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Artigo de Revisão
UNITERMOS: Suicídio. Médicos. Estudantes de medicina. tolítico” influi fortemente. O perigo a que se
expõe o estudante de medicina e, principalmen-
KEY WORDS: Suicide. Physicians. Medical students. te, o médico no exercício profissional é o de fazer
uma identificação total entre seu eu e o “ser
tanatolítico”, assumindo compromissos onipo-
“Nenhuma forma de tratamento é
tentes. Os sentimentos de culpa por fracasso de
efetiva com um paciente morto.” onipotência (limites de realidade) favorecem o
surgimento de quadros depressivos e suicídios,
O mundo está se tornando mais saudável, e a que são evidenciados por dados epidemiológicos,
saúde da população se deve ao trabalho dos médi- da literatura, de incidência e prevalência, nesse
cos e ao avanço tecnológico, embora aqueles conti- grupo profissional, como mais elevado que a po-
nuem a trabalhar contra os próprios interesses. pulação geral 1-4 .
Simon e Lumry 1 apontam algumas razões para a O médico por ser, na maioria das vezes, ativo,
elevada taxa de suicídios entre os médicos: 1) ambicioso, competitivo, compulsivo, entusiasta e
médicos tendem a negar o estresse de natureza individualista, é facilmente frustrado em suas
pessoal; 2) médicos tendem a negar o desconforto necessidades de realização e reconhecimento 5. Isto
psicológico; 3) inclinações suicidas são acober- pode ser suficiente para produzir ansiedade, de-
tadas (tratamento mais difícil); 4) médicos elabo- pressão e necessidade de cuidados psiquiátricos.
ram, mais freqüentemente, esquemas defensivos Mas se houver preconceitos com a Psiquiatria, o
(fecham-se para qualquer intervenção terapêutica médico buscará outras opções, como a somatiza-
eficaz); 5) negligência da família e dos colegas (ele ção, abuso de álcool e drogas e o suicídio 6.
é médico, sabe se cuidar); os médicos têm o meio do Para Wekstein 7, os elevados índices de suicídio
suicídio ao alcance das mãos (métodos mais efica- encontrados nos estudantes de medicina e nos
zes para o êxito). médicos estão relacionados com a perda da onipo-
Em 1903, o editorial do Journal American Asso- tência, onisciência e virilidade idealizadas por
ciation 2 expôs que os médicos com uma predisposi- muitos aspirantes à carreira médica durante o
ção mórbida, e sem princípios elevados ou inibi- curso e a vida profissional, e a crescente ansiedade
ções morais, optavam pelo suicídio como uma ma- pelo temor em falhar.
neira direta e efetiva de eliminar seus problemas. Feifel et al. 8 estudaram 81 médicos e concluíram
Merecem atenção, aqui, as tendências materialis- que o medo da morte era um importante fator
tas que acreditamos existir entre os médicos, pois psicológico na escolha da carreira médica. Geral-
a morte lhes é familiar, em todas as suas formas, mente, porque muitos médicos percebem a morte,
além de terem o meio do suicídio ao alcance das principalmente pela visão materialista, como o fim
mãos. do processo de vida e porque eles têm menos
orientação religiosa que seus pacientes. Para
A MORTE NA FORMAÇÃO MÉDICA Simon e Lumry 1, esses aspectos não justificariam o
fato de os médicos utilizarem suas profissões para
O desejo universal de imortalidade faz-nos segurança pessoal, sobretudo para doenças e seus
idealizar um ser onipotente capaz de retardar, próprios controles sobre a morte.
deter ou mesmo anular a ameaça de morte. A A morte passa a ser familiar para o médico, em
este ser idealizado Simon 3 chamou de “ser tana- todas as suas formas, que, diante da facilidade do
tolítico”, e ao conjunto de ações mágicas que lhe meio ao seu alcance, além da falta de princípios
são atribuídas, de “complexo tanatolítico”. Entre elevados e inibições morais, passa a adotar o suicí-
as motivações para a escolha da profissão da dio como uma maneira direta e efetiva de eliminar
carreira médica, segundo ele, o “complexo tana- seus problemas.
Vários estudos mostram que cerca de dois terços reação ao paciente, o de poder tomar a forma de
dos indivíduos que se suicidam comunicaram suas rejeição. Tabachnick e Hills 39 alertam para o fato
intenções previamente para a família, amigos ou de que é adequado olhar para tal situação como
médicos, o que demonstra a importância de se ter uma crise de contratransferência.
uma comunidade no meio acadêmico — bem como A medicação psicotrópica a ser utilizada depen-
no meio médico — receptiva e com um papel derá do diagnóstico psiquiátrico realizado e das
facilitador da busca de ajuda preventiva. condições clínicas do paciente, por causa dos seus
efeitos colaterais40,41. Sugerimos que os psicotrópi-
CONSIDERAÇÕES GERAIS cos sejam manuseados por profissionais que te-
nham habilidade com as doses, apresentações,
Avaliar um paciente suicida é complicado pelo efeitos colaterais, interações medicamentosas e
fato de despertar, com freqüência, fortes senti- condições físicas (insuficiência hepática, renal ou
mentos no médico examinador, principalmente respiratória e doenças cardíacas), além da idade e
ansiedade por um erro de conduta e uma conse- peso (paciente terminal). Desaconselhamos firme-
qüência catastrófica. O médico deve estar calmo, mente a automedicação, tão freqüente entre nós.
pois os suicidas aumentam na mesma proporção O tratamento com eletroconvulsoterapia (ECT)
das reações negativas do entrevistador em rela- deve ser considerado, nos casos de depressão gra-
ção ao paciente. Deve evitar reações moralistas e ve, com forte determinação para o suicídio. Esse
críticas 38. tipo de tratamento não deve ser visto com precon-
O suicídio é um assunto extremamente pessoal, ceito, pois, se bem indicado, é igualmente útil ao
e o paciente deve ter oportunidade de conversar a paciente, como na cardioversão, isto é, o uso da
sós com o médico, pois, geralmente, sente-se alivi- corrente elétrica para fins terapêuticos 38. Inde-
ado ao ser questionado sobre o assunto. Após rela- pendente do diagnóstico, é essencial o estabeleci-
cionamento empático, o examinador deve sempre mento de uma aliança terapêutica com o paciente.
perguntar sobre a ideação suicida, como parte Além disso, deve-se procurar compreender o seu
integrante de qualquer exame do estado mental, estado agudo, as razões pelas quais o levaram a
especialmente se o paciente estiver deprimido. decidir pelo suicídio.
Perguntar diretamente: “Você deseja morrer?”, “A É importante tentar transmitir esperança ao
idéia de morrer vem à sua cabeça?”, ou “Você já paciente, mas sem dar falsas garantias de que
tentou suicídio?”. O médico não deve evitar falar “tudo acabará bem”. As seqüelas podem ser dramá-
dos sentimentos suicidas da pessoa, pois cerca de ticas (p. ex., queimados) e levar a nova tentativa
80% das pessoas que se suicidaram avisaram de suicídio.
quanto à sua intenção, e 50% o dizem abertamen- A avaliação do potencial suicida deve ser reali-
te. Todas as ameaças de suicídio devem ser encara- zada desde o primeiro contato e durante toda a
das com seriedade, mesmo que possam parecer hospitalização, quer seja no hospital geral ou psi-
falsas (manipulação). A escolha da conduta do quiátrico (ver quadros 1 e 2). Após a alta, deve-se
tratamento dependerá das impressões gerais do fazer um planejamento para acompanhamento do
médico quanto ao risco de suicídio num futuro paciente: é importante avaliar o seu suporte fami-
próximo e à necessidade de tratamento dos proble- liar e social, se há ou não continuidade do evento
mas psiquiátricos 38 . estressante para ele e sua estrutura, para lidar
A equipe médica que trata de um paciente médi- com a situação que o levou ao ato.
co que tentou suicídio sente-se, geralmente, muito
mobilizada e, por vezes, impotente. Quando a ten- CONCLUSÕES
tativa de suicídio envolve um estudante de medici-
na, algumas vezes, a equipe o hostiliza, conside- É fundamental o preparo do estudante de medi-
rando-o como fraco. De outro lado, isso sensibiliza cina diante das reais condições de seu futuro tra-
muito seus colegas de turma, que se mostram balho, não estimulá-lo a utilizar idealizações oni-
chocados e preocupados com a reincidência do ato potentes para enfrentar situações de difícil contro-
do próprio colega. Os profissionais que tiveram le durante sua vida profissional.
experiência em tratar pacientes suicidas sabem Para o médico já em exercício da profissão, um
que, freqüentemente, a reação imediata daqueles programa de conscientização e orientação de que a
que cercam o paciente é serem cruéis e rejeitá-los. informação técnica anteriormente adquirida não
O profissional que é chamado para lidar com o lhe dá imunidade aos conflitos emocionais. Publi-
paciente suicida, geralmente, encara uma crise cações constantes para familiarização por parte
particular que muito tem a ver com sua própria dos colegas médicos com a profilaxia e reconheci-
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