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Ana Paula Soares Fontes, Eloi Teixeira César e Heloisa Beraldo

O cancêr é uma das doenças mais importantes na atualidade, constituindo a segunda maior causa de mortes nos países
industrializados depois das doenças cardiovasculares. A introdução, a partir de 1978, do complexo cis-diaminodicloroplatina(II), de
nome comercial “cisplatina”, na quimioterapia do câncer, representou um marco na história da Química Inorgânica Medicinal, e
constituiu um importante avanço no tratamento de diversos tipos de tumores. Desde então, desenvolveu-se uma intensa busca por
novos complexos metálicos que também apresentassem atividade antitumoral, o que levou à descoberta de outros complexos de
platina que atualmente são utilizados em clínica médica. Neste artigo são discutidos os mecanismos de ação farmacológica desses
compostos, que estão relacionados à ligação da platina com as bases nitrogenadas do DNA. Mostraremos que complexos de outros
íons metálicos também podem apresentar atividade antitumoral, apesar de ainda não serem utilizados na clínica.


Química Inorgânica Medicinal, antitumorais, complexos de platina

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Introdução tina 3 e carboplatina 4, Figura 1). Entretanto, as propriedades antitu-


morais de compostos contendo pla-
A descoberta das propriedades

A
palavra câncer vem do latim tina só foram descobertas mais de um
“cancer”, que significa caran- antitumorais do “cisplatina” século após a descrição dos com-
guejo. Esse nome se deve à O estudo de complexos metálicos postos de Reiset e Peyrone. No final
semelhança entre as pernas do crus- para uso na quimioterapia teve gran- da década de 60 do século XX, Barnet
táceo e os vasos do tumor, que se de impulso depois da descoberta das Rosenberg, um físico, então traba-
infiltram nos tecidos sadios do corpo. propriedades antitumorais do cis- lhando na Universidade do Estado de
O câncer, um conjunto de doen- diaminodicloroplatina(II)], Michigan, nos Estados Unidos, pro-
ças causadas pela multiplicação des- cis[Pt(NH 3) 2Cl 2], comumente cha- curava estudar os efeitos do campo
controlada de células anormais, é a mado “cisplatina”, e que é um dos elétrico em uma cultura de bactérias
segunda maior causa de morte nos compostos mais utilizados no Escherichia coli. Rosenberg observou
países industrializados depois das tratamento do cân- que a divisão celular
doenças cardiovasculares, onde uma cer hoje em dia. O câncer, um conjunto de era inibida, e durante
em cada quatro pessoas adquire a Esse complexo doenças causado pela o processo, as célu-
doença e uma em cinco morrerá. O foi primeiramente multiplicação las de E. coli, como
Ministério da Saúde estima que em descrito por Reiset descontrolada de células não podiam se divi-
2005 serão registrados 467.440 novos em 1844 e, um ano anormais, é a segunda dir, cresciam forman-
casos de câncer em todo o Brasil. após, Peyrone des- maior causa de morte nos do filamentos alon-
Os três principais tipos de trata- creveu um outro países industrializados, gados. Uma descri-
mento do câncer são a radioterapia, composto com a onde uma em cada quatro ção interessante da
a cirurgia e a quimioterapia, sendo es- mesma fórmula mo- pessoas adquire a doença descoberta desses
sa última objeto de estudo nas últimas lecular, sendo que e uma em cinco morrerá efeitos pode ser en-
quatro décadas. apenas em 1893 contrada no sítio
Atualmente a quimioterapia do cân- Werner propôs serem os dois com- www.chemcases.com/cisplat, onde
cer utiliza-se tanto de compostos or- postos isômeros: o complexo de se acham também fotografias em
gânicos (por exemplo: taxol, 1 e vim- Reiset correspondia ao isômero trans microscópio eletrônico de E. coli e de
blastina, 2, Figura 1) quanto de com- (5, Figura 2) e o de Peyrone à forma E. coli em meio contendo cisplatina.
plexos metálicos (por exemplo: cispla- cis (3, Figura 1). Iniciou-se então uma busca pelos

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mento com esse composto. Atual-
mente o cisplatina é usado em vários
outros tipos de neoplasias, como cân-
cer de pulmão, cabeça, esôfago,
estômago, linfomas, melanoma,
osteossarcoma, de mama e cérvix,
sobretudo em associação com outras
drogas, em vários esquemas terapêu-
ticos. No Brasil, um dos nomes co-
merciais do cisplatina é “Platinil®”
(Figura 3).
A descoberta das propriedades
antitumorais do cisplatina constituiu
um marco na história da Química Me-
dicinal, a qual inicialmente dedicava-
se principalmente ao estudo de com-
postos orgânicos e produtos naturais.
Depois dessa descoberta pode-se di-
zer que se abriu uma nova perspec-
tiva, com a inclusão de complexos
metálicos como possíveis agentes
terapêuticos. Desde então vários tra-
Figura 1: Alguns compostos utilizados no tratamento do câncer: 1: taxol; 2: vimblastina; balhos se dedicaram a investigar o
3: cisplatina e 4: carboplatina. mecanismo de ação do cisplatina e
compostos correlatos no organismo.
14 possíveis agentes responsáveis pelo A partir desses resultados, uma Esses estudos mostraram que, an-
fenômeno, e as pesquisas mostraram série de complexos de platina foi sin- tes de alcançar as células, os comple-
que a platina do eletrodo se dissolvia tetizada e submetida a testes em xos passam por reações de substi-
no meio de cultura, que continha sais camundongos portadores de sarco- tuição, sendo a mais importante a
de amônio, para formar espécies ma-180, um modelo de tumor usado reação de hidrólise. A Figura 4 mostra
complexas do metal. Levou-se em para ensaios farmacológicos. Os o processo de hidrólise do cisplatina.
consideração a hipótese de formação compostos que se mostraram mais Do lado externo da célula, no plas-
do sal (NH4)2[PtCl6], que foi então eficazes eram todos neutros e de ma sangüíneo, a concentração de
sintetizado e testado nas mesmas configuração cis e, dentre eles, o que cloreto é alta (cerca de 100 mmol/L),
condições da experiência inicial. Com apresentou maior atividade foi o cis- o que impede a hidrólise dos ligantes
as soluções recém-preparadas o fe- diaminodicloroplatina(II) (3, cisplatina, cloretos, e mantém o cisplatina no es-
nômeno não se repetia, mas após Figura 1), que provocou a regressão tado neutro. Após entrar na célula, a
alguns dias em repouso e expostas total do tumor em 36 dias, enquanto diminuição na concentração de clo-
à luz, ao serem novamente testadas, o seu isômero, trans-diaminodiclo- reto (cerca de 4 mmol/L) permite a
as soluções causavam a filamentação roplatina(II) (5, transplatina, Figura 2), hidrólise do complexo, formando ou-
das bactérias. Mais tarde mostrou-se se mostrou inativo. tras espécies que podem reagir mais
que ocorria uma reação fotoquímica, Já no início da década de 70, o prontamente.
ocasionando a troca de Cl– por NH3 cisplatina começou a
na esfera de coordenação da platina. ser submetido a testes
Foram então sintetizados os com- clínicos, inicialmente
plexos cis-[Pt(NH 3 ) 2 Cl 4 ] e trans- em pacientes terminais
[Pt(NH3)2Cl4], sendo que com o com- e posteriormente em
posto cis repetiram-se os resultados tumores localizados,
biológicos iniciais e o composto trans como câncer de testí-
se mostrou inativo. culo e ovário, tendo
sido lançado no mer-
cado americano em
1979. O carcinoma tes-
ticular, que era quase
sempre letal, tornou-se
curável em cerca de
Figura 2: trans-[(diaminodicloro)plati- 80% dos casos quan- Figura 3: Uma das formas comerciais do cisplatina (produ-
na(II)]. do submetido ao trata- zida por Quiral Química do Brasil S.A.).

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ligação da platina é feita com
o DNA e a outra com uma pro-
teína ou aminoácido.
A Figura 6 ilustra as ligações intra-
fita e interfitas da platina com o DNA.
Para o cisplatina, o aduto encon-
trado em maior quantidade é o que
corresponde à ligação intrafita, envol-
vendo bases guaninas adjacentes, o
que sugere ser a formação desse adu-
to o maior responsável pela sua ativi-
dade anticancerígena, uma vez que
provoca lesões mais difíceis de serem
reparadas. A habilidade do cisplatina
de se ligar ao DNA e de distorcer sua
estrutura sugere que o composto inter-
fere no funcionamento normal desse
componente celular.
Os processos de replicação e de
Figura 4: Hidrólise do cisplatina. transcrição do DNA são essenciais
para a divisão celular e para a produ-
Após sofrer hidrólise no meio in- estável é com o nitrogênio da guani- ção de proteínas. Qualquer agente
tra-celular, uma das questões a ser na, em razão da possibilidade de for- que interfira nesses processos pode
respondida era a de qual seria o alvo mação de ligação de hidrogênio do ser citotóxico. A inibição da replicação
biológico do complexo, já que muitos grupo NH3 do cisplatina com o oxigê- do DNA sugere que o composto po-
componentes celulares, como o DNA, nio da guanina, conforme a Figura 5. deria causar a morte das células can-
Esta interação não ocorre com a ade- 15
o RNA e as proteínas podem interagir cerosas ao bloquear sua habilidade
com a platina. nina.
Vários tipos de adutos com o DNA
Como age o cisplatina? podem ser formados. Os principais
Atualmente, há um consenso de são:
que o alvo principal do cisplatina é o • Adutos monofuncionais → cada
DNA, macromolécula constituída por átomo de platina faz apenas uma li-
duas fitas, cada uma delas composta gação com o DNA.
por uma seqüência de nucleotídeos, • Adutos bifuncionais → cada
os quais por sua vez são formados por átomo de platina se liga a duas po-
três diferentes tipos de moléculas: um sições do DNA. Este tipo de ligação
açúcar, um grupo fosfato e uma base pode ocorrer de três formas:
nitrogenada. As bases nitrogenadas • Intrafita: quando as duas liga-
podem ser púricas (guanina e adenina) ções ocorrem na mesma fita
ou pirimídicas (citosina e timina). do DNA.
A ligação da platina com o DNA • Interfitas: quando cada liga-
ocorre preferencialmente através de ção é feita em uma fita dife-
um dos átomos de nitrogênio de gua- rente do DNA.
nina ou de adenina. A interação mais • Intermolecular: quando uma

Figura 6: Adutos intrafita (em cima) e inter-


fitas (em baixo) entre cisplatina e as bases
Figura 5: Interações da platina com as bases adenina (a) e guanina (b). do DNA.

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de sintetizar novas moléculas de abandonador, que deve apresentar A Figura 7 mostra outros compos-
DNA, necessárias para a divisão ce- labilidade moderada, sendo o cloreto tos de platina que apresentam algum
lular. (Cl–) o mais amplamente utilizado. tipo de atividade citotóxica: trans-1,2-
Complexos com ligantes fortemente diaminocicloexanooxalatoplatina(II)
Alguns obstáculos ao uso do cisplatina coordenados, como NO2– ou SCN–, (6, oxaloplatina), que vem sendo usa-
e a busca de novos compostos são inativos. Uma exceção a essa últi- do para o tratamento de câncer color-
Alguns obstáculos, entretanto, têm ma generalização são os complexos retal, além de ter se mostrado ativo
sido enfrentados no uso do cisplatina: contendo ligantes bidentados dicar- em células resistentes; cis-diaminogli-
o surgimento de resistência celular, a boxilatos, que mostram atividade, e colatoplatina(II) (7, nedaplatina), que
baixa solubilidade em água e o estrei- que devido à sua recebeu aprovação
to espectro de atividade, além de gra- menor reatividade, ...cerca de 3000 para uso clínico no
ves efeitos colaterais, como neuro-to- causam menos efei- complexos de platina já Japão e 1,2-diami-
xidez, nefro-toxidez e toxidez ao trato tos colaterais. Já foram sintetizados e nometilciclobutano-
intestinal, que se manifestam através complexos com li- submetidos a ensaios de lactatoplatina(II) (8,
de náuseas e vômitos intensos. Os gantes muito lábeis, atividade antitumoral, mas lobaplatina) que foi
efeitos adversos surgem principal- como o nitrato (NO3–), somente alguns mostraram aprovado em testes
mente pela complexação do cisplati- são muito tóxicos e atividade comparável à do clínicos de fase II na
na com proteínas e peptídeos, como não mostram ativida- cisplatina China (testes clíni-
por exemplo a glutationa, o que leva de antitumoral. cos são aqueles rea-
ao seu acúmulo no organismo e con- Os ligantes que permanecem na lizados em pacientes, para verificar
seqüente toxidez. A toxidez renal esfera de coordenação da platina, ou vários aspectos do medicamento,
pode ser reduzida por meio de pré e seja, aqueles que não são substituí- como eficácia e toxidez).
pós-hidratação intensa do paciente e dos no organismo, devem ser grupos Comparados aos complexos de
do uso de manitol para aumentar a relativamente inertes, como as ami- platina(II), os complexos de platina(IV)
diurese, além da diluição do medica- nas. Podem ser mono ou bidentados, são geralmente menos ativos quando
16 mento em solução salina hipertônica. estes últimos formando preferencial- submetidos a testes de atividade in
Com o objetivo de se obter com- mente com a platina anéis que sejam vitro. Alguns desses compostos foram
postos mais eficazes e menos tóxicos, energeticamente favoráveis, como os submetidos a testes clínicos, como
cerca de 3000 complexos de platina já de cinco ou seis membros. Esses li- por exemplo o complexo denominado
foram sintetizados e submetidos a en- gantes acompanham o átomo de pla- JM-216 (9, Figura 8) que gerou gran-
saios de atividade antitumoral, mas tina até o seu alvo no interior da célula, de expectativa por ter potencial para
somente alguns mostraram atividade e assim modulam a citotoxidez e o ser administrado oralmente, já que
comparável à do cis- efeito antitumoral drogas contendo platina(IV) são mais
platina. Alguns obstáculos têm sido dos complexos. estáveis em meio ácido, podendo
Estudos relacio- enfrentados no uso do Em 1987, o com- assim resistir às condições apre-
nando estrutura quí- cisplatina: o surgimento de posto diamino(1,1-
mica com atividade resistência celular, a baixa ciclobutanodicarbo-
biológica mostraram solubilidade em água, o xilato) platina(II), (car-
que a atividade anti- estreito espectro de boplatina, 4, Figu-
neoplásica de com- atividade e graves efeitos ra 1), foi aprovado
postos de platina colaterais associados a para comercializa-
estava relacionada toxidez, entretanto... ção. O carboplatina
aos isômeros cis, já apresenta basica-
que os correspondentes isômeros mente o mesmo espectro de ativida-
trans se mostravam inativos. Contudo, de do cisplatina, porém com efeitos
na literatura já se encontram descritos colaterais reduzidos. Infelizmente,
complexos com geometria trans que apesar de ser melhor tolerado, o car-
apresentam alguma atividade. boplatina não atua em células resis- Figura 8: Composto JM-216, de platina
Os complexos devem ser, prefe- tentes ao cisplatina. (IV).
rencialmente, eletricamente neutros,
pois se presume que esses atraves-
sem a membrana celular mais facil-
mente do que aqueles que possuem
carga.
Como um complexo de platina so-
fre reações de substituição de ligan-
tes no organismo, ele deve ter em sua Figura 7: Estrutura de alguns complexos de platina com relevante citotoxidez: 6,
estrutura um grupo denominado oxaloplatina; 7, nedaplatina; 8, lobaplatina.

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sentadas pelo estômago. Contudo,
em razão de sua baixa absorção celu-
lar, o composto foi descartado na fase
II de testes clínicos.
Uma vez que os complexos de
platina(IV) passam por reações de
substituição dos ligantes mais lenta-
mente que seus análogos de plati-
na(II), acredita-se que sua atividade
antitumoral se manifeste após sua re-
dução, in vivo, ao derivado de pla-
tina(II). Figura 11: Estrutura genérica das tiosse-
Além dos complexos monometá- micarbazonas 12, e estrutura dos comple- Figura 12: Estrutura genérica dos carbo-
licos, uma outra classe de compostos xos de paládio, M = Pd (II) e platina, M = xilatos de ródio.
de platina bastante estudada e pro- Pt(II) com fenilacetaldeído tiossemicar-
missora é aquela em que os comple- bazona 13.
xos apresentam duas unidades de
platina ligadas por uma diamina de postos se ligam ao DNA através de
comprimento de cadeia carbônica coordenação interfitas, ao contrário
variável. Os primeiros complexos des- do cisplatina, que se liga predominan-
critos desse tipo (10 com n = 4 a 6, temente a duas guaninas na mesma
Figura 9) apresentaram o mesmo fita, ou seja, através de coordenação
efeito citotóxico do cisplatina em célu- intrafita (ver Figura 6). Acredita-se que
las sensíveis e um efeito significati- seria esta a razão pela qual os com-
vamente maior em células resistentes. plexos de tiossemicarbazonas se
Mais recentemente, Nicholas Far- mostram ativos nas células resisten-
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rell, um dos pesquisadores atualmen- tes. Exemplos interessantes de com- Figura 13: Complexo de rutênio com
te mais renomados por seus traba- plexos ativos em células tumorais imidazol, trans-[(Im)2Cl4Ru]–.
lhos sobre antitumorais de platina, resistentes ao cisplatina seriam aque-
descreveu a síntese de um novo com- les de paládio(II) e platina(II) de fenila- imidazol, como por exemplo o trans-
plexo contendo três unidades de pla- cetaldeído tiossemicarbazona (13, [(Im)2Cl4Ru] – (15, Figura 13), têm se
tina (BBR 3464, Figura 10), o qual Figura 11). mostrado efetivos contra câncer de
também tem mostrado resultados cólon, e seu mecanismo de ação
promissores. Outros compostos metálicos que poderia estar relacionado a reações
Alguns complexos de platina e pa- apresentam atividade antitumoral redox envolvendo espécies de
ládio com ligantes orgânicos, como (in vivo) ou citotóxica (in vitro) rutênio(III) e rutênio(II), que podem
tiossemicarbazonas (12, Figura 11), Dentre os complexos metálicos, provocar a quebra das fitas de DNA.
têm se mostrado ativos em células apenas os de platina têm sido utiliza- Compostos de ouro, como a aura-
tumorais resistentes ao cisplatina. dos na clínica médica até o momento. nofina (16, Figura 14), têm sido utili-
Investigações a respeito do mecanis- Entretanto, compostos contendo vá- zados há muito tempo para o trata-
mo de ação sugerem que esses com- rios outros íons metálicos apresentam mento de artrite reumatóide, mas têm
atividade antitumoral in vitro e in vivo sido também investigados quanto às
e seus mecanismos de ação podem suas propriedades antitumorais.
não envolver ligação direta ao DNA. Podem-se destacar ainda outros
Compostos de ródio contendo derivados de ouro(I) com fosfinas. A
ligantes carboxilatos (14, Figura 12) Figura 14 mostra também a estrutura
são muito estudados, tendo apresen- de um destes compostos, o bis[1,2-
tado atividade antitumoral relevante. bis(difenilfosfino)etano]ouro(I), 17,
Figura 9: Complexos dinucleares de que tem apresentado um grande
Esse íon metálico tem grande
platina. espectro de atividade antitumoral in
afinidade pelo grupo sulfidrila (SH)
presente em vá- vivo.
rias proteínas e en- Vários compostos organoestâni-
zimas que partici- cos, como por exemplo os de polio-
pam da síntese do xalquilcarboxilatos ([SnR3OC=OR’]n
DNA, podendo R = fenil ou n-butil, R’ = CH 3 O
inibi-la. (CH2CH2OCH2)x, x = 1 ou 2) têm se
Complexos de mostrado mais ativos do que cispla-
Figura 10: Complexo trinuclear de platina (BBR 3464). rutênio contendo tina in vitro. Alguns compostos

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por esses complexos levou ao de-
senvolvimento de várias linhas de
pesquisa, que possibilitaram o en-
tendimento do seu mecanismo de
ação e de seu comportamento den-
tro do organismo. Muitos com-
plexos de platina e de outros metais
encontram-se em fase de investi-
Figura 14: Estruturas de complexos antitumorais de ouro(I) com fosfinas: 16: aurano- gação clínica e vários continuam
fina; 17: bis[1,2-bis(difenilfosfino)etano]ouro(I). sendo sintetizados nos laboratórios
de pesquisas. Espera-se que futu-
organoestânicos com tiossemicar- às suas propriedades antitumorais. ramente outros compostos metá-
bazonas mostram-se ativos como Dentre eles podemos citar os de licos possam vir a ser utilizados
agentes citotóxicos em células de tu- arsênio, antimônio, bismuto, ferro, titâ- para o tratamento do câncer.
mores mamário, renal e melanomas, nio, vanádio, gálio, nióbio e molibdê-
em doses até cem vezes inferiores nio. Ana Paula Soares Fontes (ana.fontes@ufjf.edu.br),
àquelas de algumas drogas orgâni- doutora em Química pela Universidade Federal de
cas usadas na clínica. O mecanismo Conclusões Minas Gerais, é professora adjunta do Departamento
de Química da Universidade Federal de Juiz de Fora.
de ação desses compostos encontra- Conforme apresentamos no de- Eloi Teixeira César (etc@joaoxxiii.ufjf.br), doutor em
se em fase de investigação. No caso correr deste trabalho, a descoberta Química pela Universidade Federal de Minas Gerais,
das tiossemicarbazonas, a idéia seria das propriedades antitumorais do é professor de Química do Colégio de Aplicação
a de reunir propriedades citotóxicas cisplatina e o uso clínico de com- João XXIII da Universidade Federal de Juiz de Fora.
Heloísa Beraldo (hberaldo@ufmg.br), doutora pela
dos sais de estanho às do ligante plexos de platina no tratamento do Université Paris VI, França, é professora titular do
orgânico, procurando-se obter efeitos câncer constituíram um dos maio- Departamento de Química da Universidade Federal
sinergísticos. Outros compostos inor- res sucessos da Química Inorgâni- de Minas Gerais. Todos os autores trabalham na área
gânicos têm sido investigados quanto ca Medicinal. O interesse gerado de Química Inorgânica Medicinal.
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Abstract: Cancer is the second major cause of death in industrialized countries, following behind cardiovascular diseases. Approval of cis-diamminedichloroplatinum(II), “cisplatin”, for clinical use
in 1978, represented an important step in the history of Inorganic Medicinal Chemistry and a significant advance in the treatment of a variety of tumors. Since the introduction of “cisplatin”, thousands
of platinum compounds have been synthesized and evaluated and some have achieved clinical use. In the present article, we discuss the pharmacological mechanisms of action of these
complexes, which are related to the ability of platinum to bind to DNA. Moreover, other metal complexes can also exhibit antitumoral activity, but there are none in clinical use so far.
Keywords: Inorganic Medicinal Chemistry, antitumorals, platinum complexes

CADERNOS TEMÁTICOS DE QUÍMICA NOVA NA ESCOLA A Química Inorgânica na terapia do câncer N° 6 – JULHO 2005

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