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Estão em êxtase frenético os patrocinadores da matança de jovens nas favelas e conjuntos

habitacionais da cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro, criminalizados como “santuários do crime
e da violência urbana”.
Nesta sexta-feira, 16 de julho de 2010, a polícia, excitada pelo governador Sérgio Cabral Filho, matou
dois coelhos de uma só cajadada, em uma enraivecida operação de guerra no bairro de Costa Barros:
Wesley Gilber Rodrigues de Andrade, um garoto de 11 anos, foi atingido mortalmente por uma bala
“perdida” e em plena aula num CIEP, a escola emblemática concebida por Brizola e Darcy Ribeiro.
Ao comentar a notícia no site do GLOBO, o leitor Sérgio Barros escreveu em letras maiúsculas, às
20h06m do dia 16: “TEM QUE INVADIR FAVELAS MESMO. QUEM MORA EM FAVELA É
BANDIDO”. Esse não é o sentimento isolado de um debilóide – infelizmente, muitos pensam
exatamente como ele.
O menino, que caiu com um lápis na mão durante a aula de matemática, foi um dos sete mortos, todos
moradores do Morro da Pedreira: no confronto, nenhum policial saiu sequer arranhado.

É mais um capítulo na mais brutal utilização de uma máquina de extermínio oficial na matança de
jovens e adolescentes moradores nas áreas pobres e estigmatizadas do Estado: em 9 de novembro de
2009, o jornal ESTADO DE SÃO PAULO revelava: o número de mortos em autos de resistência,
desde que esse tipo de morte começou a ser registrada oficialmente, passou de 10 mil no Estado do
Rio de Janeiro. Dados da Secretaria de Segurança Pública indicam que, de janeiro de 1998 a setembro
de 2009, policiais civis e militares mataram 10.216 pessoas acusadas de envolvimento em confrontos,
média de 2,4 mortos por dia.
O episódio da sexta-feira fala por si. A polícia militar transformou o entorno de uma escola pública
numa praça de guerra, ato tão infeliz que levou à demissão do comandante do 9º Batalhão, feito bode
expiatório da tragédia anunciada.

Crianças são as maiores vítimas das operações policiais realizadas em horas e locais em que
deliberadamente inocentes viram alvos. E isso não acontece por acaso. Essas crianças, por
coincidência, são das comunidades pobres, onde, para muitos, quem não é bandido faz o seu jogo.
Tão grave como a matança promovida pelos policiais do gosto do governador está sendo a reação de
certos formadores de opinião. Ao comentar a morte do garoto no CIEP, a apresentadora Leilane
Neubarth, da Globo News, questionou a existência de escolas perto de favelas. O problema seria esse,
em sua opinião, levada a milhares de telespectadores.
Lembrei-me do que escrevi em 18 de janeiro de 2008, ao comentar a morte de outro Wesley, este, de 3
anos, do Jacarezinho:
A tarde já se ia quando três tiros de fuzil alvejaram mortalmente o menino Wesley Damião da Silva
Saturnino de Brito, de apenas três anos de idade. Foram três “balas perdidas”, que atingiram o tórax, o
ombro e no braço esquerdo.
O menino mulato de semblante risonho morreu em frente à casa de sua avó, na Rua Esperança, um
dos acessos ao Jacarezinho que dá na Rua Pinto de Azevedo, já no bairro do Jacaré. Ele voltava para
casa com a mãe de 23 anos, que trazia o caçula de 6 meses no colo e Wesley pela mão.
No dia seguinte, a notícia saiu nos jornais, mas depois não se falou mais nisso. As pessoas que
fizeram grandes mobilizações quando da morte de um menino carregado por bandidos em fuga,
presos a um cinto de segurança, não disseram nada. Nem os jornais, nem ninguém emprestou à morte
do pequeno Wesley do Jacarezinho nenhum sentimento de indignação.
Afinal, Wesley Damião da Silva Saturnino de Brito é mais um menino da favela que, como já
comentou um dia o governador Sérgio Cabral, poderia ser amanhã mais um traficante, de onde o
caráter “profilático” de sua morte e a indiferença generalizada de uma sociedade hipócrita, para a qual
três balas de fuzil disparadas contra uma criança de favela não lhe causa qualquer comoção”.
O apartheid e a sensação de segurança
O episódio de agora tem que ser encarado como reflexo de uma política de segurança inspirada no
apartheid. Sérgio Cabral Filho mostra-se, mais uma vez, o oposto de Brizola, cuja percepção remetia
para o investimento maciço na educação. Esse CIEP já fora desfigurado quando aboliram o ensino de
tempo integral, o único meio de preparar os jovens para uma Universidade pública sem precisar da
janela indecente das cotas.
A grande mídia tem uma boa parcela de responsabilidade nesses massacres. Ela vende aos cidadãos da
classe média a idéia de que o caos social é problema da polícia. E que a violência será resolvida com a
militarização de algumas favelas da Zona Sul e da Tijuca, através das chamadas UPPs.
Nesse caso, vendem a “sensação de segurança” e a “seletividade da violência” como achados dignos
de todo apoio. Não dizem que as ocupações policiais são, de fato, reles encenações, sustentadas por
um “acordo” tácito com os traficantes: estes continuam seu comércio - nenhum deles foi preso nessas
ações – mas passam agir com discrição, sem a exibição de armas e sem confrontos.
O caso desse garoto sairá rápido da mídia, mais atenta à novela que envolve o goleiro do time mais
querido do Brasil. Hoje mesmo, o crime não aparecia na primeira página do site do EXTRA, o jornal
de maior circulação no Rio de Janeiro. Sua manchete era reservada ao anúncio de que o goleiro Bruno
será demitido por “justa causa” pelo Flamengo.
Isto quer dizer: punição para os matadores do menino? Nem pensar. Não haverá ninguém para cobrar
uma investigação séria, que, para variar, será atributo exclusivo da própria polícia, fato que é
apontado pela Human Rights Watch como certeza da impunidade.
Aliás, em relatório divulgado no dia 8 de dezembro de 2009, essa organização mostrou a essência da
política de segurança de Sérgio Cabral ao comparar os números: Segundo o relatório, em 2008 a
polícia do Rio prendeu 23 pessoas para cada morte em “autos de resistência”. Em São Paulo, foram
348 prisões para cada morte. Nos Estados Unidos, essa média é de 37 mil prisões para cada caso de
resistência seguida de morte.
Ainda em 2008, a polícia do Rio matou 1.137 pessoas; a de São Paulo, 397; enquanto a polícia norte-
americana matou, em um ano, 371 pessoas.
Opinião parecida consta do relatório do comissário especial da ONU sobre Execuções Arbitrárias,
Sumárias ou Extra-Judiciais, Philip Alston, que esteve por aqui de 4 a 14 de novemvro de 2007,
motivado pela chacina do Morro do Alemão, ocorrida em 27 de junho daquele ano, na qual 19
pessoas foram mortas durante uma mega-operação que mobilizou 1.350 policiais. Em seu
documento, ele escreveu:
“Na maioria dos casos, assassinatos cometidos por policiais em serviço são registrados como “atos
de resistência” ou casos de “resistência seguida de morte”. Em 2007, no Rio de Janeiro, a polícia
registrou 1.330 mortes por atos de resistência. Isto corresponde a 18 % do total de assassinatos no
Rio de Janeiro. Em tese, essas são casos em que a policia teve de usar a força necessária e
proporcional à resistência daquele que os agentes da lei desconfiavam ser criminosos. Na prática, o
quadro é radicalmente diferente. É o próprio policial quem primeiramente define se ocorreu uma
execução extrajudicial ou uma morte legal. Apenas raramente, essas auto-classificações são
investigadas com seriedade pela polícia civil. Recebi muitas alegações altamente críveis de que as
mortes especificadas como “resistência” eram, de fato, execuções extra-judiciais. Essas alegações
são reforçadas pelo estudo de autópsias e pelo fato de que a proporção entre civis e policiais mortos
é inacreditavelmente alta”. (
Finalmente, cabe alertar: a morte do aluno Wesley em plena sala de aula não é a primeira e nem
será a última. A polícia não age assim por acaso. Por trás de suas truculências há um governador
convencido de que é melhor “cortar o mal pela raiz”. E ele não está sozinho. Que o diga a aliança
montada para garantir sua reeleição.

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