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Curso de Direito

Mestrado em Direito
Disciplina: Arbitragem Internacional de Conflitos Negociais
Professor: Augusto Jaeger Junior

Os tratados internacionais de Direitos Humanos e a


Emenda Constitucional nº. 45

Aluno: Joel Saueressig


Introdução

Damião Ximenes Lopes foi internado na casa de repouso Guararapes em 1º de


outubro de 1999 para tratamento psiquiátrico. No dia 04 de outubro de
1999, apenas três dias após sua internação, veio a falecer. Apesar dos
visíveis sinais de maus tratos no corpo, a causa oficial de sua morte foi a de
“morte natural, por parada cárdio-respiratória”.

A irmã da vítima, insatisfeita, apoiou-se a ONG Justiça Global e ingressou na


Corte Interamericana de Direitos Humanos, para buscar reparação frente
ao Estado brasileiro, signatário da Convenção Americana sobre Direitos
Humanos.

O caso passou pelo procedimento adotado pela CIDH, sendo proferida


sentença na data de 4 de julho de 2006.
A sentença prolatada pela CIDH foi dividida em dano material, dano imaterial,
medidas de satisfação e garantias de não repetição.

Os danos materiais e imateriais em benefício de Damião Ximenes Lopes e de seus


familiares foram fixados no valor de US$ 125.000,00. As medidas de satisfação
e garantias de não repetição impostas ao Estado brasileiro, visavam a
prevenção de eventos como da natureza do ocorrido na Casa de Repouso
Guararapes, com uma série de normativas relativas aos cuidados de pessoas
portadoras de deficiência, bem como melhorias das condições de casas de
internação.

O incidente ocorrido no município de Sobral, Ceará, ainda não possui um desfecho


jurídico no ordenamento interno. Apesar de se passarem quase sete anos do
ocorrido, ainda não há sentença transitada em julgado em primeira instância na
esfera penal, prejudicando consequentemente, a reparação de danos na área
cível.
Restaram violados os artigos da Convenção Americana sobre Direitos Humanos de
San José, 1969:

Artigo 4. Direito à vida

Artigo 5. Direito à integridade pessoal

Artigo 8. Garantias judiciais

Artigo 25. Proteção judicial

Na sentença proferida pela CIDH restou materializado, o retrocesso constitucional


brasileiro a partir da EC nº. 45 que, como se irá melhor apreciar, trouxe uma
nova interpretação à recepção dos tratados internacionais de direitos humanos
pelo direito interno, causando uma série de discussões acerca de como
interpretar tais tratados.
Tratados internacionais e tratados internacionais de direitos
humanos
A necessidade de se regular os tratados internacionais resultou da Convenção
de Viena (1969). Limitou-se aos tratados celebrados entre os Estados
parte, consequentemente e em um primeiro plano, só validados entre os
signatários destes.

A ratificação de um tratado é diferente de sua assinatura. A CF/88 estabelece


em seu art. 84, inc. VIII, a competência privativa do presidente para
celebrar tratados internacionais.

Entretanto no art. 49, inc. I, é estabelecida a competência exclusiva do


Congresso Nacional para resolver sobre tratados internacionais.

Ocorre uma colaboração entre Executivo e Legislativo na aprovação de


tratados. Ou seja, a validade de tais tratados se estabelece por meio de um
ato complexo.
Ou seja, consagra o mecanismo dos freios e contrapesos (checks and balances).

Este mecanismo previne o abuso de poder entre os órgãos dos poderes internos. A
celebração dos tratados nesta concepção geram força jurídica obrigatória e
vinculante, atribuindo responsabilidade internacional do Estado signatário
violador.

Quanto aos tratados internacionais de direitos humanos, sua abordagem começa


pela interpretação do art. 5º., parágrafo 2º da CF/88:

§ 2º - Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem


outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos
tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.

Desta forma a CF/88 inclui no extensivo rol de direitos do art. 5º. os tratados
internacionais que o Brasil é signatário. Desta forma, até a EC nº. 45:

TRATADO INTERNACIONAL = NORMA CONSTITUCIONAL


Há um teleologismo que ao considerar do ponto de vista sistêmico as garantias
fundamentais estas estejam equiparadas às previsões dos tratados
internacionais relativos a direitos humanos.

O que ocorre, a princípio, é uma fusão do direito internacional de proteção aos


direitos humanos com o direito constitucional interno, acabando, ambos, por se
esforçarem a garantir estes direitos.

Estas metanormas constitucionais advindas de uma transnacionalização cada vez


mais abrangente reflete que há de se encontrar pelo direito internacional uma
identidade mundial acerca da questão de direitos humanos.

A esta flexibilidade legislativa se dá o nome de soft-law.


Tem-se então a CF/88 como incompleta normativamente, flexível e aberta. Ou, na
definição de Konrad Hesse, ordem jurídica fundamental e aberta da
comunidade.

O mesmo Konrad Hesse coloca que a interpretação constitucional relativa aos


tratados internacionais de direitos humanos, tem de se submeter ao princípio
da ótima concretização da norma.

Surge, por oportuno, a diferenciação entre tratados internacionais e tratados


internacionais de direitos humanos. Enquanto os primeiros possuem uma
hierarquia infraconstitucional, os segundos apresentam paridade normativa com
as normas constitucionais.

A CF/88 traz em seu art. 102, III, b:


Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da
Constituição, cabendo-lhe:
III - julgar, mediante recurso extraordinário, as causas decididas em única ou
última instância, quando a decisão recorrida:
b) declarar a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal;
Cabe observar que o artigo anteriormente citado não pode ser aplicado aos tratados
internacionais de direitos humanos, pois a mesma CF/88, como visto no
parágrafo 2º do art. 5º. equipara estes tratados a normas constitucionais.

Ou como a própria CIDH coloca na Opinião Consultiva n. 2 de setembro de 1982:


“Ao aprovar estes tratados sobre direitos humanos, os Estados se
submetem a uma ordem legal dentro da qual eles, em prol do bem comum,
assumem várias obrigações, não em relação a outros Estados, mas em
relação aos indivíduos que estão sob a sua jurisdição”.

É a perfectibilização do jus cogens, ou uma supra-legalidade internacional.

Estas considerações reforçam a desnecessária edição de atos com força de lei para
fazer valer os tratados internacionais de direitos humanos, pelo menos até a
edição da EC nº. 45.
Em sede de direito comparado, se nota a presença das regras constantes no
parágrafo segundo do art. 5º. em outras constituições:

Como exemplo, a Constituição Portuguesa de 1976 (art. 16, n.º 1) traz que os
direitos fundamentais consagrados na Constituição não excluem
quaisquer outros constantes das leis e das regras aplicáveis de direito
internacional, e que os preceitos constitucionais e legais relativos aos
direitos fundamentais devem ser interpretados e integrados em harmonia
com a Declaração Universal dos Direitos do Homem (art. 16, n.º 2).

A Constituição Espanhola reconhece em seu art. 9, n.º 2 que as normas relativas


aos direitos fundamentais e às liberdades que a Constituição reconhece
se interpretarão de conformidade com a Declaração Universal dos Direitos
Humanos e os tratados e acordos internacionais sobre as mesmas
matérias ratificadas pela Espanha. E no art. 96, n.º 1, os tratados
internacionais, logo que publicados oficialmente na Espanha farão parte
da ordem interna espanhola.
A Constituição Argentina, reformada em 1994, estabeleceu em seu artigo 75, inc.
22, que determinados tratados e instrumentos internacionais de proteção
de direitos humanos nele enumerados têm hierarquia constitucional e são
complementares aos direitos e garantias nela reconhecidos.

A Constituição do Peru de 1979, em seu art. 105, dispõe que os preceitos


contidos nos tratados de direitos humanos têm hierarquia constitucional e
não podem ser modificados senão pelo procedimento que rege a reforma
da própria Constituição.

A Constituição da Nicarágua de 1986 integra a enumeração constitucional de


direitos para fins de proteção aqueles consagrados na Declaração Universal
dos Direitos Humanos, na Declaração Americana dos Direitos e Deveres do
Homem, nos dois Pactos de Direitos Humanos das Nações Unidas e na
Convenção Americana sobre Direitos Humanos.

A Constituição da Guatemala de 1986 assegura que os tratados internacionais


de direitos humanos têm preeminência sobre o direito interno, nos termos
do art. 46. Igualmente a Constituição colombiana também adota tal postura, na
Carta de 1991.
Pode-se dizer, finalmente, que a CF/88 adota, nos termos do art. 5º, parágrafo 1º
uma concepção monista de recepção dos tratados internacionais de direitos
humanos, ou seja, incorporação automática, diferentemente do critério dualista
adotado para outros tratados internacionais.

Ainda, neste sentido, constituições como a da Alemanha, Portugal, França, Suíça –


através de doutrina e jurisprudência – Espanha e Áustria se enquadram na
recepção automática dos tratados internacionais de direitos humanos.

Ou, nas palavras de Antônio Augusto Cançado Trindade: “(...) desvencilhamo-nos


das amarras da velha e ociosa polêmica entre monistas e dualistas; neste
campo de proteção não se trata de primazia do direito internacional ou do
direito interno, aqui em constante interação: a primazia é, no presente
domínio, da norma que melhor proteja, em cada caso, os direitos
consagrados da pessoa humana (...)”.
Alteração advinda da Emenda Constitucional nº. 45

A leitura do art. 5º além de extensiva quanto ao rol das garantias, como invocado no
Caso Ximenes Lopes, que, no entendimento da CIDH restou violado consagra a
aplicabilidade direta da Convenção Americana sobre Direitos Humanos ao
direito interno.

O duelo travado entre as instituições de direito interno e externo e que refletem a


problemática abordada neste trabalho, configura, em síntese, as
incompatibilidades de conteúdo normativo expresso internamente.

O duelo entre o direito interno e o externo, foi provocado a partir da Emenda de nº.
45 à Constituição Federal de 1988, que acrescentou ao art. 5º o parágrafo
terceiro com a seguinte redação:

Art. 5º. (...)


§ 3º Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que
forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos,
por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes
às emendas constitucionais.
A citada EC atribuiu aos tratados que versam sobre direitos humanos o nível de
emenda, ou seja, através do acréscimo do parágrafo terceiro ao artigo 5º, para
um tratado internacional de direitos humanos valer como norma constitucional,
como anteriormente estava previsto, tem o mesmo de passar pelo crivo das
casas legislativas, obedecidas os ritos procedimentais.

Esta modificação, uma vez que acrescenta um novo parágrafo ao art. 5º, passa a
provocar uma antinomia constitucional.

Ao passo em que a redação do parágrafo segundo da Carta Política brasileira de


1988 impõe ao país um respeito aos direitos humanos – direitos relativos ao
homem em qualquer lugar em que ele se encontre, ou seja, de cunho
universalista – por sua vez, o parágrafo terceiro rebaixa esta mesma condição.
A Declaração Universal de 1948, que não é um tratado, além de teoricamente unir
os até então separados ideais de liberdade e igualdade, culminou para a criação
de um Direito Internacional dos Direitos Humanos.

Houve um processo de jurisdicização da Declaração (1949 – 1966):


Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos e o Pacto Internacional de Direitos
Econômicos, Sociais e Culturais.

Foi estabelecida, então, uma ordem de monitoramento, com uma sistemática de


relatórios enviados pelos Estados-partes sobre a violação ou não dos direitos
humanos.

A adesão brasileira a esta sistemática facilita o embarrassment político e moral do


Estado violador, o que no caso Ximenes Lopes ficou clarividente, tanto para as
questões de direito interno como para as questões de direito internacional.
Teoricamente, há uma negação expressa em texto de lei do rol dos direitos e
garantias do cidadão e um acréscimo negativo que gera um trâmite legislativo
para o reconhecimento de tratados internacionais de direitos humanos.

Cabe salientar que mesmo que doutrinadores e jurisprudência tragam


entendimentos confortáveis para os tratados internacionais de direitos humanos,
o que está em análise é a disposição literal da Constituição Federal de 1988 que
com a emenda retroage na proteção dos direitos e garantias da pessoa humana,
haja vista que o Brasil é fiel signatário de inúmeros tratados internacionais neste
tema. Dentre eles estão: Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos,
Protocolo Facultativo Relativo ao Pacto Internacional sobre Direitos Civis e
Políticos, Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais,
Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de
Discriminação Racial,
Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra a
Mulher, Convenção Contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis,
Desumanos ou Degradantes,
Convenção sobre os Direitos da Criança, Convenção Americana sobre Direitos
Humanos, entre tantos.
Toda a discussão acerca da EC n.º 45, se faz relevante pelo voto em separado na
sentença que condenou o Brasil no caso Ximenes Lopes do juiz Cançado
Trindade.

Sobre a figura normativa acrescida em nossa Constituição, o juiz discorre: “Esta


nova disposição busca outorgar, de forma bisonha, status constitucional,
no âmbito do direito interno brasileiro, tão só aos tratados de direitos
humanos que sejam aprovados por maioria de 3/5 dos membros tanto da
Câmara dos Deputados como do Senado Federal (passando assim a ser
equivalentes a emendas constitucionais). Mal concebido, mal redigido e
mal formulado, representa um lamentável retrocesso em relação ao
modelo aberto consagrado pelo parágrafo 2º do artigo 5º da Constituição
Federal de 1988 (…)”.

O conflito também se consagra com a leitura do inc. II do art. 4º da CF/88:


Art. 4º. A República Federativa do Brasil rege-se nas suas relações
internacionais pelos seguintes princípios:
II – prevalência dos direitos humanos.
Ainda, segundo o juiz: “Não está sequer demonstrada a constitucionalidade do
lamentável parágrafo 3º do artigo 5º, sem que seja minha intenção
pronunciar-me aqui a respeito; o que sim, afirmo no presente Voto (…) é
que, na medida em que o novo parágrafo 3º do artigo 5º da Constituição
Federal brasileira abre a possibilidade de restrições indevidas na
aplicabilidade direta da normativa de proteção de determinados tratados
de direitos humanos no direito interno brasileiro (podendo inclusive
inviabilizá-la), mostra-se manifestamente incompatível com a Convenção
Americana sobre Direitos Humanos (artigos 1(1), 2 e 29).”

Duas questões, inevitavelmente se fazem necessárias. A consideração de que a EC


nº 45 é inconstitucional, bem como se o acréscimo do parágrafo terceiro ao
art. 5º da Constituição Federal reflete no problema da hierarquia considerando
o texto original constitucionalmente e os tratados incorporados a posteriori.
Neste viés, o que se consolidou a partir da EC n.º 45 foi, como classificou o juiz
Cançado Trindade, um retrocesso normativo.

Conclui Cançado Trindade: “A garantia da não repetição de violações dos


direitos humanos, determinada pela presente Sentença da Corte
Interamericana no caso Ximenes Lopes (parágrafo 246, supra), passa
necessariamente pela educação e capacitação em direitos humanos. (…)
Daí a relevância da educação, formal e não-formal, em direitos humanos;
neste propósito, tornam-se essenciais a difusão e o melhor conhecimento
da jurisprudência protetora dos direitos da pessoa humana da Corte
Interamericana, cuja aplicabilidade direta se impõe no direito interno dos
Estados Partes”.
Flávia Piovesan coloca toda a problemática da EC n.º 45 e os tratados
internacionais de direitos humanos: “(...) considerando que estas hipóteses
estão tuteladas em tratados internacionais ratificados pelo Brasil, é a
União que tem a responsabilidade internacional em caso de sua violação.
Vale dizer, é sob a pessoa da União que recairá a responsabilidade
internacional decorrente da violação de dispositivos internacionais que
se comprometeu juridicamente a cumprir. Todavia, paradoxalmente, em
face da sistemática vigente, a União, ao mesmo tempo em que detém a
responsabilidade internacional, não detém a responsabilidade nacional,
já que não dispõe da competência de investigar, processar e punir a
violação, pela qual internacionalmente estará convocada a responder".
A citação anterior traz exatamente a dificuldade em se fazer cumprir e respeitar os
direitos humanos no ordenamento interno. Uma vez que nosso país não
consegue administrar as questões pertinentes, pois lhe falta organização
legislativa para tal, de outra banda acaba por arcar com este ônus na esfera
internacional, sendo responsabilizado pelas violações destes direitos.

A Convenção Americana sobre Direitos Humanos, documento que a CIDH julgou


que o Estado brasileiro acabou por violar, foi instituída em 1969. Toda a
tramitação legal para o Brasil ratificar tal documento finalizou-se com o Decreto
678 de 06 de novembro de 1992.

Assim, o país foi signatário da Convenção Americana sobre Direitos Humanos sob
o manto da Constituição de 1967. No entanto, sua ratificação se deu na nova
Carta Política brasileira de 1988.

E, consequentemente, após a EC nº. 45, tais tratados deixaram de ser


constitucionais para tornarem-se equivalentes a possíveis cláusulas
constitucionais.
Diferentemente e quanto ao entendimento da máxima corte brasileira, tais tratados
são considerados como leis ordinárias, seguindo o art. 102, III, b da
Constituição brasileira, qual seja:

Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda


da Constituição, cabendo-lhe:
III - julgar, mediante recurso extraordinário, as causas decididas em única ou
última instância, quando a decisão recorrida:
b) declarar a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal;
Ou, nas palavras do Ministro Moreira Alves: "Assim como não o afirma em
relação às leis, a Constituição não precisou dizer-se sobreposta aos
tratados: a hierarquia está ínsita em preceitos inequívocos seus, como os
que submetem a aprovação e a promulgação das convenções ao processo
legislativo ditado pela Constituição e menos exigente que o das emendas a
ela e aquele que, em conseqüência, explicitamente admite o controle da
constitucionalidade dos tratados (CF, art. 102, III, b)" (RHC 79785 / RJ,
julgado em 29.03.2000, publicado em 22.11.2002, Rel. Min. Moreira Alves,
Pleno).

A interpretação dada pelo STF convoca a leitura da expressão “tratado”. A letra


constitucional não menciona que tratados estão sobre o crivo do STF. Entretanto,
sabe-se que os tratados internacionais de direitos humanos, tratados que o Brasil
é signatário, representam a universalidade de direitos. Esta é a relevância de
uma nova avaliação pelo STF quanto ao texto constitucional e a EC nº. 45.
O STF já se manifestou sobre a matéria:

• "A Constituição qualifica-se como o estatuto fundamental da República. Nessa


condição, todas as leis e tratados celebrados pelo Brasil estão subordinados à
autoridade normativa desse instrumento básico. Nenhum valor jurídico terá o
tratado internacional que, incorporado ao sistema de direito positivo interno,
transgredir, formal ou materialmente, o texto da Carta Política" (STF, DJU
02.08.96, p. 25.794, ADIn 1.480-3, desp. do presidente em exercício, Min.
Celso de Mello).

•             "Inadmissível a prevalência de tratados e convenções internacionais


contra o texto expresso da Lei Magna (…). Hierarquicamente, tratado e lei
situam-se abaixo da Constituição Federal. Consagrar que um tratado deve ser
respeitado, mesmo que colida com o texto constitucional, é imprimir-lhe
situação superior à própria Carta Política" (STF, RTJ 121/270, RE 109.173-SP,
rel. Min. Carlos Madeira).
Ainda, referente à Constituição Federal de 1988, cabe mencionar o disposto no art.
,
60, § 4.º, IV que traz:

Art. 60. (...)


§4º Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir:
            IV – os direitos e garantias individuais.

Neste entendimento: se a abolição de direitos e garantias individuais está vedada


pela própria Constituição através do dispositivo citado, e considerando que o
Brasil é signatário dos tratados internacionais de direitos humanos, conforme o
parágrafo primeiro do art. 5º - recepção automática - o parágrafo terceiro
quando impõe o processo legislativo idêntico ao de uma aprovação de emenda
constitucional para os tratados mencionados, atribui à EC nº. 45 um status de
inconstitucionalidade, pois retira a validade dos tratados internacionais, que
como nos dizeres de Flávia Piovesan e Cançado Trindade, são, quando
relativos a direitos humanos, de conteúdo universal, ou seja, auto-aplicáveis
(self-executing) como nas constituições anteriormente mencionadas.
Conclusões

Na esteira das afirmações transcritas, o melhor exemplo seria a condução de uma


análise do direito interno e posteriormente do direito externo, especialmente
quanto às normas de proteção aos direitos humanos.

Especificamente quanto ao caso Ximenes Lopes, o estado do Ceará no ano 1994,


através de sua Casa Legislativa promulgou a lei nº. 13.491/04, com texto
referente ao pagamento de pensão mensal de R$ 308,00 à mãe de Damião
Ximenes Lopes pela sua morte na Casa de Repouso Guararapes.

O Brasil aprovou o dispositivo de lei nº. 10.216/01 sobre a proteção e os direitos


das pessoas portadoras de transtornos mentais e redirecionando o modelo
assistencial em saúde mental.

Entretanto, antes mesmo, com a Lei 8.080/90, havia a previsão no art. 2º: A
saúde é um direito fundamental do ser humano, devendo o Estado prover
as condições indispensáveis ao seu pleno exercício.
Estes exemplos de leis aprovadas em território nacional tendo como aporte a
legislação internacional de proteção aos direitos humanos – pois as leis internas
sobre proteção aos deficientes assim como aos direitos e garantias individuais
são baseadas em normas da ONU - demonstram toda a dificuldade e o conflito
normativo da legislação brasileira.

Cabe mencionar novamente o que traz o parágrafo primeiro do art. 5º da CF/88: As


normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação
imediata.

O conflito trazido à tona apenas reflete a necessidade voraz de positivismo do


legislador para fazer constar em documentos de direito interno direitos
universais, que não necessitam de estarem por assim dispostos. Consagra,
desta forma, a linha exacerbadamente procedimental de se fazer valer um direito
– no caso em análise a submissão dos tratados internacionais ao processo
legislativo, mesmo o Brasil sendo signatário.

Desta forma, o intérprete da norma constitucional tem de se valer da hermenêutica


jurídica para entender o que a EC nº. 45 fez com o art. 5º da CF/88.
No viés de que a Constituição é o grande Código, o que filtra o que é direito e o
que não é direito, os constitucionalistas, neste entender, pecaram conferindo o
procedimento de emenda aos tratados sobre direitos humanos – não
receptividade.

O juiz Cançado Trindade menciona na referida sentença do Caso Ximenes Lopes a


inclusão do parágrafo terceiro ao art. 5º: “modificá-lo, para adaptá-lo -
melhor dizendo, aprisioná-lo - à tese hermética e positivista da
‘constitucionalização' dos tratados, implicaria a meu ver um retrocesso
conceitual em nosso país neste particular. Há que ir mais além da
`constitucionalização' estática dos tratados de direitos humanos. Aqui,
novamente, se impõe uma mudança fundamental de mentalidade, uma
melhor compreensão da matéria. Não se pode continuar pensando dentro
de categorias e esquemas jurídicos construídos há várias décadas, ante a
realidade de um mundo que já não existe”.
E, ainda coloca: “Os triunfalistas da recente inserção do parágrafo 3º no artigo
5º da Constituição Federal brasileira, reféns de um direito formalista e
esquecidos do Direito material, não parecem se dar conta de que, do
prisma do Direito Internacional, um tratado como a Convenção Americana
ratificado por um Estado o vincula ipso jure, aplicando-se de imediato e
diretamente, quer tenha ele previamente obtido aprovação parlamentar por
maioria simples ou qualificada. Tais providências de ordem interna, - ou,
ainda menos, de interna corporis, - são simples fatos do ponto de vista do
ordenamento jurídico internacional, ou seja, são, do prisma jurídico-
internacional e da responsabilidade internacional do Estado, inteiramente
irrelevantes”.

Finalmente, o que se pode vislumbrar é que a recepção automática destes tratados


podem fazer parte da Constituinte brasileira, obedecendo a princípios como in
dubio pro dignitate. Desta forma, se alcançaria um nível de concordância pela
solução final mais apurada. E, cabível lembrar, que uma nova reforma ao
parágrafo terceiro do art. 5º, também via emenda constitucional, solucionando
os problemas de hermenêutica que enfrentam os intérpretes das normas
constitucionais seria possível, pois tal possibilidade permanece em aberto.

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