Professional Documents
Culture Documents
1/1
Isso nos levará a compreender melhor que nem sempre o professor é o único
responsável pelo fracasso escolar, uma vez que, faltam-lhe condições básicas para a
melhoria da qualidade do ensino, como valorização profissional, formação continuada,
recursos mais adequados e uma política educacional que promova/estimule de fato o
seu desenvolvimento profissional. Além disso, não podemos desconsiderar que a
formação inicial, na maioria das vezes, não oferece o preparo para os professores
enfrentarem a “nova” realidade escolar e assumir as atribuições que lhes têm sido
delegadas, cada vez mais numerosas e diversificadas.
Dentro desse contexto, nos propomos aqui refletir sobre os processos formativos
para a docência, fazendo algumas referências em especial aos professores de
Educação Física. Destacamos num primeiro momento, os conhecimentos que tem
legitimado esses processos dentro de nossa tradição pedagógica e as limitações e
aprisionamentos a que estão sujeitos os professores dentro dessas tradições. Num
segundo momento, a ênfase recai sobre a influência das políticas públicas nas
determinações e controle da profissão docente que colocam, muitas vezes, os
professores numa posição de reféns do sistema vigente. E, por fim, evidenciamos a
necessidade e a possibilidade de romper com as amarras partindo de uma
compreensão que a formação deva estar voltada para o desenvolvimento de um
pensamento crítico-reflexivo contribuindo com a formação de uma identidade
emancipada para os docentes.
No âmbito da Educação Física, isso pode ser verificado no que foi denominado de
modelo de formação “técnico-desportivo”, que segundo Betti (1996 apud BRACHT et
al., 2003) “enfatiza as chamadas disciplinas práticas. Há separação entre teoria e
prática. Teoria é o conteúdo apresentado na sala de aula, prática é a atividade na
piscina, quadra, pista, etc. A ênfase teórica se dá nas disciplinas da área
biológica/psicológica”.
Esse tipo de formação pode ser associado também ao que Marcelo García (1999)
denomina de uma formação com orientação acadêmica, onde o objetivo fundamental
da formação de professores trata-se do domínio do conteúdo, isto é, “a formação de
professores consiste no processo de transmissão de conhecimentos científicos de
modo a dotar os professores de uma formação especializada, centrada principalmente
no domínio dos conceitos e estrutura disciplinar da matéria que é especialista” (p. 33).
Todavia, há que se considerar, que apesar da atividade docente não ser uma
ciência aplicada e técnica, essa dimensão ocupa um lugar muito importante, embora
limitado, é pressuposto essencial para o talento artístico, ou seja, o docente precisa
conhecer as especificidades de seu campo profissional, seus conhecimentos
específicos. Mas, devido as limitações e aprisionamentos que estes conhecimentos
trazem, deve ser capaz também de fazer a mediação de seus conhecimentos
específicos com seu contexto de atuação e seus saberes experienciais.
Não podemos deixar de citar, também, outra questão que tem marcado nossa
tradição pedagógica que trata-se de fundamentar a atividade profissional do professor
sobre os conhecimentos ditos práticos como se estes fossem mais importantes que
qualquer outro tipo de formação, caindo então numa abordagem tradicional da
atividade docente. Com relação a este aspecto, a formação de professores “consiste
na aprendizagem do ofício do ensino, o qual é realizado fundamentalmente por
tentativas e erros por parte dos professores em formação” (MARCELO GARCIA, 1999,
p. 40).
Pensando nas repercussões que isso traz para a formação docente, essa é uma
das primeiras questões que coloca os professores como reféns de um sistema
educacional, ou seja, são reféns “[...]da má qualidade de ensino que ele próprio
recebeu” (ZAGURY, 2006, p. 63), e que certamente reservará influências nas práticas
que virão a desenvolver passando da condição de discentes à docentes, uma vez que,
eles não dispõem de tempo para suprir essas lacunas na formação. Dessa forma,
muitos professores saem das instituições com uma formação deficiente e uma prática
pedagógica controlada pelas avaliações das políticas públicas comprometendo sua
autonomia profissional.
Essa situação reflete, para nós, as condições criadas pelas políticas neoliberais,
transformando o conhecimento em uma mercadoria, cuja dicotomia entre pesquisa e
ensino nada mais é do que a divisão do trabalho tomado como referência de
racionalidade e eficiência. Com isso, de acordo com Saviani (1986, p.90),
Partindo desses aspectos, não queremos afirmar que não acreditamos que a
regulamentação da profissão não possa trazer benefícios aos profissionais, o que
queremos questionar é a incontrolável vontade de poder presente em torno da questão
que quer alienar os profissionais as condições que o mercado lhe coloca e que nos
trazem enormes perdas, no sentido de que a delimitação do estudo da cultura do
movimento humano em pequenas áreas estaremos desconsiderando a sua totalidade
e voltando às “velhas” dicotomias e dualidades.
Rompendo as amarras...
Por isso, e de acordo com Smyth (1989 apud GARCIA, 1999, p. 46) um processo
reflexivo deve se dar em quatro fases, descrever o que faço, qual é a minha prática
atual, informar sobre o que significa o que faço, que teorias estão expressas na minha
prática, confrontar como cheguei até aqui, o que mantém/limita as teorias e, reconstruir
de forma a poder fazer as coisas diferentes. Nesse sentido, a atuação dos professores
está fundamentada na problematização do fazer pedagógico, na investigação sobre
ele e nas possibilidades de transformá-lo, o que levaria os professores a saírem da
menoridade1 em busca do esclarecimento, constituindo-se como sujeitos autônomos,
desenvolvendo um conhecimento emancipatório.
Para tanto, um dos primeiros aspectos, a nosso ver, para atender a essas
necessidades é que os currículos, em todos os níveis de ensino, e principalmente o de
formação profissional, estimulem o desenvolvimento de um pensamento crítico e
reflexivo. Essa referência é feita, porque não é o que presenciamos na maioria dos
cursos de formação, e notadamente no caso da Educação Física, o que traz inúmeras
dificuldades e limitações quando falamos da atuação profissional, pois como nos
aponta Kunz (1995) “uma vez que não lhe foi proporcionado o exercício da análise e
reflexão de conhecimentos adquiridos na graduação o resultado é a ausência de
reflexão que se estende no exercício da profissão”.
Nesse sentido, acreditamos que os debates acadêmicos que dão – ou deveriam dar
– suporte as discussões na formação de profissionais em Educação Física precisam
ser aprimorados no sentido de estarem mais próximos das questões vivenciadas no
dia-a-dia da intervenção profissional, rumo a uma verdadeira epistemologia da prática.
1. De acordo com Kunz (1999) “a menoridade é a incapacidade de se servir de seu entendimento sem a
direção/conduta de outrem. Sapere aude! Tenha coragem de fazer uso de seu próprio entendimento, este deve ser
o lema do esclarecimento”.
Referências