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PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SÃO PAULO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SÃO PAULO


ACÓRDÃO/DECISÃO MONOCRATICA
REGISTRADO(A) SOB N°

ACÓRDÃO llllillllllllllH
Vistos, relatados e discutidos estes autos de
Apelação n° 990.10.128425-1, da Comarca de São Paulo,
em que é apelante COOPERATIVA HABITACIONAL DOS
BANCÁRIOS - BANCOOP sendo apelado MÁRCIO PINTO
FERREIRA.

ACORDAM, em 4* Câmara de Direito Privado do


Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte
decisão: "NEGARAM PROVIMENTO AO RECURSO. V. U.", de
conformidade com o voto do Relator, que integra este
acórdão,

O julgamento teve a participação dos


Desembargadores TEIXEIRA LEITE (Presidente) e ENIO
ZULIANI.

São Paulo,08 de julho de 2010.

FRANCISCO LOUREIRO
RELATOR
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PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

Apelação Cível n e 990.10.128425-1


Comarca: SÃO PAULO
Apelante: COOPERATIVA HABITACIONAL DOS BANCÁRIOS -
BANCOOP
Apelado: MÁRCIO PINTO FERREIRA

Voto n 9 10.537

COMPROMISSO DE COMPRA E VENDA - Pedido de


restituição de indébito • Negócio jurídico sob a forma de
adesão a empreendimento imobiliário vinculado a
associação cooperativa - Pagamento de todas as parcelas
contratuais, previstas no quadro-resumo do termo de
adesão ao empreendimento - Previsão contratual da
cobrança de saldo residual, a título de diferença de custo
de construção - Peculiaridades do caso concreto -
Documentos da cooperativa que reconhecem o
pagamento total da dívida pelo adquirente • Cobrança
posterior do saldo residual, que constitui comportamento
contraditório (venire contra factum proprium) por parte da
cooperativa e conduta atentatória contra a boa-fé objetiva,
por deixar os cooperados em situação de eterna
insegurança - Manutenção da sentença de procedência -
Recurso não-provido.

Cuida-se de recurso de apelação interposto


contra a r. sentença de fls. 171/6 dos autos, proferida pelo MM2 Juiz
GUILHERME FERREIRA DA CRUZ, que julgou parcialmente
procedente a ação declaratória cumulada com condenatória de
repetição do indébito ajuizada por MÁRCIO PINTO FERREIRA em
face de COOPERATIVA HABITACIONAL DOS BANCÁRIOS DE SÃO
PAULO - BANCOOP, declarando que o autor nada deve à

ApelaçãoCívelne990.10.128425-l-SÀOPAULO-Votonel0.537-L- fl. 1
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cooperativa-ré e condenando esta a devolver àquele a importância de


R$ 5.289,77.

Fê-lo a r. sentença, sob o fundamento de que o


CDC é aplicável ao caso e de que a cobrança de saldo residual
decorre de estimativa unilateral da COOPERATIVA.

Opostos embargos declaratórios (fls. 179/84)


pela ré, foram rejeitados pela sentença de fl. 225.

Recorre a ré, alegando, em síntese, que o caso


em tela é regido pela Lei das Cooperativas e, não, pelo CDC, o que
torna possível a cobrança do saldo residual, aprovado em Assembléia-
Geral dos Cooperados. Aduz que o Ministério Público do Consumidor,
nos autos de ação civil pública, concluiu que a apelante é uma
cooperativa e, como tal, seus gastos devem ser suportados pelos
cooperados.

Foi contrariado o recurso (fls. 300/3).

É o relatório.

1. O recurso não comporta provimento, e a


sentença recorrida merece ser integralmente mantida, inclusive por
seus próprios e bem lançados fundamentos.

Em 1 e de março de 2.000, o autor aderiu à


cooperativa-ré, com vistas a adquirir um apartamento residencial. O
termo é, em essência, semelhante a um compromisso de compra e
venda celebrado entre incorporadora e consumidor.

Apelação Cível n« 990.10.128425-1 - SÃO PAULO - Voto ne 10.537- L - fl. 2


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Em 04 de setembro de 2.002, a cooperativa


liberou as chaves da unidade (fl. 28) e afirmou que o déficit da
seccional estava totalmente coberto, não sendo devido nenhum valor
adicional por aqueles cooperados (fl. 29).

Em 10 de julho de 2.003, a cooperativa


reconheceu que o cooperado concluiu seus pagamentos referentes à
unidade adquirida (fl. 32).

Em 31 de março de 2.006 a COOPERATIVA


informou que apurou um saldo residual, no valor de R$ 5.289,77, a ser
quitado pelos cooperados antes da outorga da escritura.

O autor já tinha prometido o apartamento à


venda e necessitava receber a escritura definitiva, razão pela qual
pagou esse saldo e, ao final, foi outorgada a escritura pública de
compra e venda, em 8 de novembro de 2.006.

Visando à restituição em dobro desse saldo


residual, que considera indevido, e à declaração judicial de que nada
mais deve à cooperativa, ajuizou o autor a presente demanda.

Foi julgada parcialmente procedente,


concedendo-se a restituição do valor pago, mas não em dobro.

2. Correta a sentença de Primeiro Grau.

O valor pago pelo autor tem por objeto suposto


resíduo apurado ao final do contrato, a título de diferença de custo de
obra, quase quatro anos após a entrega das chaves das unidades do
Conjunto Residencial Torres de Pirituba, em setembro de 2.002.

ApelaçâoCiveln8990.IO.I28425-l-SÂOPAULO-Voton5 I0.537-L- fl. 3


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É certo que no regime cooperativo o preço


cobrado pelo imóvel é calculado com base no custeio da construção
do empreendimento, somado a outras despesas administrativas,
inclusive de inadimplemento de outros cooperados, todos partícipes de
um contrato relacionai.

Não obstante, não é dado à cooperativa


reconhecer o adimplemento integral da dívida (como fez no documento
de fl.32) e, posteriormente, cobrar novos valores do cooperado.

Não se admite que, três anos após o


pagamento de tudo o que foi exigido dos adquirentes, seja apurado um
novo saldo devedor, sem apresentação de qualquer documento hábil
demonstrando a origem e a certeza dos valores.

Tal conduta da cooperativa acaba por manter os


cooperados indefinidamente vinculados ao pagamento do preço, sem
nunca obter a tão desejada quitação da unidade adquirida.

Ainda que o contrato entre as partes contemple


na cláusula 16â (fls. 21) a possibilidade de cobrança de eventual saldo
residual, isso não significa que a COOPERATIVA possa fazê-lo a
qualquer tempo, após a quitação, ou sem prévia demonstração
objetiva da composição do crédito.

Não bastasse, cumpre reconhecer que a


conduta da cooperativa, no caso em exame, fere o princípio da boa-fé
objetiva, na medida em que cria uma situação de insegurança para os
cooperados, surpreendendo-os, após a quitação, com novas
cobranças, sem apresentar justificativa plausível. Parece óbvio que,
decorridos vários anos do pagamento da última parcela, após entrega

Apelação Cível ne 990.10.128425-1 - SÃO PAULO - Voto ne 10.537-L- fl.4


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das chaves, os cooperados passam a ter a justa expectativa de que


inexistem outros saldos remanescentes.

Ademais, conforme bem observou a sentença,


nâo há nos autos prova cabal e circunstanciada sobre a origem e a
especificação do novo saldo devedor. A notificação de fl. 47,
encaminhada pela cooperativa aos adquirentes associados nada
esclarece sobre a composição do crédito, a forma de cálculo, e os
documentos que a amparam.

Com efeito, não há prova do custo das obras,


dos materiais utilizados, da mão-de-obra empregada, sendo que a
cooperativa não demonstra que tais despesas foram regularmente
aprovadas pelos cooperados em assembléia.

Na realidade, o que parece ocorrer no presente


caso é que a cooperativa autora tem lançado vários outros
empreendimentos habitacionais, e os resíduos em cobrança têm sido
apurados para cobrir rombos de caixa desses outros
empreendimentos, da mesma cooperativa.

A ata de Assembléia-Geral (fls. 146/9), além de


juntada em momento processual inadequada (prova preclusa,
portanto), é absolutamente irrelevante, vez que não se refere a
decisão tomada pelos condôminos da seccional Torres de Pirituba e,
sim, a uma assembléia realizada com todos os cooperados da
BANCOOP. Este documento é, aliás, mais uma evidência de que os
resíduos cobrados servem para financiar outros empreendimentos da
COOPERATIVA com recursos dos cooperados da seccional TORRES
DE PIRITUBA, o que evidentemente não se admite.

Apelação Civeln8 990.10.128425-1 -SÂOPAULO- Voton8 10.537-L- tt. 5


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A Assembléia apta a ensejar a cobrança de


suposto saldo devedor daquele específico conjunto habitacional
deveria ser realizada com a convocação de todos os adquirentes e
exibição de documentos probatórios da despesa e da arrecadação.

É manifestamente insuficiente ata de


Assembléia na qual se aprovaram genericamente as contas da
cooperativa, indicativas de déficit de caixa, sem especificação da
situação específica de cada empreendimento.

Evidente que o regime cooperativo pressupõe o


rateio integral dos custos entre os associados. Tal rateio, porém, não
diz respeito a todo e qualquer empreendimento lançado pela
cooperativa, mas está circunscrito àquelas unidades, de determinado
conjunto habitacional.

A admitir-se tal cobrança, os cooperados


permaneceriam indefinidamente obrigados perante a cooperativa,
jamais quitando seu saldo devedor e pagando preço superior aos
verdadeiros custos de seu conjunto habitacional.

3. Em resumo, o que se conclui no caso


concreto é que a exigência de elevado saldo residual, após a entrega
das unidades e quitação de todas as parcelas, da forma como vem
sendo feita pela cooperativa, constitui comportamento contraditório, ou
venire contra factum proprium, que atenta contra o princípio da boa-fé
(cfr. Menezes de Cordeiro, Da Boa-Fé no Direito Civil, Editora
Almedina, Coimbra, 1997, p. 742).

Nesse mesmo sentido já decidiu esta Quarta


Câmara, quando do julgamento do Recurso de Apelação n-

Apelação Cível ne 990.10.128425-1 - SÃO PAULO - Voto n s 10.537 - L - fl. 6


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573.513.4/0-00, de minha relataria, em 18 de dezembro de 2008.


Menciono, ainda, o Recurso de Apelação n 2 632.429.4/6-00, no qual
também se reconheceu a abusividade de cobrança de saldo residual,
da forma como tem feito a BANCOOP.

Impõe-se, portanto, a manutenção da sentença


de parcial procedência da ação, confirmando-se a condenação da
cooperativa-ré.

Diante do exposto, pelo meu voto, nego


provimento ao recurso.

:
RANCISOÒ LOUREIRO
Relator

Apelação Cível n9 990.10.128425-1 - SÀO PAULO - Voto n 5 10.537 - L - fl. 7

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