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PROJETO DE LEI Nº 004, de 2010.

(Da Sra. Gabriela Rondon)

Altera, atualiza e acrescenta


dispositivos à lei de direito autoral, nº
9.610 de 19 de fevereiro de 1998, para
tratar sobre limitações ao direito de
autor e duração dos direitos
patrimoniais de autor.

O Congresso Nacional Decreta:

Art. 1º Esta Lei altera a redação da Lei no 9.610, de 19 de fevereiro de 1998, para
limitar a abrangência dos direitos de autor, estabelecer novo prazo de duração do direito
patrimonial de autor e adequar a legislação sobre direitos autorais aos novos paradigmas
estabelecidos pelo ambiente digital.

Art. 2º Esta lei reduz a duração dos direitos patrimoniais de autor de setenta anos
para cinqüenta, limite estabelecido como mínimo pelo Decreto nº 75.699, de 6 de Maio de
1975 (Convenção de Berna).

Art. 3º Os artigos 41, 43 e 44 da Lei no 9.610, de 19 de fevereiro de 1998, passam a


vigorar com a seguinte redação:

“Art. 41. Os direitos patrimoniais do autor perduram por cinquenta anos contados
de 1° de janeiro do ano subseqüente ao de seu falecimento, obedecida a ordem sucessória
da lei civil.

Parágrafo único...............................................................................................” (NR)

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“Art. 43. Será de cinquenta anos o prazo de proteção aos direitos patrimoniais
sobre as obras anônimas ou pseudônimas, contado de 1° de janeiro do ano imediatamente
posterior ao da primeira publicação.

Parágrafo único. .............................................................................................” (NR)

“Art. 44. O prazo de proteção aos direitos patrimoniais sobre obras audiovisuais e
fotográficas será de cinquenta anos, a contar de 1° de janeiro do ano subseqüente ao de sua
divulgação.” (NR)

Art. 4º O artigo 46 da Lei no 9.610, de 19 de fevereiro de 1998, passa a vigorar


acrescido das alíneas e, f, g e h no inciso I e dos incisos IX e X:

“Art. 46. Não constitui ofensa aos direitos autorais:

I- a reprodução:

e) integral, de qualquer obra, para uso privado sem fins lucrativos;

f) integral, de qualquer obra, para realização de mudança de suporte de conteúdo


que garanta a portabilidade e interoperabilidade da obra para uso privado;

g) integral, de qualquer obra, para fins educacionais, didáticos, informativos, de


pesquisa ou para uso como recurso criativo, para garantir a acessibilidade de estudantes a
obras essenciais à sua formação;

h) integral, de qualquer obra, para fim de preservação do patrimônio cultural, desde


que realizada por bibliotecas, arquivos, museus, cinematecas e demais instituições
museológicas.

.....................................................................................................................................

IX- a utilização de trechos de obras preexistentes para criação cultural de novas


obras (“remixes”), desde que citada a fonte e sempre que a utilização em si não seja o

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objetivo principal da obra nova e que não prejudique a exploração normal da obra
reproduzida;

X- a reprodução, sem finalidade comercial, de obra literária, fonograma ou obra


audiovisual, cuja última publicação não conste mais em catálogo do responsável por sua
exploração econômica, bem como não tenha uma publicação mais recente disponível.”
(NR)

Art. 5º O Capítulo IV do Título III da Lei no 9.610, de 19 de fevereiro de 1998,


passa a vigorar acrescido dos seguintes artigos 48-A e 48-B:

Art. 48-A Museus, bibliotecas e centros de documentações têm permissão para


digitalizarem e colocarem à disposição na internet, para consulta, investigação ou estudo,
obras que façam parte de seus acervos.

Art. 48-B O Estado poderá licenciar obras, consideradas de interesse público, para
garantir sua acessibilidade. O mecanismo será aplicado para obras órfãs, esgotadas, ou para
aquelas em que os titulares colocam obstáculos ao licenciamento.

Art. 6º Esta Lei entra em vigor após decorridos 60 (sessenta) dias de sua
publicação oficial.

Art. 7º Ficam revogados os arts. 28, 33, 78, e 103 da Lei no 9.610, de 19 de
fevereiro de 1998.

JUSTIFICAÇÃO

Discutir a regulação dos direitos autorais constitui tarefa imprescindível para se


pensar o desenvolvimento da cultura e da economia cultural no país. É preciso, ao mesmo
tempo, assegurar efetivo estímulo à produção cultural livre e cada vez mais criativa e
também ampliar e democratizar o acesso da população aos bens e serviços culturais.

Entre os principais objetivos da proposta acima apresentada está atender às


finalidades de estimular a criação artística e a diversidade cultural e garantir a liberdade de

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expressão e o acesso à cultura, à educação, à informação e ao conhecimento,
harmonizando-se os interesses dos titulares de direitos autorais e os da sociedade.

Numa visão global, a América Latina é o pior continente em leis de direitos


autorais, o mais restritivo – e, como se vê, isso não implica em maior riqueza dos países. A
tese de que a garantia estrita dos direitos patrimoniais de autor implicaria em maior
estímulo para a criação não se sustenta. O Brasil, em específico, é o 7º país mais restritivo
do mundo, enquanto os Estados Unidos da América, uma das maiores nações exportadoras
de inventos do planeta, são o 4º país de legislação mais flexível. Assim fica claro que a
proteção demasiada não está relacionada a metas de desenvolvimento do país. É preciso
focar esforços em estabelecer parâmetros que realmente contribuam para a construção de
um ambiente mais propício à criação de cultura.

Para tanto, um dos primeiros passos é acabar com o perpétuo monopólio cultural de
alguns poucos indivíduos e/ou entidades, ao garantir que as obras culturais e criativas, após
algum período, voltem ao domínio público, retornando benefícios à sociedade. Conforme
explanado pelo professor e jurista norte-americano Lawrence Lessig em seu livro Cultura
Livre: como a mídia usa a tecnologia e a lei para barrar a criação cultural e controlar a
criatividade, “a maior parte do trabalho criativo tem uma vida comercial real de apenas uns
poucos anos. A maioria dos livros [por exemplo] pára de ser editado depois do primeiro
ano. [...] Uma cultura livre apóia e protege os criadores e inovadores. Ela faz isso
diretamente garantindo direitos sobre a propriedade intelectual. Mas ela o faz também
indiretamente garantindo que os futuros criadores e inovadores mantenham-se o mais livre
possível de controles do passado. Uma cultura livre não é uma cultura sem propriedade, da
mesma forma que um mercado livre não é um mercado onde tudo é liberado. O oposto de
uma cultura livre é uma ‘cultura da permissão’ – uma cultura na qual os criadores podem
criar apenas com a permissão dos poderosos ou dos criadores do passado.”

É nessa base de entendimento que a proposta de diminuição da duração dos direitos


patrimoniais de autor de setenta para cinqüenta anos se assenta. A passagem das obras
produzidas por uma sociedade ao domínio público vinte anos antes do que era estabelecido
anteriormente só tem a contribuir para a comunidade como um todo. A intenção não é gerar
um estado de anarquia em que os artistas não são pagos nem reconhecidos pelo seu

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trabalho, pelo contrário: o objetivo é fortalecer o criador do presente frente aos
intermediários, seja os que arrecadam e distribuem seus direitos, seja os editores de suas
obras, e, principalmente, fortalecer o criador do futuro. Seu objetivo também é permitir que
a sociedade possa ter acesso à cultura, sem causar prejuízo ao autor, e que mais membros
dessa sociedade possam também, por sua vez, ser autores. Assim, também se evita que o
ambiente de produção cultural do país seja esterilizado com proteções excessivas a obras
que nem mesmo conservam o interesse econômico de quando foram inicialmente
protegidas. Dessa maneira, mais agentes poderão contribuir ativamente para a oxigenação
criativa da nação, a partir da apreensão de conhecimento previamente produzido.

O protecionismo que aqui se visa evitar é aquele que não tem como finalidade
principal a proteção aos artistas e a preocupação com a função social que os bens culturais
exercem, mas com a proteção a certas formas de negócio. Esse projeto de lei busca
valorizar os criadores e artistas nacionais, que passarão a ter maior poder de arbítrio sobre a
gestão de suas obras. Enfim, a proposta busca que o direito de autor privilegie realmente o
autor, e que este seja capaz de usufruir da utilização de sua criação seja no ambiente
analógico tradicional seja no cada vez mais inovador ambiente digital.

Para atender ao interesse público e assegurar o acesso da sociedade à educação e à


cultura, a proposta de revisão da lei contempla também a possibilidade de, em casos
excepcionais, serem usadas obras protegidas sem autorização prévia dos titulares do direito.
Esse uso, claro, é condicionado: à preservação dos direitos morais do autor (integridade e
paternidade da sua obra, por meio da expressa necessidade de se citar a fonte da criação); à
garantia de que isso não causará prejuízo injustificado à exploração de sua obra nem aos
legítimos interesses dele; e a que ele ocorra na justa medida da finalidade a que se propõe.

Esses instrumentos são conhecidos nas legislações autorais de todo o mundo, onde
se abrigam sob as expressões “limitações e exceções da lei”. O texto-revisor acima
proposto deles se utiliza, partindo do pressuposto de que a defesa dos direitos dos autores
não os isenta da responsabilidade para com a sociedade. São casos bastante específicos que
aperfeiçoam a atual lei, vista por especialistas brasileiros e estrangeiros como em total
desacordo para com a realidade socioeconômica e cultural do país.

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A proposta permite, portanto, a cópia integral de obras para uso privado e não
comercial do copista e para a mudança de suporte de conteúdo, para possibilitar a
portabilidade e interoperabilidade da obra. O Brasil é um dos poucos países do mundo que
ainda não permite legalmente a cópia privada sem obtenção de lucro. Isso significa que,
hoje, se você copiar um CD que comprou para poder ouvir no seu carro, estará infringindo
a lei. Ademais, se gravar uma fita de vídeo em DVD ou transformar as músicas de um CD
licitamente adquirido em formato mp3 para ouvir em seu computador também está
cometendo ofensa ao direito autoral. O presente projeto se propõe a acabar com tais
inconsistências da lei, que refletem impedimentos inócuos e desnecessários, do ponto de
vista econômico e moral, e excessivamente restritivos à fruição de bens culturais.

Além disso, a proposição pretende garantir a reprodução necessária à conservação,


preservação e arquivamento de qualquer obra do patrimônio cultural, desde que realizada
por bibliotecas, arquivos, museus, cinematecas e demais instituições museológicas sem
finalidade comercial. Essa modalidade de permissão já é adotada por vários países, entre
eles, Austrália e Chile. A lei australiana autoriza a reprodução de obras manuscritas ou
obras artísticas originais com a finalidade de preservação contra perda ou deterioração. A
lei ainda permite a cópia para substituir a obra que tenha sido danificada, deteriorada,
perdida ou roubada/furtada, o que apresenta evidente interesse nacional em conservação de
bens culturais do país.

A comunicação e a colocação à disposição do público de obras intelectuais


protegidas que integrem as coleções ou acervos de bibliotecas, arquivos, museus, centros de
documentação, cinematecas e demais instituições museológicas, para fins de pesquisa,
investigação ou estudo, por qualquer meio ou processo, no interior de suas instalações ou
por meio da internet é de fundamental importância para um país em desenvolvimento como
o nosso. Uma vez que o acesso físico do grande público aos acervos já é garantido e lícito
nesses casos, não há motivo para considerar que a disponibilização digital não o seja. Essa
permissão também implicará em maior democratização do acesso à cultura, à informação e
ao conhecimento, estratégia crucial para uma nação que queira crescer e empoderar cada
vez mais seus cidadãos.

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Em consonância com essa proposta está também a viabilização de reproduzir obras
para fins didáticos, de pesquisa e difusão cultural, principalmente no âmbito de escolas e
universidades. A antiga lei de direito autoral (Lei nº 5.988, de 14 de dezembro de 1973)
dispunha em seu artigo 49, inciso II, que não constituía ofensa aos direitos autorais a
extração de uma única cópia de obra para fins didáticos, o que afastava a tipicidade de
ofensa aos direitos de autor da conduta largamente difundida entre os estudantes de todos
os graus, em nosso país, de “tirar xerox” dos livros indicados por seus professores.

Ocorre que, com a edição da lei 9.610 de 1998 tal situação foi alterada e, em seu
artigo 46, inciso II, consta que não estatui violação aos direitos autorais apenas a
“reprodução, em um só exemplar, de pequenos trechos [...]”. Diante dessa redação, conclui-
se que fere a legislação a obtenção de cópia integral de obra, ainda que para fins didáticos.
No entanto, há que se ter em mente que tal disposição atenta diretamente contra a função
social e o interesse público dos bens culturais. Ora, no caso de não haver exemplares
bastantes em biblioteca públicas à disposição dos alunos que dela necessitam para fins
didáticos, ou em caso de obras esgotadas nas editoras, tem-se que não é razoável exigir
desses estudantes conduta diversa da de extrair cópia integral do livro para seus estudos.

Igualmente, na hipótese de o estudante necessitar da obra, não dispondo de renda


suficiente para adquiri-la, deve-se reconhecer que ao extrair cópia integral dela não estará
agindo de forma culpável. Impossibilitar alunos que não têm condições de comprar livros
de ter qualquer acesso a eles em virtude de sua precária situação financeira significa, em
última análise, desrespeitar o direito de igualdade assegurado pela Constituição Federal
(pela ótica da igualdade material, não apenas formal, que deve constituir constante projeto
da nação).

É possível resolver esse problema sem causar prejuízo injustificado aos autores das
obras em questão. Mais uma vez, remetendo-nos à maneira como a Austrália lida com os
direitos autorais, pode-se adotar interessante analogia para nosso país. A lei australiana
facilita acesso a obras de arquivos públicos e permite cópias para fins de pesquisa. A lei
autoriza a feitura de “cópias de trabalho” (ou cópias de manuseio), bem como de “cópias de
referência”, com o intuito de facilitar a administração interna dos arquivos, bem como de

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facilitar o conhecimento da população às obras que existem nos arquivos e bibliotecas
públicas.

Por fim, é importante enfatizar o interesse, já indiretamente citado nesse texto, em


permitir que obras preexistentes sejam utilizadas para a produção de novas obras, desde que
a mera cópia não seja o objetivo principal do novo autor. Essa modalidade de produção
cultural está ainda mais em voga nos dias atuais em virtude do sempre dinâmico ambiente
digital. É importante lembrar que na internet o fluxo criativo é bem mais rápido e fluido
que no ambiente analógico e que as conseqüências dessa transformação já ultrapassam as
barreiras digitais.

A internet provocou mudanças no próprio modo de fazer cultura, ao criar um


espaço em que a dicotomia cultura comercial x cultura não-comercial foi rompida. Essa
divisão simples entre o livre e o controlado não pode ser identificado na rede. Conforme
afirma o professor de direito da Universidade Federal de Santa Catarina, dr. Marcos
Wachowicz, “o acervo digital não pode ter o mesmo tratamento do acervo analógico. O
problema é conceitual: no meio digital há a cópia perfeita, não é possível encontrar o
original. Por isso, o conceito de cópia deve ser revisto. A legislação brasileira ainda não
percebeu o ambiente digital.”

Para que nosso arcabouço jurídico esteja em sintonia com as novas formas de
produção de conteúdo socialmente relevantes, é preciso que incorpore e compreenda a
lógica do mundo digital, e não o rechace e proíba toda a sua potencialidade. Mais uma vez,
nas palavras do professor Lawrence Lessig, hoje se sabe que “a internet oferece uma
possibilidade incrível para muitos de participarem do processo de construção e cultivo de
uma cultura que tenha um alcance maior que as fronteiras locais. Esse poder mudou o
mercado ao permitir a criação e cultivo de cultura em qualquer lugar.”

Prossegue Lessig: “Tecnologias digitais associadas à internet podem vir a produzir


um mercado muitíssimo mais competitivo e vibrante para criar-se e distribuir-se cultura;
esse mercado poderia incluir um número muito maior e mais diversificado de criadores;
esses criadores poderiam produzir e distribuir uma gama muito maior de expressões
criativas; e dependendo de alguns poucos fatores importantes, esses criadores poderiam

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ganhar mais do que a média do que eles ganham no sistema atual.” É precisamente isso que
está acontecendo na cultura do século XXI e é preciso que atualizemos nossa legislação
para que ela esteja plenamente adequada à mudança de paradigmas que vivemos.

Pelos argumentos supracitados, faz-se justificada a aprovação da proposta de


reforma da Lei no 9.610, de 19 de fevereiro de 1998, de minha autoria. Resta amplamente
comprovada que tal medida irá atender às finalidades de estimular a criação artística e a
diversidade cultural e garantir a liberdade de expressão e o acesso à cultura, à educação, à
informação e ao conhecimento, harmonizando-se os interesses dos titulares de direitos
autorais e os da sociedade.

Sala das Sessões, 18 de maio de 2010.

Deputada Gabriela Rondon

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