sílabas).
É servir a quem vence, o vencedor; O poema está organizado de acordo
É ter com quem nos mata lealdade. com a epopéia clássica, isto é, em:
• Proposição do assunto
Mas como causar pode seu favor (Canto 1, estrofes 1-3)
Nos corações humanos amizade,
Se tão contrário a si é o mesmo • Invocação às musas
Amor? (Canto 1, estrofes 4-5)

Os Lusíadas (1572): O mais conhecido • Dedicatória a D. Sebastião


poema de língua portuguesa é uma (Canto 1, estrofes 6-18)
epopéia que teve como modelos literários
a Ilíada e a Odisséia de Homero. Tem por • Narração da história de Vasco da
assunto a viagem de Vasco da Gama ao Gama
Oriente. Mas o navegante é apenas o herói (estrofes 19 até 1045)
aparente da epopéia, pois, como o próprio
título indica, seu verdadeiro herói é o povo • Epílogo contendo um fecho bastante
português, cuja coragem tornou possível o dramático de Camões a respeito da
grande feito. cobiça (estrofes 1046 a 1102).
Camões dividiu Os Lusíadas em dez
partes, chamadas de Cantos. Os cantos

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A LITERATURA NO SÉCULO XVI
Vejamos como ele descreve o primeiro
1. Literatura Informativa contato com os índios:

As primeiras manifestações literárias A feição deles é parda, algo


sobre a América estão delimitadas pelo seu avermelhada; de bons rostos e de bons
caráter informativo. Expressam sem narizes. Em geral são bem feitos. Andam
maiores intenções artísticas, os contatos do nus, sem cobertura alguma. Não fazem o
europeu com o novo mundo. São menor caso de cobrir ou mostrar suas
documentos a respeito das condições gerais vergonhas, e nisso são tão inocentes como
da terra conquistada. quando mostram o rosto. Ambos traziam o
lábio de baixo furado e metido nele um
Dentro da tradição utópica do osso branco, do comprimento de uma mão
Renascimento, a América surge como o travessa e da grossura de um fuso de
paraíso perdido, local de maravilhas e algodão. (...)
abundâncias. Também os nativos são Deram-lhe de comer: pão e peixe
apresentados sob olhares favoráveis. cozido, confeitos, bolos, mel e figos
Porém, na segunda metade do século XVI, à passados. Não quiseram comer quase nada
medida que os índios começam a se opor de tudo aquilo. E se provaram alguma
aos desígnios imperiais, a visão rósea coisa, logo a cuspiam com nojo. Trouxeram-
transforma-se. A natureza continua lhes vinho numa taça, mas apenas haviam
exuberante mas os habitantes da terra são provado o sabor, imediatamente
pintados como seres animalescos. demonstraram não gostar e não mais
quiseram.
A carta de Pero Vaz de Caminha
A nudez das índias
Entre os testemunhos deixados pelos
portugueses no século XVI, sobre o Brasil, o A imagem mais desconcertante para
mais importante é a Carta do escrivão Pero os marinheiros lusos é a nudez das índias.
Vaz de Caminha. O texto tem um notável Vindos de um mundo onde o corpo era
valor histórico - por ser o primeiro registro censurado e reprimido, eles não escondem
escrito sobre a realidade local, mas vale o assombro diante do que vêem. Caminha
ainda mais pela agudeza com que traduz esse sentimento, mas com seu
Caminha revela a paisagem física e particular espírito renascentista, procura
humana daquilo que ele julga ser uma ver os corpos femininos desnudos dentro do
imensa ilha. quadro cultural da sociedade indígena:
Verdadeiro homem do renascimento, o Ali andavam entre eles três ou quatro
escrivão da frota lusa transforma a Carta moças, muito novas e muito gentis, com
num monumento de curiosidade cabelos muito pretos e compridos, caídos
antropológica e de abertura intelectual à pelas espáduas, e suas vergonhas tão altas
diversidade. O crítico Sílvio Castro aponta e tão cerradinhas e tão limpas das
alguns dos aspectos mais significativos do cabeleiras que, de as muito bem olharmos,
texto: não tínhamos nenhuma vergonha. (...)
E uma daquelas moças era toda
tingida, de baixo a cima, daquela tintura; e
- a atenção minuciosa dos certamente era tão bem feita e tão
detalhes redonda, e sua vergonha - que ela não
- a simplicidade no narrar os tinha - tão graciosa que, a muitas mulheres
acontecimentos de nossa, vendo-lhes tais feições,
- a disposição humanista de provocaria vergonha por não terem as suas
tentar entender os nativos como a dela. (...)
- a capacidade constante de
maravilhar-se Ideal salvacionista

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A profunda religiosidade portuguesa, Sob este nome, Hans Staden publicou
que era um dos móveis da conquista, na Alemanha, em 1557, um livro no qual
mostra-se na possibilidade de conversão descreve as suas aventuras em território
dos primitivos habitantes: brasileiro, especialmente os nove meses e
E segundo o que a mim e a todos meio em que esteve prisioneiro dos
pareceu, esta gente, não lhes falece outra Tupinambás.
coisa para ser toda cristã do que nos
entenderem (...) E bem creio que, se Vossa A antropofagia
Alteza. E por isso, se alguém vier, não deixe A antropofagia é o motivo principal de
logo de vir clérigo para os batizar, porque seu livro, talvez até pelo interesse que o
então terão mais conhecimento de nossa assunto despertava na Europa. Além disso,
fé, pelos dois degradados que aqui entre mostra aos leitores europeus os animais da
eles ficam, os quais hoje também terra e a natureza, pintando um quadro
comungaram. intenso e colorido da realidade brasileira de
então, transformando o seu livro num
A visão do paraíso notável êxito editorial do século XVI.
No fragmento abaixo ele descreve a
A linhagem dominante é a do paraíso execução e a devoração de um inimigo
terreno, como se percebe no final do texto pelos Tupinambás:
de Caminha: Quando trazem para casa um inimigo,
Essa terra, Senhor. (...) é toda chã e batem-lhe as mulheres e as crianças
muito cheia de grandes arvoredos. De primeiro. A seguir, colocam-lhe ao corpo
ponta a ponta é tudo praia redonda, muito penas cinzentas, raspam-lhe as
chã e muito formosa. sobrancelhas, dançam em seu redor e
Pelo sertão nos pareceu, vista do mar, amarram-no bem. Dão-lhe então uma
muito grande, porque, a estender os olhos, mulher para servi-lo. Se tem dele um filho,
não podíamos ver senão terra e arvoredos, criam-no até grande e o matam e o comem
terra que nos parecia muito extensa. quando lhes vem a cabeça.
Até agora não podemos saber se há Dão de comer bem ao prisioneiro.
ouro ou prata nela, ou outra coisa de metal, Conservam-no por algum tempo e então se
ou ferro; nem o vimos. Contudo, a terra em preparam. (...0 Assim que está tudo
si é de muitos bons ares, frescos e preparado, determinam o tempo em que
temperados como os de Entre Douro e ele deve morrer e convidam os selvagens
Minho, porque neste tempo de agora os de outras aldeias para que venham assistir.
achávamos como de lá. Enchem de bebidas todas as vasilhas. Logo
As águas são muitas; infinitas. Em tal que estão reunidos todos os que vieram de
maneira é graciosa que, querendo-a fora, o chefe da choça diz: “ Vinde agora e
aproveitar, dar-se-á nela tudo, por causa ajudai a comer o vosso inimigo”. (...)
das águas que tem! Quando principiam a beber, levam
Porém, o melhor fruto que dela se consigo o prisioneiro que bebe com eles.
pode tirar parece-me que será alvar essa Acabada a bebida, descansam no outro dia
gente. E esta deve ser a principal semente e fazem para o inimigo uma pequena
que Vossa Alteza nela deve lançar. cabana no local em que deve morrer. Aí
passa a noite, sendo bem vigiado. (...)
2. Relatos de viajantes O guerreiro que vai matar o
prisioneiro diz para o mesmo: “ Sim aqui
Durante todo século XVI, o Brasil estou eu, quero te matar, pois tua gente
despertou grande fascínio entre os também matou e comeu muitos dos meus
europeus. Além dos colonos portugueses e amigos”. Responde-lhe o prisioneiro: “
dos invasores franceses, outros europeus Quando estiver morto, terei ainda muitos
visitaram a terra recém conquistada. Dois amigos que saberão me vingar”. Depois,
desses viajantes produziram obras ele é golpeado na nuca, de modo que lhe
definitivas sobre a vida cotidiana e os saltem os miolos, e de imediato as
costumes dos Tupinambás: o alemão Hans mulheres arrastam o morto para o fogo,
Staden e o francês Jean de Léry. raspam-lhe toda a pele, tornando-o
totalmente branco e tapando-lhe o ânus
Duas viagens ao Brasil com uma madeira, afim de que nada dele
se escape.

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Depois de esfolado, um homem o Obviamente também a antropofagia é
pega e lhe corta as pernas acima dos um dos temas predominantes da obra,
joelhos e os braços junto ao corpo. Vêm sendo mostrada com uma riqueza de
então quatro mulheres que apanham detalhes em muito superior à obra de Hans
quatro pedaços, correndo com eles em Staden. Observe-se esta cena, ocorrida
torno das cabanas, fazendo grande alarido, logo após a morte do prisioneiro:
em sinal de alegria. Separam após as “Em seguida, as mulheres, sobretudo
costas, juntos com as nádegas, da parte as velhas, que são mais gulosas de carne
dianteira. Repartem isso entre eles. As humana e anseiam pela morte dos
vísceras são dadas às mulheres. Fervem- prisioneiros, chegam com água fervendo,
nas e com o caldo fazem uma papa rala esfregam e escaldam o corpo a fim de
que se chama mingau que elas e as arrancar-lhe a epiderme; e o tornam tão
crianças sorvem. Comem também a carne branco como nas mãos dos cozinheiros os
da cabeça. As crianças comem os miolos, a leitões que vão para o forno. Logo depois o
língua e tudo o que podem aproveitar. Ao dono da vítima e alguns ajudantes abrem o
guerreiro mais forte é oferecido o coração e corpo e o esquartejam com tal rapidez que
as genitais. faria melhor um açougueiro ao esquartejar
Quando tudo foi partilhado, voltam um carneiro.
para casa, levando cada um o seu quinhão. E então - incrível crueldade, assim
como nossos caçadores jogam a carniça
Viagem à terra do Brasil aos cães para torná-los mais ferozes, esses
selvagens pegam os filhos, uns após outros,
Igualmente centrado no cotidiano da e lhes esfregam o corpo, os braços e as
vida indígena é a obra Viagem à terra do pernas com o sangue inimigo a fim de
Brasil, do calvinista francês Jean de Léry. torná-los mais valentes.
Léry permanece no país durante um Em seguida, todas as partes do corpo,
ano (1557), como enviado do líder religioso inclusive as tripas depois de bem lavadas,
Calvino, para servir a Villegagnon, são colocadas no moquém, em torno do
fundador de uma colônia francesa na futura qual as mulheres , principalmente as velhas
cidade do Rio de Janeiro. Ali tem a gulosas, se reúnem para recolher gordura
oportunidade de conviver (em liberdade) que escorre pelas varas dessas grandes e
com os tupinambás, fazendo uma série de altas grelhas de madeira. Em seguida
anotações interessantíssimas a respeito de exortam os homens a procederem de modo
seu modo de vida. que elas tenham sempre tais petiscos e
lambem o s dedos e dizem iguatu, o que
O canibalismo dos tupinambás quer dizer "está muito bom!.”

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BARROCO
Características
A) Arte da Contra-Reforma
A ideologia do Barroco é fornecida pela Contra-Reforma. Estamos diante de uma arte
eclesiástica, que deseja propagar a fé católica. Em nenhuma outra época produziu-se tamanha
quantidade de igrejas e capelas, estátuas de santos e monumentos sepulcrais. As obras de
arte deviam falar aos fiéis com a maior eficácia possível. Daí o caráter solene da arte barroca.
Arte que tem de convencer, conquistar, impor admiração.

B) Conflito entre corpo e alma


Instaura-se na arte um conflito fundamental, o conflito entre os prazeres da carne as
exigências da alma. O dilema se centra, portanto, na oposição entre vida eterna e vida terrena,
espírito-carne. Não há possibilidade de conciliação para estas antíteses. Ou se vive
sensualmente a vida ou se foge dos gozos humanos e se alcança a eternidade.
Esta tensão causa no artista uma profunda angústia: o artista arroja-se nos prazeres mais
radicais; em seguida sente-se culpado e busca o perdão divino.

C) O tema da passagem do tempo


Dilacerado entre a alegria da existência e a preparação para a morte e,
conseqüêntemente, para o julgamento divino, o homem barroco assume uma consciência
integral da fugacidade da vida humana. O tempo tudo destrói em sua passagem, se
convertendo no tema predileto do período.

D) Forma tumultuosa
Durante o período barroco a forma é conturbada, traduzindo a oposição entre os
princípios renascentistas e a ética cristã.
Daí a freqüente utilização de antíteses, paradoxos, inversões violentas nas frases,
comparações audazes, estabelecendo uma forma contraditória, dilemática, exacerbada, por
vezes incompreensível e de mau gosto.

O BARROCO NO BRASIL
No Brasil, o Barroco resultou especialmente do confronto entra a realidade histórica
vivida pelos senhores de engenho com uma absoluta ausência de moralidade, num
desregramento sexual completo, e entrava em choque com os ensinamentos contra-
reformistas que os padres ministravam nos colégios destinados aos filhos dos latifundiários do
açúcar. O movimento na literatura ocorreu apenas durante o século XVIII, porém, no campo
das artes plásticas o espírito barroco se estendeu pelo século XVIII e primórdios do século XIX,
especialmente, em Minas Gerais.
Já o apogeu literário do Barroco deu-se na Bahia, e alguns consideram como primeira
obra do movimento a Prosopopéia, de Bento Teixeira. Medíocre poema épico, dedicado ao
segundo donatário da capitania de Pernambuco, tem um valos meramente referencial.

Gregório da Matos Guerra (1636-1696)


Gregório de Matos deixou uma obra poética vasta, muitas vezes de duvidosa autoria.
Afrânio Peixoto fez uma edição crítica de seus poemas, mas não conseguiu recolher uma série
deles, dispersos ou conservados pela tradição popular. Com os poemas disponíveis, podemos
apontar três núcleos básicos em sua produção:

a) Poesia religiosa
Como lírico religioso, Gregório da Matos revela um poeta que se ajoelha diante de Deus,
com um forte sentimento de culpa por haver pecado, e que promete redimir-se. Trata-se de
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uma imagem constante: o homem ajoelhado, implorando perdão por seus erros, conforme
podemos verificar no "Soneto a Nosso Senhor":

Pequei, Senhor, mas não porque hei pecado,


Da vossa alta clemência me despido;
Porque quanto mais tenho delinqüido
Vos tem a perdoar mais empenhado.

Se basta a vos irar tanto pecado,


A abrandar-vos sobeja um só gemido:
Que a mesma culpa que vos há ofendido,
Vos tem para o perdão lisonjeado.

Se uma ovelha perdida e já cobrada


Glória tal e prazer tão repentino
Vos deu, como afirmais na sacra história,

Eu sou, senhor, a ovelha desgarrada,


Cobrai-a; e não queirais, pastor divino,
Perder na vossa ovelha a vossa glória.

b) Poesia satírica
Filho de um universo decadente, o autor vingou-se realizando uma poesia mordaz.
Ninguém escapava de sua fúria corrosiva, fidalgos, militares, padres, senhores de engenho,
escravos, mulatos. Daí o codnome de Boca do Inferno que lhe deram:

Que falta nesta cidade? ... Verdade.


Que mais por sua desonra? ... Honra.
Falta mais que se lhe ponha? ... Vergonha.
O demo a viver se exponha
Por mais que a fama a exalta,
Numa cidade onde falta
Verdade, honra, vergonha.
(...)
Quais são seus doces objetos? ... Pretos.
Tem outros bens mais maciços? ... Mestiços.
Quais destes lhe são mais gratos? ... Mulatos.
(...)
E que justiça a resguarda? ... Bastarda.
É grátis distribuída? ... Vendida.
Que tem que a todos assusta? ... Injusta.
(...)
Que vai pela clerezia? ... Simonia.
E pelos membros da Igreja? ... Inveja.
Cuidei que mais se lhe punha? ... Unha.
(...)
E nos frades há manqueiras? ... Freiras.
Em que ocupam os serões? ... Sermões.
Não se ocupam em disputas? ... Putas.
(...)

c) Poesia lírica

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O lirismo do autor se define ora por um erotismo grosseiro, ora por um tom mais delicado,
em que o sentimento vincula-se à idéia de passagem do tempo, de efemeridade de todas as
coisas humanas.

Discreta e formosíssima Maria,


Enquanto estamos vendo a qualquer hora,
Em tuas faces a rosada Aurora,
Em teus olhos a boca, o sol e o dia:

Enquanto com gentil descortesia,


O ar, que fresco Adônis te namora,
Te espalha a rica trança brilhadora,
Quando vem passear-te pela fria:

Goza, goza da flor da mocidade


Que o tempo trata a toda ligeireza
E imprime em todas a flor sua pisada.

Ó não aguardes que a madura idade,


Te converta essa beleza,
Em terra, em cinza, em pó, em sombra, em nada.

Padre Antonio Vieira (1608-1697)


Os sermões (1679-1692)

Vinculado, por sua formação jesuítica, à ideologia da Contra-Reforma, Vieira representa


tipicamente o espírito barroco. Seus famosos Sermões apresentam aquele aspecto de
ensinamento, aquela função moralizadora e aquele tom apocalíptico dos criadores mais
radicais do período. Defendeu os índios, defendeu os cristãos-novos, combateu os holandeses
e sonhou com um grande império, português e católico, cuja sede seria o Brasil. Usou a Bíblia
para fazer observações contínuas sobre o cotidiano do Brasil colonial. E fez isso numa
linguagem vibrátil, "conceptista", em que a eloqüência decorre do uso de ricas imagens, da
freqüência de comparações e antíteses, do contínuo jogo de idéias. Sua obra pertence
conjuntamente ao Brasil e a Portugal. Veja-se um exemplo:
"Em um engenho sois imitadores de Cristo crucificado, porque padeceis em um modo
muito semelhante o que o mesmo Senhor padeceu na sua cruz, e em toda sua Paixão. (...) A
Paixão de Cristo foi de noite sem dormir, parte de dia sem descansar, e tais são as vossas
noites e os vossos dias. Cristo despido, e vós despidos; Cristo sem comer, e vós famintos;
Cristo em tudo maltratado, e vós maltratados em tudo. Os ferros, as prisões, os açoites, as
chagas, os nomes afrontosos, de tudo isto se compõe a vossa imitação, que se for
acompanhada de paciência também terá merecimento de martírio.
Eles (os senhores) mandam, e vós servis; eles dormem, e vós velais; eles descansam, e
vós trabalhais; eles gozam os frutos de vossos trabalhos, e o que vós colheis deles é um
trabalho sobre o outro. Não há trabalho mais doce que o das vossas oficinas (refere-se à
produção do açúcar nos engenhos); mas toda essa doçura, para quem é? Sois como as abelhas
(...). As abelhas fabricam o mel, sim; mas não para si."

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ARCADISMO

Características

a) Vinculação com o Iluminismo


As manifestações artísticas do século XVIII (Arcadismo ou Neoclassicismo e o Rococó)
refletem a ideologia da classe aristocrática em decadência e da alta burguesia, insatisfeitas
com o absolutismo real e com a pesada solenidade do Barroco.
A filosofia do Iluminismo, em seu primeiro momento conciliando os interesses da
burguesia com certas parcelas da nobreza, através de um fenômeno típico do século XVIII: o
despotismo esclarecido, e afirmando que todas as coisas podem ser compreendidas, e
decididas pelo poder da razão, assenta um golpe definitivo na visão barroca, baseada mais no
sensitivo do que no racional.

b) Imitação da natureza
Para os árcades, a natureza adquire um sentimento de simplicidade, harmonia e verdade.
"Fugere urbem" (fugir da cidade) torna-se o princípio da época. Cultua-se o "Homem natural",
isto é, o homem que "imita" a natureza em sua ordenação, em sua serenidade, em seu
equilíbrio. O bucolismo (integração harmônica do homem com a natureza) se torna um
imperativo social.
Esta aproximação com o natural se dá por intermédio de uma literatura de caráter
pastoril, conforme se vê nesta lira de Gonzaga:

Enquanto pasta alegre o manso gado,


Minha bela Marília, nos sentemos
A sombra deste cedro levantado.
Um pouco meditemos
Na regular beleza,
Que em tudo quanto vive nos descobre
sábia natureza.

O Arcadismo é, portanto, uma festa campestre, representando a descuidada existência de


pastores na paz do campo, entre as ovelhinhas.

c) Imitação dos clássicos


No Arcadismo, processa-se um retorno às fontes clássicas. O escritor árcade está
preocupado em ser simples, racional, inteligível. Para atingir esses requisitos exigia-se a
imitação dos autores da Antigüidade, preferencialmente os pastoris. Horácio, Virgílio e Teócrito
são os mais imitados. Estabelece-se assim uma convenção poética (uma verdadeira arte
poética) que todos deveriam obrigatoriamente seguir.

d) Amor galante
O amor perde o conteúdo passional, a impulsividade, dissolvidos em pura galanteria, isto
é, o amor se transforma num jogo de galanteios. Quando o poeta declara seu amor à pastora, o
faz de uma maneira elegante e discreta, exatamente porque as regras desse jogo exigem o
comedimento, as maneiras recatadas, e porque o seu "amor" pode ser apenas o fingimento do
amor.

OB: não esqueça de algumas frases que marcaram o Arcadismo


Fugere urbem (fugir da cidade)
Inutilia truncat (truncar o inútil)
Aurea mdiocritas (vida mediana)
Locus amenus (Lugar ameno)
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Carpe Diem (Viver o dia)

ARCADISMO NO BRASIL
Surgindo em Minas Gerais, no apogeu do ouro, durante o séc. XVII (inclusive tendo
vinculações com a Inconfidência Mineira), o Arcadismo brasileiro tornou-se responsável pelo
surgimento de um sistema literário, isto é, uma relação regular e permanente envolvendo
autores, obras e público leitor. Durante o período barroco, a ausência de um público regular e
contínuo impedia o funcionamento deste sistema, sem o qual não existe a literatura como
definidora de uma nação.

Autores do Arcadismo
A poesia lírica de Cláudio Manuel da Costa (1729-1789)

Obras: Obras poéticas (1768) e Vila Rica (1839)

Cláudio Manuel da Costa foi um caso curioso de poeta de transição. Em termos de


escolha, ele se filia aos princípios estéticos do Arcadismo, mas, em termos instintivos, não
consegue superar as fortes influências barrocas e camonianas que marcaram a sua juventude
intelectual. Racionalmente é um árcade; emotivamente, um barroco.
Se os poemas de Cláudio Manuel da Costa estão cheios de pastores - o que indica o
projeto de literatura árcade - os seus temas são quase sempre barrocos. Observe-se este
famoso soneto:

Neste álamo sombrio, aonde a escura


Noite produz a imagem do segredo;
Em que apenas distingue o próprio medo
Do feio assombro a hórrida figura

Aqui, onde não geme, nem murmura


Zéfiro brando em fúnebre arvoredo,
Sentado sobre o fosco de um penedo
Chorava Fido a sua desventura.

Às lágrimas, a penha enternecida


Um frio fecundou, donde manava
D’ânsia mortal a cópia derretida;

A natureza em ambos se mudava;


Abalava-se a penha comovida;
Fido, estátua de dor, se congelava.

Além de poemas líricos tentou a epopéia, num poemeto chamado Vila Rica, despido de
maior prestígio.

A poesia lírica de Tomás Antônio Gonzaga (1744-1810)

Obras: Marília de Dirceu (1792) e Cartas Chilenas (1845)

Em sua única obra lírica, Marília de Dirceu, mostra-se o árcade por excelência. O
pastoralismo. A galanteria, clareza, a recusa em intensificar a subjetividade, o racionalismo
neoclássico, eis os elementos estruturadores do poema de Tomás Antônio Gonzaga.
Marília de Dirceu é autobiográfico dentro dos limites que as regras árcades impunham à
confissão pessoal. Na primeira das três partes que compõem o livro, um pastor celebra a sua
amada:

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Tu, Marília, agora vendo
Do Amor o lindo retrato
Contigo estarás dizendo
Que é este o retrato teu

Sim, Marília, a cópia é tua,


Que Cupido é Deus suposto:
Se há Cupido, é só teu rosto
Que ele foi quem me venceu.

Tomás Antônio Gonzaga estava ligado às concepções rígidas do Arcadismo e isto


explica em parte o seu comedimento amoroso. Apesar de seus defeitos, sobra em Gonzaga
um encanto que é a maneira graciosa e singela com que ele se expressa. Mesmo a frivolidade
reveste-se de uma forma simples e envolvente. Alguns enxergam em sua obra traços pré-
românticos. Um dos momentos mais famosos de sua lírica é quando afirma a Marília o seu ideal
doméstico (aurea mediocritas). Observe o enxerto abaixo, uma das passagens mais
encantadoras de suas liras, quando Dirceu fala à Marília sobre o que ela não verá,
provavelmente, o Brasil.

Tu não verás, Marília, cem cativos Nem espremer entre as dentadas


Tirarem o cascalho e a rica terra, rodas
Ou dos cercos dos rios caudalosos Da doce cana o sumo.
Ou da minha serra.
Verás em cima da espaçosa mesa
Não verás separar ao hábil negro Altos volumes de enredados feitos;
Do pesado esmeril a grossa areia, Ver-me-ás folhear os grandes livros,
E já brilharem os granetes de ouro E decidir os pleitos.
No fundo da bateia.
Enquanto revolver os meus consultos
Não verás derrubar os virgens matos, Tu me farás gostosa companhia (...)
Queimar as capoeiras ainda novas,
Servir de adubo à terra fértil cinza, Granetes: grãos
Lançar os grãos nas covas. Bateia: espécie de gamela que se usa
para lavar a areia
Não verás enrolar negros pacotes Pleitos: questão de juízo, demanda
Das secas folhas o cheiroso fumo;

Sob o pseudônimo de Critilo, Tomás Antônio ironizou os desmandos do governador de


Minas Gerais nas famosas Cartas Chilenas, pretensamente nativistas, pois em momento algum
insinuam a sublevação contra a metrópole. Trata-se de um ataque meramente pessoal.

A poesia épica de Basílio da Gama (1741-1795)


Obra: O Uraguai (1769)

O Uraguai faz apologia à expedição imperial enviada às Missões, depois do Tratado de


Madrid de 1750, para desalojar os índios e os jesuítas. Basílio da Gama dispunha-se a valorizar,
acima de tudo, o Marquês de Pombal, responsável pela medida. Paralelamente, desejava
mostrar o conflito entre o racionalismo europeu e o primitivismo indígena. O projeto de Basílio
acaba se tornando paradoxal: em termos racionais, ele se coloca ao lado dos europeus, mas,
em termos sentimentais, simpatiza com os índios.
As razões dos índios são muito mais convincentes que as dos soldados imperiais, de tal
forma que sentimos a grandeza épica não nos europeus e sim nos indígenas.

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A perigosa contradição em que se envolve Basílio da Gama, glorificando tanto o
conquistador europeu como o selvagem, é equacionada pela crítica feroz a um terceiro
elemento: o jesuíta.
Já no poema, o único jesuíta que aparece, padre Balda, é ambicioso e pérfido. Não
satisfeito, o autor se vale de notas explicativas em profusão, nas quais acusa os padres como
responsáveis pelo conflito.
A crítica se divide a respeito do indianismo de Basílio da Gama. Alguns assinalam a
presença de um sentido anti-europeu neste indianismo, porém, a maioria inclina-se a ver no
Uraguai apenas pastores árcades travestidos de indígenas. E a repulsa dos mesmos aos
desígnios dos governos europeus não se dá motivada por qualquer nacionalismo. Seria apenas
a repulsa do "homem natural", do Arcadismo contra a civilização.
Um dos momentos mais significativos do poema dá-se quando os índios defendem o seu
direito de permanecer nas terras missioneiras:

(...) Se o rei da Espanha


Ao teu rei quer dar terras com mão larga,
Que lhe dê Buenos Aires e Corrientes,
E outras, que tem por estes vastos climas;
Porém, não pode dar-lhe os nossos povos (...)

Gentes de Europa, nunca vos trouxera


O mar e o vento a nós. Ah! não debalde
Estendeu entre nós a natureza
Todo esse plano espaço imenso der águas.

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