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VERÍSSIMO, J. A educação nacional. 3.ed. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1985. Tarefa pequena é falar sobre para que serve a história e como ensinar histó-
ria quando alguns proclamam sua morte!
A idéia da morte da História (com maiúscula) não deve ser descartada como
algo absurdo. O que contém esse slogan é bastante sério. É a proclamação do fim
das grandes narrações, outra das formas da morte de Deus, conforme proclamou
Nietzsche, que tem como conseqüência a vulgarização do sentido. É a renúncia a
toda teologia transcendental. Pressupõe pensar que não está prescrito que a história
(transcendental) nos levará a qualquer lugar, a nenhum ponto ômega final. Se acei-
tamos essa idéia, não disporemos de nenhuma regra para distinguir entre o pro-
gressista e o reacionário e, inclusive, questionaremos a idéia de progresso, conver-
tendo-a em algo relativo. Não existirá, então, nenhuma racionalidade transcendental
que possamos alcançar de algum modo e que nos diga como chegaremos à
culminação cósmica que dê sentido à existência coletiva e individual. Teremos de
inventá-Ia primeiro para depois dividi-Ia. Será um processo contínuo de busca de
.sentidos convencionais, um combate agônico entre diversas posturas, sem que
possamos vislumbrar um ponto final que acabe com essa dialética contínua.
Mas, se ficamos sem história transcendental, isto não quer dizer que fique-
mos sem historiografia. A história que os historiadores fazem é um esforço intelec-
tual e crítico para explicar a mudança ao longo do tempo. Exige técnicas para
segmentar a mudança e constituir o tempo, para diferenciar entre estados históri-
cos e as transições entre estes, para delimitar cenários, identificar agentes e agên-
cias, ações e propósito que em cada momento conduziram a novas situações. Pro-
curamos desenvolver uma racionalidade que permita descrever, explicar e dar
sentido. Algo que dá lugar a um processo de construção de regras, de disciplina,
que torne possível constituir um discurso com pretensões de verdade, mesmo que
de forma peculiar.
As verdades da história sustentam-se sobre as referências a documentos e uma hipótese de mundo, uma ideologia. Ou seja, a recordação nunca é neutra
monumentos do passado, mas também a teorias, métodos e técnicas que .permi- temuma função para a p:e~a:ação do futuro mais ou menos imediato. Algoseme~
Ihanteacontece com a hlstona, mas, enquanto esta é uma prática social regrada,
tem descrever e explicar os acontecimentos de interesse no presente. Por ISSO,os
disciplinada, ~om salvaguardas (sempre insuficientes) para a geração de uma ver-
produtos da história são construções com prazo de validade: porque os prob~emas
do passado que exigem explicação mudam em cada presente, porque as ~eo~las,os dade.convencIOnal, a ~ecordação indivi.dualnão se prende a nenhuma regra con-
métodos e as técnicas mudam, porque os restos do passado mudam de slgmficado vencIOnal.A recordaçao gera-se a serviço do presente imediato. Os atos da lem-
com relação ao que acontece no futuro de tais acontecimentos, um futuro que brançasão também, ao mesmo tempo, atos emocionais, de afeto, de pensamento
agora já está em nossO passado ou presente. Assim, cada .geraçã.ote~ que refaze: e ~s~ãoa se~i~o. das necessid~des de ação imediata. Em suma, a recordação é
toda a história. Como se diz na Rússia, em tom de bnncadeua: O passado e praticae a hlstona, contemplatlVa, mesmo que os resultados dessa contemplação
(nuncaneutra) possam ter correIa tos práticos quando se incorporam como instru-
imprevisível". ' , mentospara o pensamento e para a ação,
Ahistória, pois, se passa na memória, mas não é só lembr~?ç~. E ta~bem um
conjunto de artefatos intelectuais para a constituição da expenencla coletiva, para Até agora, falam~s s?bre a memória como uma função individual que serve
paraarmazenar expenenCIa, para recuperá-Ia ou ignorá-Ia; além de manter a idéia
dar-lhe significado, entendê-Ia em nosso presente e para prepar~r o futuro. ~ u,m
conjunto de procedimentos regrados (fruto do esforço de geraçoes de espeCialis- de m!m mesmo como uma entidade que se conserva por meio de todas as mudan-
tas) pa'ra, imaginando disciplinadamente um pa~sado, <;o~ocar-nos~e ~cordo na ~as.~' portanto,. impre~cindível para ~ construção e para a manutenção de minha
compreensão do presente e planejar o futuro. E memona, mas nao e somente Identidade, P?r ISSO,ml~ha~ recordaçoes são sempre interessadas: o que é discor-
dantepara a Imagem d~ mim mesmo desaparece, se esquece, se inibe. Meus atos
memória. de recordação são, ao' mesmo tempo, atos de identificação. Identifico-me com
uma história pessoal, que tem certa forma literária (trágica, romântica dramáti-
ca, irônica, etc.), além de incluir vários elementos socioculturais: disc~rsos sím-
A HISTÓRIA É UMA fORMA DE MEMÓRIA?
bolo~,etc. Minha identi~ade pessoal é, ao mesmo tempo, identidade social,e ;mbas
A história é uma forma de memória, mas nem todas as formas de memória baseiam-sen~ recordaçao, mas também no esquecimento. Há partes do meu pas-
sadodas qUaISgosto e outras que preferia que não tivessemexistido. Algumas não
são história. O argumento que se desenvolve aqui é que a hi~tória n~o ~~de :e
esgotar na memória, o que tem como conseqüência que o ensl~o da hlstona nao mesãoúteis_para defender minha idéia de futuro, portanto, descarto-as de minha
argumentaçao. . '
possa se limitar à recordação de fatos passados e ao esqu~CI~e~t? de ?utr~s,
Evidentemente história é recordação e esquecimento, mas nao e so ISSO:e mUlto Mas, além disso, os atos de recordação, quando se comunicam, são também
mais. Por isso: se antes falamos muito sucintamente da história, agora vamos, atos de fala ..Algo que nos leva a uma reflexão sobre a relação entre memória e
verdade.Deixemos de l~do os casos óbvios de fabulação (ainda que fossem bas-
necessariamente de forma muito breve, falar de memória.
Segundo o que já dissemos, a história é uma prática epistêmica disciplinada tante relevantes no caso), a mentira facilmente detectável - quando se introduz
que gera uma forma de conhecimento com pretensões de verdade, a qu~l se ba- ~mar~cor~ação claramente falsa para enganar (ou se enganar) - ou as omissões
seia em uma racionalidade construída e convencionada entre quem domma essa mte~ClOnaIS d: acontecimentos que podem mudar o significado do relato. O que
nosmteressa sao a~zonas nebulosas. Q~ando podemos dizer com certeza que um
forma de arte. . relato~o passado e totalmente verdadeiro, sem deixar nada de fora? Quando se
Amemória, ao contrário, é uma faculdade individual. Dito de outra manelr~,
é uma entidade suposta (fiCtícia) responsável pelas recordações e pelos esqu~cI' podedl~er que se refere à verdade, a toda a verdade, a nada mais que a verdade?
mentos; portanto, capaz de imaginar o desaparecido ou de~istirde ~azê-Io.•Es~nta- Seconsideramos a memória individual, trata-se de algo extremamente difícil.Pen-
mente, só o que existe é a recordação, enquanto o.esqueclm:nto e a ause,n~lade ~em,os,por exemplo, em um processo de psicanálise no qual se manifesta o
lembrança, seja porque no passado alguns aconteCimentos nao fora~ ~~dlflcad~s mtnncado d~ todo esse processo, sua enorme dificuldade e, inclusive, impossibili-
(não foram então considerados significativos), seja porque foram m~bldos,seJ,a dade.O que Importa, no caso da psicanálise, é a interpretação que se faz em cada
porque não combinam com os propósitos ou com o argumento a partir dos qUaIS ~~::e?te: ~s lembranças e os esquecimentos de cada ocasião, de cada presente.
h' e,aqUi que aparece uma importante diferença entre memória e história O
se trata das lembranças citadas. lstonador não pode ter esquecimentos, tem de confrontar fontes mas a pes~oa
Toda recordaçãó baseia-se em restos que o passado deixou em textos, na querec
paisagem ou em nosso sistema nervoso. Mas,ao mesm~ teu:po, t~m uma fo~a ~a • ord a nao
- pode, nao - quer ou nao
- o necessita;
., alem disso não ' tem por que
faze-lode forma 'd a, socla
. 1mente convencIOnada,
" '
fala. Como disse White (1971), essa forma tem conteudo; mclUl uma explIcaçao, orgamza pOIStem seus próprios
hábitos de pensamento. Para o historiador, ao contrário, é imprescindível respei-
tar as regras de sua arte. Para ele, os tons cinza entre verdade e falsidade, mesmo história aos interesses políticos da nação e aos direitos da Coroa, sustentando-os
que não desapareçam, são menores; dispõe de ma~s critérios organizad~s para contra os de nações rivais ou das províncias conquistadas" (Pérez Garzón, 2003,
escolher suas lembranças e seus esquecimentos; esta condenado a ter maIOr res- p. 113). Uma função que, aparentemente, os historiadores aceitaram com prazer,
ponsabilidade; por isso, é socialmente útil, porque sua funç~o ,é ."dissipar as ilu- apesar de que o estado patrimonial do Antigo Regime deu lugar aos estados-na-
sões e remediar os esquecimentos que fomentam os usos da hlstona que fazem em ção liberais dos séculos XIX e XX. Um historiador francês da época da Primeira
cada momento o poder ou as classes socialmente hegemônicas" (Carreras e Guerra Mundial chegou a dizer que "enquanto é dever do cidadão manter a pátria
Forcadell, 2003, p. 42), "recuperar o passado dos vencidos que os vencedores se no presente, é dever do-historiador defendê-Ia no passado" (citado por Carreras e
apressam em. sepultar" (Benjamin, 1974; citado por Carreras e Forcadell, 2003). Forcadell, 2003, p. 26). Para eles, "mesmo que a história seja uma ciência, o patrio-
tismo era uma virtude a cujo serviço devia estar esta forma de conhecimento"
(ibidem). Assim, a história coloca-se a serviço da política, inaugurando-se uma
luta discursiva (e com demasiada freqüência não apenas simbólica) sobre qual a
correta interpretação do passado, quem a possui, quem dispõe das chaves para
A memória é uma faculdade individual, mas os coletivos também recordam. interpretar o nós, quem são os que estão de acordo com o sentido, com o destino
Fazem-no por. meio de práticas de recordação. Para tanto, atribuem um valor sim- da coletividade. Ou seja, quem são os leais à essência da pátria e os traidores. A
bólico a elementos da paisagem, criam artefatos p~ra a recordação (monumentos, batalha do discurso histórico torna-se a batalha pela identidade, funde-se com a
memoriais), estabelecem rituais para a recordaçã9 ou criam rituais sobre aC9nte- batalha pela definição de que comunidade política, de que cives, de que cidadania.
cimentos significativos do passado. . Estes usos justificativos da história não são privativos da história nacionalista,
Thdo isso atua como procedimentos para sintonizar os membros do grupo, da consideração de que o agente histórico seja a coroa, a nação ou o estado. Sua
para fazer com que recordem o mesmo, que sintam de formas similares, quege- natureza característica não muda, inclusive se é estabelecido outro sujeito da his-
rem as mesmas atitudes, que suas formas de âtuação sejam coordenadas; que tória, se o agente pass~ a ser as classes sociais, um grupo ideológico ou social, as
compartilhem a mesma moral. Ou seja, que passem de um conjunto de indivíduos minorias étnicas ou nacionais incluídas em um estado ou até mesmo _ no caso da
a membros de uma comunidade, de um conjunto de eus a nós. chamada história pública - se se trata de uma corporação que contrata um histo-
A memória coletiva é, portanto, tudo o que acabamos de mencionar, mas riador para que ajude a confrontar sua imagem pública dentro de uma estratégia
de marketing ..
também os mitos, as artes, os relatos compartilhados, todo um imaginário que faz
ressoar em cada um os mesmos significados, as mesmas sensações, o que nos Estas formas de história, mesmo que auxiliadas pela tecnologia historiográfica,
permite viver em nós, distinguindo-nos dos outros. centram-se na constr.ução de memórias para o consumo público, em confeccionar
Quando uma comunidade passa um tempo j~nto, desenvolve suas formas de recordações e narrações prêt-à-porter para o consumo de um público despreparado
simbolismo, de emoção, de lembrança compartilhada, de celebração da própria para essa estratégia .. Estão a serviço da criação das memórias que interessam a
identidade. Nas comunidades primárias, em etnias muito antigas, essa identidade quem trata de impô-lqs, independentemente de que estejam a serviço do poder ou
é forte, já desenvolveu sistemas de coesão. Não precisa de fatores externos para que pretendam disput~-lo com o que o ocupa agora. São formas de história tributá-
tornar mais forte sua identidade, sua coesão interna. rias da recordação .militante, menos preocupada com a construção de uma
Mas o que acontece quando essa comunidade torna-se maior, quando se fun- racionalidade explicativa do que com a construção de um relato que convenha aos
de com outras, quando muda a maneira de gestão dos recursos, dos conflitos, propósitos do presente ou aos desejos de um futuro particular. Ou seja, o espírito
quando surgem novas formas de autoridade? Então, é preciso gerar novos a!tefa. agônico do limitante rouba a atitude contemplativa preocupada com a interpreta-
ção da realidade.
tos para a constituição do nós, para a legitimação do poder, para .a gest.ao, ~o
conflito, para a eliminação da possibilidade da dissidência. Nasce assIm a hlstona
e, em seguida, o ensino de história. Algo que tornou possível a e.xist~ncia de co-
munidades imaginadas sobre as que se sustentam os estados naClOnaIS. A HISTORIOGRAFIA COMO CONSTRUTORA DO PASSADO E
A recente compilação de Carreras e Forcadell (2003) oferece-nos um conjunto CONFORMADORA DO PRESENTE: O PAPEL, CRíTICO DO HISTORIADOR
de magníficos estudos sobre os usos públicos da história. Recorda.-nos co~~ ~s
historiadores derivam dos cronistas reais ou como a Real AcademIa de Hlstona Repete-se à exaustão que a história, assim como a memória, não reconstrói o
(da Espanha) é fundada no século XVIII, recebendo entre seus encargos "ajustar a passado, mas o reinventa, o imagina. Mas isso é válido em um sentido ainda mais
radical, mais constitutivo que o sugerido pela idéia de confecção de uma narração
ou que a concepção do passado como a sucessão de eventos relatados. Trata-se do QUE HISTÓRIA ENSINAR? DAS ~ARRAÇÕ~S DOAPASSADO
papel constitutivo da realidade social (passada, presente e futura) q~e te~ nos ÀS FERRAMENTAS HISTORIOGRAFICAS E AS CIENCIAS SOCIAIS
instrumentos racionais utilizados pelo científico-social. Isto é uma aflrmaçao de
longo alcance. Os sujeitos atuais crêem que a realidade (pa~sada, ~resente e fut~- López Facal (2003) apresenta-nos um panorama digno de reflexão a este
ra) é constituída pelas categorias que manipulamos, as qUalSse misturam na pro- respeito. Um relatório da OCDE(1996) propõe abandonar o modelo de extensão
pria confecção da narrativa histórica. Assim, os per~onagens da hi~t?ria po~em ser do ensino obrigatório e introduzir critérios de mercado. O objetivo é criar uma
os grandes homens, as raças, os povos, as nações, as classes SOCiaiS,as :h~e~,os minoriaaltamente qualificada e uma maioria com conhecimento básico, mas mui-
grupos de gênero, etc. Essas categorias são, elas mesmas, prod';ltos hls.ton~o.s. to versátil, capaz de se adaptar rapidamente às mudanças de um mercado de
Álvarez Junco (2003) sugere que as histórias destinadas ao ensmo obngatono trabalho baseado na provisoriedade. De maneira curiosa, observa-se em alguns
não deveriam conservar ao longo de todo o relato o mesmo sujeito histórico, ca- países uma queda do investimento público em educação, ao mesmo tempo em
racterizado na Espanha como os espanhóis deAtapuerca ao euro, ~as. que ~m,c~da que cresce o ensino privado. Ao mesmo tempo, a União Européia propõe-se a
momento narrativo deveria ser destacado qual o agente e as agencias hlstoncas "harmonizar" as titulações universitárias do continente, diminuindo sua duração,
que participam dos processos de mudança. Seria entã~ um relato e:n que os at~- à proporção que reduz seus conteúdos teóricos e aumenta os aplicados. Por outro
res, os caracteres vão mudando ao longo do desenvolvimento da açao: uma espe- lado,setores conservadores defendem um ensino da história que contribua para a
cie de filme pós-moderno. , . . . coesão social, por meio- da recuperação de conteúdos pátrios e religiosos, com a
Esta proposta tem um alcance mais amplo do que parece a pnmeua vista. redução dos conteúdos'de ciências sociais. Não parece haver grande interesse em
Segundo ela, Q -foco da história desloca-se da justificativa da identida~e ~tual q~e fornecer instrumentos para a compreensão racional da experiência, e sim manter
apresenta ao dos procedimentos culturais que intervieram em .SU?~naçao:A hiS- mitos e receitas operativas. Por último, a idéia de eficiência, de uso prático dos
tória não pode mais ser apenas nacional, não po~e ser uma hIs~ona ~estI~ada a conhecimentos, parece ir contra o uso de ferramentas contemplativas para a aná-
enfatizar um nós frente aos outros de dentro e de fora da comullldade Imagmada. liseda experiência. Privilegia-se a ação sem reflexão, seguindo as vias assinaladas
Alvarez Junco propõe, inclusive, uma história mais distanciada, mais irônica a por quem tem os instrumentos para tanto.
respeito do passado. Uma história em que o eu não tenha que pensar que "nós A sugestão de López Facal (2003), que tem nosso apoio, é a de considerar
conquistamos a América" ou que "os ingleses nos derrotaram em Trafalgar", pois queo ensino da história é um instrumento para a emancipação individual e social
meus avós nunca saíram da Espanha (além de não me considerar responsável da população, algo que, para poder ser desenvolvido, exigiria uma escolha de
pelo que meu avô fazia) e tampouco me 'solidarií':ocom a política naval de Manuel conteúdos que facilite a explicação da genealogia do presente, além de uma
Godo~ . _. metodologia que ofereça aos alunos os instrumentos de conhecimento precisos
Mas é que, além disso, não estamos nada seguros em relaçao ao ambiente para enfrentar seu presente e seu futuro. Uma metodologia de trabalho que pre-
social em que se move nossa ação pessoal e col~tiva.Do âmbito nacional, estam?s para para a reflexão, para a análise, para a dúvida e para a valorização dos argu-
passando a entidades políticas diferentes, umas.mais locais, outras supra-es.tataIs, mentos. Uma história cujo marco territorial adapte-se à explicação do problema
ao mesmo tempo em que os processos de globalí,zaçãoprogressivamente retiram o estudado e que evite a repé'tiç'ãodecorada e acrítica de um suposto saber enciclo·
conteúdo das possibilidades de ação das estruturas políticas tradicionais. pédico.Um ensino da história que dê ao aluno algum domínio das habilidades do
Defrontamo-nos então com algumas perguntas difíceis de responder. Que historiador e do cientista social, ao mesmo tempo em que lhe permita defender-se
presente se deve entender? Que passado se deve contar? Que futuro queremos dasnarrativas míticas prêt-à-porter (Blanco e Rosa, 1997).
propiciar? São as perguntas dos cientistas 'sociais e historiadores de todos os Se o Estado-nação vai perdendo progressivamente seu valor, se as instituições
tempos. O que talvez seja peculiar do nosso é que nos encontramos em um mo- políticassupra-estatais vão ganhando força, se as corporações transnacionais têm
mento no qual sabemos que algumas de nossas categorias e.stão de.i~a~dode capacidade de ação superior aos estados, se o conceito de soberania nacional está
servir para entender nosso presente e ainda não sabemos quals permltIrao uma mudando, se os estados descentralizam-se, se algumas de suas instituições iniciais
melhor explicação do que está começando a acontecer. ~ que ~abemos~:om (comoo Exército)diminuem o númerode efetivos,em sua capacidadede mobilização,
certeza, é que uma história nacional começa a ficar em nsco, nao p~rmltIndo emsua efetividade simbólica, temos um panorama muito particular. A escola públi-
dotar a futura cidadania dos instrumentos para entender seu passado, seu pre- ca aparece como a instituição mais importante do estado, a que mobiliza maior
sente e preparar o futur~. número de efetivose aquela encarregada de formar a cidadania. É, então, um dos
pilares em que se forja a identidade e a cidadania do futuro. Talvez a única função
do ensino da história não seja transmitir racionalizações e identidades que come·
çam a perder sentido, mas, sim, estar atento e até servir de laboratório para a con-
fecção das novas formas. Está em nossas mãos tentar fazê-lo.
Disciplina e eventualidade: historiadores l

conhecimento e ensino do passado *


ÁLVAREZ JUNCO,J. Historiae identidades colectivas.ln: CARRERAS AYRES,J.J.; FORCADEll
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FORCADELL ALVAREZ,C. Usospúblicos de Ia Historia. Madrid: Marcial Pons HlstorIa,2003. Foi no século XIX que a produção do conhecimento histórico começou a se
p.11-46. restringir às estreitas margens instituídas de academias e uni:versidades. Desde
LÓPEZFACAL,R. La ensenãnza de Ia historia, más allá deI nacionalismo. In: ~RAS então, a relação com o passado tomou-se uma espécie de patolbgia por discipliná-
ARES, J.J.; FORCADELLALVAREZ,C. Usos públicos de Ia Historia. Madrid: MarcIal Pons 10, por dominar quem o habitou, convertendo seus pensamentos e suas ações em
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meras potências das que nós, os modernos, somos supostamente os atos. Não se
WHITE,H. Metahistory. Baltimore: Johns Hopkins University, 1971. pouparam esforços humanos nem recursos materiais na criação de sedutoras epo-
péias, metarelatos teológicos em que cada sujeito - individual ou coletivo - ocupava
seu lugar preciso em uma longa cadeia em que passado e futuro se uniam com os
laços da onipresente humanidade. Nesse tipo de domesticação retroativa dos ou-
tros pretéritos, baseou-se, por exemplo, a identidade dos emergentes estados nacio-
nais. Não foi outra a origem da grande muralha da disciplina acadêmica, erigida
lentamente com os ladrilhos retóricos do positivismo indutivo com o fim de desco-
brir a natural tendência dos indivíduos a estabelecer vínculos cOpl a nação que os
viu nascer. Um grande muro foi se erguendo até alcançar tam~ém os outros futu-
ros, jovens gerações que deviam ser seduzidas pelos referentes da nova identidade.
O século XX foi um fiel reflexo da pretensão fundacional da disciplina em
tomar o passado um objeto apreensível em que encontrar as chaves do sucedido e
o lugar que os humanos ocupam nele; em que descobrir os princípios constantes e
naturais da humanidade em um campo de provas não-experimental. Já fazia tem-
po que outros sujeitos estavam presos em seu vórtice, indivíduos soberanos e clas-
ses sociais que esperavam respostas sobre sua natureza, seu passado antropológico

'Agradeço,por seus sempre eficientescomentários, a MiguelÁngel Cabrera, Marisa González


de Oleaga, Manuel Pérez Ledesma,Pablo Sánchez León,Mario Carretero, Juan-Pan-Montojo
e Margarita Limón.

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